O Chà Da Meia Noite escrita por Victoria Duarte


Capítulo 4
Capítulo IV


Notas iniciais do capítulo

" Sua avò sempre dizia que o café de manha traria mà sorte, mas o chà purificaria sua alma, a prepararia para o dia que estava por vir. "



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Aurora acordou suada, mas com muito frio. Sua face completamente palida e seus labios nao mais rosados revelavam o nivel de seu terror. Seus pulmoes davam sinais de que nao haviam recebido um atomo de oxigenio sequer durante toda a noite, entao Aurora juntou suas ultimas forças e inspirou profundamente. Suas costas doiam como as de um escravo. Parecia que as batidas de seu coraçao estavam voltando aos poucos. Havia uma enorme ventania là fora e ali dentro também, dentro da mente de Aurora que ainda tentava entender como poderia estar tao mal. Seus braços e pernas estavam completamente adormecidos. Aurora jà suportara cada tipo de dor, mas aquela era novidade. Começou a pensar em sua mae, em como ela havia sofrido com sua doença, todos os dias. As dores, a solidao. Imaginava como tudo aquilo era horrivel, mas ainda bem que agora sua mae estava em boas maos e nao sofria mais com nada a nao ser saudade de sua filha querida. O silencio tomou posse de seu apartamento; jà nao se ouviam mais os passaros que no dia anterior cantavam felizes para avisar que o sol jà havia chegado. Aurora amava o canto dos passaros, a fazia recordar sua cidade, sua famila, sua vida. Ela se mexeu minimamente, tentou virar-se para ver se Francesca estava ainda là. Sem sucesso, ela jà tinha ido para a faculdade horas atras. Uma pequena gota de suor escorreu pela testa de Aurora até cair no chao, quebrando assim o monstruoso silencio do apartamento. Enquanto as ondas sonoras se afastavam, ela sentia seu corpo morto e ao mesmo tempo sendo esmagado. Seus seios pareciam dois tijolos: doiam e pesavam muito mais do que os de uma mulher gravida. Aurora tentou gritar, berrar de dor mas suas cordas vocais a haviam abandonada naquele momento. Entao percebeu que nenhum de seus esforços seriam uteis. Em um minuto de raciocinio fechou os olhos e começou a orar. Pediu esclarecimento sobre o que estava acontecendo e ajuda. Poucos minutos depois : BUUM!! as janelas se abrem, uma onda de calor aquece o apartamento e o coraçao de Aurora que ja estava pensando em morte. A medida que os fios de sol tocavam o corpo de Aurora ela sentia-se cada vez melhor. Agradecendo em silencio, ela sentiu o lençois pouco a pouco entre seus dedos.

Francesca batia repetitivamente uma caneta em um canto de sua carteira. O barulho se tornou uma terapia contra o fato de ter visto sua irma à caminho da faculdade. Sua irma estava dormindo na rua, no chao. Francesca sentiu um arrepio por todo seu corpo. Teve vergonha de chegar perto da irma, pois os outros ,que jà estranhavam o fato da menina ter aparecido do nada na faculdade, iriam tirar suas duvidas. Bem, era o que ela achava. Olhou atentamente a irma, branquinha, labios vermelhos como uma flor, mal vestida e com certeza mal alimentada. Francesca jà havia passado por aquilo, era a pior coisa que existia " Eles te tratam como lixo toxico, como um nada. Como se sua vida nao valesse nada. Quando voce chega perto deles pensam que es ladrao. Com o tempo, de tanto eles pensarem assim, acabamos nos tornando. Infelizmente era o unico modo de sobreviver." lembrou-se. Alem da vergonha, tinha medo de que a irma a reconhecesse e contasse para todos sua origem. Era a irma mais nova de Francesca " Ela vai dizer a verdade, é pequena! Claro que vai dizer! Ah maldita vida! ". Francesca entao deixou-se sufocar-se pelo orgulho e aparencias e deixou a irma ali. Mesmo sabendo que depois ela poderia nem estar mais naquela rua, na cidade ou ao menos viva. Depois pulou para outro pensamento, um muito distante. Lembrou-se de seu sonho. Sonhara com sua infancia. Quando a vida ainda era interessante e divertida, quando algo ainda fazia sentido. Via sua mae, com seus longos cabelos pretos e lisos envolvidos em um forte elastico. Estava cozinhando seu prato preferido: lasanha. Francesca dizia que lasanha era um livro de macarrao, um livro comestivel, claro. Visto que sua mae adorava ir na varanda para poder sentir o perfume das flores, o ar puro, tomar uma xicara de chà de canela e ler algum livro, Francesca acabou por se apaixonar por aquelas folhas de papel todas juntas, aqueles sentimentos tao delinhados no papel, pelo amor que o escritor dedicava. A lembrança profunda de Francesca foi interrompida pela grave voz de seu professor.

( em portugues ) Francesca? Tudo bem com voce? - Perguntou Giovanni, um senhor alto, com cabelos grisalhos. Sempre muito preocupado com seus alunos.

( em portugues ) O que? - Francesca estava tao desligada da sua de italiano que mal ouviu as palavras de seu professor tao educado. O que acontecia raramente pois ela se esforçava como ninguem naquela faculdade.

( em portugues ) Nao é nada. Apenas notei que estava pensativa. Tudo bem com voce? - Fracesca sorriu como agradecimento pela preocupaçao de seu professor.

( em portugues ) Ah, claro. Estava somente observando mais a fundo a materia de hoje. - Apesar de seu professor ser tao querido, Francesca sabia que nao poderia demonstrar nenhum desrespeito à nenhum de seus professores pois o conselho era bem rigido e relaçao ao comportamento.


