O Chamado das Borboletas escrita por Ryskalla


Capítulo 10
Capítulo 9 - Mentirosas Perigosas




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O jovem Leharuin se encontrava dentro de uma banheira, submergido.

Ele lembrava da cena que viu há poucas horas. Uma sereia de pele morena dançando animadamente com um garotinho em seus braços. Uma sereia que desistira do mar por amor ao seu filho.

Deixou sua cabeça afundar na água e tentou esquecer aqueles pensamentos. Sua mãe talvez possuísse filhas e não pudesse abandoná-las só porque Moros decidiu dar-lhe um menino. Ainda assim, era abandono. Essa era a especialidade das sereias: o abandono. A especialidade dos humanos talvez fosse algo pior… sim, de fato, a crueldade era a pior de todas as coisas.

Emergiu, respirando calmamente. Ainda tinha que encontrar Henry, saber se ele conseguiu se livrar daquela sereia. O nó de seus dedos estava perdendo a cor quando Leharuin se deu conta da força que usava para segurar a base da banheira. E lá estava Evangeline outra vez, em seus pensamentos. Assim como todas as pessoas que ele não conseguiu salvar.

— É incrível como o maior ladrão que os três reinos já conheceu precise invadir a casa de outras pessoas para tomar banho. — Uma voz feminina. Leharuin ergueu os olhos dourados, embora não fosse necessário. Ele sabia que aquela era a voz de Lillith.

— Ora, Lily, pensei que você demoraria um pouco mais… ouvi dizer que você estava envolvida em um grande furto. — Mesmo que ela buscasse controlar sua raiva, foi possível ver um leve tom de vermelho tingir seu rosto.

— Não banque o engraçadinho, Leharuin! Eu sei que você arruinou tudo. Muito esperto da sua parte usar aquele garotinho para trocar a mercadoria — ele se levantou e saiu da banheira, formando uma pequena poça d’água no chão. — Por favor! Poderia ao menos usar uma toalha?

— Então você pensou que foi o garoto? — Sua melódica risada só fez irritar ainda mais os nervos da pobre jovem que lhe jogou uma toalha branca enquanto tentava desviar o olhar. Leharuin deu-lhe as costas no momento em que começou a se secar. Uma borboleta voava em círculos à sua frente, fazendo com que ele risse outra vez. — Eu sei o que você está olhando.

— Cale a boca, idiota. Não estou olhando. — Ao contrário da maioria das humanas, Lillith era continuamente interessante. Leharuin nunca fora capaz de desvendá-la e ela cuidava para que continuasse desse modo. Tudo o que ele sabia, era que ela possuía uma estranha característica para uma ladra: ela sabia ler. Talvez isso a tornasse melhor do que a maioria, entretanto não melhor que ele. O que ele realmente gostaria de saber era: por que ela roubava? Já havia vestido as calças e colocado os sapatos quando se deu conta de uma coisa. Onde estava sua camisa?

— Lily, minha camisa, por favor. — Ela o encarava com uma falsa expressão de surpresa. Lillith poderia ser uma excelente mentirosa, porém não estava dando o seu melhor naquele momento.

— Eu não a peguei, mas imagino que você fique melhor sem ela. — Agora a garota estava bem próxima, acariciando o peito nu de Leharuin. — Você nunca sentiu frio? É estranho que você não tenha pelo em nenhuma parte do corpo. Seria interessante se eles fossem azuis como seu cabelo.

— Isso porque você não estava olhando, certo? — Os olhos azuis da garota reluziram furiosamente devido ao constrangimento mal disfarçado. — Imagino que seja algo que herdei de minha mãe. Provavelmente sereias gostam de manter o coração gelado.

— Sabe que eu poderia esquentar seu coração, não é? — As mãos de Leharuin deslizaram pela coluna de Lillith, fazendo com que ela desse um sorriso de triunfo. Mesmo ele sendo filho de uma sereia, ele ainda era um homem. No entanto, ela não interpretou sabiamente aquela ação. Vejam bem, meus amigos, a pobre moça quis acreditar que Leharuin no fim era  fraco como os outros homens com que ela estava acostumada a lidar. No entanto, ele apenas estava revistando-a. 

— E após isso, iria me apunhalar com essa faca envenenada. Seria um ótimo plano, se você não estivesse tentando utilizá-lo contra mim. — A ladra se afastou com rapidez, seus olhos encaravam Leharuin furiosamente. Ele, por sua vez, brincava com a faca distraidamente. — Eu sei o quanto você ganharia se levasse minha cabeça à pessoa certa.

— Eu poderia ter te matado bem antes disso, sua guarda estava baixa.

— Não, não poderia e você sabe disso. Sou mais forte que você e mais ágil. Você sabe disso também. — Com um movimento rápido, ele atirou a faca pela janela e a assistiu prender-se na parede de madeira da casa logo à frente. — E, além disso, acho que você nunca esquentou o coração de um homem.

