Deathwish escrita por Nero00


Capítulo 12
Capítulo 12




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ATO 12: Medo, Agonia e Destino
- Você tem que entrar... – eu disse descolando meus lábios dos de Gerard.
- Será que você pode me esperar aqui? Eu volto...
- Claro, espero sim. – fechei os olhos e encostei a cabeça no ombro dele.
Dentro da igreja uma música triste foi tocada. Ele afagou meus cabelos com o rosto, talvez ele também estivesse com os olhos fechados.
- É... – ele disse se afastando de mim, juntando ânimo dentro de si. Nossas mãos iam se soltando aos poucos enquanto ele se aproximava da porta e eu ficava parada onde estava.
Ele encostou as mãos na porta e me olhou interrogativo, “vai”, respondi com o olhar. E ele entendeu, adentrando mais uma vez na igreja fazendo o som sinistro do órgão chegar aos meus ouvidos.
Abracei meu corpo, ainda me deliciando com a sensação de ter tido Gerard junto de mim, sentindo a sua pele, o seu pulsar, a maciez do seu corpo. Eu o amava tanto.
Sentia meus olhos doerem, minhas mãos formigavam com tanta violência quanto expeliam grande quantidade de suor.
- O que está acontecendo comigo? – pensei levando a mão a cabeça. – O que isso que estou sentindo?
Mais uma vez minhas pernas tremeram quase me fazendo cair no chão molhado.
O portal da igreja se abriu. Uma procissão de guarda-chuvas começou a se formar do lado de fora à medida que as pessoas saiam e desciam a escadaria.
O caixão de madeira escura se precipitou para fora da igreja, e lá estava Gerard ajudando a carregá-lo nos ombros. Era algo que ele precisava fazer, talvez fosse um último pedido de desculpas.
- Não me veja assim... – pensei apoiada com uma das mãos no joelho, Gerard olhava para o lado onde eu estava. Atravessei a parede, você poderia me imaginar como um fantasma nessa hora, para o calor da igreja. Quando Gerard voltasse, ele saberia que eu estaria ali dentro, eu senti que ele saberia.
Que perfume era aquele que enchia o ar ali dentro, que eu não havia percebido antes? Parecia uma defumação de aroma adocicado, era inebriante, me deixava com vontade de dormir.
Não havia mais ninguém ali dentro, a ultima pessoa acabara de sair as minhas costas. Aquela igreja era verdadeiramente linda. Rendi-me aquela superioridade divida e me deitei no chão para contemplar as pinturas que existiam no teto abobadado, meu corpo tocou o mármore frio, mas não pude senti-lo, eu era mais fria que a pedra.
Olhei para o teto. Vi anjos, profetas. Vi Deus? Sim, ele também estava lá. Alguns pensamentos vieram junto com as coisas que sentia dentro de mim:
- Será que eu sou parte de você? – disse olhando para a figura ameaçadora e meiga de um homem de barbas branca segurando uma placa com certos dizeres.
Ele não respondeu a minha blasfêmia.
Estiquei o braço e fingi tocar aquele céu dourado, com oliveiras e nuvens em tom róseo. Era para lá que todos que eu tocava iam, disso eu sabia, mas será que o céu era assim como nessa pintura?
- Mesmo que você estique o braço, nunca poderá tocar algo do qual você é indigna. - a voz de Destino me estourou os tímpanos, reproduzida em eco por aquelas paredes santas.
Tentei ergue-me depressa, mas não o suficiente para evitar que Destino caísse sobre mim, me imobilizando com um pé sobre meu braço esquerdo e o outro fazendo uma pressão terrível sobre meu queixo, fazendo minha cabeça ir para trás.
- Eu cai de lá! – ele disse prepotente apontando para o céu. – O Destino é sempre divino!
- Seu ridículo... – respondi com muita dificuldade.
Ele se agachou, pisando em mim. A pressão fazia meus ossos estalarem.
- Surpresa? – ele sorriu maldoso.
- Você sempre tem que aparecer, não é? – dessa vez ele se assustou com o meu sarcasmo, e eu também, parecia mel escorrendo na língua. Mel ou talvez veneno.
- Oh, não seja uma menina mal-criada! – ele riu e depois disse baixinho cheio de prazer – Não na frente de nossos amigos...
- “Amigos”...? – repeti confusa.
O pé que Destino mantinha em meu queixo se afrouxou apenas o suficiente para que eu virasse a cabeça para o lado e visse as figuras de Agonia e Medo. Outros como nós.

