Saint Seiya Memórias: História Oculta Do Santuário escrita por Katrinnae Aesgarius


Capítulo 76
Livro 2 :: Dualidade - Ato 29


Notas iniciais do capítulo

Primeiramente quero pedir desculpas a tudo e a todos que acompanham essa fic pelo longo hiato.
Tentei retomar inúmeras vezes, mas mergulhei num bloqueio horrível e acho que foi por esgotar-me mentalmente por estar em três histórias distintas. Quando pensei voltar no segundo semestre de 2019 tomei um baque que me frustrou e desanimou escrever. Tentava de novo e veio a pandemia gerando preocupação, medo, ansiedade, paranoia, raiva, desespero... Era uma soma de sentimentos tão ruins que me fazia olhar para o editor, com as ideias fluindo e sem saber como passar as ideias para o papel. Porém, finalmente, consegui e adiantei bons capítulos, o que me deu mais segurança de prosseguir e agradeço a Draconnasti por sempre me apoiar e paciência.

Esse capítulo é longo, os próximos não serão diferentes. Manterei a média, algumas vezes com algumas páginas a mais com muita tensão, revelações, batalhas e reflexões. Espero que continuem acompanhando porque eu REALMENTE QUERO fechar a fic para dar seguimento a outros projetos dentro desse mesmo universo.

Boa leitura e já agradeço a todos pelo carinho e compreensão. :)



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“Há... quanto tempo... estou... aqui...?", questionou-se Kanon deitado no que parecia ser o chão e de onde poderia ver o universo transitando indefinidamente. Não era diferente as paredes ou mesmo o céu daquele espaço dimensional. Em seu âmago, não sentia fome nem sede nem mesmo sono, somente um cansaço e um sentimento de impotência naquela prisão.  

“O que... diabos... pretende com... com isso... Saga... ou quem quer que... seja você...?”, pensou novamente, fechando o punho e levantando-se mais uma vez para olhar à sua volta, novamente em vão.   


──────────•∰•──────────

Saga mantinha-se parado no centro de seu templo, com o olhar parado, aparentemente, para o vazio. No entanto, seus olhos carmesins fitavam muito além. Ouvia os gritos e os golpes deferidos naquele vazio enquanto um discreto sorriso desenhava em seu rosto. 

“Falta muito pouco...”, pensava quando sentiu uma presença familiar se aproximar, virando-se na direção de seu visitante ainda acobertado pelas sombras do templo.  

— Soube que esteve me procurando. — disse Selene se aproximando em sua indumentária de prata e ainda com sua máscara. — Lamento por meu sumiço, mas foram tantos acontecimentos que...  

— Eu sei. — respondeu ele brevemente caminhando em direção da luz, também com sua indumentária dourada e trazendo o elmo em seus braços, deixando os cabelos castanhos esvoaçando junto com a capa. — Soube que foi você que encontrou a bebê. Athena... — Baixou a cabeça, e sorriu. — Por mais que ansiávamos, quem diria que ela finalmente nasceria... 

Nem bem dizia aquilo quando o Geminiano percebeu a Amazona desviar a cabeça e ouvir um suspiro seu por baixo da máscara, levando-o a aproximar-se dela e puxá-la para si. Sem qualquer hesitação, mas com cuidado, removeu aquele objeto que ocultava seu rosto e buscando por seus olhos que tanto o encantavam. 

— A sua expressão... — dizia Saga franzindo o cenho. — Parece cansada, mas mais que isso. Os seus olhos expressam surpresa ou mesmo medo... — comentou preocupado. — Aconteceu algo mais?  

— E... Eu não sei... — respondeu ela com certa apreensão. —  Há tantas coisas acontecendo que não sei o que pensar ou como agir. — continuou soltando o ar com pesar. — Há muito sinto uma agonia recair sobre o Santuário e que vem aumentando gradativamente...  

Enquanto falava, sentiu as mãos de Saga tocar em seu rosto, acariciando-o, permitindo-a repousar a cabeça na palma de sua mão e fitá-lo, com um breve sorriso de acalento.  

