Red Hood escrita por Hannah Mila


Capítulo 1
Garoto Novo


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem!



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Chloe Isabelle Winters se sentia melhor do que nunca ao subir as escadas do porão.

Na maioria dos dias, Chloe era amarga e solitária, e eram poucas as vezes que ela sorria ou mesmo tinha uma conversa de verdade com alguém por dia. Porém, uma vez por mês, ela ficava com uma aura de felicidade à sua volta, porque uma vez uma mês ela podia descer ao porão e treinar arco e flecha.

Três anos atrás, Chloe havia recebido uma caixa de madeira com um arco e uma aljava com vinte e cinco flechas pelo correio. Nada de remetente. Apenas um post-it com o endereço da casa de Chloe e seu nome entalhado caprichosamente na tampa da caixa.

De início, sua mãe quis jogar tudo fora e esquecer daquilo. Estava estressada e até ligeiramente deprimida, já que o marido havia morrido há pouco tempo. Mas ao ver o olhar no rosto de Chloe ao ver o arco e flecha, ela deixou que a filha mantesse os objetos e até treinasse com eles – com uma condição: ela o faria sozinha, em segredo.

– Podemos arranjar problemas – justificou a mãe.

E problemas não é exatamente o que precisamos agora” pensou Chloe secretamente.

Chloe voltou ao presente e olhou para as escadas que levavam ao primeiro andar, que tinha uma escada que levava ao sótão, onde a família Winters morava. Eles moravam em uma mansão nos arredores do Brooklyn, que fora dividida em cinco apartamentos: dois no térreo, dois no primeiro andar e um no sótão, o mais precário e barato, onde sua família morava.

Ela não queria ir para casa. Sua mãe estaria fora, trabalhando. Seus irmãos, Michael e Tobias estariam sentados à mesa de jantar (que na verdade era uma porta em cima de quatro tijolos) fazendo o dever de casa incrivelmente rápido com seus cerebrozinhos nerds. Chloe daria oi para eles e iria para seu quarto, que era uma cama separada por cortinas do quarto de seus irmãos. Tiraria um livro debaixo da cama, se deitaria e o leria até a hora do jantar, quando iria se levantar e pedir uma pizza, ou comida chinesa, ou algo assim para ela e os irmãos. Eles comeriam, assistiriam TV e iriam dormir. E, muito depois que eles já tivessem adormecido, sua mãe chegaria, comeria os restos do jantar, e iria dormir, e quando as crianças acordassem, ela já teria saído para o trabalho.

Encarou a escada por mais dois segundos e então, deu meia volta. Não, não queria ir para casa. Não faria diferença. Seus irmãos tinham, com seus 10 anos, três vezes o QI de Chloe. Eles podiam se virar.

Ela saiu da grande mansão rústica, feita de pedras cinzentas. Do lado de fora, havia um caminhão de mudança. Homens levavam caixas do caminhão para a casa, e uma família estava observando-os trabalhar. Eram um homem forte com a cara séria ligeiramente familiar, uma mulher vestindo um tailleur (ela devia ser algum tipo de dama da sociedade) e um adolescente de cabelos castanhos vestindo uma camiseta do AC/DC, sentado no chão.

– Keegan, levante-se – falou a mulher rispidamente para o filho, que fez um gesto de pouco caso e se levantou.

Chloe deu as costas para os novos vizinhos e seguiu para os fundos.

Os fundos do lugar eram abandonados. Havia um bosque logo após o quintal, cuja grama não era cortada há tempos. Em um canto, havia uma quadra poliesporte, e em outro, um playground infantil, com um esgorregador enferrujado, uma caixa de areia, e um balanço.

Chloe se sentou no balanço e encarou o bosque. Muitas vezes especulou o que haveria lá dentro. Animais, sem-tetos, coisas mágicas, etc... Mas nunca chegara a entrar naquele emaranhado de árvores e arbustos.

– Então, acabamos de nos mudar para a nova casa. É bem legal... Quando puder, me liga, está bem?

Chloe virou a cabeça bruscamente. O garoto novo, “Keegan, levante-se”, estava caminhando pela grama alta, checando um iPhone que Chloe jamais teria.

Ele pos o telefone no bolso e levantou a cabeça. Encarou Chloe por alguns segundos, e depois sorriu e sentou-se no balanço ao lado dela. Chloe, por sua vez, encarou-o.

