O ladrão

Mas ele confundiu ética com algo solúvel, com algo tóxico. Ele confundiu ética com éter e se tornou, tão oficialmente que doía, um prisioneiro.

No chão da sua cela estava um colchão, rasgado em noites desesperadoras, onde repousava -ou pousava apenas, como uma borboleta- um rapaz. Um ladrão de galinhas.

Estava morto. Morto, como todos nós estamos; bem podre por dentro, corroído, fumegando sem fogo.

O importante aqui é seu falecimento, não sua vida. A vida esvaiu-se num clicar de câmera que congela o momento.

A morte não se esvai, ela chega num para sempre que nunca acaba,que nem aconteceu com aquele ladrão.

Ele estava só naquele corredor de celas, talvez em companhia de uma barata, mas só. Tinha morrido abandonado, ali, numa prisão de lágrimas baratas.

Fora um overdose, sairia no seu atestado de óbito se o mundo não fosse acabar. Uma dose grande demais de solidão, aquela espuma que nos faz virar esponjas.

Bom, mesmo que ele não estivesse morto, iria morrer. As paredes da prisão iam desmoronando, as barras de ferros pareciam solúveis, feitas de manteiga derretida, caindo no rosto frio do ladrão.

O impacto daqueles entulhos na epiderme do rapaz fazia que o sangue semi-quente se derramar pelo solo, lavando e levando a existência dele , que só roubou uma coisa no mundo; a sua própria alma.

Foi nessa confusão, que o ladrão suspirou. Assim, só para contrariar, para mostrar que vivia, vivia morto. E nesse respingo de ar, deixou-se atingir por uma última explosão de gesso e sentiu roubando. Roubando a última fagulha de serenidade do mundo destruído.

''Marvin, agora é só você. E não vai adiantar chorar, vai me fazer sofrer'' Os Paralamas do Sucesso