Aurora finalmente retomou suas forças. Conseguiu levantar-se, com muito cuidado e ir ao banheiro. Os lençois caidos, amassados e o cabelo desarrumado de Aurora anunciavam que era terça-feira, dia de ficar em casa ( Aurora tinha outros funcionarios alem de Francesca entao resolvera trabalhar dia sim dia nao ou quando precisava-se. ) Esta terça de descanso era mais que merecida. Eram 9:00 da manha e a cidade jà estava a mil. Os " romanos " que posavam para os turistas, os marroquinos que vendiam suas mercadorias, os seguranças que faziam com que ninguem usasse flash nas igrejas,os fregueses, os artistas, os garçons, os pobres, os ricos, todos estavam suando e lutando pelos seus paes de cada dia. Aurora nao gostava de tomar café, o que era ironico pois trabalhava em uma cafeteria. Sua avò sempre dizia que o café de manha traria mà sorte, mas o chà purificaria sua alma, a prepararia para o dia que estava por vir. Jà sua mae sempre esquivara-a um pouco das palavras de sua avò, pois achava que eram todas baboseiras. Mas ela adorava ouvir os ensinamentos de sua querida avò que havia ido, se juntar às estrelas no ceu. A menina dos campos estava agora nostalgica. Sentou-se em um banquinho de madeira e decidiu ligar para sua mae. Feito tudo, ela escutava ansiosamente o tuu tuu... tuu tuu....

A secretaria atende - ( em portugues ) Bom dia, asilo " Bom Viver ". Com quem falo?

Bom dia, me chamo Aurora, gostaria de falar com Lucia ( Aurora nao precisava dizer seu sobrenome pois era a unica com este nome ali ) - Depois de alguns minutos a voz alegre de sua mae toma conta do coraçao nostalgico de Aurora.

Aurora! que bom que voce ligou filha, estava pensando em voce neste exato momento! - Ela sorriu com a coincidencia e respondeu:

Oh minha querida mae, estou com uma enorme saudade de voce, dos campos, de tudo! Nao vejo a hora de ir visita-la.

Eu tambem estou, acredite. Mas como dizia sua avò " toda longa espera é firmemente recompensada ". O Sr. Gianluca veio me visitar estes dias, disse que iria ve-la. Sabe, ele fala de voce com demasiada ternura e amor nos olhos. Tenho tanta sorte de ter voces, meus amores.

Nòs temos mais sorte ainda de poder te-la. Te amamos muito!

Ah minha Aurora, se seu pai podesse ve-la. Uma filha tao dedicada, tao linda, tao pura. Acabei de me lembrar de uma coisa que seu falecido pai sempre dizia " nunca esqueças de fazer tres coisas na vida : 1. lembre-se sempre de onde veio, suas origens. 2. Nao deixe de sonhar, assim conseguiras realiza-los. 3. Viva intensamente, perdoe a cada segundo que puder, seja voce mesma, siga seus instintos, ame a todos e jamais deixe de estender suas maos. ". Siga seus sonhos filha. Agora que podes, corra atras! Tendes empregados na cafeteria e ganhastes bem nao? - Aurora inspirou profundamente, pra ver se junto com o ar viriam as forças. Nao gostava de decepcionar sua mae, mas tinha de lhe explicar, tinha que se impor.

Mae, muitas vezes nao é o dinheiro mas sim as situaçoes. Agora tenho Francesca para cuidar, nao que me seja um fardo, mas no momento ela é uma de minhas prioridades. Assim que terminar sua faculdade eu vejo o que farei por mim. Tambem tenho voce minha querida mae, tenho que trabalhar, tenho que lhe ajudar. Nao se preocupe comigo, estou bem.

Tudo o que tinha dizer jà disse. Agora respeita a voce fazer o que acha melhor. Venha me visitar logo. Beijos. - Antes que Aurora pudesse responder a ligaçao caiu. Aurora sempre escutara atentamente os conselhos de sua mae. Ficou observando o frenetico movimento movimento da cidade enquanto acabava seu chà de canela. Havia um silencio imenso misturado com um barulho de sentimentos naquele comodo. Fios de luz iluminavam o pensamento de Aurora. Ela pensava em seguir seus sonhos, seu coraçao mas tinha muitas coisas em sua responsabilidade e sabia que nao poderia deixar na mao de qualquer um, até mesmo porque conhecia poucas pessoas ali.

Neste momento là estava Pietro, em algum lugar do mundo, se é que aquilo poderia chamar-se de mundo. Batalhando contra todos os seus sentidos e sua natureza humana. Pietro sofria, tinha a dor de sua vida toda pisando no seu coraçao. Lembrava-se de Aurora a cada respiraçao ofegante que dava. Seu coraçao sangrava, mas de dor. Rezava todos os dias pedindo para voltar à Italia. Retomar sua vida, qualquer vida, basta que fosse perto de Aurora. Jà tinha amanhecido no Brasil mas ele nao tinha motivos para se levantar, alem de seu trabalho. Estava infiltrado em uma favela. Isto nao lhe importava muito no momento. A vida jà o havia matado de todas as formas. Aurora estaria bem? Estaria casada? Ainda estaria viva? A mafia haveria descoberto seu disfarçe? E sua familia? Alguem ainda se lembraria dele? Pietro se sentia mais morto que um proprio morto. Enquanto tentava ver algum sentido na vida, um homem negro, baixo e magro se mexia na cama. O fedor ali era insuportavel. Ele decidiu fechar os olhos e se lembrar do angelical de Aurora. Tentava achar alguma esperança em sua alma.


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Notas finais do capítulo

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