Saint Seiya Memórias: História Oculta Do Santuário escrita por Katrinnae Aesgarius


Capítulo 11
Livro 1 :: Destino - Ato 3


Notas iniciais do capítulo

Chega o dia em que será sagrado o Cavaleiro de Gêmeos. Aspirantes e Cavaleiros/Amazonas ficam ansiosos para conhecer um dos mais elevados guerreiros de Atena escolhido num embate entre dois irmãos - uma ocasião rara já que somente o Grande Mestre elege um Dourado. O que se esperar nesse embate?



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Selene abriu seus olhos violetas, arregalando-os, contraindo a íris. Levantou-se bruscamente e arfando. Ainda estava assustada com o que viu, virando-se para colocar os pés no chão, mas ainda sem coragem de levantar-se da cama.

Olhou somente pela janela e viu o sol alto, devendo ser início da tarde. Dormira por toda manhã, cansada. Pareceu que havia fechado os olhos há poucos minutos, mas suficiente para novamente ter aquele sonho, daquela figura sinistra e olhos rubros. Apenas de lembrar aquela imagem sentia um arrepio ganhar seu corpo, como se fosse tomada por um frio. Talvez Mu estivesse certo de que deveria falar sobre aquilo com mestre Arles, não poderia adiar mais.

"Pode não ser nada, pode ser tudo! Por que estou tendo esses sonhos... O que é isso...!?", pensava ela enquanto caminhava um tanto dispersa, ainda perturbada com aquele sonho, a mente divagando sobre aquilo e nem mesmo percebeu que alguém a chamava, somente quando sentiu um toque no braço e se assustando, virando-se para fitar ninguém menos que Aelia, uma aspirante a Amazona como ela.

— Nossa, Selene, 'tá tudo bem? Eu não quis assustá-la. — disse a garota recolhendo a mão, observando Selene respirar fundo e suspirar, desculpando-se em seguida. — Está tudo bem? Parece tensa. Espero que não seja Jisty de novo...

— Ah não, não tem a ver com ela. Não a vejo desde daquele dia, para ser sincera. — respondeu Selene após recuperar-se do susto e convidando a garota para acompanhá-la. — E a garota, ela está bem? Esses dias não pude vê-la. Estive tão ocupada...

— Ela está bem. Soube que ela pensou em fugir, ir embora, mas que conseguiu convencê-la a ficar e que a ajudaria com os treinos.

— Assim como você me ajudou, lembra? — Selene falava mais relaxada enquanto caminhava ao lado da amiga. Sorria por baixo da máscara ao lembrar desse momento e olhando em direção ao campo das Amazonas mais adiante.

Aelia foi seu primeiro contato naquele campo, não sendo necessariamente uma veterana, mas alguém habituada por crescer tão próxima ao Santuário e estar acostumada aquele lugar. Nascera e crescera em Rodório, o único vilarejo da região. Ela tinha pouco mais de seis anos quando iniciou seus treinamentos para ser uma Amazona e ajudando Selene a conhecer as leis e alguns códigos exclusivo das garotas. Tornaram-se grandes amigas e aliadas contra a hostilidade crescente no santuário.

Aelia era uma das meninas presentes no dia em que Jisty atacava a garota junto com suas meninas.

— Digamos que nos ajudamos. — ambas riram — Aliás, estava indo encontrar-me com ela para treinarmos juntas, aproveitando que o campo tá mais livre e ela se sentir mais segura sem provocações de ninguém.

— Isso é muito bom. Transmite mais confiança. — Selene parou de andar com seus olhos cruzando os campos. Estava mais vazio que de costume, o que não era comum àquela hora. — Aconteceu alguma coisa? Notei que está mais vazio que de costume.

— Ah, todo mundo deve estar no anfiteatro. Hoje alguém será sagrado cavaleiro com a presença do Grande Mestre! — comentou Aelia animada, mas não tão empolgada como a maioria se apresentava. A própria Selene a observou também sem muita animação. Talvez ainda estivesse assustada com seu sonho, embora estivesse mais relaxada. — Eu nem ligo muito, mas entendo o porquê de tamanha excitação. Afinal, não é sempre que há um embate por uma armadura de ouro.