— Talvez porque a chegada de Athena anuncie que uma Guerra Santa está mais próxima do que imaginávamos. — disse o Geminiano puxando-a para junto dele, sentindo-a pousar a cabeça em seu peito. — Embora seja algo que todos aqui anseiam, também é o que mais temem. Isso indica que nosso tempo encurtou para uma preparação para os aspirantes que... — dizia ele, puxando o ar contrariado. — ... não vejo um exército forte o bastante para enfrentar uma horda de espectros.   

— Não sei... — reagiu ela abraçando-o mais forte. — Há algo mais e não sei dizer o que é. Pressinto algo que...  

Murmurava quando a jovem se calou, surpreendendo a Gêmeos que brincava com seus cabelos e descendo seu olhar na direção dela. No entanto, assistiu quando ela se desvencilhou dele como se buscasse por algo, olhando pela sala onde estavam. Quando questionada, ela apenas sinalizou um silêncio.  

— Ouviu isso? — questionou a Prata se voltando para ele, levemente assustada. — Não é a primeira vez que ouço isso, principalmente aqui em Gêmeos onde sinto ser mais forte. Por quê...? — e voltou-se para o Geminiano.  

Saga a fitou surpresa com aquilo. “Do que ela...? Será possível?!”, e permaneceu onde estava, acompanhando-a apenas com os olhos. “Como ela pode ter um poder sensitivo tão forte? Consegue perceber a presença dele na Outra Dimensão?”.  

— Fico surpreso que possa sentir algo assim. – disse ele ficando a fitá-la por alguns instantes, tão curioso quanto intrigado, voltando-se para o templo sem um ponto específico. — É algo que meu mestre Solon nos confidenciou que isso é algo somente que os descendentes de Gêmeos seriam capazes de sentir, mas você... 

— Do que... está falando? — indagou Selene sem compreender aquilo que o amado dizia. 

— Todas as Casas Zodiacais guardam memórias de seus antecessores. — explicou ele lançando um olhar para o grande salão. — São vozes acolhidas nessas sombras e pilastras ao longo de séculos que se fazem ouvir de tempos em tempos... — dizia, caminhando para uma pilastra com ranhuras e pequenas falhas em sua extensão. — ... e quando o mestre jogou Kanon e eu na Outra Dimensão pudemos ver inúmeras gerações de Cavaleiros nesse Templo guardando suas experiências de Cavaleiros, suas lutas... — suspirou, voltando-se para a Amazona que o fitava. — ... e até mesmo seus desejos. 

— Você nunca comentou sobre isso antes. — Reagiu ela com certo pesar enquanto seu olhar ganhava a casa, mas... — Por que também reajo a isso? Nada tenho com a constelação de Gêmeos para... 

— Talvez seja seu lado sensitivo herdado pelo sangue lemuriano, quem sabe. — Sugeriu Saga dando de ombros. — Não tem razão alguma para se assustar com isso uma vez que disse, também, ter se assustado quando experimentou uma comunicação com algumas armaduras enquanto ajudava restaurá-las. Solon me disse que elas ressonam entre si, embora jamais vivenciei algo assim. 

— Talvez, mas... — disse ela se voltando para ele ainda ligeiramente desconfortável. — ... é diferente. — Afirmou ela se voltando novamente para o Geminiano. — É uma sensação estranha, diferente do que já senti com as armaduras. Esta é... — Dizia, gesticulando enquanto olhava as mãos, abrindo e fechando-as trêmulas. — ... desesperadora... 

Saga olhava-a sério, preocupado e curioso com o que ela descrevia. “Então você o sente...?”, ecoou em sua mente, levando o Geminiano ir ao seu encontro e tomá-la em seus braços visando acalmá-la, sentindo-a tensa. 