— Você ficaria surpreso com as coisas que eu já fiz. — Aquele tom de superioridade. Era como se ela soubesse que Leharuin se interessava pelo passado dela. Era como se ela quisesse mantê-lo interessado.

— Não duvido que tenha razão. Bem, tenho coisas a fazer e gostaria de receber minha camisa de volta.

— Você arruinou um dos melhores roubos da minha vida e agora pede por sua camisa. Tenho motivos o suficiente para deixá-lo morrer de frio. — Leharuin a pegou pelo braço e a girou, deixando-a de costas para si e segurando firmemente os dois punhos de Lillith. Ele podia sentir o cheiro floral que vinha dos cabelos castanhos levemente esverdeados da garota. — Solte-me.

— Lily… sabe o que eu acho? Que você gostaria de ter alguém para aquecer seu coração. Esses joguinhos que você faz. Você demonstra esconder muitas coisas, contudo não tem muito que esconder. — O nariz dele deslizava suavemente pelo pescoço desnudo da garota. Ele conseguia senti-la tremer ligeiramente. Estaria tremendo de raiva ou vergonha?

— Está na cesta. Agora me solte. — Ainda descobriria a respeito do passado dela. Libertou-a de seus braços e foi atrás de sua camisa, graças à brincadeira de Lillith ela estava toda amarrotada. Vestiu-a e lançou um último olhar à garota que pouco fazia questão de esconder o seu descontentamento. Leharuin saiu pela janela e suas borboletas o acompanharam. Talvez Lillith não soubesse, mas ele tinha plena consciência de que ela o havia roubado.

Agora deveria procurar por Henry, saber se ele estava bem. Algo dentro dele dizia que não. A casa de Lillith ficava longe do porto, ao passo que o hotel onde Henry geralmente se hospedava ficava bem próximo ao local. Quem sabe possuísse a sorte de conseguir voltar antes do anoitecer. 

Passou rapidamente em um dos seus esconderijos para pegar um manto com capuz. Se queria encontrar o amigo rapidamente, precisaria esconder seus cabelos chamativos. Afinal, nem sempre as borboletas eram o suficiente para atrair a atenção, ainda mais agora que o boato de que Leharuin era realmente o demônio furioso de uma criança assassinada (havia divergências quanto a forma como a criança morreu, uns defendiam afogamento, outros se aproximava mais da verdade alegando que ela morreu queimada…)  se tornava cada vez mais forte. 

O ladrão suspirou, irritado. Estava bem próximo do porto quando uma coisa chamou sua atenção.

Aquilo certamente era algo incomum. O jovem Leharuin lembrava-se perfeitamente da aparência daquela sereia, meus amigos, no entanto… lá estava outra sereia em perigo. Ele observava do alto do telhado, decidindo se aquela era definitivamente outra sereia ou a mesma. Os olhos certamente não eram os mesmos. Aquela sereia tinha os olhos rosados e essa tinha os olhos verdes. Mesmo que fosse incomum para as sereias viverem na presença de humanos, uma coisa era certa: elas jamais viviam em cidades onde uma outra sereia houvesse escolhido como lar. 

 Decidiu por ajudá-la, não importava se aquela era ou não a sereia de Henry. Além do mais, isso poderia significar que ele havia se livrado do problema.

Não demorou para as borboletas descerem e envolverem os homens, que fugiram quase que imediatamente. Esse é o lado bom de ser temido, Leharuin pensava amargamente.

A sereia olhou para o alto e sorriu, fazendo com que o jovem ladrão se sentisse enojado. Era como se ela quisesse seduzi-lo, como se quisesse alguma coisa.

— Imagino que eu devo agradecê-lo. Poderia saber o nome de meu salvador? — ela perguntou enquanto arrumava a venda que cobria seu olho esquerdo. Aquilo deixou o ladrão intrigado. Uma sereia com uma deficiência física?

— Somente após revelar o seu nome, sereia. — Foi então, queridos amigos, que Leharuin ficou surpreso. Uma expressão de confusão genuína passou pelo rosto da criatura e então um sorriso tímido se formou em seu rosto.

— Eu certamente não pareço uma sereia. Segundo as lendas, elas são infinitamente mais belas do que eu. — Leharuin sabia que ela era, definitivamente, uma dessas criaturas. Será que a própria não sabia? Isso era impensado, todas as filhas ficavam com as mães. O jovem ficava cada vez mais intrigado com aquela situação. — De qualquer modo, me chamo Melissa.

— Leharuin… — Havia alguma coisa de errado naquilo. Certamente que havia. Ele sentia algo que somente Lillith era capaz de fazê-lo sentir: curiosidade. Uma curiosidade forte que o instigava a descobrir mais. — O que houve com seu olho?

— Oh, isso… isso… — Seu olhar fugiu rapidamente, impedindo que ele pudesse traduzir o que ela sentia. Foram surpreendidos pela presença de um homem. Um homem silencioso que tinha os cabelos vermelhos como o sangue e que mediam até a altura de seus ombros. — Adry! Sinto muito.