— Armadura de ouro!? — Selene voltou-se para a amiga, piscando aturdida por baixo da máscara. — Mas, Aelia, até onde sei um Cavaleiro de Ouro é nomeado unicamente pelo Grande Mestre pelo valor daquele já sagrado Cavaleiro, nunca num embate. Exceto na Panatenaia.

— Sim, mas não quando existem dois por uma mesma armadura. — comentou Aelia indicando o número com os dedos.

Naquele momento Selene sentiu o coração palpitar, uma perturbação que crescia dentro dela. Aos poucos alguns eventos vieram à sua mente, acontecimentos daqueles últimos dias e a imagem diante de seus olhos. Sentiu a sua boca secar. Ela mordiscou os lábios, mantendo-se paralisada olhando a amiga falar, mas já nem mais escutava. Apenas percebeu dela falar que já vira aquilo acontecer uma vez, assistindo com seu pai que era o chefe da guarda do Santuário e que a levou para assistir uma vez.

— Aelia... Quem seriam os dois... pretendentes... a armadura... Você sabe? — As palavras saíram falhas de Selene.

— Ahn, não lembro bem os nomes deles. São dois irmãos... — falava a jovem pensativa, pausando porque buscava o nome em mente. — As meninas estavam comentando sobre eles ontem...

— Saga... e Kanon...? — sugeriu Selene fitando a amiga.

— Isso mesmo! Saga e Kanon... Isso! — confirmou a outra, continuando a falar. — Até iria, mas prometi que ajudaria Marin e...

Selene não mais a ouvia. Em sua mente apenas vinha a imagem dos dois brigando e com insinuações. Quando questionava Saga sobre a razão daquilo, sempre esquivava-se do assunto. Foi então que lembrou da estrela das duas estrelas da constelação de Gêmeos, a estrela que viu se apagar naquela noite.

— Sei que esteve treinando esses dias com o mestre, aproveite a folga de hoje. Só cuidado com a Jisty! — continuou, distraída, servindo-se de água.

Aelia nem percebeu o estado catatônico de Selene, mergulhada naquelas lembranças, com aqueles vislumbres e tudo parecendo se encaixar. Era aquilo que os dois escondiam dela e motivo de tantas brigas e discussões? Os dois estavam para se confrontar pela Armadura de Ouro de Gêmeos, a mesma que ela entregara no terceiro templo Zodiacal quando os reencontrou.

Olhou para o céu, como se pudesse ver naquele momento as estrelas e lembrando, mais uma vez, da estrela perdendo seu brilho. Aquilo a fez gelar, fazendo-a seguir rápido em direção ao anfiteatro numa corrida acelerada.

"Como não percebi isso antes... Como poderia não ter percebido isso antes!?", dizia para si mesmo em seus pensamentos e teleportando-se para o mais próximo do anfiteatro.

— Selene...? — chamou Aelia percebendo que a amiga havia desaparecido.

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O anfiteatro nunca estava vazio, sempre havia aspirantes mais avançados treinando sob supervisão de seu mestre, mas também havia os próprios cavaleiros treinando uns contra os outros. Naquela tarde, no entanto, a presença estava concentrada nas arquibancadas de pedras, com cavaleiros já com suas armaduras, misturado a soldados e aspirantes de diversos níveis. Todos estavam ali para assistir um embate peculiar: o nascimento de um Cavaleiro de Ouro.

No alto da pedra a urna de Gêmeos reluzia com o sol, alvo de admiração de todos. Era algo incomum, pois um Dourado geralmente era nomeado pelo próprio Grande Mestre, e geralmente entre aqueles sagrados cavaleiros. Contudo, aquilo fora uma recomendação do próprio Sólon, o antigo Cavaleiro de Gêmeos e mestre dos dois aprendizes que chegara ao Santuário com eles há cinco anos.

Muito doente, procurou o Grande o mestre com sua indicação sabendo que não poderia ele fazer o teste final para escolher. Dias depois ele faleceria, em virtude dos ferimentos de uma missão. Agora, era chegado o dia, e os dois aprendizes, Saga e Kanon, se encaravam no centro do anfiteatro.

Shion, o lendário Cavaleiro de Ouro de Áries que herdara o Santuário escolhido pela própria Athena, quase não mais aparecia em público, somente em raras ocasiões. Ao seu lado estava seu jovem 'irmão' Arles, assistindo-o conforme possível. O elmo dourado do Grande Mestre reluziu tão como a urna dourada, criando uma sombra em seu rosto. Um movimento e todos presentes que estavam mergulhados em burburinhos, silenciaram.

