Estilhaços escrita por Dri Lioncourt


Capítulo 2
Rumo ao xeque-mate




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Eu achava que já tivera minha cota de surpresas pelas reações não previstas de Edward Cullen, mas o passar das semanas mostrou que eu estava completamente enganada. Durante os dois meses que se seguiram àquela primeira aproximação, não houve um único dia em que ele não estivesse lá, naquela pequena sala de estar, disposto a jogar fora uma tarde inteira apenas para conversar comigo.

Se eu não fosse tão realista, estaria com o coração palpitando como o de uma colegial apaixonada, totalmente ansiosa pelas visitas dele. Mas eu não era o tipo de pessoa que se apaixonava. Aliás, eu não estava acostumada a lidar com emoções, muito menos com paixão.

Por outro lado, eu não conseguia entender a insistência de Edward em me ver. Ele agia como se não soubesse o que eu era ou o que eu era capaz de fazer; como se isso não importasse. O modo como ele me olhava e falava comigo mostrava claramente que ele me considerava uma pessoa normal, não um risco para a sociedade, como tenho certeza que lhe disseram.

Eu agarraria com unhas e dentes uma oportunidade de me livrar daquele maldito lugar, ou melhor, daquele centro de reabilitação, como costumavam chama-lo. Será que ele não percebia isso? Porque por mais que eu gostasse de sua companhia – no meu próprio modo de gostar – não hesitaria em manipulá-lo para conseguir o que queria.

Poderia alerta-lo, é claro, mas quem era eu para desperdiçar uma oportunidade quando ela estava tão clara na minha frente?


Levantei os olhos do meu livro, observando com mais atenção o tabuleiro de xadrez posto entre mim e Edward. Analisei a disposição das peças durante alguns minutos para depois utilizar minha dama e rei para encurralar seu rei negro.

- Xeque-mate. – eu disse, encarando-o com um sorriso presunçoso. Ele me encarou de volta incrédulo, suspirando logo em seguida. Era a minha quinta vitória consecutiva, e devo dizer, sem muito esforço.

- Você é inacreditável. – ele murmurou, mais para si mesmo do que para mim enquanto colocava as peças em suas posições iniciais. Eu não pude deixar de me divertir com sua perspectiva.

- Obrigada. – sorri, deixando transparecer o divertimento em minha voz. – Ah, você tem certeza que quer perder de novo? – perguntei, quando vi que ele havia arrumado todas as peças para uma nova partida.

- Talvez eu vença pelo cansaço. – ele respondeu, abrindo um meio sorriso. Eu o olhei com curiosidade, avaliando suas palavras. Bem, se Edward queria tanto outra derrota, eu poderia providenciá-la.

Meu sorriso se alargou e ele me lançou um olhar de dúvida, mas eu apenas concordei com um aceno de cabeça, aceitando seu convite mudo para um novo jogo. Não era como se eu tivesse algo melhor para fazer.

- Sabe, se não fosse pelo nosso acordo, eu diria que isto é parte da sua pesquisa. – eu disse, tomando cuidado para manter o tom despreocupado, embora essa possibilidade me incomodasse. Seria muito mais difícil lidar com Edward se ele me considerasse um objeto de pesquisa.

Seus olhos dourados se arregalaram ligeiramente com minhas palavras, e ele me olhou como se a minha desconfiança o magoasse profundamente.

- Claro que não, como pode pensar uma coisa dessas? – o tom de voz aumentou gradativamente enquanto ele falava. Eu nunca o vira fora de si uma única vez que fosse; Edward sempre se comportara como o tipo perfeito de cavalheiro.

- Desculpe. – eu respondi, pega de surpresa pela sua alteração repentina de humor. – Foi só uma brincadeira, eu não quis te ofender. – afirmei, lançando-lhe um sorriso inseguro.

Ele me observou, aparentemente incerto sobre a verdade nas minhas palavras. Ao contrário dele, eu considerava sua desconfiança perfeitamente natural. Era um dos mais básicos mecanismos de defesa humana, afinal.

- Não, você não tem que me pedir desculpas, Bella. – ele abaixou a cabeça, escondendo seu rosto de mim. - É só que... – sua voz estava repleta de incerteza, eu resolvi interrompê-lo antes que ele falasse mais do que queria ou podia falar.

- Edward. – chamei, esperando que sua atenção estivesse totalmente voltada para mim. – Eu confio em você. – e aquela pequena afirmação pareceu fazer toda a diferença. Suas feições se iluminaram e ele me olhou como se eu fosse algo totalmente novo e perfeito.

- Bella. – ele sussurrou, maravilhado. Aqueles olhos dourados não se desviavam do meu rosto, ele parecia preso em um estado de adoração. Eu não entendia porque causara um efeito assim, mas não devia levar a conversa para esse lado mais pessoal, não enquanto eu não soubesse exatamente o que poderia conseguir dele.

- Na verdade, eu talvez possa te ajudar. – sorri, voltando a um tom mais casual - Afinal, eu posso ser a mente mais perigosa daqui, mas não sou a única. – pisquei, abrindo outro sorriso presunçoso.

- O que você quer dizer? – ele ainda estava perplexo demais com a minha pequena declaração para se concentrar no que eu estava lhe dizendo.

- Por exemplo, aquela Jane pode ser um caso bastante interessante de se estudar. – eu continuei, sem dar atenção a sua pergunta. - Ou quem sabe Demetri, ou ainda Felix. – enumerar deliberadamente os pacientes era algo fácil de fazer, assim como colocar em primeiro plano aqueles que foram ou poderiam ser um obstáculo para mim.

- Bella. – ele me chamou, com o mesmo tom que eu usara para obter sua atenção - Realmente, não precisa fazer nada disso. Eu fico feliz em passar meu tempo com você, mesmo que não me deixe ajudá-la.

Era a primeira vez que ele mencionava a minha doença. Desde então, ele mostrara-se frustrado com a minha negativa para participar de qualquer conversa que tivesse uma questão psicológica camuflada em si.

- O meu caso não tem cura, você sabe disso. – meus lábios se fecharam em uma linha fina, o meu tom de voz estava mais rude também. - eu nasci assim, vou morrer assim. Não há nada que possa ser feito.

Ele me olhou como se quisesse argumentar contra, dizer que ele podia sim me ajudar e que tudo ia ficar bem. Mas a expressão fechada que eu mantive não deixou espaço para que ele falasse. Eu era uma psicopata, e isso nunca iria mudar.


- Olá Carlisle. – eu cumprimentei, sorrindo amigavelmente para o pai de criação de Edward.

- Bom dia, Bella. – ele respondeu, com o mesmo sorriso caloroso que eu me lembrava. – Espero que Edward não a tenha incomodado ao insistir em termos esta conversa. – ele continuou, obviamente tinha sido alertado sobre a minha aversão e viera preparado. Ah, isso era ótimo, como se eu precisasse de outra avaliação psicológica.

- Ah, ele pode ser muito persuasivo. – eu bufei, e ele me lançou um sorriso compreensivo.

- Entendo perfeitamente. – ele concordou. – Mas uma outra avaliação da sua...doença poderia mostrar uma melhora do seu estado. – a sua relutância em se referir a mim como a psicopata que eu realmente era estava clara. Era difícil até para médicos admitir que houvesse algo de tão errado comigo. Porque, bem, eu parecia simplesmente normal.

- Há quem prefira dizer que se trata de um defeito genético irrecuperável, e não de uma doença mental. – eu ressaltei. Não acreditava que uma nova avaliação, mesmo feita por Carlisle, pudesse ter um resultado positivo. Eu nunca me submeti a elas, não faria isso agora. - Eu sinto muito que tenha perdido seu tempo vindo aqui. – comecei, lançando um longo suspiro. – Mas não estou disposta a tentar nada do tipo. Eu sei que os resultados vão ser os mesmos.

Carlisle permaneceu um bom tempo calado, provavelmente buscando uma outra forma de me convencer. Quando seu rosto finalmente se voltou para mim, eu pude ver uma única emoção estampada ali. Pena. A mesma expressão de um rosto – anos atrás, que eu queria esquecer.

Minha visão falhou por um instante, e de repente eu estava grata por estar sentada, pois caso contrário, tinha certeza que minhas pernas não conseguiriam me manter de pé. Carlisle não parecia ter percebido a minha quase vertigem. Ele me olhava de um modo ansioso, como se o meu silêncio pudesse significar que eu estava reconsiderando minhas palavras.

- Eu agradeço pelo esforço. – eu falei, a meu ver, dando o assunto por encerrado.

- Se é o que você quer, Bella. – ele suspirou, e isso deixou claro o quanto ele esperava por uma resposta positiva. – Mas se mudar de idéia, eu ficarei feliz em ajudar.

- Claro, obrigada. – eu tentei ser o mais gentil que pude. Ele estava prestes a se levantar quando resolveu me fazer uma última pergunta.

- Me diga uma coisa, Bella. – ele falou, cauteloso. E eu soube que o tema não era dos mais agradáveis. – Por que você nunca respondeu a nenhuma pergunta dos psicólogos?

- Porque eles não me ouviam. – eu respondi, simplesmente, a voz desprovida de emoção. Que Carlisle tirasse suas próprias conclusões, eu não diria mais nada.

- Edward gosta muito de você. – ele disse, mas não havia nenhuma intenção por trás daquelas palavras. Ele simplesmente estava dando voz a algo que não poderia ter deixado de perceber. – Aliás, ele está certo de que você não tem problema algum, Bella.

Eu o observei sair da sala, ligeiramente atordoada por suas palavras finais. Como Edward podia ser tão ingênuo? Quer dizer, disposta da máscara, eu era claramente uma pessoa perigosa. Ele deveria perceber isso desde o começo.

Mas fora a minha surpresa, o fato de Edward achar que eu estava curada, ou de fato não tivera nada era extremamente conveniente. Eu poderia mentir, enganar e manipular com muito mais facilidade.

O primeiro movimento rumo ao xeque-mate estava feito. Edward Cullen seria meu passaporte de saída daquele lugar.


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Notas finais do capítulo

Uma curiosidade: xeque-mate, em persa (shāh māt) significa o rei está morto. Eu achei que isso teria uma ótima relação com os planos da Bella, interpretem como quiserem :x