Se passasse por Faye em qualquer outro lugar do mundo, Erik jamais diria que ela era a guardiã da biblioteca. Seu corpo era esguio e curvilíneo, mas nunca vulgar, sua pele era alva e lisa, sem uma sombra ou marca sequer. Seu cabelo loiro tinha fios finos e lisos como seda que emolduravam seu rosto delicado e feminino. Seus olhos eram de um tom de verde tão claro e tão intenso que pareciam esmeraldas ao sol. Só de fixar o olhar neles a pessoa se perdia por horas. Se não fosse o fato de seu corpo belíssimo emanar uma aura que exalava magia e conhecimento, Ela seria facilmente confundida com uma princesa ou coisa parecida. Claro que o fato dela fazer parte do povo Élfico era motivo de tanto encanto.

_ Desculpe incomodar Srta. Faye. – o soldado chamado Rys começou. – Este é Erik, ele foi encontrado nas ruínas pelos batedores do Sr. Skye e é agora hospede da família real. Ele está em uma espécie de busca e gostaria de recolher informações na nossa biblioteca.

_ Ficarei mais que feliz em ajudar. Diga meu jovem, qual a natureza de sua busca?

_ Respostas. Eu busco respostas. Sua biblioteca é impressionante, uma vasta coleção pelo que vejo. Rys, obrigado pela escolta, mas pode voltar até o alojamento e informar ao comandante que fui devidamente instalado na biblioteca.

_ Tem certeza que não precisa de mais ajuda?

_ Tenho. - o garoto foi incisivo.

_ OK. Então eu vou voltar ao meu posto.

O guarda saiu meio a contragosto, obviamente sob orientação de Cloud, ele deveria tentar descobrir algo sobre o estranho e claramente não teve sucesso.

_ Agora que estamos mais a vontade, o que exatamente está buscando senhor Erik?

_ Dragões, preciso de tudo que tiver sobre eles. Histórias, lendas, cultos, qualquer coisa.

_ Temos algo assim em nosso acervo, venha comigo, isso só vai levar um minuto. – disse a mulher, guiando Erik para o fundo do salão. No chão, num local escondido de olhares curiosos, havia um entalhe circular, ao longe o garoto achou os desenhos familiares e ao se aproximar sentiu a magia e soube do que se tratava. Era um circulo mágico, talhado de runas élficas. Parecia bem poderoso, apesar de transmitir tranqüilidade e quietude e não perigo. Faye conduziu o garoto ao centro e o fez estender os braços.

_ Quanto mais específico você for mais fácil será para o circulo encontrar o livro certo. Basta se concentrar no que deseja saber ou em um livro específico.

O garoto se mexeu, meio desconfortável, era a primeira vez que ele usava magia desde a prisão. Seguindo as instruções, Erik se concentrou primeiro em dragões de maneira aleatória, depois e focou no dragão que ele viu na floresta, protegendo o ovo, como suas escamas arroxeadas brilhavam na luz, em como seus olhos pareciam tão inteligentes e sagazes, nos músculos tencionados, cobrindo o ovo que tentava proteger com a vida. Então se concentrou na dragonita. Pelas pálpebras viu uma luminosidade azul clara, as runas élficas pareciam estar reagindo a seus pensamentos. Erik abriu os olhos e, totalmente estarrecido, viu um livro enorme flutuando em sua direção, a capa do livro parecia feita de escamas, como as de um dragão vermelho. Quando o estranho objeto estava bem próximo um pedestal se ergueu diante o garoto e amparou o livro. Não havia título ou qualquer outra coisa escrita na capa.

_ Parece que a biblioteca encontrou algo sobre sua busca, entretanto desde que esse livro foi encontrado em uma expedição nunca conseguimos abri-lo. – comentou Faye desanimada.

_ Talvez por falta da chave correta. – disse o garoto.

Erik tocou a capa sentindo a textura das escamas, o livro era lacrado por uma peça de metal com um fecho adornado em forma de olho com uma pedra verde no lugar do globo ocular. Quando seus dedos passaram pela pedra ela pareceu pulsar e ele se assustou. Recuperado, o garoto voltou a tocar o lacre que estremeceu e por fim emitindo um brilho esmeralda se abriu. Como se houvesse uma rajada de vento as folhas começaram a virar, até que mais ou menos no meio do livro ele parou. O garoto olhava estático para as páginas.