— Em raras ocasiões um confronto acontece para a disputa de uma Armadura de Ouro, e se isso acontece hoje é em memória de seu antigo Cavaleiro e mestre daqueles que hoje disputam para ser seu sucessor. Hoje, nesse momento, haverão de provar serem dignos disso.

Selene tocou o chão, não com a suavidade de sempre, mas já criando uma rápida e curta corrida ao anfiteatro, ficando no ponto mais alto daquele estádio em ruínas. Apoiou-se numa das pilastras e buscava-os dentre todos até que conseguisse localizá-los. Ouvia o Grande Mestre fazer seu pronunciamento com a atenção de todos, com Arles ao seu lado.

— Ao vencedor desse combate, sagrarei como o Cavaleiro de Ouro de Gêmeos. — encerrou o Grande Mestre. Saga e Kanon, que até então estavam de frente para o Patriarca, se voltaram um para o outro e ganharam certa distância. Era o momento da decisão.

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— Isso não te preocupa? — indagou Saga sentado nas arquibancadas do anfiteatro olhando os aspirantes, voltando-se de novo para Kanon, um degrau abaixo dele que se virou para fitá-lo. Ambos estavam com 14 anos naquela época, há um ano que estavam no Santuário. — Um dia poderemos ser nós dois aqui, lutando um contra o outro.

— Por que acha isso? — indagou Kanon comendo um pedaço de pão. — Viemos aqui para ser cavaleiros e seremos cada um com sua armadura.

— Sim, eu sei, mas... — Saga se calou, deixando o vento despentear seus cabelos que, àquela altura, caía pouco abaixo dos ombros. — Apenas estive pensando nisso. Vendo a luta aqui hoje pela armadura, pensei se um dia poderemos ser nós dois.

— Hum, isso é óbvio! Mas, não entendendo o porque de achar que podemos ser um contra o outro. Pode não ser.

— Como também pode ser. Quem sabe um dia não herdamos a armadura do mestre. Nunca pensou nisso? Nunca pensou que ele tem sido exigente conosco para um de nós sucedê-lo?

Kanon não respondeu, apenas ficou a observar o irmão parando de mastigar naquele momento e olhando para o anfiteatro.

A partir daquele dia cada um buscava ser o melhor, e Kanon, pouco a pouco, mudara, tornando bem mais obstinado — e violento também — nos treinamentos levando a sempre ser chamado atenção por Sólon. E como Saga havia imaginado, ambos estavam ali, aos olhos de todos, cada um, a se enfrentarem pela armadura de seu mestre.

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— Está se lembrando, Saga? — disse Kanon quebrando o silêncio e fazendo posição de luta. — Eu também me lembrei do que disse naquele dia, e como suspeitava, aqui estamos lutando pela armadura de nosso mestre. Quem de nós dois será digno dela? Você ou eu?

Saga não respondeu. Manteve sua expressão séria e adotando posição de luta. Diferente de antes, não era um treinamento. Cada um buscaria ser o melhor e não mais limitariam suas habilidades e técnicas aprendidas.

Ainda estava fraco, mas cada um começou emanar seu cosmo, o que deixou Selene ainda mais aflita, quase cravando as unhas na pilastra. Respirava pesado, ofegante, sem tirar olho do centro do anfiteatro. Todos estavam excitados, observando fixamente, e então o primeiro passo foi dado fazendo o povo vibrar eufórico.

A primeira ação partiu de Kanon sobre Saga que se esquivou com maestria, mas não evitando o golpe com a perna do irmão da qual precisou segurar com as duas mãos para o bloqueio, dando abertura para um ataque nas costas com tamanha força que cuspiu sangue.

O mais velho olhou para o irmão, esse pronto para deferir mais um golpe, mas falhou, segurando-o pelo punho, apertando com força suficiente para que o público ouvisse o estalar dos ossos.

Kanon trincou os dentes e percebeu que o irmão giraria seu braço e acompanhando, fazendo um salto estrela para o lado, mas Saga foi rápido o suficiente para esperá-lo tocar o chão e golpeá-lo na boca do estômago, sendo ele agora a cuspir sangue e sentir as dores.

O público ovaciona, prendendo a respiração a cada golpe, exceto Selene que assistia a tudo com angústia consumindo-a por dentro.