— Talvez esteja apenas cansada e tensa demais, sobretudo após ser você quem encontrou a bebê Athena da qual todos ansiavam, Selene. — murmurou ele mexendo em seus cabelos e percebendo que ela se tranquilizava, abraçando-o, ainda que sutilmente. — Talvez devesse tirar o dia para descansar. Deixe a patrulha para outras Amazonas, ao menos por hoje. 

— Talvez... — sussurrou ela fechando os olhos e sentindo ele beijá-la na testa. — Talvez eu esteja realmente tensa... — admitiu, soltando um pesado suspiro. — ... preocupada com isso, principalmente porque a Alta-sacerdotisa exigiu minha presença no Grande Templo. 

— A Alta-sacerdotisa...? — indagou ele afastando-a somente para fitá-la. — Mas o quê...? 

— Eu estava a caminho de lá quando o vi aqui, e como havia alguns dias que não o via... — suspirou novamente. — Lamento que não tenhamos tempo nos últimos dias. — sorriu ela, acariciando seu rosto. 

— Estávamos cientes disso. — sorriu de volta, levantando seu queixo para um rápido beijo. — Quem sabe não podemos nos ver mais tarde? 

Ela nada disse senão abrir um sorriso mais largo enquanto desvencilhava-se dele. Soltava de sua mão quando o ouviu assoviar e mostrar a sua máscara que ainda tinha em mãos. Ele a assistiu rir tímida por aquilo levando a mão ao rosto nu e tomando a máscara para vesti-la, apressando-se em se retirar em direção a saída para o quarto templo, Cancer.   

Saga apenas a assistiu desaparecer na luz do sol que cortava a saída enquanto ele se mantinha mergulhado nas sombras da Casa de Gêmeos, cingindo os olhos num brilho carmesim enquanto um sorriso vil era desenhado no canto direito do rosto tal como a face direita do elmo que descansava mais adiante. 


──────────•∰•──────────

O Grande Templo é o último templo do Monte Zodiacal, a morada do Grande Mestre dos 88 Cavaleiros. No entanto, atrás dele ainda existe um templo menor, anexado à sala do Patriarca do Santuário com acesso mais restrito.  

Era um aposento mediano com vista direto para a estátua de Athena, como se ela vislumbrasse o pequeno berço dourado. O móvel era ornamentado com asas douradas abrigando uma criança em vestes brancas. Uma manta de linho e renda era arrumado delicadamente sobre ela sob o olhar acolhedor da Alta-sacerdotisa.  

— Feche pouco mais a cortina devido à claridade. — recomendou a mulher para uma jovem sacerdotisa que arrumava as flores brancas de oliveira no jarro sobre a mesa, abaixo da janela. — Assim está bom. Essa brisa desse final de manhã é mais que suficiente. — murmurou.  

Tão logo a criança chegou, foi banhada nas águas límpidas da Fonte de Athena, depois com essências antes de ser vestida cuidadosamente pelas virgens acólitas. Todas à vista da Alta-sacerdotisa encantada com a menina de olhos tão azuis como o próprio céu. 

“Ela é linda...!”, pensou a mulher até vê-la ser colocada ali e contemplando-a desde então. Tamanha admiração a distraiu que nem mesmo percebeu a chegada de sua convidada. 

A Amazona de Prata foi anunciada por uma das Saintias que guardava a porta, parando alguns passos somente no quarto e curvando-se diante dela ajoelhando-se. Assistiu a Alta-sacerdotisa, ainda próxima ao berço da criança, dispensar a sacerdotisa para que as deixasse a sós. A jovem tomou o cesto onde trazia pequenas ânforas com óleos e essências, além de alguns ramos das flores e se retirou silenciosa, acompanhada da guarda que fechou a porta atrás de si. 

— Enquanto na Acrópole... — dizia Berenike se voltando brevemente para a Amazona ainda ajoelhada diante dela. — ... estava dispensada do uso de sua máscara uma vez que o templo era restrito às mulheres. No entanto, aqui... — continuou sinalizando para que ela se levantasse. — ... caso queira removê-la, sinta-se à vontade. 

