Sweet Misery Street-rua Doce Miseria escrita por MANDAHSOARES


Capítulo 3
Incognita




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Aquela frase dita tão seca e verdadeiramente caiu em meus ouvidos como uma piada absurda.Eu dei um riso sem graça que logo se transformou numa gargalhada alta e contínua,ecoando naquela enorme rua vazia,tentei me apoiar em meus joelhos,a risada tomava conta do meu frágil corpo humano e pobremente mortal, como se eu as vomitasse por não caberem mais ali.

Tão logo quanto começou eu parei de rir e fitei a garota em minha frente,ela não estava irritada ou impaciente,afinal,eu já deveria imaginar naquela altura do campeonato que uma garota sozinha às 3h numa ponte dizendo que ia se matar não deveria ter reações normais,exceto pelo fato de que ela não poderia saber que eu iria me matar,no mínimo uma figura odiosa como eu assustaria qualquer ser.Ela estava da mesma maneira de antes,imóvel,seus olhos me fitando,sem expressão alguma neles.Eu a encarei longamente,uma curiosidade terrível tomando conta de mim,transbordando de minhas entranhas.

Qualquer pessoa,imagino,deve conhecer essa sensação, à vontade, o desejo agonizante de querer descobrir algo, uma ânsia devoradora e dolorosa. Eu poderia dizer que é quase tão ruim quanto à solidão. Eu poderia, mas não posso por essa não ser a verdade. Nós alimentamos a curiosidade. A solidão se alimenta de nós, até onde for possível, então somos engolidos. É um jogo onde sempre sabemos quem vence.

O silêncio agora era perturbador, não que eu não estivesse acostumado com ele, porém eu havia chegado ali determinado a alcançar o estopim da mortalidade, o tão sonhado fim, e me era apresentado uma incógnita indesejada e tentadora.

Meus pensamentos foram cortados ao meio como uma faca rasga um véu negro. Com a única diferença que não era uma faca, mas sim uma voz muito nítida e delicada.

- Porque você ri?

Ela falava pausadamente, seus lábios pálidos e secos se mexendo e roçando um no outro devagar.

Respondi com outra pergunta.

- Porque as pessoas riem?

- As pessoas riem quando estão vivas.

-Então sabe por que eu rio.

-Não, não sei. Eu disse que as pessoas riem quando estão vivas, pois foi o que me perguntou, no entanto, a minha pergunta era porque VOCÊ ri.

-Eu sou uma pessoa, ora essa.

-Sim, porém, as pessoas riem quando estão vivas, mas não é necessário estarem vivas para rir.

-Você quer dizer que eu não estou vivo?

Era um diálogo seco e vago, qualquer humano estranharia aquele papo sem sentido. Qualquer humano.

- A maioria costuma achar triste recebermos a dádiva da vida se uma hora ou outra iremos morrer. Viver e morrer. É a ordem natural. Mais triste é quando se morre estando vivo.

 

A maioria ri ou chora de acordo com o que está sentido em determinado momento, são sensações, sentimentos. É preciso sentir para sabermos que estamos vivos.

Como você sabe que está vivo?Por que o seu coração bate? Por que você respira?Isso é o suficiente?Isso te prova algo quando você já não sente nada, nem mesmo a falta de sentidos?

Você ri por costume, não há mais vontade nessa ação, seria o mesmo se você chorasse, não haveria diferença alguma. Não é real.

Ela havia vomitado aquelas palavras num frenesi que beirava a insanidade e fez com que a minha mente trouxesse à tona uma lembrança a muito esquecida,de tempos já abandonados e sepultados,coisas que há muito não subiam à torrente de pensamentos obscuros da qual se alimenta a tolice humana.Aproveitei aquele breve instante no qual podemos sentir e saborear o gosto das recordaçoes e lambi os beiços para que estes não se esquecessem tao logo quanto eu.

 

 

Foi numa tarde de agosto, e quem olhasse para o ceu poderia contemplar diversas nuvens contornadas por uma linha tenue e alanrajada.O entardecer é sempre tao monotono que vez por outra,nos meus tempos de infancia eu corria ate o quarto e me escondia embaixo dos travesseiros para esquece-lo,eu imaginava o adeus do sol como uma melodia triste e saudosa que insistia em tamborilar suas notas agudas em meus inocentes ouvidos.A inocencia que so uma crianca possui,e perde tao rapidamente.

Voltemos para aquela enfadonha tarde.Voltemos para a doce Marrie.

Costumavamos brincar nos campos longe da cidade,em especial brincavamos proximo a um poço antigo e rodeado de altas pedras parecidas com marmore.As outras criancas não gostavam de mim e eu tampouco delas.Os garotos mais velhos caçoavam com meus cabelos ruivos e foram inumeras as vezes em que eles me encurralavam e davam-me socos e pontapes.

Um dia Marrie apareceu e os insultou – com a ingenuidade que so uma garotinha que acabara de completar 8 anos poderia ter – eles riram dela mas foram embora e me deixaram em paz.Daquele dia em diante nos tornamos melhores amigos,eu e minha defensora.Talvez fosse o que as pessoas chamam de “primeiro amor”,no entanto eu não pensava nada disso na epoca,e hoje acredito que tenha sido o sentimento mais puro que desabrochou em meu coracao,para logo após morrer e racha-lo ao meio com suas ferteis raizes.

A pequena Marrie foi como os primeiros raios do astro-rei que desponta no ceu matutino quando imaginamos que a noite sera eterna.Ela tinha olhos cor de rum e a pele rosada,e parecia uma boneca com os cabelos louros cor d'ouro enrolados ate a cintura.

E assim como o sol nasce uma vez ao dia,ele morre ao sem findar.

Sim,ele morre.

 


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Notas finais do capítulo

review! ou quem cai da ponte eh voce u.u HOHO



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