— Não vamos chegar a lugar algum assim, Saga... — dizia Kanon se recuperando, arfando, colocando-se novamente em posição de luta.

— É verdade. Conhecemos os golpes de cada um. Cada passo nosso é previsível. — respondeu Saga lançando um rápido olhar para o público. — Ao menos estão se divertindo com isso. — respirou fundo, mas também arfava.

— Não estou aqui para servir de espetáculo. Nenhum de nós estamos. Temos um único objetivo, e ela está ali em cima daquelas pedras. Nós dois a queremos, mas apenas um será escolhido. — e Kanon sorriu, franzindo o cenho. Era uma expressão um tanto malévola, acompanhada de um riso contido que fez ascender gradativamente seu cosmo. Saga, por sua vez, não respondeu, apenas também ascendia seu cosmo, o que provocou ainda mais euforia a todos.

Os olhos de Selene estavam fixos nos dois irmãos, engolindo a seco, inquieta. Assistindo ambos ascenderem seus cosmos, seus olhos pareciam enxergar lembranças nem tão distantes de tudo aquilo.

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— Tem certeza disso? Não estou muito certo sobre o que pretende, Selene. — indagou Kanon de braços cruzados e observando-a caminhar alguns passos à frente.

Era início de noite e estavam num campo mais aberto, uma zona intermediária entre o Campo das Amazonas para o caminho que levava a Rodório. Selene parecia contar os passos, ficando cerca de dez metros de distância de Kanon, sisudo, franzindo o cenho desconfiado.

— Você disse que queria a minha ajuda, não foi? Então, qual a dúvida? Sou a única capaz de suportar o ataque. Confia em mim! — disse ela se colocando de frente para ele e relaxando os braços.

— E se não conseguir segurar? Eu não poderei...

— Confie em mim, Kanon! — disse Selene cortando-o bruscamente.  — Assim como você eu preciso saber o quanto também posso suportar o ataque e precisar aumentar minha defesa. Será uma troca: você verá o quanto consegue me atingir e eu o quanto consigo bloquear. Se perceber algo, posso me teleportar. Não se preocupe comigo.

Houve breve momento de hesitação antes que Kanon queimasse seu cosmo, assim como Selene. Ambos mantinham os olhos fixos um para o outro até que Kanon executou seu ataque. Selene, por sua vez, esticou o braço e parecia segurar um grande escudo invisível, segurando a rajada de poder lançada.

Foi um poder gigantesco da qual foi preciso uma ação rápida antes de seu escudo de desfazer e ver Kanon suspender o ataque quando o escudo se quebrou.

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Um grande baque ouviu-se na arquibancada, mas não foi aquilo que a assustou, mas de ver o choque de forças de cada um como se dois fios desencapados se chocassem criando faíscas. Ambos deram um salto alto para um golpe no ar, gerando atrito e caindo um de costas para o outro, criando um baque surdo no chão: Saga caíra em pé, girando rápido para ficar de frente para Kanon, enquanto este encostara um joelho no chão e equilibrando-se e voltando a se colocar de pé. O mais velho recebera um corte no rosto que sangrava, enquanto Kanon sentia o golpe recebido na boca do estômago.

Ambos se colocaram mais uma vez em posição, mas não de luta como antes. As mãos estavam posicionadas similares como da armadura em sua forma como viu em Jamir antes mesmo de seguir definitivamente para o Santuário. Ficaram paralisados por alguns minutos, aumentando a expectativa de cada um.

Selene parecia ter prendido a respiração enquanto observava aquilo, alternando seus olhos para o Grande Mestre ao lado de Arles, estes dois atenciosos para os dois irmãos, e depois para a urna, reluzente sobre o sol quando uma rápida nuvem o cobriu gerando uma sombra momentânea no pátio principal. A garota observou aquilo e sua íris se contraiu naquele momento com a imagem da qual somente foi capaz de enxergar. Os seus olhos faiscaram naquele instante, reluzindo forte brilho

No pátio, Kanon e Saga ergueram seus braços cruzando-os no alto, tal como estavam seus cosmos que envolviam seus corpos. Shion e Arles sentiram a força que emanava daqueles dois irmãos e não podia deixar de admirar aquilo. Foi como Sólon o havia dito quando o procurou.