— Obrigada, Alta-sacerdotisa. — agradeceu a Amazona já se levantando. — No entanto, manterei a máscara por hora uma vez que estou a serviço do Santuário, se não se importar. Porém, caso julgue necessário que eu a remova... 

— Eu compreendo. — aceitou a mulher com um breve sorriso e a fitando. — Na verdade eu as admiro. São comprometidas com seus deveres e juramentos tanto quanto às sacerdotisas da Acrópole, com algumas exceções. — pontuou ela erguendo um dedo sutilmente. — Uma pena que mesmo após tanto tempo ainda exista aqueles que as julguem, o que é irônico. Afinal, seguem uma deusa que lhes ensinou a arte da guerra e, ainda assim, acreditam que apenas homens devem lutar por ela. 

Embora nenhuma palavra fosse expressa ou mesmo pudesse ver a expressão da Amazona por baixo da máscara, Berenike bem sabia que ela sorria por aquilo unicamente por sua postura, mesmo que sutil.  

— Porém, estou ciente que nem todos tenham esse pensamento. O Grande Mestre mesmo é um exemplo. — suspirou. — Uma pena que nossas visitas aconteçam somente nas festas à deusa... — dizia, olhando para a bebê e mexendo em seus cabelos castanhos. — ... que nos agraciou com esse presente tão estimado. 

— Diria que... — pronunciou-se a Prata ousando aproximar-se um pouco mais. — ... todos nós fomos presenteados. —  sorriu ao dizer aquilo, assistindo a Alta-sacerdotisa contemplando a criança. —  Athena sempre foi muito esperada por essa ‘geração de Cavaleiros’ como meu mestre Arles repete do próprio Grande Mestre. 

— O meu maior desejo era viver o bastante para conhecer Athena... — confidenciou Berenike com um longo suspiro. — Tantas vezes ouvi o Grande Mestre contar sobre a deusa em seu tempo quando um Cavaleiro de Ouro, há mais de duzentos anos, que pequei em invejá-lo por isso e apenas pedia que fosse agraciada também. — sorriu, baixando a cabeça e fechando os olhos brevemente. — E meu desejo foi atendido. 

Selene observava o emotivo daquela mulher sempre com uma postura austera que conheceu na Acrópole agora tão sensível diante dela. O seu olhar era de admiração e paixão para com a criança que adormecia no berço tranquilamente. Mesmo a Prata também sentia uma tranquilidade que há muito era ausente. A agonia que trouxera contigo desde então, era ausente naquele instante. 

“Foi como de quando a peguei em meus braços naquele momento...”, pensou a Amazona lembrando o instante que seguiu a coruja prateada e encontrou a criança. Já havia recolhido e tomada tantas outras em seu braço, tanto como uma mulher caminhando pelas ruas de Rodório ou resgatando-as da última chuva que havia desabrigado tantos moradores da região. Porém, aquela havia algo especial que compreendeu tão logo teve em mãos quando a sentiu emanar o mais puro Cosmo. 

— Uma deusa que escolheu nascer humana. — comentou a Prata num murmúrio, conseguindo a atenção da Alta-sacerdotisa. — De fato, é realmente admirável, ainda que não entenda o porquê escolheu assim quando tantos deuses usam humanos como receptáculos. 

Berenike nada disse de imediato, mas ficou a fitá-la por alguns instantes antes de voltar-se para a Amazona diante dela. 

— Exatamente por essa escolha que a torna admirável. — disse a mulher incisivamente. — Uma deusa que escolheu passar por todas as provações humanas para aproximar-se daqueles que jurou defender e não os usar para seus desejos nefastos como tantos outros.  

— Mas isso... — dizia Selene tomando cuidado com as palavras. — ... não a deixaria vulnerável aos seus inimigos? Afinal, uma criança como essa... — e indicou para o berço. — ... não tem como se defender... 