Agonia estava sentada em um dos encostos dos bancos de madeira que havia na igreja. De pernas cruzadas, ela se exibia em um vestido vermelho escuro balançando as correntes que tinha presas aos braços de lá para cá. Ela tinha o cabelo curto, de um ruivo fechado, olhos escuros e fundos e a boca costurada por uma linha grossa para que seus lamentos ficassem para sempre presos.
Medo estava sentado de uma forma despojada sobre uma bíblia aberta que um santo gigantesco de mármore trazia na mão. Usava uma capa escura, como a minha, que lhe cobria todo o corpo, algumas mechas compridas de cabelo escuro fugiam como serpentes da proteção do capuz. No rosto ele trazia uma mascara de ferro de aspecto assustador, com pequenas fendas para os olhos, o nariz e a boca.
De todas aquelas presenças a de Medo era a que mais me preocupava.
Ele era meu irmão, andamos juntos por muitas guerras de mãos dadas. Eu o olhava esperando que alguma resposta viesse por de trás daquela máscara.
- O que eles estão fazendo aqui, Destino...? – resolvi dizer ainda dando uma ultima olhada em Medo.
- Eles vieram me ajudar a fazer algo que vai ser muito divertido.
Eu estava cansada de Destino sempre me oprimindo, sempre me machucando por dentro e por fora.
- Sai de cima de mim.
- Oh, pareço ser um caçador sobre uma fera abatida. E é um lindo animal. – ele disse sonhador. Agonia respirou várias vezes seguidas, acho que aqueles sons horríveis era sua risada. Medo não fez nada, apenas revirou a cabeça para o lado.
- Medo! – Destino o chamou. – Veja como derrotei sua querida irmã! – e depois se dirigiu a mim. – Veja como a derrotei, como a tornei submissa, fraca e patética.
Ele afundou mais o pé no meu rosto e não havia mais para onde minha cabeça se inclinar.
- Eu odeio você... – disse inconsciente daquelas palavras.
Destino me olhou por cima do ombro, me estudou com uma expressão infantil.
- Mas eu amo você.
Agonia fez uma nova série de barulhinhos horrendos saírem e ecoarem na igreja vazia.
- Não... – respondi. E ele ficou irado.
- Se você não pode me amar, então também não vai amar a ele! – gritou.
- Me deixe em paz... – disse enjoada, só podendo pensar em fugir para aquele paraíso pintado sob nossas cabeças.
Sentir dor. Uma dor forte, não do peso de Destino sob meu corpo, mas uma dor alucinante na barriga. Era como se um corte fundo fosse se abrindo lentamente e pequenos dedos abrissem caminho repuxando o que havia dentro de mim.
Gemi baixinho. Era terrível, não era como a dor que eu sentia quando alguém morria.
- Então já começou! – ele exclamou. Inclinou-se para ver o meu rosto suado e contorcido. – Sabe que ver você assim, tão frágil, tão mulher... Me provoca excitação?
Um baque surdo fez o chão tremer, conseguir olhar para o lado e ver Medo recém aterrissado no chão se colocando de pé.
Ele pareceu encarar Destino, que retomou a sua posição original e até me afrouxou de seus pés.
- Nos poupe de suas idiotices... – ele disse por trás da máscara, jogando os cabelos para longe da testa metálica com seus dedos brancos. Sua voz era grave, parecida com a de Destino, porém carregada de tédio, às vezes de desânimo. Eu conhecia meu irmão, mas sequer podia imaginar o quê ele fazia aqui, porque estava junto com Destino, que ele tanto odiava?
- Irmão... – eu disse me erguendo sob o cotovelo.
- Cale-se. – ele respondeu ríspido.
Senti sufocar. Uma estranha tose me acometeu, era doentia e sonora. Como se houvesse líquido em meus pulmões. Sim, havia. Descobri quando veio me subindo pela garganta e saiu pela minha boca com velocidade.
Tinha gosto e escoria timidamente pelo canto da boca. Limpei com os dedos. Era vermelho. Era sangue.
Mais dor, mais sangue cuspido e sumindo no tapete vermelho.
- Mas... O que é isso...? – murmurei sem ar. Como era que eu tinha sangue? E que dor demoníaca era aquela?
Agonia se levantou e postou-se ao meu lado, começava a entender porque ela estava ali. Ela serviria Destino com a fidelidade de um cão, sabia que ele só poderia a ter convocado para me fazer sofrer. Apenas a sua presença fazia isso...
Por muitas vezes andei ao lado de Agonia e de sua presença ruidosa. Seu arrastar de correntes me enlouquecia sempre.
- Eu explico. – Destino começou e agachou-se na minha frente. - Um presentinho meu. Lembra quando nos beijamos naquele depósito nojento que chamam de cemitério? Pois bem, eu lhe dei algo não? Algo que lhe fez desmaiar.
Eu lembrava.
Destino se aproximou de mim, ergueu o meu queixo e lambeu o filete de sangue que escorria. Ele fechou os olhos e respirou fundo com um sorriso, seu rosto estava perigosamente perto do meu, e disse se deliciando:
- Eu descobri como te matar...


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