— Eu vi aqueles homens saindo daqui. Imaginei que fosse por sua causa. Eu pedi para você me esperar, princesa. — Princesa? Leharuin reforçou sua atenção. Aquela certamente não era Analiese. Seria ela a princesa de outro reino? Talvez de Carlihoe… o rei nunca permitia que suas filhas fossem vistas pelos súditos. Mas faltavam os traços característicos da região… o olho da estranha era verde e os cabelos ruivos. Muito diferentes dos cabelos escuros e escorridos ou dos olhos castanhos com seu formato engraçado, meio puxados para os lados. — Acho que devo agradecê-lo, Leharuin. Já ouvi muito a seu respeito.

— E quem não ouviu? — Um breve sorriso surgiu no rosto do ladrão. — Escute, você a chamou de princesa…

— Oh! É um apelido. Minha mãe costumava me chamar assim. Ela dizia que eu era tão bonita quanto uma princesa. Adry é um servo da família, então ele insiste em me tratar com respeito. Eu insisto que ele me chame por Missy, que é meu apelido. — Ela sorria encantadoramente enquanto explicava o mal-entendido. Leharuin coçou levemente a sobrancelha. Servos não tingiam o cabelo, pelo menos não daquele tom chamativo de vermelho. O sentimento de que existia algo de errado naquela garota parecia ser incapaz de abandoná-lo. — Princesa foi o meio termo que encontramos.

— Entendo… foi um prazer tê-la salvado, agora preciso encontrar meu velho amigo Henry. — Lá estava. O olho esverdeado de Missy se iluminou em reconhecimento e ela colocou uma mecha do seu cabelo ruivo atrás da orelha.

— Henry? O rapaz amaldiçoado? — Leharuin franziu o cenho, não encontrava sentido naquelas palavras. — Você não sabe? A cidade toda comenta sobre ele. Dizem que ele foi beijado por uma sereia! Consegue acreditar? E pensar que sereias realmente existem.

— É evidente que sereias existem. Sou filho de uma. E se de fato ele foi beijado por uma, ele está mais do que amaldiçoado. — Ele pode ver a admiração estampada no olhar daquela que ele já não sabia se era uma sereia. Estava diante de uma excelente atriz, isso não tinha como negar. — É triste saber que eu salvei aquela sereia, do mesmo modo que salvei você. E pensar que ela o condenou a amá-la, quando ele já amava outra mulher.

— E quem seu amigo amava? — O servo de Melissa a olhava com cuidado, como se quisesse alertá-la de algo. Leharuin, por outro lado, gostaria de alertar Henry. Porque após ouvir a voz extremamente calculada da garota ele teve certeza. Teve certeza de que Henry era o homem mais estúpido que vagava na terra. Porque Henry foi capaz de fazer uma sereia chorar.

— Evangeline. Uma das únicas garotas que não fui capaz de salvar. — Os olhos de Leharuin viajavam de Melissa para Adry, completamente atentos. — É algo injusto, sabe? Porque eu salvei você duas vezes, sereia.

O ladrão conseguiu ouvir o primeiro disparo e foi capaz de se desviar mesmo sem entender o que acontecia. Armas de fogo foram proibidas desde que os alquimistas as criaram. Como aquele homem conseguiu um exemplar?

Infelizmente, o que ele não esperava era que a sereia possuísse uma arma também. Afastou-se do segundo disparo, as borboletas envolvendo o belo corpo da criatura, confundindo-a. Onde estava o servo? Quando percebeu, era tarde demais. O homem deu-lhe uma rasteira, fazendo com que perdesse o equilíbrio e caísse no telhado abaixo. Leharuin estava surpreso com as habilidades do estranho. O ruivo tinha um corpo magro e de aparência frágil, era alto demais o que lhe dava um aspecto desengonçado. O homem apontou a pistola para o peito de Leharuin e disparou. O jovem ladrão rolou para o lado, no entanto a bala pegou em seu braço, arrancando-lhe um urro de dor. Outra bala acertou sua perna, fazendo com que a visão de Leharuin começasse a embaçar. 

Rolou pelo telhado, caindo no outro beco. Era apenas uma questão de tempo para que a sereia e seu servo chegassem até ele. Talvez nem suas borboletas pudessem ajudá-lo naquela hora. Tentou se arrastar para fora dali, ir para a rua principal. Ouvia o som dos disparos, porém nenhum deles o acertou. As borboletas estavam conseguindo atrapalhar Adry? Ele não poderia dizer. Estava quase perdendo a consciência quando conseguiu alcançar a rua, até respirar havia se tornado um desafio.

Parem! — Uma voz familiar invadiu seus ouvidos, seguida pelo relincho de um cavalo e aquela foi a última coisa que ele ouviu antes de se entregar aos braços da inconsciência.


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Notas finais do capítulo

Desculpem a demora para postar esse capítulo! Queria tê-lo feito maior, porém estou um pouco atarefada devido à semana de provas e trabalhos! Espero que gostem desse capítulo ainda assim! Qualquer erro, podem sinalizar por comentários ou por MP! Beijinhos! :)