— Ambos são fortes candidatos a suceder-me como Cavaleiro de Ouro de Gêmeos, mas sei que apenas um pode ser escolhido. — disse Sólon diante do Grande Mestre em posição de respeito e subjugo, ajoelhado com a direita no chão e apoiando-se na esquerda. — Caberá sua estrela guardião escolher dentre eles um dia. Um embate entre eles é inevitável!

Os cosmos de ambos aumentaram violentamente para o espanto até mesmo de Shion e Arles. Era uma força esmagadora que ambos concentravam e que atacaram um contra o outro, criando tamanha explosão, levando todos a cobrir os olhos com o choque criado.

Quando Shion e Arles voltaram a observar, tiveram a certeza de ver, meio a nuvem de poeira que se levantou, pequenos cristais se dissiparem ao vento e desaparecerem como poeira estelar.

Aqueles que assistiam ao embate, tossia, recolhia-se, colocavam-se de pé para entender o que aconteceu. De pé, centro do anfiteatro, uma silhueta de pé, arfando, os braços ainda levantados e que descia vagarosamente. O corpo brilhava de suor, junto com o sangue do corte em seu rosto e o cabelo colado sobre a pele.

Saga estava de pé, seus olhos buscando dentre a nuvem de poeira por alguém, mas não havia ninguém mais além dele naquele pátio. Todos no anfiteatro também procuravam pelo segundo irmão, mas não havia qualquer vestígio dele.

Havia sido pulverizado com aquele golpe?

Selene estava caída, arfando, atrás de uma pilastra. Olhada por cima dos ombros em direção ao anfiteatro, depois para as proximidades. Ainda usava sua máscara, mas sob ela balbuciava algo e se levantou, com certa dificuldade, apoiando-se na pilastra. "Kanon...?", pensou ela, olhando em direção do anfiteatro mais uma vez e para Saga, de pé, ovacionado. Arles olhava a cena abismado, mas percebeu uma segunda presença e olhou por entre as arquibancadas, subindo os degraus e vendo Selene mais alto e esta desaparecer.

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Uma forte luz se abriu antes que um corpo caísse e criando um buraco com sua queda. O baque fez cada osso de seu corpo estalar, cada músculo se contrair. Foi como se sentir esmagado. Moveu o braço com dificuldade, buscando apoio no chão. Os dentes estavam trincados, sujos de sangue pelo corte provocado. Cuspiu o sangue na boca e se levantou, mas caindo de novo. Quando abriu os olhos, viu-se num campo de terra batida e vegetação rasa. Conhecia aquele lugar, e não estava tão distante assim do anfiteatro. Tentou se levantar, com muita dificuldade e parando quando ouviu alguém chamá-lo.

— NÃO SE APROXIME DE MIM! — exclamou Kanon com uma expressão que era de puro ódio naquele momento. Ainda estava caído no chão, olhando para Selene que paralisou seus passos, fitando-o assustada. — N-não... Não se apro-aproxime... de mim, Selene! — e colocou-se de pé, com muita dificuldade, cambaleando.

Selene tentou mais uma vez se aproximar, mas foi impedida com um movimento das mãos de Kanon, afastando-se mais da garota. Os seus olhos estavam vermelhos, irritação provocada pela nuvem de poeira que havia se levantado que faziam lacrimejar. No entanto, sua expressão era séria, carrancuda. Selene o chamava, praticamente o implorava com a voz embargada, esticando o braço em direção dele.

— Eu vi, Selene. E-eu vi o que fez... — ele riu de maneira nervosa, deixando escapar mais um filete de sangue do canto de sua boca enquanto maneava negativamente. — E-eu vi o que fez, e me pergunto porquê. Por que, Selene...?

— Kanon, e-eu... eu... Eu não tive escolha. Eu precisei fazer aquilo...

— Precisou? Você precisou!? — ele começou a rir de maneira contida, aumentando seu riso, gargalhando em uma mescla de nervoso e raiva. Ela apenas o observava, ofegante pelo nervosismo de tudo que acontecera naqueles rápidos minutos. — Você tem ideia do que fez, Selene? — ela tentava falar, mas ele ignorava completamente, aproximando-se cada vez mais dela. — Tem ideia do que fez? Era a minha oportunidade, a minha única oportunidade de ser o melhor e você interferiu, e por quê? Por que, Selene? Eu digo! Por ele! É, Selene. Foi por ele!