_ Estão em branco.

_ Esse não é um livro comum, espere um pouco e ele vai mostrar o que você deseja saber.

_ Mostrar? – indagou o garoto, mas nesse momento as paginas começaram a emitir um brilho vermelho que ofuscou toda sua visão.

~ LIVRO DO FOGO ~

Erik recuperou a consciência, caído num chão tão branco que chegava a brilhar, tudo ao seu redor era excessivamente branco. Mal se colocou de pé e uma voz alta e estrondosa ecoou no lugar, a voz estranha vibrava com poder.

_ Finalmente podemos conversar fora de uma situação de risco.

_ Sem risco parece bom para mim, mas quem é você e onde eu estou?

_ Aqui é o seu consciente, graças ao feitiço da garota feérica sua consciência foi lançada dentro do livro para que ele lhe mostrasse tudo que precisa saber de forma mais rápida. Quanto a mim? Fui eu quem usou seu corpo para nos libertar do covil dos Caçadores, meu nome é Ho e esse livro é sobre mim.

_ Você está tentando dizer que você é um...

_ Dragão. A palavra que procura é dragão. E sim eu já fui um dragão há algum tempo atrás, entretanto faz algumas décadas humanas que eu sou apenas um espírito.

_ Espírito? Então você está morto?

_ Garoto, deixe-me contá-lo tudo que sei sobre os dragões, tudo que sei sobre o que você é.

Erik apenas acenou, aguardando a explicação que tanto buscou em sua curta vida.

_ Antes eu vou me esticar um pouco. – uma luz vermelha como fogo e brilhante como o sol irrompeu diante Erik.

A luz foi se alongando, circundando todo o ambiente como uma serpente e mudando suas formas à medida que crescia, ficando escamosa e com alguns espinhos córneos. O dragão chinês era enorme, ele circulava em torno do garoto, como se exibisse. Suas cores imitavam o fogo, vermelho, laranja, amarelo. Seus olhos eram brasas acesas, brilhavam como fogo vivo. O dragão parou encarando o menino.

_ Eu nasci a muitas Eras atrás, quando os humanos nem sonhavam que existir e as raças sobrenaturais ainda engatinhavam em sua existência. O mundo era dominado pelas feras e nós os primeiros dragões éramos seus regentes supremos. Meu nome é Ho, e sou o guardião do elemento fogo, por isso em algumas línguas humanas a palavra fogo tem uma pronúncia parecida com meu nome. Todos os seres sobrenaturais nos veneravam, mas também temiam nosso poder. Com o tempo acabaram por se rebelar e nos caçar até a quase extinção. Temos nos escondido desde então e conseguimos viver em paz com todos. Recentemente, um grupo de mortais que se intitulam Clã dos Caçadores voltou a nos rastrear e caçar. Esse grupo busca não por nossos descendentes, mas têm rastreado apenas os dragões primordiais, os oito elementos. Tentando manter o equilíbrio da existência, nos valemos de uma antiga lenda dos dragões. Quando as almas da fera e do escolhido ressoam em sincronia elas se tornaram uma só e juntos seus poderes vão manter a harmonia. Assim nascem os Filhos de Dragão, foi assim que você se tornou o que você é. Eu fui encurralado e morto numa floresta muito distante daqui, no Brasil, na época, consegui encontrar uma humana cuja alma ressoava com a mesma ira que a minha, e assim me estabeleci com ela, coexistindo e ensinando a pequena mortal sobre nosso mundo. Fui descuidado e fomos interceptados e mesmo juntos não conseguimos vencer um grupo tão grande de caçadores. Ela estava a beira da morte, mas implorava que eu fosse embora, que a deixasse e fugisse enquanto podia. Eu nunca faria isso, lutaria ao lado dela até o fim, então algo perturbou completamente o fluxo de magia, sua intenção mágica de algum modo nos alcançou, Helena viu ali a chance de salvar ao menos um de nós e antes que eu pudesse impedi-la ela usou seu último resquício de vida para lançar minha alma através do caminho que você abriu para dentro de você. Quando recuperei a consciência, estava em um corpo novo, que emanava um tipo de magia que eu não via a muito tempo, magia tão antiga quanto os dragões. Era estranho, então resolvi apenas observar. Vi você tentando usar magia e falhando, ouvi um breve resumo de sua história e vi como você e aquela garota eram unidos, apesar de tão jovens. Pensei em te ajudar, em me mostrar para você, mas não sabia o quanto nossas almas eram compatíveis, o plano era encontrar alguém que pudesse manter realmente a alma do fogo e então deixar você seguir sua vida normal. Eu ia mesmo seguir o plano, mas você foi capturado e todos aqueles eventos fizeram sua ira finalmente explodir, usei você, admito, possuí seu corpo usando sua raiva para destruir todos aqueles Caçadores. Naquele dia estava cego demais para perceber que você é diferente, há algo mais sobre você que apenas um Filho de Dragão, você tem um destino tortuoso a sua frente, mas posso garantir que será repleto de aventura e poder. E principalmente, – nesse momento a voz do dragão ficou ainda mais carregada de poder – independente de qual caminho desejar seguir, eu seguirei ao seu lado. Eu sou o Fogo, eu sou Ho, o Ódio Flamejante.

Erik permaneceu calado, o poder das ultimas palavras de Ho ainda pairavam no ar. Flashes de sua vida não paravam de passar diante dele, sua infância, brincando com os irmãos, seus pais orgulhosos quando Alex foi chamado para a escola de magia, e depois quando foi a vez de Gabriel, eles mostrando o que aprendiam durante as férias, a vontade que ele sentia de estar com eles, de aprender também. Então aquelas férias à beira da floresta, o encontro surpreendente com o dragão, seus olhos decididos mas ainda tristes, então para o modo como se sentia preso, como sentia que seus irmãos era mantidos presos por sua culpa, enfim a alegria do dia em que desfez o selo, Kamilla, a prisão, a dor da garota, seus olhos implorando por liberdade. Lembrou-se da raiva, do rancor, da culpa, do fogo, da destruição, de Nate tentar ajudá-lo e se ferir, de Karen usando seus dons para despertá-lo do transe, da preocupação que todos demonstravam uns com os outros naquele lugar. Ho tinha razão, ele tinha mais pelo que lutar do que sua vida, ele tinha sim um destino a sua frente, mas ele ia escrever o caminho do seu próprio jeito.

_ Eu não sei o que tenho que fazer, ou onde devo ir, mas sei de uma coisa. Eu vou conseguir o que eu busco, e quando eu encontrar, eu preciso estar preparado para poder pegá-lo. Ho, não posso prometer nada, mas se eu tenho que sair sem rumo, fico feliz em ter você comigo.

_ Garoto, você tem a fibra de um dragão. – disse o dragão rindo. – Um dia você vai compreender tudo e então poderá realizar seus desejos. Precisamos rastrear os passos dos Caçadores, eles podem nos levar aos outros Filhos de Dragão.

_ Eu sei alguém que pode nos ajudar nisso, mas antes preciso ver os mestres magos deste lugar e verificar como anda minha magia. Ainda sinto tremores ao usá-la.

_ Você teme seu poder, por não conhecê-lo. Lembre-se que sua magia está ligada à magia dos dragões, compreenda o dragão e vai dominar a magia.

_ Vou me lembrar disso.

_ Esse livro não tem mais nada para te ensinar, vá atrás de seu destino.

~ MUNDO REAL ~

Com o mesmo clarão de luz, tudo se apagou e logo Erik estava diante do pedestal que surgiu para apoiar o livro. Ele se sentia tonto, mas mais forte, de uma maneira estranha, como se apenas o conhecimento do que estava acontecendo com ele o deixasse mais preparado para o que viria.

_ Encontrou o que buscava jovem Erik?

_ Sim, mais do que imaginava. Obrigado Faye, não teria conseguido sem sua ajuda e de suas brilhantes runas. Agora se me desculpar a pressa, preciso ir até os mestres magos imediatamente.

_ De maneira alguma, fico feliz em ajudar e você vai encontrá-los seguindo pelo caminho ao sul da biblioteca, um prédio grande recuado das residências.

_ Obrigado.

Erik saiu da biblioteca, completamente decidido, ainda estava ansioso, mas sua confiança havia se renovado. Ele caminhou até o prédio indicado por Faye, um sorriso no rosto, esperança brotando outra vez em seu coração.