Saint Seiya Memórias: História Oculta Do Santuário escrita por Katrinnae Aesgarius


Capítulo 55
Livro 2 :: Dualidade - Ato 13


Notas iniciais do capítulo

O encontro de Selene com Kanon a perturba, levando-a até Shaka em busca de conselhos. Enquanto isso, as suspeitas de Shion ganham força enquanto uma nova ameaça se aproxima.



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Selene caminhava de um lado para o outro. Mantinha-se séria e pensativa, os braços cruzados sobre o peito enquanto uma mão mantinha-se mais acima de modo o dedo desenhar sobre o colo do pescoço de modo casual, ajudando-a refletir. Mal dormira naquela noite pensando no vulto que vira, na presença sentida na noite anterior. Não havia como estar enganada sobre quem seria. Reconheceria aquele olhar mesmo meio à penumbra. Eram únicos.

— O que aconteceu? — indagou Afrodite sentado na cama, fitando-a.

A Amazona voltou-se para ele, olhando-o não perdida, mas um tanto atônita com tanto de acontecimentos em tão curto tempo. Havia sua preocupação com aquele pulsar sentido há algumas semanas, o cenário em Gêmeos, a viagem repentina de Saga, sua chamada para junto ao Templo Sagrado de Athena, a apresentação de Afrodite junto ao Santuário... e agora havia o retorno de Kanon. Verdadeiramente, sentia-se perdida!

— Notei que não dormiu... — comentou o garoto de novo, buscando os olhos aflitos da mulher diante dele. — Tem a ver com Saga?

"O quê?", indagou Selene mentalmente olhando para Afrodite surpresa por aquele questionamento tão direto. Como ele poderia saber sobre Saga se nunca o havia mencionado?

— Você... tem balbuciado esse nome... enquanto dorme... — comentou Afrodite como que percebido sua indagação mental. — E não fui uma vez somente.

Selene sentiu o rosto queimar. O que ela poderia ter dito ou mesmo reagido enquanto dormia chamando por Saga?

— O que... exatamente... eu dizia...? — questionou a Prata ainda fitando o rapaz que a olhava com misto de curiosidade e preocupação.

— Não entendia muito bem. Acordei assustado porque eu ouvi chamando por alguém... — e franziu o cenho. — Parecia aflita... com o braço esticado como se tentasse alcançar algo ou alguém... Eu tentei chamá-la, mas não despertava. Então... — e deu de ombros. — Eu busquei acalmá-la para que pudesse relaxar. — e olhou para uma flor na cabeceira.

Ao lado da cama havia um ramo de rosas brancas perfeitas com suas folhas verdes, como se tivessem acabado de serem colhidas no jardim. O seu perfume era forte e realmente ajudava a manter-se menos tensa do que realmente pensava estar.

— Ontem eu vi quando chegou tarde, parecia assustada. — dizia o pequeno, voltando a fitá-la.

— S-Sim... A reunião com a Mestre das Amazonas demorou um pouco. —respondeu Selene quebrando seu silêncio, dirigindo-se até um jarro com água e se servindo. — Terei de viajar daqui algumas semanas.

— V-Viajar...?!

Havia surpresa e certo assombro na voz de Afrodite que contava nos dedos algo. Dentro de algumas semanas começaria a Plyntheria, a celebração de júbilo de Athena que se iniciaria em seu templo sagrado e encerramento no Santuário, dando início a Panatenaia. Ele estava ansioso desde que soube da realização de torneios, o que deixava Selene contente porque ele se mostrava seguro, diferente do rapaz tímido e emudecido que chegou com ela ali.

— Sim, mas não sem antes apresentá-lo ao Santuário. — sorriu ela, ainda que discretamente e triste. — Já conversei com Aiolos sobre sua possível participação no torneio, mas ao saber da minha viagem, pedirei que ele e Saga possam ajudá-lo... — e suspirou. — Caso ele chegue até lá.

— Saga...? — o garoto se ajeitou na cama, juntando os pés numa pose borboleta sobre a cama. — Ele é um cavaleiro também?