— Quando ela escolheu a submeter-se a isso ela conhecia os riscos, Amazona de Pyxis. — interrompeu a Sacerdotisa sem mudar o tom de suas palavras, mantendo a calma. — Creio que assim como os seus Cavaleiros confiaram suas vidas para lutar ao seu lado, Athena confiou também que sua lealdade a protegeria... — sorriu ao dizer aquilo. — ... e não falharam com isso desde então.  

“Athena sempre teve grande sede de conhecimento dos humanos, vivendo mais entre eles que outros deuses. No entanto, jamais achou que viver entre eles era o bastante. Por toda uma geração de Cavaleiros ela assistia distante as alegrias e tristezas, a felicidade e o desespero, os sonhos e as decepções de cada um deles sem compreender o que era aquele misto de sentimentos. A sua decisão de nascer humana nasceu após a profunda dor após uma grande guerra ceifar a vida de seus Cavaleiros, do sofrimento que se abateu a tantos outros e queria provar dessa dor para melhor entendê-los. Mesmo que para isso tivesse que abdicar, nem que por algum tempo, de sua divindade”. 

Narrava a Alta-sacerdotisa sob o olhar curioso e atônito de Selene. Olhava para a criança e pensava no quanto pesou aquela escolha. Aqueles olhos azuis que a fitou tão logo pegou aquela criança nos braços realmente denotavam curiosidade, ânsia pela nova vida que viria. A coruja de prata que havia guiado ela até aquela criança, por outro lado, estava inquieta, tanto quanto o sentimento da Amazona naquele momento e agora naquele quarto, sobretudo pelas últimas palavras ditas pela velha mulher. 

— Alta-sacerdotisa... — reagiu Selene após alguns minutos de silêncio repetindo aquelas palavras em sua mente. — ... a senhora disse que Athena abdicou... de sua divindade...? — indagou, surpreendendo-se com a afirmação. — Mas... e o Cosmo que senti dela quando... 

— Você a encontrou no instante que ela chegou para nós... — explicava a mulher visando um poltrona próximo à janela e seguindo para se sentar, puxando seu vestido de linho branco e bordados. — ... então ela não tinha adormecido seu consciente divino até que estivesse realmente segura. Em outras palavras, ela mantém seu poder divino latente deixando para despertar no momento certo quando for para assumir definitivamente seu Santuário. — explicou de maneira didática, repousando as mãos sobre o colo. — E até que chegue esse momento, ela deve ser mantida em segurança por aqueles em quem confiou para ajudar a conhecer os humanos que tanto estima ao mesmo tempo que a preparamos para assumir sua posição de deusa quando, enfim, despertar. Embora eu não duvide que seu Cosmo também possa manifestar-se em determinadas circunstâncias. 

— Entendo... — reagiu Selene notoriamente perdido meio a tudo aquilo. — ... mas não entendo. Se Athena escolheu nascer humana abdicando, ainda que temporariamente de sua divindade, como pode nos guiar na Guerra Santa que se aproxima? 

A própria Berenike se fez aquela pergunta anos e anos atrás quando apenas uma mera acólita no templo. Naquela noite, em seus sonhos, tivera um vislumbre de uma luz dourada e assistir uma guerreira em sua indumentária dourada segurando uma lança e um escudo diante de quatro jovens sacerdotisas. 

— Athena, quando certa de sua decisão, chamou quatro sacerdotisas, as mais leais de seu templo. —  narrava Berenike olhando em direção à estátua da deusa Athena no pátio mais adiante. — Dentre estas, uma nomeou como Matriarca de seu templo, juntamente com as três outras como Saintias para serem suas guardiãs para quando desse início sua jornada como humana. — continuou, se voltando novamente para a Amazona. — Desde então, cada vez que Athena nos presenteasse com sua presença, a Acrópole a receberia, sendo responsável por instruí-la e até mesmo treiná-la nas mesmas artes da guerra que nos ensinou para ajudar quando finalmente despertasse, preparada para cumprir o seu dever. 

— Então... — Selene falou, alternando seu olhar da Alta-sacerdotisa para a criança. — ... a bebê Athena será levada para a Acrópole? 