Selene maneava negativamente. Kanon não poderia ver a expressão de horror de Selene por baixo de sua máscara. Cada vez que ela tentava falar, era silenciada, interrompida por Kanon que se aproximava cada vez mais dela, enquanto Selene recuava aos mesmos passos.

— Você bloqueou meu ataque junto a ele, anulando nossas forças com seu escudo... Como pôde... Como pôde FAZER ISSO!? —gritou, invocando seu cosmo e concentrando em seu punho e buscando acertar Selene num só golpe sem qualquer hesitação. Pressentindo a ameaça, ela se teleportou, conseguindo evitar o ataque. — VOCÊ DESTRUIU A MINHA ÚNICA CHANCE, SELENE!

O golpe atingiu em cheio uma pedra, pulverizando-a por completo. Porém, aquilo apenas despertou mais sua ira, voltando seus olhos às suas costas e deferindo outro ataque, quando Selene surgiu. O tempo que Selene teve foi apenas de criar um escudo contra aquela rajada, mas ela estava fraca pelo que tinha feito há poucos instantes e não conseguiu conter o suficiente, fazendo seu escudo se quebrar e receber parte do ataque.

Embora não tivesse a potência inicial, foi forte suficiente para atingi-la, principalmente no rosto arrancando sua máscara, e jogá-la contra a parede rochosa. Selene sentiu o corpo bater violentamente no chão. A máscara rodopiava no chão e foi bloqueada com os pés de Kanon que a tomou em mãos rindo.

Selene se levantava, o cabelo caindo sobre seu rosto, com certa dificuldade. Àquela altura, não se importava que estava com o rosto nu. Ela chorava, levantando a cabeça para fitá-lo, engolindo as lágrimas enquanto o ouvia rir, gargalhar em sua raiva e frustração.

Quando se voltou para ela, Kanon parou de rir. Ainda tinha raiva e desprezo, mas também admiração e encanto. Certamente ele jamais viu um rosto tão belo, de traços tão perfeitos, desde os olhos violetas amendoados aos lábios rosados que, mesmo com o corte, não perdia sua beleza.

— Precisou isso para que visse esse seu rosto, Selene? Era você que se escondia por trás dessa máscara? — disse ele ainda segurando sua máscara, enquanto ela apenas o acompanhava com os olhos, sentada sobre as pernas, as mãos ainda no chão. — Esperei tanto para isso e precisou ser no exato dia que fode com a minha vida prestigiando o Saga...

— Isso não é verdade... — insistia ela fechando momentaneamente os olhos e deixando uma lágrima ganhar sua face. — Não foi assim...

— Ah não? Está me dizendo então que não criou aquela barreira para bloquear o meu ataque!? HAHAHAHAAA!!! — gargalhava Kanon, também deixando a lágrima escorrer de sua face ainda pela irritação, impedindo Selene de falar. — EU VI SUA MALDITA BARREIRA, SELENE, ATÉ QUANDO VAI MENTIR...?

— AQUELA BARREIRA FOI PRA SALVAR VOCÊ, KANON! — gritou ela silenciando-o de uma vez. — Aquela barreira... não foi para o Saga. Foi pra você...!

Os olhos de Kanon eram agora de perplexidade. Os seus olhos estavam congelados sobre Selene que ainda o fitava. Ele recuou alguns passos, arfando como um animal acuado prestes a atacar, maneando negativamente. Tentava dizer algo, mas apenas seus lábios se moviam sem dizer uma única palavra. A risada tinha sido silenciada, e Selene que quebrou o silêncio.

— A minha barreira não foi para bloquear nenhum ataque, foi para proteger você do Saga, Kanon... — Selene se levantava, o cabelo caindo sobre sua face, suja com filete de sangue pelo corte na boca. — E-eu apenas...

— Está me dizendo... Está me dizendo que me protegeu do golpe do Saga...? — cortou Kanon ainda fitando-a perplexa, mas ainda com raiva em sua expressão, respirando pesado. — Um escudo em mim como... como se... como se eu não fosse capaz... capaz de sobrepujar a técnica dele...? — Selene fechou os olhos, respirando fundo. Não queria ter de responder, mas ele compreendia bem o que ela queria dizer, mordiscando os lábios e voltando a fitá-lo. — Está querendo me dizer que o Saga...

