Refúgio - Memórias de Alice Arschloch escrita por shouldertheblame


Capítulo 13
Capítulo XIII.


Notas iniciais do capítulo

Eu ia esperar uma semana para postar o capítulo, mas como já estava escrito preferi pstá-lo agora.
Boa leitura.



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" Afonso estava morto."

[Poliana].

      Aquela sala branca e enorme, cheia de macas e cortinas que as dividiam, me dava pavor. A cadeira em que sentava era desconfortável e era possível ouvir algumas pessoas gritando de dor, e depois um silêncio horrendo que deixava transparecer o som dos aparelhos ligados ao coração de Afonso.
Eu segurava sua mão esquerda que se encontrava gélida e ressecada. As horas pareciam não passar naquele lugar. A angústia tomava conta de todo e qualquer coração naquela sala, sendo paciente ou apenas o acompanhante. A morte parecia ser a melhor saída para aquelas pessoas.

      Pela pequena janela da enfermaria era possível sentir uma brisa que logo trouxe alguns flocos de neve. Um deles pairou sobre o peito de Afonso - eu só acompanhava o pequeno pontinho branco flutuante, com os olhos - e depois caiu sobre o mesmo, cansado. Imediatamente os aparelhos que mediam os batimentos cardíacos de Afonso começaram a apitar, me deixando desesperada e trazendo até a saleta cinco pessoas, dois médicos e três enfermeiras, suponho. Foi como se aquele pequeno floquinho tivesse sido capaz de congelar o coração de Afonso, levando-o para longe do sofrimento que passava e deixando-nos só.

      Tentaram reanimá-lo, mas nada adiantava. Ele havia partido.

[/Poliana].

      Depois de muito choro e um desmaio de Eve as coisas que acalmaram, mas os rostos tristes não se moviam ou sequer abriam um sorriso por saber que Afonso estaria em um lugar melhor. Foi então que Helga se pronunciou.

      - E onde será o funeral? - Sua voz trêmula teimava em dizer as palavras.

      - Ainda não sei, mas há um jardim muito bonito nos fundos do teatro. Quem sabe o corpo de Afonso poderia ser velado lá. - Disse Fernando.

      Eu nunca havia reparado que existia um jardim nos fundos do teatro, até porque eu não pude sair do teatro desde minha morte.

      Poliana chegou mais pálida do que todos. As lagrimas pareciam ter congelado devido a nevasca que havia chego a cidade naquela noite. Afonso era como um pai para ela. Não, não só para ela, mas para todos naquele grupo. Ele havia sido o fundador daquele grupo e, tão de repente, ele havia ido para longe. Uma viajem sem volta. Todos abraçaram Poliana e logo em seguida um abraço em grupo.

      Já estava tarde e foram todos para cama, tentar dormir em uma hora que isso parecia impossível. Mas mesmo assim, todos pegaram no sono rápido, menos eu. Não conseguia dormir. Meus pensamentos estavam uma confusão. Várias coisas se passavam em minha mente: a peça de teatro, a morte de Afonso e Eric. Principalmente Eric. Por mais que tentasse esse não saía de minha mente. Mas eu não queria que saísse, queria que ficasse lá, para sempre. Aquele rosto magnificamente perfeito. Assim fiquei a noite inteira, pensando.

      De manhã acordaram cedo, inclusive Guilherme que sempre custava a acordar, foi um dos primeiros. Se arrumaram e comeram algumas porcarias sem a menor vontade de se alimentar.

      Foram até os fundos e eu os segui. Fernando pegou algumas chaves em seu bolso da jaqueta e abriu a enorme porta. Essa dava a um pequeno túnel e no fim dele um belo portão de estilo gótico medieval preto, com esculturas de anjos sofredores em pedestais, um de cada lado, pareciam se olhar.

      Fiquei insegura de passa pelo portão, com medo de que algo me barrasse, como havia acontecido com a porta da frente, havia uma barreira invisível que era muito dura. Mas dessa vez foi diferente. Nada me impediu e passei tranquilamente para o lado de fora. Estava frio e o fino casaco que usava (sim, o mesmo que uso desde minha morte) não era o suficiente. O vento batia forte em minha face, fazendo meus cabelos esvoaçarem. Eve olhou para mim e involuntariamente, acho, deu um sorriso de felicidade. Eu estava feliz. Há muito tempo não via o céu, não sentia o vento em minha pele. O sol era fraco, mas suficientemente bom para me satisfazer.

      Depois de aproveitar a minha "liberdade condicional" comecei a reparar no enorme jardim que se encontrava branco, consequência da neve que ainda caía. As árvores eram completamente secas, sem nenhuma folha, flor ou fruto. Uma cadeira de balanço, feita de madeira vigem e envelhecida balançava com o vento que lá batia, produzindo ruídos das correntes enferrujadas raspando na madeira. O jardim era cortado por um caminho de pedras cinzentas e sujas, que se encontravam escorregadias por causa da neve. Chegando ao fim das pedras lá estava uma cerca com um espaço grande o suficiente para caber um caixão.

