Querido, nós sempre fomos como cinema mudo. Não precisávamos de palavras. Gostávamos especialmente quando o silêncio nos cercava.

Lembra-se daquela vez em que você começou a fazer aulas de piano só para me acompanhar, enquanto eu dançava com minhas sapatilhas vermelhas? Nós acreditávamos que aquelas notas eram as palavras que mereciam quebrar o silêncio. Podíamos ficar horas apenas olhando-nos, e eu só sentiria falta do ar, de vez em quando. E um amor com sabor de paz.

Querido, nós nunca fomos do tipo ‘Twist and shout’. Somos um casal clássico em pleno século XXI. Um daqueles que anda nas ruas ainda esperando lamparinas nos postes de luz.

Só me pergunto, de vez em quando, se não são as palavras que nos faltaram as que sobram na pequena Alice.

Alice nunca seria cinema mudo. Acho que a nossa pequena está mais pra Tarantino, não?

Querido, não se preocupe. Alice entende o silêncio dos pais, e com ela, nós saberemos falar, eu sei. Ela é o Charlie Chaplin do nosso filme. É a peça que acelera o tom do piano.

Todas as vezes que eu subi no palco, com aquelas sapatilhas vermelhas, enquanto você tocava. Agora eu sei que não foram o clímax do nosso filme. E nem nenhum dos teus beijos. Alice é o clímax. E, meu querido, não se apresse pelo final. Só deixe que o silêncio que nos uniu, e nos deu Alice, termine o filme por nós.

Querido, olhe por nós onde quer que você esteja. Porque eu te sinto no silêncio, mas pela primeira vez, sinto falta das tuas poucas palavras.