— Tão como treinava com você, Kanon, eu também treinava com Saga. Não há ninguém capaz de fazer um comparativo de poder dos dois que eu. — dizia ela, olhando-o com pesar, lamentando ter de dizer aquilo de maneira tão dura, deixando mais uma lágrima ganhar sua face. — Sinto muito dizer isso, mas...

— BASTA! — grita, calando Selene que apenas estremeceu, engolindo as lágrimas. Kanon a fitava num misto de raiva, frustração, humilhação. Olhava a máscara dela em mãos, sentindo desejo de esmagá-la. Ele se volta para ela, sério, os olhos vermelhos pela raiva, pelas lágrimas e jogando a máscara em sua direção, aos seus pés.

Selene apenas o observava, triste, silenciosa. Não se moveu quando o viu se aproximar e parando ao seu lado. Kanon, tanto quanto Saga, eram relativamente alto, já em seus quase 1,80m, enquanto ela não tinha mais que 1,67m. Kanon a olhou mais uma vez, intencionando a tocar seu rosto.

— Não espere que te agradeça pelo que fez a mim... — e se afastou, deixando-a ali, sozinha.

Olhou a máscara próxima aos seus pés e se abaixou, tomando a máscara em mãos, mas não levantando em seguida, pelo contrário. Foi como se um grande peso caísse sobre seus ombros e a fizesse cair sentada, levando uma mão ao rosto e permitindo as lágrimas virem à tona num choro silencioso.

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O céu começava a ganhar tons laranja, um belo crepúsculo de fim de tarde do gradiente azulado. Selene observava a paisagem tão distraída e absorta em pensamentos que não ouviu ou sentiu qualquer aproximação às suas costas, somente quando ouviu alguém chamá-la e reconhecer aquela voz. Não se assustou, nem mesmo se surpreendeu.

O que fez foi apenas abrir os olhos, fechados por baixo da máscara e se virar lentamente. Alguns metros ela viu o sol tocar sobre a bela armadura dourada sobre as placas reluzentes de Gêmeos que cobria o corpo de Saga. Ele não usava o elmo, carregava debaixo do braço. A sua expressão era séria como de costume, os olhos verdes penetrantes a fitando.

— Selene, eu... desculpe não ter contar antes. Eu queria... — dizia Saga buscando pelas palavras, mas o que sentiu foi seu rosto virar, queimando por uma tapa deferida por Selene.

Manteve o rosto virado ainda por alguns instantes, os olhos fechados que foram abrindo vagarosamente. Primeiro virou seu olhar para ela, depois o rosto para fitá-la. Não precisava remover a máscara para ver que ela chorava.

Ela ainda mantinha a mão alta, trêmulos e levemente feridos por conta da investida de Kanon hora antes, a cabeça baixa num choro silencioso. Ele a puxou pela mão para junto dele, em silêncio, apoiando sua cabeça sobre o dela sussurrando desculpas que a fez chorar com mais vontade.

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— Eu queria contar. Não quis esconder isso de você, mas... — Saga estava sentado recostado numa grande pedra, olhando em direção ao Santuário que, aos poucos, mergulhava na noite. Selene estava de costas para ele, os braços esticados para trás, as pernas cruzadas, de pé alguns metros frente a ele, silenciosa. — Não quisemos te preocupar com isso.

— Quanto tempo isso? — indagou Selene ainda de costas, mantendo a posição, o olhar perdido no horizonte.

— Praticamente desde quando o mestre Sólon morreu, ou antes disso. — respondeu ele, com os cabelos esvoaçando com a brisa. — Ele sempre deixou isso claro, mas optamos por ignorar, nos enganar quanto a isso. Quando você apareceu, algumas semanas depois durante um treinamento lembramos disso e prometemos guardar entre nós, de não lhe contar nada.

Selene se voltou para o Saga, os cabelos cobrindo seu rosto coberto pela máscara. Cruzou o braço direito sobre o corpo de modo a segurar o outro braço. Na verdade, sentia-o dolorido, e tinha alguns leves arranhões. Saga observava aquilo, mas nada comentara antes, mas tinha ciência do que aconteceu. Ele percebeu o que tinha acontecido durante o embate.

Naquele momento, o choque de poder de ambos fora magnânimo, concentrando o poder deles por alguns milionésimos de segundos até que a sua sobrepujou ao de Kanon e acertando-o. Seria capaz de pulverizá-lo se ele não tivesse desaparecido.