— Embora o Santuário seja o local mais protegido porque aqui estão seus Cavaleiros... — dizia Berenike voltando, também, para a criança. — ... não é o melhor lugar para os cuidados de uma criança. Na Acrópole ela terá as sacerdotisas para cuidarem dela e ter as instruções necessárias até que possa iniciar a outra fase de seu aprendizado junto de seus Cavaleiros. Além do mais... — ela sorriu, ainda que contidamente. — ... o Santuário é um espaço fechado para o mundo que os humanos desconhecem além de ruínas de um mundo antigo. Na Acrópole é o lugar onde Athena melhor atenderá aquilo que busca sobre conhecer os humanos. 

Havia de concordar com a Alta-sacerdotisa. Ainda que muitos aspirantes chegassem ali crianças, estes ao menos tinham idade suficiente para suportar os treinamentos pesados apesar de nivelados para a sua idade. Athena ainda era um bebê e necessitava de maiores cuidados, e sendo ela a própria deusa merecia cuidados especiais. Se mesmo os ritos à deusa eram restritos, imagine quanto à própria figura divina? 

— Então, quando partir, a bebê Athena estará partindo com sua comitiva, creio eu. — supôs a Amazona tentando compreender a razão de ter sido chamada ali. — A minha convocação seria para que a acompanhasse de volta a Acrópole para garantir a segurança de Athena, estou certa? 

— Sim... — afirmou a Alta-sacerdotisa assentindo às palavras da jovem. — ... e além disso. — completou, levantando-se. — Como disse, Athena nomeou três Saintias para sua guarda pessoal e recentemente perdemos um dessa tríade. Sendo assim, esperava que fosse você a terceira guardiã da jovem Athena como a própria nomeou. 

Aquelas palavras tomaram Selene de surpresa, fazendo-a voltar-se para a Alta-sacerdotisa perplexa com aquilo. Embora a máscara encobrisse sua expressão, o mesmo não podia dizer de sua postura ou mesmo leitura corporal que enrijeceu com aquilo. Sem que percebesse apontou para si mesma e expressando um “Eu?” estremecido. 

— De todos nesse Santuário, a deusa escolheu você. — disse Berenike indicando a Amazona de modo singelo. — Vejo isso com bons olhos porque, como uma Amazona de Prata, poderá ajudar uma jovem deusa despertar suas habilidades de guerra ao longo dessa sua nova vida, ajudá-la a conhecer os humanos que tanto anseia...  

Enquanto dizia aquilo, estudava cada reação da Amazona, percebendo-a engolir aquelas palavras tomada pela ansiedade ou mesmo a surpresa por aquilo ao mesmo tempo que seu olhar alternava da Alta-sacerdotisa para a criança adormecida no berço. 

A mulher entendeu a intenção da Amazona em se aproximar e assim permitiu, dando um passo para trás e concedendo a aproximação da jovem que hesitou, mas se aproximou do berço. 

— Compreendo seu receio. — disse a Alta-sacerdotisa quebrando aquele breve silêncio. —  Afinal, é uma grande responsabilidade e sei o quão difícil é essa decisão. 

— E a família humana dela? — questionou a Amazona voltando-se para a mulher mais velha. — Quero dizer... Não sei... — reagia confusa, levando a mão a cabeça como se assim a ajudasse organizar as ideias. 

— Lembra quando disse que deuses tomam humanos para seus receptáculos...? — comentou Berenike para a jovem vendo-a assentir. — Até onde sei, segundo nos é passado geração após geração de Altas-sacerdotisas, Athena sempre julgou errado esse comportamento de outros deuses. — explicava enquanto caminhava para a cadeira próxima a janela e sentando-se novamente, com cuidado com a saia do vestido. — E quando foi dito seu desejo de nascer humana, também questionei sobre sua suposta família humana. Natural, não? Foi então que, minha senhora, levantou uma questão. Aimones. 