Pôde observá-lo melhor agora. Seus olhos eram verdes escuros, seu cabelos castanhos pareciam propositalmente despenteados. Seu nariz arrebitado e seu queixo para cima fizeram Chloe ficar irritada. Essa era exatamente a postura dos atletas que a empurravam contra os armários da escola.

Mas os olhos do garoto diziam que ele não era o tipo de pessoa que jogaria ela contra um armário.

Ele estendeu a mão direita.

– Meu nome é Keegan – disse – Keegan James.

Chloe continuou encarando ele. É claro que fazer isso dava ao tal Keegan uma ótima impressão sobre ela. Ele recolheu a mão, mas sorriu.

– Você é bem antipática, não? - disse ele.

O garoto foi tão direto que pegou Chloe de surpresa. Ele alargou o sorriso.

– É, eu sou bem assim – ele disse – Mas acho que você é legal. Qual o seu nome?

Chloe hesitou, mas disse:

– Chloe Winters.

– Winters? - ele repetiu – A sua família não é dona daquela loja no Shopping Liberty? Winters Eletronics?

– É – disse Chloe – Como você sabe?

– Meu pai cuidou do assalto que aconteceu lá quatro anos atrás.

Chloe estremeceu e tocou sua coxa. Ela quase conseguia sentir a bala entrando em sua perna, e sua pele ardendo como se estivesse em brasas.

– Atiraram em você, não foi? - perguntou ele.

Chloe encarou-o e assentiu. Ele apenas suspirou. Sem “sinto muito”. Sem “deve ter sido horrível”. Sem essas coisas óbvias e idiotas que as pessoas falam tentando ser educados.

– Seu pai é policial – perguntou Chloe, lembrando vagamente de um homem de uniforme falando para ela se acalmar.

– É – Keegan bufou. Chloe fitou-o.

– Você tem algum problema – disse ela – Com seu pai.

– Não exatamente com meu pai – ele respondeu – Ele é legal. Ele tem seus motivos quando faz algo ruim. Minha mãe que é o problema.

Chloe queria perguntar o que ela tinha feito, mas Keegan mudou de assunto:

– E a sua família, hein? - ele deu um sorrisinho de deboche – Alguma história interessante?

– Não – Chloe disse sem hesitar. Se ele podia manter segredos, ela também podia – Só uma típica família da cidade de Nova York.

– Vou fingir que acredito nisso – Keegan balançou-se. Para a frente e para trás, para a frente e para trás.

Chloe fingiu inocência:

– Perdão?

– Não se faça de boba – respondeu Keegan – Eu sei quando as pessoas estão mentindo – ele sorriu superiormente – É um dom.

Chloe fez uma expressão de desprezo.

– Eu não vou contar a história da minha família para um estranho.

– Eu não sou um estranho – ele se fez de ofendido – Sou seu vizinho.

– Meu novo vizinho – Chloe acrescentou – E mesmo que fosse meu amigo mais antigo, eu não diria nada.

– Me deixe adivinhar – Keegan disse – Você tem um problema para confiar nas pessoas.

– Acho que sim – concordou Chloe.

– Você acha? - disse Keegan erguendo uma sobrancelha. Chloe deu de ombros.

– Eu só gosto de acreditar que eu sou a única pessoa que pode entender a mim mesma – disse. Keegan ficou quieto, absorvendo suas palavras.

– Poético – comentou – Eu devo meio que acreditar nisso também. Não tenho muitos amigos.

Chloe ergueu as sobrancelhas. Ele não parecia do tipo solitário.

– Nem eu – foi tudo o que ela disse.

Keegan balançou-se novamente. O ranger do balanço deixou Chloe inquieta.

– Eu costumava ter a minha irmã – ele disse, como quem não quer nada.

– Costumava? - perguntou Chloe.

– É. Ela fugiu de casa. Odiava ouvir as brigas dos nossos pais. Odiava ver eles metendo a gente no meio, ameaçando nos separar. Às vezes ela me liga. Ou me manda uma carta. Ou um presente de aniversário. Mas eu nunca sei direito onde ela está.

Os dois suspiraram, balançando-se para frente e para trás.

– Sua vez – disse Keegan, com um sorriso malicioso nos lábios – Eu contei meu problema de famíllia. Agora conte o seu.

– Não – discordou Chloe – Você trapaceou.

Keegan olhou para ela e fez beicinho. Chloe riu.

– Legal – disse ele – Um sorriso. Talvez você não seja um robô. Agora...

Chloe olhou para a casa. Fechou os olhos e visualizou o rosto do pai. Ela fazia isso algumas vezes por dia. Temia que, se não fizesse, esqueceria dele.

– Eu costumava ser mais legal – ela começou – Eu tinha amigos, e todas essas coisas. Isso há quatro anos atrás.

“Eu fiquei um pouco... Louca... Quando meu pai morreu em um acidente de moto. Eu não queria aceitar. As pessoas me diziam para seguir em frente, mas eu não podia seguir em frente. Ele era muito importante para mim.

“Eu fiquei deprimida. Matava aula para ficar olhando para o túmulo do meu pai no cemitério. Passava horas na cama, sem fazer nada. Meus amigos se afastaram de mim. Me rotularam como o “filhinha do papai louca”.

– Que crueldade – comentou Keegan.

– O mundo real – respondeu Chloe.

– Que se dane o mundo real – Keegan estava mesmo revoltado – Me diga onde esses aí moram para eu dar um chute épico no traseiro inútil deles.

Chloe riu. Keegan deu a ela um sorriso estranho.

– É – ele disse – Talvez você não seja mesmo um robô.


Keegan James, afinal, não era de todo ruim.

Quando o sol começou a se por, ele perguntou se Chloe não queria jantar na casa dele, pegando-a de surpresa outra vez. Chloe disse que sim, e depois de passar rapidamente no seu próprio apartamento para avisar os irmãos que iria jantar fora, ela estava adentrando na casa dos James.

Nem todos os móveis estavam no lugar, e havias caixas e mais caixas e mais caixas e mais caixas e mais caixa e mais caixas. Muito mais coisas do que a família de Chloe jamais teria.

A Sra James ainda vestia o tailleur e saiu de Deus sabe onde.

– Keegan, você se meteu no mato ou algo assim – ela tirou algumas folhinhas do ombro do garoto, que pareceu ligeiramente envergonhado.

– Mãe, essa é Chloe Winters – ele disse, e fez um gesto em direção de Chloe – Ela é nossa vizinha. Convidei ela para jantar.

Chloe estendeu a mão. Se sentia um pouquinho envergonhada, sim. A Sra James era provavelmente uma mulher importante, e Chloe estava suja, vestindo um jeans largo e surrado, all stars pretos e uma blusa vermelha justa por baixo da jaqueta preta.

A Sra James apertou a mão da garota. Depois, limpou-a no tailleur – o que provavelmente deveria ser um ato discreto, mas tanto Chloe quanto Keegan perceberam. De repente, Chloe não estava mais tão envergonhada.

– Bom, eu vou fazer o jantar – disse a Sra James – Alguma preferência?

– Hum, eu sou vegetariana – respondeu Chloe.

– Sem problemas – falou a mulher – Fique à vontade, Chloe.

Chloe deu um sorriso falso. Keegan a guiou pela casa até um quarto. Havia uma cama encostada de um lado e uma escrivaninha no outro. Na escrivaninha, um tocador de vinil. Ao lado dele, duas ou três caixas empilhadas, cheias de discos. Haviam muitas caixas fechadas e armários vazios, mas Keegan aparentemente fez questão de pendurar seus quadros e postêres de bandas.

Chloe observou as paredes. Ele tinha um bom gosto. A maioria eram bandas antigas, como The Beatles, The Who, Led Zeppelin, The Smiths. Mas haviam uns poucos de bandas mais atuais, como Imagine Dragons, Paramore, Fall Out Boy... Chloe não tinha nada daquilo. Tudo que ela podia gastar em postêres, ela dava para ajudar a pagar as contas.

– Gostou? - perguntou Keegan, ao ver que ela admirava os postêres.

– Muito – respondeu ela – Seu gosto é muito bom. Além do mais, não tenho postêres no meu quarto.

– Bom – Keegan andou entre as caixas, procurando algo – Eu tenho alguns repetidos em alguma caixa por aqui. Tinha pena de jogar fora, mas acho que posso dar para você – ele olhou para ela e sorriu. Chloe deu um sorriso imperceptível.

– É, isso seria legal – disse baixinho.

Eles se entreolharam sorrindo. E, cada um, finalmente compreendeu o que era uma conexão.


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Notas finais do capítulo

Se gostaram, por favor comentem. Vocês não sabem como doi ver que tem alguém lendo a sua fic mas que não comenta nada.



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