— Sim, tal como Aiolos. — respondeu ela segurando o copo com as duas mãos. — Ele é... o Cavaleiro de Ouro de Gêmeos. Partiu em missão há alguns dias e... — e engoliu a seco, olhando seu reflexo no copo.

— Você parece bastante preocupada com ele. — pontuou Afrodite a fitando, chamando-a para sentar-se na cama ao lado dele.

— Sim, eu estou. — confirmou a Prateada atendendo o pedido do rapaz, sentando-se na cama, recostando-se na parede. — Sinto que algo aconteceu e... tem a ver com quem encontrei ontem, não sei bem. Eu quero... — respirou fundo, expirando em seguida. — Estou ansiosa para que ele volte, e queria que fosse antes de viajar, sabe?

— Entendo... — ele a observava, vendo-a beber a água. — Gosta dele?

"Eu o amo!", pensou Selene, deixando um sorriso responder ao garoto. Era um sentimento mútuo. Ele também a amava e, talvez, aquilo fizesse com que compartilhassem sensações como aquela, de que algo estava acontecendo ao Geminiano.

Ver Kanon na noite anterior a fez se perguntar se teria relação com aquilo que sentiu. Teria os dois se encontrado e se confrontado de alguma forma? Foi uma sensação angustiante para ela, fazendo-a ir a Gêmeos e invadir as dependências do Dourado — e caso fosse pega, o que explicaria? — e encontrar aquele cenário de destruição.

Todos os dias seguia para o Santuário com objetivo de saber de seu retorno. Aiolos certamente estaria desconfiado de algo, afinal, mesmo ele se mostrou preocupado com sua aflição por mais que ele afirmasse que Saga estava bem, exceto por sua impaciência com o atraso de alguns Prata para a viagem. Conhecendo o quão correto Saga seguia as regras, não seria de se estranhar.

— Sim... muito! Ele quem me salvou quando mais nova que você um pouco. Estava sendo agredida por uns garotos que ameaçava a mim e meus amigos num vilarejo onde vivia. — comentava Selene. — Éramos um grupo pequeno, como irmãos... — e riu suavemente daquilo. — Roubávamos para sobreviver e esses garotos juraram nos proteger, mas ficava com mais da metade da nossa comida.

— Era uma criança de rua? — indagou Afrodite, vendo-a confirmar. — Não... conheceu seus pais?

— Não. Fui deixada bebê num orfanato. As freiras eram boas pessoas, bem velhinhas... — narrava Selene, bebendo um poco de água. — Contudo, soubemos que o lugar seria fechado e que seríamos separados para levar para outros lares, e ficamos com medo. Como não tínhamos ninguém, muitos de nós criávamos laços. Lembro que dormimos chorando naquela noite quando sentimos o cheiro de fumaça. Eu e alguns outros aproveitamos para fugir achando que seria uma boa ideia de nos mantermos juntos.

As lembranças afloravam em Selene conforme narrava aquilo, sobre os dias escondidos num armazém velho com alguns biscoitos e pão que roubaram na cozinha antes de conseguirem sair do prédio. Se alguém os procurara, ela não sabia dizer.

Prometeram um proteger o outro, mas ao longo dos dias, a comida acabava e as noites se tornavam frias. Foi quando encontraram aqueles garotos que prometeram bancar os irmãos mais velhos, mas que estavam  explorá-los a roubar e ficando com mais da metade da comida e do dinheiro. Quando escondiam, eram surrados ou mesmo...

— Eles fizeram algo com você também? — indagou Afrodite olhando-a com misto de curiosidade e repulsa, mas vendo Selene negar. — Lixos!

"Droga!", pensou ela vendo a reação do garoto mediante aquilo. A última coisa que precisava, naquele momento, era fazer o garoto se retrair novamente, não naquele momento. Deixou o copo com menos da metade de lado e foi ao encontro dele, mas ele impediu qualquer ação, deixando-a ainda mais receosa.

— Está tudo bem. — disse ele ainda de cabeça baixa, mas num tom firme. — N-Não vou ceder. — e levantou a cabeça para fitá-la. — Tomei uma decisão e não vou voltar atrás. Estou decidido a me tornar um Cavaleiro e impedir que esse mal não aconteça novamente. Nem comigo... nem com você... nem com mais qualquer um! Apenas me diga que eles tiveram o que mereceiam. — e viu ou meneio positivo de Selene que o fitava, acabando de narrar o ocorrido.