A forma rija como a Amazona ficou diante do berço era uma resposta para a mulher que se manteve sentada. Imaginava a mesma com seus olhos arregalados por baixo daquela máscara porque seria a reação mais esperada por aquilo. A sua mesma reação quando questionada sobre aquilo quando uma simples acólita. 

— Conta-se que na Era de Ouro muitas crianças nada mais eram que fruto do desejo dos deuses, sendo agraciados por eles de uma primavera eterna. Esses humanos eram chamados pelos antigos gregos de Aimones. — explicava a mulher de maneira didática olhando para a Amazona. — Ao fim dessa Era, poucos ou nenhum restou daquele tempo, pois tamanha foi a decepção dos deuses com os humanos. Desses, muitos foram escolhidos para serem emissários divinos, segundo crônicas dos Aedos. Com o fim dessa Era Dourada, os humanos apenas serviriam de receptáculo para ações nefastas dos deuses, algo que Athena se recusava, apesar de suas decepções. 

— Então, essa criança é uma... Aimone? — indagou a Amazona assistindo a confirmação da Alta-sacerdotisa. 

— No entanto, os humanos daquele período mantinham seu corpo com a essência do grande carvalho que existiu somente naquele mundo. — continuou a mulher suspirando. — Ao contrário daqueles humanos, essa criança seguirá o ciclo da geração humana dessa nova Era. Sendo assim... 

— Athena projetou seu desejo entre tantas crianças rejeitadas nesse mundo, não é isso? — completou Selene seguindo o raciocínio da mulher que sorriu em afirmação. — Mas, dentre tantas, por que esta? 

— O que Athena desejava era algo há muito esquecido, ou até mesmo proibido, pelos deuses. Afinal, ela estaria vinculando parte de sua essência divina numa criatura humana. Sendo assim, ela escolheria àquelas nascidas sob o alinhamento da Terra, o Mundo dos Homens, com o Sol, aquele que liga o Mundo Divino. Àquela escolhida seria quando a lua ficasse invisível na Terra, cegando o Olimpo... de seu ‘crime’... — explicou, enfatizando bem aquelas últimas palavras. —  ... de nascer humana e abdicando, mesmo que por um breve momento, de sua divindade. 

— Então... — murmurou a Prata com a voz levemente embargada. — Essa criança, ainda que rejeitada pelas adversidades humanas, foi agraciada pela mesma deusa que jurou defendê-los, abdicando de sua divindade por amor e conhecimento...? 

— Escolhida nesta noite, trazida até nós...  — disse a mulher se levantando e se colocando ao seu lado. — ... e escolhendo você para ser sua guardiã nessa nova jornada. Prepará-la adequadamente até que possa assumir seu lugar e para sua batalha que está por vir. 

— Realmente acredita que eu possa assumir um papel assim, tão importante...? — questionou a Amazona fitando a Alta-sacerdotisa diante dela. 

— Você melhor que qualquer um sabe o destino sombrio que virá de encontro a essa criança. — disse a mulher fitando-a de volta. — Você viu as adversidades das quais ela há de confrontar e da ameaça que há de cair sobre ela. Não sei se devo chamar de privilégio, mas antes mesmo dela chegar aos seus braços ela já havia escolhido você por alguma razão. Você sabe aquilo que a aguarda, Selene. 

Aquelas palavras mansas e olhar incisivo sobre ela fez a Amazona refletir por um breve instante, alternando seu olhar para o vazio e depois para a criança. A aura da mesma não tinha mais tanta intensidade de quando a encontrou, mas estava ali. Adormecia pouco a pouco e tão logo seria apenas uma criança humana.  

“Um destino sombrio...”, pensava a Amazona enquanto sua mente voltava para as sombras em um quarto com aqueles olhos vermelhos como chamas se revelando. “Será esse o destino que a aguarda?” 

— E... Eu... guardiã... da deusa Athena...? — murmurou sem que nem mesmo percebesse. 

— É uma difícil escolha, eu sei. — disse a mulher de modo maternal, tocando-a no ombro para buscar sua atenção. — Por isso peço que reflita bem sobre qual for a decisão que tomar. — dizia, voltando-se para a criança no berço, ainda dormindo profundamente. — Não minto que adoraria que sua decisão fosse nos acompanhar à Acrópole como uma Saintia, uma guardiã da deusa.  

— Fico... honrada por isso... Alta-sacerdotisa. — disse a jovem curvando-se diante da mesma, com a voz vacilante por tamanha informação adquirida naquela conversa. — Como disse, preciso refletir sobre isso para tomar a melhor decisão. 

— Independente de qual for a decisão, sei que fará a escolha certa. — assentiu a mulher com um breve sorriso e consentindo sua saída após dar por fim aquela conversa. 

Antes de se retirar definitivamente, Selene lançou um último olhar para o berço e pedindo, silenciosamente, sabedoria à deusa por uma boa escolha. Fez uma última reverência à Alta-sacerdotisa e, finalmente, se retirou. 

Deixou que a porta se fechasse atrás dela e seguiu seu caminho pelo corredor, para longe da vista das Saintias que guardavam o quarto. Somente quando se viu sozinha, permitiu-se suspirar e liberar a tensão que abateu sobre seus ombros. Além de toda a informação a ser assimilada, ainda havia outra questão que pesava em sua decisão: Saga. 

Como ele reagiria àquilo? Tornar-se a guardiã da deusa-menina implicaria em ter que sair do Santuário e passar longos anos fora. Não sabia sequer se poderia retornar, mesmo que em breves visitas, tampouco se teria tempo livre para pensar em pequenas aventuras como visitá-lo escondido. 

E Marin? Como ela se viraria sem sua presença? Será que Afrodite sentiria-se bem em continuar com a orientação de outra pessoa? Talvez Aellia pudesse orientá-lo em seu lugar... 

Enfim, eram inúmeras questões a serem pensadas e repensadas para uma decisão sábia. Até onde sabia, uma Saintia ainda era regida por sua constelação protetora, mantendo sua indumentária e sua posição na Ordem dos Cavaleiros. Apenas assumiria um posto acima ao das Amazonas que serviam ao Santuário e não estaria sujeita à lei da Máscara. “Regra esta que quebrei há muito tempo e de conhecimento apenas do Saga”, pensou. No entanto, também havia Aiolos que a viu sem a máscara, mas porque a mesma havia se quebrado durante uma missão que realizaram juntos. 

Enquanto caminhava, descendo o Monte Zodiacal, percebeu o quanto a tarde avançou. A conversa com a Alta-sacerdotisa foi muito além do esperado. A noite já se aproximava e pensava em como conversaria aquilo com Saga. “Ou talvez deixarei para falar-lhe quando assim decidir”, pensou ela vendo o sol no poente e suspirar.  

Haveria algumas semanas até o retorno da Alta-sacerdotisa para, definitivamente, levar a pequena deusa para Acrópole após toda a preparação que disse ser preciso para recebê-la. Era tempo o bastante para pensar sobre aquilo e até mesmo preparar Saga para eventual decisão.  Nem bem pensava isso avistou novamente a coruja fitando-a do galho de uma árvore.  

— Talvez o meu destino já esteja decidido e eu esteja relutando em aceitá-la. — murmurou, sorrindo tristemente. 


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Notas finais do capítulo

Escrever sobre mitologia mesmo dentro do Hipermito de Saint Seiya sempre exige pesquisa.
Aimones acho que consegui explicar bem quem eles são: humanos na Era Dourada.
Aedos eram assim chamados os contadores de histórias, responsáveis por conhecermos os Heróis como sabemos hoje e por isso inúmeras interpretações.

Espero que tenham gostado do capítulo e o próximo postarei dia 10/07. Conforme for adiantando mais capítulos, fechando, poderei vir publicar quinzenal. Por hora, deixarei mensal podendo lançar capítulo extra surpresa.

Obrigada a todos!!



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