Neko no Noroi escrita por Nacchan


Capítulo 4
Capítulo 4




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 Logo que nos mudamos para aquela cabana, não havia cultivo nenhum, então às vezes íamos até a vila mais próxima comprar verduras. Lembro-me muito bem da primeira e única vez que minha mãe deixou eu a acompanhar. Era um lugar velho e caindo aos pedaços, o senhor que cuidava da loja era a imagem de um velho sem teto, em um bom tempo essa foi a única pessoa que eu vi fora meus pais. Ele nos olhava com repulsa e me encarava fixamente, quando saímos, eu olhei para trás e o ouvi cochichando com uma mulher tão velha quanto ele: “É um monstro, olhe só seu cabelo e esses olhos!” E nunca mais voltamos para aquela vila.

 Arrastei os quatro corpos até perto do chalé, estava escuro e deserto, sorte que nosso chalé era longe o suficiente de qualquer outro para que não haja nenhum morador curioso rondando. Quando acabava de empilhar o último, ao longe vi os Viginti chegando, Mayumi estava à frente, correndo em minha direção, toda alegre por finalmente ter realizado seu desejo. Ao me ver, correu em minha direção, sorridente:

 - Garu, não faz idéia do que perdeu-

 E então me encarou fixamente, seu sorriso se transformou em palidez, sua alegria, em terror. Ela ficou paralisada, tremendo. Eu dei um passo em sua direção, esticando o braço, ia sacudir-lhe, ver se estava bem. Conforme me aproximava, ela tremia mais e parecia cada vez mais assustada. Não deu tempo de chegar até ela, Satore-san tapou-lhe os olhos e, sério, me olhou com desprezo.

 - Ei, não venham aqui! Entrem na cabana! – Gritou para os que estavam mais atrás.

 Não conseguia vê-los bem, mas suponho que não estavam muito longe de nós.

 - Satore-sensei? O que houve? – Parecia a voz do Kanro.

 - Não importa! Apenas entrem! – Continuava mandando, com voz séria, o que já era um milagre em si.

 Satore-san nunca falava seriamente, ele sempre tinha esse tom brincalhão e infantil, mesmo comigo, que ele já viu em momentos que nenhuma outra pessoa agüentaria. Talvez por isso, Kanro, Ryuu e Tisha entraram sem reclamar, Satore-san com tal semblante é por que algo aconteceu...

 - May-chan, acalme-se, vou te levar pra dentro, ok? – Ele sussurrou no ouvido dela.

 Ela tremia menos, mas ainda não parecia bem. Eu dei mais um passo em sua direção, falando:

 - Ei, Satore-san, ela está bem-

 - Garu, fique aí! – Ele me cortou, ainda com a expressão de frieza e desprezo.

 Confuso, fiquei. Satore-san deixou Mayumi dentro do chalé e disse para que eles não saíssem de lá até que ele avisasse. Mesmo com Ryuu perguntando o que aconteceu, Satore-san fechou-os lá e voltou até onde eu estava.

 - De quem é todo esse sangue?

 Olhei para minha roupa, estava mesmo encharcada.

 - Hm, deles. – Apontei para os corpos.

 - E quem são “eles”? – Aquele olhar de reprovação.

 - Assassinos, provavelmente.

 - Vieram atrás de quem?

 - Do senhor de terras, acho que ainda não sabem onde eu estou, ou talvez nem saibam da minha existência, pareciam assassinos meia-boca...

 - E você os matou...? – Colocou a mão sobre a testa, falando mais consigo mesmo. Suspirou e então voltou a me encarar, chegou mais perto e pegou meu braço, levando-me até a porta do chalé, enquanto falava. – Não sei como foi criado, Garu-chan, mas, por favor, não saia matando as pessoas assim.

 Hm, “não matar as pessoas” ele diz. É hilário.

 - Ei! – Ele bateu na porta. – Fechem os olhos, ok? Não abram de jeito nenhum! – Ele ainda estava sério, então quando entramos, passamos e ninguém espiou. (Tisha não estava ali, mas aposto que estaria lendo seu livro, sem ao menos prestar atenção...)

 Satore-san me arrastou até o banheiro e me fechou lá, falando para me limpar e esquecer o que aconteceu hoje. Tomei um banho rápido, o suficiente para tirar as manchas de sangue do meu corpo; a roupa... esquece, vou queimá-la. Não queria mais ouvir sobre o que aconteceu, também não queria olhar no rosto dos Viginti, sinceramente não sabia como encará-los, então subi no telhado e fiquei a observar essa noite bonita. O silencio era genial, nada melhor do que ele para acalmar.

 Se eu pudesse responder a Satore-san, provavelmente diria “Eu estou errado? Satore-san, você sabe que o mundo onde vivemos não é assim, você não é tão ingênuo quanto aquelas crianças são...” Ah, mas eu não posso. Tudo para manter uma boa aparência, certo? Acho que deveria ter deixado aqueles intrusos levarem o senhor de terras, não perderia nada com isso também. Bem, pelo menos aprendi um pouco mais sobre como tenho que me portar na parte “civilizada” do mundo. Para alguém como eu, que sempre viveu no submundo, essa luz é tão falsa que me enjoa.

 Por hora, recuso-me a ficar perto dos Viginti. De longe continuo vigiando-os, tanto quanto o senhor de terras, interferiria caso fosse necessário, mas combater ao lado de pessoas tão inocentes é perigoso. Já não tenho liberdade alguma, se precisasse me calibrar ainda mais em lutas, isso poderia se tornar problemático.

 Então a noite passou, calmamente. O dia seguinte também não foi diferente do anterior, uma cerimônia de chá, uma loja de móveis, um encontro de anciões, um passeio pelo bosque... Na verdade, tinha algo diferente, Mayumi parecia depressiva, não só Mayumi, mas todos – com exceção de Tisha – pareciam para baixo, mas ela era com a maior penumbra. Satore-san pulava alegremente, sempre sorrindo, do seu jeito infantil de costume, mas seu sorriso parecia mais falso, talvez se forçava a isso para alegrar aos outros.

 De noite, continuei no mesmo canto do telhado, dessa vez tinha algo um pouco diferente, os Viginti estavam se revezando para guardar a casa principal, em grupos de duas pessoas ficavam dando voltas ao redor e trocavam a cada hora. Por volta das três horas da madrugada, vi ao longe um grupo grande – algo como uns quinze combatentes – vindo em direção a casa principal, no momento Kanro e Tisha estavam de vigia, da posição que estavam não dava para vê-los.

 Eles se aproximavam cada vez mais, peguei uma pedra e taquei nas costas de Kanro, da direção de onde o grupo se aproximava, quando ele virou, finalmente viu-os.

 - Uah! Tisha-chan, apareceram! – Falou, levando um susto.

 Tisha olhou e acenou com a cabeça.

 - Consegue pará-los por cinco minutos? Vou chamar Satore.

 - Claro, claro, seja rápida! – Disse, enquanto corria na direção deles.

 Tisha foi à direção oposta, indo ao chalé. Kanro socava uns, chutava outros, desviava aqui, se feria lá. No começo foi surpreendente como ele conseguiu parar todos aqueles de uma vez, realmente seu título de “músculos” não é à toa, porém Kanro não lutava seriamente, só socava tudo pela frente, era claro que não tinha intenção nenhuma de machucá-los, muito menos de vencê-los... E não demorou muito para que um dos inimigos sacasse uma espada, outros dois escaparem pelos lados, outro atingir um golpe um pouco mais doído. Kanro tinha todos os requisitos para vencer, mas parecia escolher não fazer, era lamentável.

 E agora, outra vez com a mesma pergunta: interferir ou não? Dois dos invasores já tinham passado, não estavam longe tampouco, Kanro estava ferido, Tisha não chegava com ajuda, alguns dos inimigos pareciam dispostos a usar táticas sujas...

 Da primeira vez decidi ajudar, mesmo que não ganhasse nada com isso, além de me expor a riscos, e ainda levei uma “bronca”, então, dessa vez, veremos como se comportarão sem minha ajuda. Talvez lutem sério se estiverem à beira da morte.

 Tisha chegou com Ryuu e Mayumi, pelo jeito Satore-san não os acompanhava. Olhei-os de longe enquanto assumiam posição de batalha, igual aos treinos, achando que isso realmente funcionaria numa situação real. Tisha se mantinha mais afastada e falava friamente o que cada um teria de fazer, esta era sua função como estrategista. Os outros obedeciam, Ryuu já derrubava seu terceiro oponente quando o primeiro voltava a se levantar... Seria esta realmente a primeira experiência de combate deles? Sinceramente, estava sendo um desastre.

 Aqueles dois que tinham fugido estavam sumindo de minha vista, e nenhum dos Viginti percebiam ou, se percebiam, não conseguiam fazer nada, pois estavam ocupados de mais com os outros. Lancei três agulhas em cada, eles caíram imobilizados, suspirei. O quanto isso iria demorar?

 Mais alguns minutos e eles pareciam cansados, a vantagem numérica pesava, mesmo que individualmente eles eram mais fortes. Tisha previa com precisão todos os movimentos inimigos, dizia por onde atacar ou desviar, mas isso não era uma grande vantagem quando, depois de abatido, seu inimigo voltava a se levantar. Era só uma perda de tempo.

 Pessoalmente, pouco ou nada me importa se eles caíssem aqui, mas imagino o tanto que ouviria... Pensando bem, onde está Satore-san? Aposto que aquele infeliz está observando de um lugar distante e encarando a situação como um teste, sendo ele, aposto que também está comendo chocolate e sorrindo bobamente.

 Voltando, aqueles assassinos estavam criando uma distância, fazendo com que Mayumi, Kanro e Ryuu fossem se separando. Aos poucos, Mayumi já estava longe o suficiente para nem ouvir a voz de Tisha, o mesmo com Ryuu. Ryuu lidava com os quatro que estavam atrás dele facilmente, ele era bom em combates, ágil como sempre. Mayumi, ao contrário, estava com dificuldades contra os seus cinco oponentes. Ela era muito mais fala do que ação, não que lutasse mal, mas digamos que tinha habilidades melhores. Bem, o que ajudava era que o trabalho de equipe deles era horrível, eles atacavam individualmente, o que não era difícil de evitar, então ela tinha uma enorme vantagem, da qual não se aproveitava, claro... Continuava tentando abatê-los inutilmente, até que um deles lançou uma kunai em sua direção, foi sorte não tê-la acertado, mas passou bem perto, o que a deixou em choque. Olhou amedrontada para o que tinha a atacado, pena que minha visão não é das melhores, gostaria de ter visto isso nitidamente. Parece que me enganei, mesmo a beira da morte, esses tolos não iriam lutar seriamente.

 Apareci na frente de Mayumi antes que ela fosse atingida por um ataque como o de antes. Os atacantes pareciam surpresos, a atacada, mais ainda.

 - G-Garu?! O que está fazendo aqui?

 - Hm, garantindo minha boa aparência, talvez...

 Ela não entendeu, obviamente, então eu peguei algumas agulhas que escondia e taquei em dois deles, que caíram. Os outros ficaram assustados e ao mesmo tempo furiosos, eles vieram tentando me atacar, eu desviei facilmente e soquei um deles no pescoço, fazendo-o desmaiar. Dos dois restantes, um deles usava uma espada e o outro era o que havia lançado a kunai. Peguei mais algumas agulhas e ia atacar, quando Mayumi me segurou pelo braço e gritou:

 - Não os mate! – Suas pernas estavam tremendo e ela tinha uma cara de choro, desta vez pude ver claramente e de perto. Fiquei pasmo, até ela podia fazer esse tipo de expressão.

 E esse segundo de hesitação foi interrompido por um ataque que me atingiu no braço. A kunai fincou no meu antebraço direito, Mayumi ficou cada vez mais pasma com a situação, fizera a mesma cara de pânico de que quando viu os cadáveres dos inimigos na noite anterior... Essa ferida não era nada para mim, tirei calmamente a kunai e nesse intervalo o rapaz da espada correu em minha direção e tentou atacar, eu larguei a kunai no chão e voltei a desviar. Se não posso atacar, o que faria para isso acabar rapidamente? Mayumi se distanciava, morrendo de medo e o outro tentava atacá-la, tive de parar os dois, pois ela estava inutilmente tremendo.

 Fiquei na frente dela, peguei uma das kunais lançadas e devolvi-a ao dono, atingindo-lhe a perna, Mayumi agarrou minha blusa pelas costas e me puxou, não sei o que ela pensava, mas me fez desequilibrar e caí junto com ela. O inimigo, se aproveitando da situação, tentou cravar a espada em meu peito. Eu pulei para o outro lado, quase como um ato de reflexo, mas deixei Mayumi onde estava.

 Ele levantou a espada e ia cortá-la. Ela o olhava com medo, sem se mexer. Foi um único segundo, mas pareceu passar mais devagar do que tudo. Não consegui pensar em nada, quando olhei novamente, o atingido era eu, ela estava logo atrás, agora chorando.


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