O seu olhar era firme e decidido. Não tinha o medo de outrora, mas coragem e determinação. O seu tom de voz também demonstrava isso, conseguindo surpreender a Prata que sorriu para o rapaz de traços belos diante dela. Reconhecia a sua dor, mas ele canalizava isso de modo a dar-lhe forças, tal como ela fez, ainda que por um breve momento, quando aqueles garotos a ameaçaram e ela fez explodir seu Cosmo. Aquilo que chamou a atenção de Saga e Kanon. Sem eles dois, ela nem mesmo estaria ali, pois não conseguia fazer o que tinha feito anteriormente.

"Eles dois me salvaram naquele dia, mas o que fiz ao Kanon?", repetia para si mesma ao deitar-se naquela noite. A imagem dele na noite anterior a assustara. O seu olhar era um misto de raiva e algo mais, tal como no dia que tudo aconteceu e ele fugiu do Santuário.

Ela, não intencionalmente, o humilhara dizendo que não era tão forte quanto seu irmão e temeu que tivesse criado uma rivalidade entre eles. Sabia o quanto o mais novo era orgulhoso — Saga também era — e o quanto isso mexia com sua vaidade. Enquanto em Jamir, pensava no quão infeliz havia sido, mas também não se arrependia. Apenas ela viu o que aconteceria, ou teria sido uma má interpretação sua?

A noite avançava e as primeiras medidas deveriam ser tomadas na manhã seguinte. Embora Afrodite tivesse mostrado confiança, mesmo após seu desabafo ao que acontecera quando uma menina de rua, pouco fez senão vigiar jovens aprendizes em seu treino no Domo e retomando os treinos com Afrodite no vale.

No entanto, estivera pensativa quanto a aparição de Kanon ter a ver com possível ação de Saga em Gêmeos. O seu pesadelo de ter despertado a rivalidade entre os irmãos a angustiou ainda mais.

Talvez pela rosa branca perfumada, pouco a pouco a Prata sentia seu corpo relaxar a ponto de adormecer. Afrodite, que dormia ao seu lado, abriu os olhos e a viu praticamente inconsciente. Estava calma o bastante para nem mesmo perceber o garoto levantar-se parcialmente da cama e sentir o seu toque em seus cabelos, limpando a face limpa da amazona e seus dedos tocarem na maçã de seu rosto.

— Seja quem for Saga... — sussurrava ele. — Ele é um homem de sorte em tê-la, Selene... Assim como eu...! — e sorriu, beijando-a no rosto e voltando a deitar ao seu lado, contemplando-a por mais alguns instantes antes de fechar seus belos olhos azuis.


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— A Alta Sacerdotisa já foi bem acomodada em seus aposentos? — indagava o Patriarca enquanto removia seu elmo, deixando sobre uma mesa de tampo de mármore próxima.

Os longos cabelos já prateados caíam sobre suas costas, ainda cheios e volumosos como deveria ser em sua juventude. Os sinais da idade eram visíveis, mas a determinação de seus olhos eram dignas daquele que foi um dos bravos Cavaleiros de Ouro e denotando a experiências das batalhas vividas, incluindo da Guerra Santa da qual sobrevivera junto com seu companheiro de luta exilado nos Cinco Picos Sagrados.

Arles ainda era um jovem quando passou a servi-lo no Santuário. Antes, um mero servo de serviços de vestuário e de refeições até então assumir uma assessoria para assuntos burocráticos, uma vez que sua idade e tantas responsabilidades não permitia assumir tantos deveres como antes. Ainda que fosse o Grande Mestre do Santuário, também era o Patriarca a assumir um papel de Chefe de Estado, e era ali que Arles atuava, nos assuntos mais burocráticos.

— Sim, as servas já preparam tudo, inclusive aposento para sua Guardiã que chegou há pouco do Campo das Amazonas. — dizia Arles ajudando o velho mestre a remover suas vestimentas e ajudá-lo com as de descanso.

Os cuidados que tinha com velho Shion era uma satisfação. O próprio já havia dito que Arles era como um "irmão mais novo", da qual tomou para si tal como seu povo arrebanhava os mais jovens a doutriná-los nas tradições da qual os lemurianos buscavam manter mesmo após a destruição de sua terra-natal.

Embora não fosse um lemuriano, Shion o fez sentir-se como um igual, um dos inúmeros motivos da qual aprendeu admirar e respeitar aquele velho homem.

— Acredito então que esteja tudo encaminhado. — comentou Shion vestindo sua túnica sobre seu corpo que, apesar da idade avançada, mantinha um porte imponente e forte para alguém de sua idade.

— Sim, inclusive a Guardiã disse que as duas Amazonas já foram anunciadas e que partirão junto com elas em alguns dias... — e respirou fundo, com as vestes sagradas do Grande Mestre ainda nos braços. — E Selene será uma das que vai acompanhá-la.

— Sim, e por muito tempo fiquei a conversar com Berenike. Além de recordarmos antigas lembranças como velhos amigos, falei da jovem e suas aspirações. Ela me disse que observará com atenção enquanto no Templo Sagrado. — comentou Shion se voltando para o jovem mestre com ele.

— E caso seja dado como certo, o que será decidido, Grande Mestre? — questionou Arles preocupado.

— Ela deverá assumir a posição que lhe deve, Arles. — respondeu Shion voltando-se para ele. — Não cabe a nós mudar o seu Destino. O seu poder está crescendo e não sabemos a proporção disso. Até então ela está canalizando bem isso, mas também temo que isso possa explodir de tal modo que possa ferir aqueles próximos a ela.

— Sim, eu sei disso... — lamentava-se. — Por outro lado, a sua presença aqui também pode ser de grande ajuda quando Athena der o ar de sua graça, não é mesmo? — disse esperançoso.

— Talvez, mas não caberá a qualquer um de nós a decidir isso. — Esboçou um sorriso, percebendo a inquietação do seu jovem irmão. — Sei que a vê como uma filha, mas não podemos interferir naquilo que o Destino lhe reservar.

— Sim, eu sei. Perdoe-me por esse meu comportamento, Grande Mestre. — e inclinou-se levemente corado pela sua atitude emotiva.

— Não tem pelo que pedir desculpas. — e riu contidamente. — Compreendo seu apego à jovem que acolheu e ajudou até então, de sua preocupação para com ela com o que lhe tem acometido. Conversei longamente com a Alta Sacerdotisa e ela cuidará de Selene e tomará a decisão que achar apropriado. Apenas devemos confiar por hora.

— E confio, Grande Mestre. Apenas peço que seja a mais sábias das decisões. — comentou, voltando-se para guardar as vestes.

Arles somente deixou os aposentos após garantir a tranquilidade do velho mestre, orientando os guardas de não permitir a entrada de qualquer um nos aposentos para que o Grande Mestre pudesse, enfim, descansar.

Uma vez sozinho, Shion voltou-se para uma expressão séria. Não queria que seu irmão mais novo o visse assim quando já se mostrava preocupado demais com a jovem de Prata. Envolvia o comentário da Alta Sacerdotisa que o deixara intrigado acerca de um Cavaleiro enviado para comunicar sobre os festejos. O tom da mulher era de preocupação, além de mostrar-se intrigada com a cosmo-energia do homem diante dela.

— O seu Cosmo era intenso, mas reprimido. — ela disse enquanto passeava pelo jardim, com suas Saintias mais atrás. — Eu via a benevolência em suas expressões e ações, mas havia uma sombra em seus olhos que não consigo explicar o que é.

— Uma sombra em seus olhos? — indagou Shion sem compreender.

— Sim, mas há algum tempo sinto que tempos sombrios virão. — dizia Berenike com pesar na voz. — Sinto que a Athena sofrerá grandes atribulações nessa sua vida e esse Cavaleiro apenas possa ser um mensageiro do caos que está por vir.

— Mas sinto que algo realmente a incomodou e não apenas isso. — indagou o Patriarca, percebendo a inquietação na Alta Sacerdotisa.

— Não sou uma Oráculo, Shion, mas é como se, aqueles olhos, fosse além daquele Cavaleiro, nos espreitando.


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— Diga-me... — questionou após ouvir todo o relato. A cabeça baixa coberta pelas madeixas loiras enquanto flutuava sobre uma flor de lótus adornada, as pernas dobradas uma sobre a outra enquanto as mãos repousavam em seu colo. — Como foi essa sensação da qual compartilhou?

Selene estava diante de Shaka, um jovem budista que sempre estava à parte no Santuário, raramente visto em meditação nos campos mais afastados aos de treino. Possuía alguns poucos seguidores.

Dizia que a concentração e o desapego ao materialismo ajudavam os aprendizes para seu destino como Cavaleiros, uma vez que estavam a abdicar tudo em prol de um objetivo: instituir a justiça e manter a paz na Terra.

Ela foi encaminhada a ele pelo próprio Mestre Arles após uma crise que a fez ficar acamada junto à Áries, onde Mu poderia vigiá-la em sua recuperação. O jovem indiano a ajudou controlar suas visões, canalizar suas dúvidas e medos, ajudando-a a compreender parte de suas habilidades sensoriais. Havia um treinamento diário da qual, há muito, estava sendo displicente. No entanto, mediante aquilo, não via como mais adiar aquela visita ao jovem a quem poderia ajudá-la com aquele medo que voltava, sobretudo após o que disse Afrodite sobre seus delírios em seus sonhos.

— Angústia. — respondeu ela ponderando nas palavras. — Havia angústia, misturado a um horror quando diante de um pesadelo ou de algo assustador que estava esquecido, não sei...! — tentava explicar, mas parecia perdida em encontrar as reais palavras que definissem aquilo. — Algo pareceu gritar em mim repentinamente como se visse de muito longe, mas ao mesmo tempo bem próximo... como se algo despertasse. Foi como se meu coração parasse de bater por um rápido segundo, me sufocando, depois...

— Já havia sentido algo assim antes? — questionou Shaka mais uma vez, indiferente aquilo, mantendo-se inexpressivo.

— Não... Quero dizer... Não exatamente o mesmo de agora. — ela dizia encolhendo os ombros, esticando os braços entre as pernas dobradas como a dele sentada à sua frente. Olhava para um ponto qualquer no alto. Quando relaxou, parecia pensar, mordiscando os lábios. — Sinto conflitos, dúvidas, medo... dor! — e voltou-se para ele novamente. — Há algumas noites senti tudo isso, como se o coração fosse golpeado. Não foi uma dor física...

Enquanto a ouvia, ele ponderava. Lembrava de ter visto algo sobre aquilo nos registros de seu mestre, na última vez em que se encontraram. Uma angústia sem explicação que roubava qualquer momento de paz e que debilitava gradualmente.

Para qualquer um que estivesse alheio às verdades ocultas do mundo, aquilo pareceria uma descrição de uma doença considerada moderna, que atacava a mente das pessoas. Contudo, para o jovem virginiano, aqueles sintomas se pareciam muito mais com outra coisa.

— Uma dor espiritual. — disse Shaka mantendo-se neutro. — Um dejà vu como alguns diriam, como se já tivesse passado por algo assim antes mesmo que não se lembre ou não tenha necessariamente acontecido... — e levantou a cabeça, como se voltado para ela. — Ao menos não nessa vida.

Aquele pensamento intrigava ao rapaz. Poderia a Amazona estar presa a algum vínculo com sua vida passada? Não era um evento impossível, embora fosse algo incrivelmente raro. Sabia de alguns casos documentados nos relatórios de missões dos Cavaleiros de Ouro, não mais que trinta desde a Era Mitológica. Até conheceu um exemplo vivo daquilo, com quem chegara a tomar alguma instrução. Ou então...

— O Destino estava agindo de uma forma tão peculiar a ponto de fazer uma coisa parecer outra. — complementou seus pensamentos permitindo ganhar voz.

— C-Como...? — indagou Selene, piscando aturdida com aquilo.