      Fernando, Guilherme e Eric pegaram enxadas e começaram a cavar onde ficaria o corpo de Afonso enquanto Helga, Poliana e Eve limpavam o balanço a cerca e o portão de entrada.

      Poliana saiu com Eve para buscar algumas flores e fitas para que o enterro fosse digno de Afonso, uma pessoa ótima, alegre e sempre feliz, não importava a situação, enquanto Helga continuava a limpar o jardim e os homens traziam uma mesa que acharam em um depósito perto dali, onde seria colocado o caixão para o funeral, colocaram-na em frente ao cercado onde já haviam cavado a cova para o enterro.

      Eve e Poliana chegaram com muitos sacos de flores. Trouxeram rosas vermelhas. Não, não eram vermelhas, eram mais escuras, um bordô, e fitas de cetim de vários tons de bege, desde o mais claro até o mais escuro fazendo um degrade de cores que combinavam perfeitamente com as rosas.

      Pouco depois de terem terminado de enfeitar o jardim - que ficara lindo, com os laços delicados e as rosas que forem arrumados em arranjos e pendurados nas árvores secas, com a intenção de deixá-las um tanto vivas, e na cerca, e pétalas de rosas que foram salpicadas por todo o jardim - o carro funerário chegou, trazendo o corpo de Afonso e uma lápide de mármore preto muito pesada. Posicionaram a lápide e o caixão, mas não abriram.

      Os familiares e amigos do falecido iam chegando e o jardim fora se enchendo. Muitos estranharam o funeral estar sendo realizado em um jardim de um teatro abandonado, mas não deram muita importância para isso. O caixão já havia sido aberto e muitas pessoas choravam, principalmente a filha de Afonso que lamentava não ter sido tão presente na vida do pai. Alguns diziam algumas palavras em homenagem ao homem, mas nenhum padre fora chamado para uma missa já que Afonso não seguia nenhuma religião.

      Depois de todos se pronunciarem o caixão ia ser fechado, mas Poliana os impediu e, em meio as lágrimas, deu um último beijo na testa de Afonso e se despediu. Todos do grupo fizeram o mesmo. Fernando fechou o caixão e, com a ajuda de Guilherme e Eric colocaram-no na cova cavada de manhã. Taparam o buraco com terra e jogaram por fim algumas pétalas das rosas que enfeitavam o locar sobre o amontoado de terra.

      As pessoas foram saindo até que o jardim ficasse praticamente vazio. O grupo saiu, mas deixou o portão e a porta aberta. Observava-os sair até que me virei e percebi que ainda havia uma pessoa ali. Um homem, que não me parecia estranho de costas, me aproximei e vi que era Afonso. Levei um susto ao perceber que ele me viu e ainda sorriu para mim. Mas porque eu estava tão assustada? Já devia esperar por isso, afinal ele está morto.

      - Olá menina, qual seu nome? - Perguntou ele.

      - Me chamo Alice, senhor. Alice Arschloch. - Disse em um tom de voz meigo, talvez até sonoro.

      - Um minuto, acho que conheço esse nome. Por um acaso você não é a menina que escreveu aquela maravilhosa peça de teatro que estamos ensaiando?

      - É, sim senhor. Eu que escrevi e quis compartilhar com vocês a minha vida. Ou melhor, minha morte.

      - Tenho uma coisa para lhe dizer. - Ele estabeleceu uma pausa e me abraçou. - Obrigada, por tudo. Obrigada por reanimar o grupo, você é um anjo, por isso ainda deve estar aqui na terra. Como uma missão.

      Ele me soltou do abraço apertado e respirou um pouco. Não sabia o que dizer, portanto fiquei em silêncio.

      - Ah, e mais uma coisa. A peça ainda não tem nome, já pensou em um?

      - Na verdade não. Esperava que o grupo escolhesse um nome.

      - Bem, já que é assim, posso sugerir um nome? - Eu assenti com a cabeça para que ele continuasse. - O que você acha de "Refúgio - Memórias de Alice Arschloch"?

      - É perfeito. Vou avisar o mais rápido que puder a eles. - Ao pronunciar essas palavras um sorriso involuntário se formara em meu rosto. Não podia esconder minha felicidade!

      - Até logo, Alice. - Disse Afonso praticamente evaporando, para sempre, suponho.    

      Fui caminhando lentamente até a lápide do velho e ajoelhei na terra, sujando meu vestido, para ler o que estava escrito no epitáfio. Na grande e pesada lápide de mármore estavam gravados em letras lindas: "Refúgio - Memórias de Afonso Stoffel".


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler.