O Chamado das Borboletas escrita por Ryskalla


Capítulo 5
Capítulo 4 - Encontros e Desencontros


Notas iniciais do capítulo

Capítulo betado!



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Convido vocês, meus caros companheiros, a conhecerem o Porto de Telquines! Lugar encantadoramente perigoso, lar dos piratas e do comércio. Aviso-lhes para ter cuidado ao andar por essas ruas. Nunca se sabe quando podemos ser surpreendidos por um fora da lei.

Era, de fato, uma pena que Eruwin não fosse tão cuidadosa em relação a isso.

— Por Moros, mulher, espere! — Henry pouco a pouco ia perdendo a paciência. A sereia estava encantada com o iguarias locais, apesar de toda a sujeira. Havia uma variedade de coisas desconhecidas tão grandes, que era impossível não ficar maravilhada. — Não, não você, senhora, estou falando com ela!

Eruwin ainda se recusava terminantemente a dizer seu nome ao humano. Não havia motivo para tal atitude, porém ela sentia prazer em vê-lo frustrado, do mesmo modo que lhe dava prazer exibir sua beleza pelas ruas comerciais. Era divertidíssimo observar os olhares cobiçosos que os homens lançavam sobre ela, pois Eruwin sabia que nenhum deles viria a possuí-la. No entanto, o que lhe dava maior satisfação era a preocupação de Henry diante daqueles olhos vorazes.

— Eu pedi para você esperar! — O pobre rapaz finalmente a alcançou e a segurou firmemente pelo braço. Respirava pesadamente e buscava controlar a raiva. O que aquela sereia estava tentando fazer? — Esse lugar é perigoso para você, não pode ir para onde quiser. Sabe muito bem que nem todo homem é capaz de se controlar como eu. Se continuar assim, acabará por desejar ter ficado no navio pirata.

— Ora, não vejo razão! Sou muito mais perigosa que qualquer humano aqui, afinal posso perfeitamente controlá-los! Eles farão tudo por mim, não tenho o que temer. — Ao menos tentava acreditar nessa possibilidade. Não satisfeita com o sentimento de timidez da noite anterior, Eruwin obrigou-se a pensar em algo positivo em sua beleza estonteante. Descobriu que não havia motivo para ter vergonha de si mesma, pois todos ficariam encantados com ela! E por ela fariam qualquer coisa.

— Por favor, seja razoável! Você mal sabe andar direito, não sabe correr, não iria conseguir fugir. — Buscava ser paciente, é claro. Era um mundo diferente daquele que ela estava acostumada. A sereia não estava mais em vantagem, e era isso que ela precisava compreender.

— Posso encantá-los com minha voz. Ou… com um beijo! Ninguém irá me machucar, sou bela demais para isso. — O tom de voz que ela usava só acabava ainda mais com sua paciência. Será que a criatura não conseguia entender que aquela teimosia seria capaz de matá-la? Ou atrair coisa pior… Henry maneou a cabeça negativamente, não queria lembrar-se de tais coisas.

— Você mesma falou sobre as lendas das sereias! De como os homens são cruéis e terríveis! Nem todos são assim, é claro… mas eles existem e são muito piores que as lendas contam. — Olhava fixamente para os olhos rosados da sereia. Não havia escolha, ela era obrigada a entender como seu mundo funcionava. — Eles iriam levá-la embora… iriam fazer coisas terríveis e eu não iria conseguir ajudá-la.

— Você só quer me deixar assustada — acusou em um tom ofendido. Era algo bom, talvez seu orgulho suicida estivesse finalmente perdendo força. — A não ser, é claro, que esteja com ciúmes! Você me quer apenas para você, por isso está falando essas coisas!

Aquilo foi demais para o pobre Henry. Ele a arrastou até um beco deserto e a prendeu contra a parede. Se havia algo que sua paciência era incapaz de aguentar, meus caros, esse algo era a teimosia. Qualquer outra coisa seria tolerável, mas tal atitude…

— Você acha que é capaz de se virar sozinha no mundo humano? — Estava furioso com o comportamento infantil de Eruwin. Não sabia nem por que a estava ajudando, afinal. — Se é isso que acha, vou te deixar sozinha.

— Mas é claro que eu acho! Não sou como você, que é incapaz de sobreviver ao mar sem ajuda! Eu absolutamente serei capaz de sobreviver à terra sem precisar de você! — Por que ele estava brigando com ela? Não havia sentido. Por que não poderia tentar agir normalmente? Por que deveria se preocupar com sua beleza? Será que era algo tão errado querer conhecer o que lhe era desconhecido?

— Ótimo, então. Eu vou pra casa. — O tom seco de Henry a magoou. Ele a libertou e saiu do beco, logo se misturando à multidão. Eruwin ficou um tempo parada, incrédula. Ele realmente a havia abandonado? Como ele se atrevia? A sereia lutava contra as lágrimas que tentavam escapar de seu rosto. Nunca havia chorado por um humano antes e essa não seria a primeira vez.

Longos e tortuosos minutos se passaram. Ao que tudo indicava, Henry mantivera sua palavra. Estava sozinha em um lugar estranho e mesmo após se dar conta disso, seu pensamento não mudou, porque ela realmente acreditava que seria capaz de enfrentar o perigo... até que tudo deu errado.

— O que faz perdida aqui, bela flor? — uma voz ao seu lado perguntou. Ela pertencia a um homem que cheirava à bebida e que estava acompanhado de três comparsas: um cujo tamanho se equiparava à sua estupidez; outro um pouco menor, mas cuja maldade não chegava aos pés de sua altura; e o último que era o mais normal do bando e poderia ser confundido tranquilamente com um vendedor de tomates, por exemplo. — Quer ajuda pra voltar pra casa? Ou será que gostaria de ir para minha casa?

O grupo de homens riu, e Eruwin viu o medo tomar conta de si, porém não havia motivo para temer, correto? Ela poderia facilmente controlá-los, assim que encontrasse sua voz.

— Minha pombinha, não tenha medo… — O líder ia se aproximando da pobre sereia com o braço estendido. Quando Eruwin aceitou o fato de que o medo roubara sua capacidade de falar, ela correu. Correu o mais rapidamente que suas pernas debilitadas a permitiram. Podia ouvir a risada de seus perseguidores enquanto entrava em uma infinidade de becos. Em um esperançoso momento, acreditou que havia escapado, entretanto deu de cara com o maior deles, que tinha um olhar abestalhado e um sorriso carregado de crueldade. Nada poderia descrever o sentimento de desespero da infeliz sereia. — Muito bem, Jason, você capturou a pombinha. Não que esse fosse um trabalho muito difícil… Fugitivas merecem ser castigadas, sim, sim… Com toda certeza! Não me olhe assim, pombinha, você sabe que a culpa é sua.

A risada ressoou naquele beco. Os homens não haviam se esforçado de forma alguma na perseguição da sereia, já que ela corria tão pateticamente que seria impossível não alcançá-la. Na realidade, fora mais divertido assisti-la acreditar que possuía alguma chance de escapar. Jogaram-na no chão em meio a gargalhadas, enquanto a viam se debater, buscando uma salvação inalcançável.

Um estalo de um chicote e então as gargalhadas cessaram. O grande Jason caiu no chão, as mãos tentando arrancar algo de seu pescoço, o rosto tingindo-se de um tom estranho de azul e seu corpo volumoso agitando-se no chão.

Os homens assistiram ao companheiro implorar por ar até que ele deixasse de se debater. Estava desmaiado, talvez morto, e Henry olhava para os três brutamontes restantes com o olhar em chamas. Seu chicote estalou novamente, mas sem a mesma sorte, uma vez que não conseguiu agarrar o pescoço do homem mais forte e sim seu braço. O líder do bando tentou desferir um soco no rosto de Henry, contudo o rapaz conseguiu desviar-se. Ele, entretanto, não foi capaz de prever o movimento seguinte. Aproveitando-se da arma de seu oponente, o homem recuou inesperadamente com seu braço, fazendo com que Henry fosse puxado ao seu encontro. Com essa abertura, o pobre rapaz nada pôde fazer para impedir o chute violento que acertou sua barriga.

Eruwin assistia à cena horrorizada: via Henry deitado no chão, com uma expressão de dor, sendo covardemente agredido por homens que possuíam provavelmente o dobro de seu peso.

E novamente, meus amigos, algo estranho aconteceu.

Ao redor do grupo, borboletas monarcas começaram a voar, silenciosas. Demorou um par de segundos até que os agressores se dessem conta delas.

— Será que…? — um deles perguntou.

— Não pode ser… — o líder murmurou.

— É o demônio! Isso que é! — O outro fugiu, em pânico. Conhecia as lendas e dava muito valor a elas.

Pouco a pouco mais borboletas iam surgindo, o que fez os dois restantes gritarem e saírem correndo enquanto exclamavam “É o demônio de Leharuin!”. Eruwin levantou-se e correu até Henry que, naquele momento, estava sentado com uma expressão soturna no rosto.

— Henry! Você está bem? Por favor, me perdoe… por favor… por favor… É-é minha culpa... — A sereia o abraçou com tanta força que o deixou levemente confuso. Ela chorava um choro sem lágrimas e soluçava constantemente.

— Escute, olhe pra mim — ele disse em tom duro enquanto segurava o rosto da sereia, obrigando-a a olhá-lo nos olhos. — Jamais, nem sequer por um segundo, pense que isso foi culpa sua, entendeu?

— Eu odeio e-esse lugar! Eu quero voltar p-para o mar. — Henry afagou a cabeça de Eruwin e a apertou contra si. Naquele estado, ela parecia a mais inocente das crianças. 

Eles ficaram assim durante um bom tempo, até quase todas as borboletas irem embora. Apenas uma permaneceu, que fora aquela que o guiara até ali. Henry a olhava com profundo desgosto e assumiu uma posição ainda mais protetora em relação à sereia que, percebendo agora, dormia profundamente em seus braços.

— E mais essa agora… — Ele tentava inutilmente conter um sorriso. Assistir àquela sereia dormir era uma das cenas mais belas que já presenciara.

— É melhor tomar cuidado. — Aquela voz. Aquela voz leve e melódica que esperava nunca mais ouvir. E lá estava Leharuin, sentado na ponta de um dos telhados, com o vento bagunçando seus cabelos azuis. — Sereias são criaturas perigosas…

— Humanos também — Henry respondeu rispidamente. Há quanto tempo se afastara de Leharuin? Há quanto tempo deixaram de ser amigos?

— Por isso eu desprezo os dois… — Um triste e brilhante sorriso se formou no rosto de seu antigo amigo, porém ele logo desapareceu, sendo substituído por uma expressão dura, embora seus olhos estivessem carregados de pena. — Henry. Você sabe que não pode mantê-la aqui. Tem que devolvê-la para onde ela pertence… ou ela acabará morrendo...

— Não preciso que você fique me dizendo. Sei que ela é ingênua demais para viver aqui. Eu vou fazer isso... — O humano mordeu os lábios ao olhar o rosto pacífico de Eruwin. Podia ser chamado de louco (e até aceitava isso), mas… apesar de tudo, sabia que sentiria falta daquela sereia encrenqueira. — É… Acho que você sabe melhor do que ninguém a sensação de alguém morrer por sua culpa, não sabe?

— Parece que sim… Evangeline não foi a primeira a morrer por minha causa, nem será a última, aliás. — As borboletas voavam irrequietas ao seu redor e o próprio Leharuin aparentava estar desconfortável. — Será que você está apaixonado por essa criatura, Henry? Mesmo após seu juramento?

— Imagino que isso seja algum tipo de dom... abandonar pessoas queridas nos braços da morte. — Enquanto falava, Henry levantou-se e segurou a sereia com segurança em seus braços. Podia sentir seu próprio coração martelar contra o peito. — Claro que não. Não sou como você.

Estava prestes a ir embora quando foi novamente surpreendido pela voz melódica de Leharuin. Cogitou se virar e encarar aquele que muitos chamavam de demônio, todavia logo desistiu da ideia. Encarar Leharuin trazia-lhe à mente memórias há muito esquecidas e um certo tipo de enjoo embrulhava-lhe o estômago.

— Seu chicote. — Uma dúzia de borboletas sustentava o objeto que fora pego rapidamente pelo humano, que temia deixar a sereia cair de seus braços. Ele nem se dera o trabalho de agradecer, queria voltar para o hotel o mais rápido possível. Além disso, não queria que Leharuin acreditasse que uma briga daquelas seria capaz de fazê-lo fraquejar… mesmo que sentisse dor, dava seu melhor para que nada transparecesse em sua expressão.

Isso não foi nada, pensava, comparado àquele dia...

Nuvens escuras deslizavam lentamente pelos céus e cobriam os raios luminosos do Sol. Henry questionava-se quanto tempo Leharuin demoraria a conseguir abrigo para suas preciosas borboletas. Sendo como ele era, provavelmente não muito.


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