— Desculpe-me. Eu tenho sido uma idiota ultimamente e... — ela mostra a mão em sinal da tapa e fechou os punhos, tocando os nós dos dedos que ficaram feridos.

— Foi ele que te fez isso? — Saga a fitava incisivamente, e Selene se voltou para ele, recolhendo as mãos como se tentasse esconder dele, em vão. Ela parecia buscar palavras para se explicar, e Saga apenas suspirou. — Sabe pra onde ele foi? Ele não pode sumir, isso seria considerado deserção ou algo assim. — ele arqueia o semblante e maneia negativamente.  — Mas Kanon nunca se importou com as regras.

—  Não disse, e não me diria, não depois do que aconteceu hoje. — disse com tom de voz triste que fez Saga fitá-la. Selene observava um canto qualquer, parecendo querer evitar olhar para o Saga desde a tapa que lhe deu. Parecia envergonhada não somente com aquilo, mas pelo que tinha feito. — Eu não o culpo pela sua raiva...

A expressão de Kanon para com ela quando jogou a máscara aos seus pés não seria tão cedo esquecido por Selene. Havia, no entanto, algo maior que isso, pois foi capaz de ver mais que a raiva de tudo aquilo. Ela havia lido seus sentimentos naquele momento quando ela gritou que o protegera e dizer sobre Saga superá-lo naquele momento.

Selene sentiu seu peito ser comprimido, uma crescente angústia que compartilhava do irmão mais novo. E estivera não absorta pensando naquilo que não percebeu Saga se aproximar, somente uma flor de pétalas arroxeadas com nuances prateados em reflexo com a luz bem próximo ao seu rosto. Inconscientemente levantou a mão para tomar a flor.

— Não se culpe por isso. Kanon é muito bom em fazer as pessoas se sentirem culpadas por suas transgressões. — diz fitando-a, precisando olhar pouco para baixo para olhá-la. Segurou a mão de Selene para entregar a flor de íris. — Já deveria ter aprendido com ele, não?

Pareceu haver hesitação de ambas as partes até que ambos pareceram desviar, recuando um passo cada um. Selene ficou observando a flor em suas mãos, e aquilo pareceu animá-la um pouco mais com sorriso que pareceu audível naquele momento, fazendo nascer um discreto sorriso em Saga que a admirava àquela altura.

— Obrigada, Saga. Desculpe-me pelos últimos dias. Eu... — ela o olhava e riu baixinho, levando a mão  na altura dos lábios. — Veja isso. Hoje deveria ser um dia marcante pra você. É agora um... um Cavaleiro de Ouro de Gêmeos!

Saga baixou o olhar, abrindo mais o sorriso. Olhou para as mãos, vendo a lua reluzir o dourado das placas da armadura. Ele até tinha esquecido que usava a armadura naquele momento.

Quando a vestiu ainda no anfiteatro, com seu cosmo indo de encontro ao da urna, jamais sentiu algo tão poderoso. Era como se ambos tivessem se tornado um. Caminhou em direção do Grande Mestre que o sagrou o Dourado de Gêmeos, e Saga jurando sua lealdade à deusa Athena e herdar aos ensinamentos de seu mestre, o antigo cavaleiro de Gêmeos Sólon.

— E em breve será você, Selene.

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Naquela noite, pouco antes de dormir, Selene escrevia algumas notas, deixando a flor meio ao caderno e passando a ponta dos dedos nas flores, fechando os olhos e lembrando daquele momento em que ele lhe entregara aquela flor.

O toque de cada um foi como descarregar uma corrente elétrica em seu corpo, fazer crescer um desejo que há muito reprimia, mas que não mais podia guardar para si.

Olhou para o céu limpo e estrelado daquela noite e observando claramente Gêmeos e suas duas estrelas alfas, tão como Saga da Casa de Gêmeos com sua capa esvoaçando junto de seus cabelos. Estava absorto em pensamentos tão como Selene sobre aquele fim de tarde.

Ele não mais podia reprimir aquilo. Era o momento de falar, de se declarar. Não havia mais qualquer obstáculo quanto a isso, e sentiu que não era o único.


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Notas finais do capítulo

No próximo capitulo...Um corte nas lembranças para um interlúdio com Quine junto ao Campo das Amazonas e de encontro à misteriosa amazona.



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