— A maneira como diz, é como se sua alma estivesse ligada a essa outra pessoa. De algum modo existe um vínculo que vá além dessa vida. — explicava o jovem budista. — Pelas suas palavras, vejo que há um forte laço que os conecta, e vejo isso em sua essência.

Naquele momento, Shaka elevou seu braço direito, parecendo esperar que ela fizesse o mesmo. Assim ela fez. No entanto, invés de erguer, esticou em sua direção com a palma da mão para cima enquanto ele tocava ao centro dela com a ponta do dedo. Selene podia ver a luminosidade de sua aura, inicialmente branca, sendo levemente sobrepujado para um leve rosado ao forte amarelado, chamando atenção de Shaka. No entanto, havia como sombras bem dispersas.

"O seu espírito é aberto, mas há algo maior nele, reprimido ou mesmo adormecido... mas o que são essas sombras? São as dúvidas e o medo da qual diz...? Não... há algo mais. Vejo desejo de vingança... maculando sua essência, mas que ela busca purificar, trazê-lo ao equilíbrio, mas há duas forças colidindo junto ao seu", pensava Shaka, interrompendo o contato.

Lembrou-se das palavras do Mestre Arles quando este lhe pediu para acompanhá-lo até à primeira Casa Zodiacal visando acalmar a inquietude da então jovem diante dele acamada em Áries. Naquele momento sentiu a força de seu Cosmo em conflito, como duas forças colidindo e provocando seus delírios. Era um poder incomum mesmo entre os Cavaleiros, mas esperado de um séquito muito raro naqueles tempos.

 “Preciso que ajude acalmar esse seu espírito, Shaka. Até que tenhamos certeza, e somente um alguém poderá ser precisa quanto a isso”, disse o mestre Arles na ocasião. Com a presença da Alta Sacerdotisa no Santuário, talvez a Prateada agora tomasse seu verdadeiro trilhamento. No entanto, ainda que não pudesse escolher um destino, ele estava a colidir ao daquela jovem.

— Tenho medo, Shaka. — dizia ela, percebendo algo no semblante do jovem diante dela. — Sinto uma angústia me sufocar como se mergulhasse num pesadelo, onde tento alcançar alguém...

— São sombras de um passado não resolvido. A sua alma está ligado ao espírito incompleto de alguém. São fortes laços... — e franze o cenho com estranhamento. — ... mas frágeis.

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"Laços frágeis? A minha alma ligada ao espírito de alguém...?", pensava Selene enquanto descia pelas escadarias do Monte Zodiacal, pensativa sobre aquilo. Shaka dizia que era preciso canalizar aquelas sensações de modo a não ser usado por qualquer inimigo, o que era verdade.

O Mestre Arles sempre dizia que um espírito fragilizado era uma abertura para manipulação do inimigo, e por alguma razão sabia que aquilo era uma verdade uma vez que essas palavras tinha um forte peso sobre ela, embora não entendesse o porquê. Levou a mão ao rosto coberto pela máscara e suspirou. A próxima casa era Gêmeos.

Não havia a presença de Saga, nem mesmo acreditou que poderia sentir a presença de Kanon ali. Reconhecê-lo naquela noite fez nascer um misto de medo, em lembrança do último encontro de ambos e do quanto irado ficara com sua ação interferindo em seus planos, e de alívio, por saber que estava bem apesar dos pesares.

Entretanto, sua presença despareceu tal como surgiu sem deixar qualquer vestígio, fazendo com que trilhasse de volta ao seu abrigo sempre esperando vê-lo surgir diante dela.

Um sussurro, como um chamado. Aquilo fez Selene voltar-se para olhar o templo da qual estava para deixar enquanto seguia adiante. "O que é isso? Sinto uma presença aqui, mas...", pensava ela franzindo o cenho para aquela sensação de algo ou alguém invisível, talvez aflorados por sua preocupação, após suas inúmeras idas ao terceiro templo naqueles últimos dias, ou mesmo pelo que viu nos aposentos do Geminiano. Contudo, havia algo mais que a fez olhar para o alto das escadas e franzir o cenho. Havia algo antes não visto, e seus olhos brilharam num intenso púrpuro enquanto seu corpo era guiado para o alto.


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