Freed: Shadows Of The Darkness escrita por Nina0207


Capítulo 2
Sinto como se estivesse assistindo tudo do espaço




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Habituada a correr e a me esconder, segui a passos largos pela escuridão que a rua era mantida. Agradeci mentalmente a quem estivesse me protegendo. Sabendo que poderia estar sendo seguida, como tantas vezes, me espreitei pelas sombras que a lâmpada desfocada do poste me fornecia. Esta seria a terceira vez que fugira. Diziam-me: “Você está passando dos limites.”. “Você não é mais a Annie que eu conheço”. Errados, todos eles. Nada me faria melhorar. E certamente, eu não era mais a Annie que conheciam. A esperança que me cercava há alguns anos fora tomada para sempre desde a última vez que passei desse tal “limite”.

Desacelerando meus passos, cheguei onde queria. Adentrando a estrutura velha e decrépita da casa, com certa relutância, subi as escadas despedaçadas com o máximo cuidado. Andei até o fim do corredor escuro, olhando onde ficavam os quadros de fotos, e abrindo a porta do quarto, caminhei até a escrivaninha cheia de poeira.

Acendi a luz do abajur enfeitado com adesivos que colecionei quando criança. Com o quarto iluminado recordei-me de tempos esquecidos. Deixei o medo esvair-se de mim, conforme fui percorrendo o quarto com meus olhos em um rosto marcado de lembranças e temores. Um rosto coberto por longos cabelos castanhos encaracolados, que escondiam o rubor que eu apresentava quando era pressionada ou quando estava com raiva.

Suspirei, ao vir à minha mente a imagem que obterei quando der as costas pela última vez ao meu passado e embrenhar-me novamente à escuridão da rua que sempre me dava às boas vindas, acalorando-me com abraços de afeto. Abrindo a gaveta de minha bancada, encontrei o mesmo retrato de antes. Tirando o capuz do casaco preto da cabeça, voltei a admira-la pela beleza da fotografia, mesmo rasgada e velha, as pessoas que nela apareciam. Ali, via-se uma criança de cabelos castanhos caindo-lhe sobre o rosto até seu queixo.

Ao lado dela, abraçando-a, uma mulher com olhos claros e cabelos lisos e castanhos. Do lado da mulher, um homem também de cabelos castanhos, porém, seus olhos de uma negritude familiar, acolhedora e sombria, que transmitiam uma serenidade e um mistério capaz de inebriar qualquer curioso. Eu queria poder me lembrar deste homem com tanta nitidez quanto me lembro da mulher. Aquele homem era o impasse de minha vida. Era o significado de tanta angustia e pesar, que me carregaram para o que eu sou hoje. E aquele garoto. Eu não me lembrava dele com exatidão, mas sabia que era um amigo de infância. Meu pequeno que nunca mais o veria. Onde estaria? Mas, uma coisa é boa nisso, ele não seria como eu.

Levantei a cabeça assustada pelo barulho de sirenes e pela luz que iluminava o quarto, guardei o retrato em meu bolso da calça e fechei a gaveta num baque. Correndo para fora do quarto, desci as escadas com pressa, abrindo a porta com força e embrenhando-me para fora da casa com medo. Fiquei encharcada ao ser recebida pela chuva ininterrupta e fria. A ambulância que me seguira, os mesmos homens nela que queriam me capturar, apareceu na minha frente, bloqueando-me o caminho.

- Calma garota, sabe que é melhor vir conosco. Não tente fugir, não vai conseguir. - falara Connor. Um homem alto e forte, mas com a voz calma e tranquila. Uma péssima combinação para o trabalho que faz. Connor tinha cabelos longos, presos num rabo de cavalo baixo, e usava roupas brancas. Uniforme de onde trabalhava.

- Me deixe em paz! - berrei, afastando-me de Connor, adentrando nos arbustos que enfeitavam a frente da casa. Manchei meu jeans com a lama que a chuva formara ali embaixo.

- Vamos Annie, sabe que não poderá fugir para sempre. - disse o outro homem, que sempre acompanhara Connor quando era para apanhar-me. Henry era mais baixo que Connor, mas, sua força não era comparada a dele. Os cabelos pretos levemente penteados para trás, deixavam-lhe com um ar de bom moço, um cavalheiro que toda mãe gostaria de ter para sua filha. Mas eu sabia de sua fama de cafajeste e derrotado. Henry já fora preso. Portar drogas aqui não era um crime de alto escalão e Henry fora designado a fazer apenas serviços comunitários. Ele não usava, só repassava a droga que lhe era dada.

Eu tinha medo dele tanto quando tinha de Connor. Porém, Connor ainda podia sentir-se honrado por eu não querer matá-lo, diferentemente de Henry. Eu os conheço graças há uns dias que passei no Reformatório onde trabalham. E do qual logo conhecerão.

- Vamos Annie, venha cá. - me retrai ao ouvir Henry me chamar. Procurando uma brecha no arbusto que estava encolhida, fingi que ia correr para o meio dos dois, fazendo-lhes darem um passo à frente, tropeçando e batendo um no outro, ficando desnorteados.

Vendo uma oportunidade para escapar, joguei-me no chão, engatinhando entre os galhos cortantes dos arbustos, machucando minhas mãos e rasgando meu jeans nos joelhos, arranhando-os.

Saindo do outro lado da cerca, levantei-me num salto, sendo assim, agarrada pelo pé por Henry, que se jogara entre os arbustos, me fazendo cair. Gritei, chutando Henry no rosto. Ele grunhiu me soltando. Voltando a me levantar, fui cambaleando, tentando manter-me em pé.

Olhei para trás e vi Connor ajudando Henry a sair da cerca e começando a correr atrás de mim. Acelerando, corri até não aguentar mais. Ofegante, meu coração batia em meu peito parecendo que ia saltar fora a qualquer momento. Os músculos de minhas pernas me pediam arrego, doíam fazendo-me tropeçar algumas vezes.

Pulsando como uma bomba, meu coração batia num ritmo frenético em meu peito, o suor escorrendo pela testa, juntamente com as gotas de chuva que escorriam pelo meu rosto, cegando-me momentaneamente, traziam-me a sensação de desgaste e cansaço. Senti-me fraca, ofegante, derrotada. A única coisa que queria era dormir.

Corri até o fim da rua. Vendo-me parada no meio de um cruzamento, olhei para trás e vi a luz do carro com os homens me seguindo.

Sem pensar duas vezes, segui pela rua que conhecia tão bem. Corri por ela, passando pelas casas adormecidas. Imaginei que as pessoas estivessem dormindo em suas camas macias, sonhando com um mundo sem perigo e em paz. Desejei um dia que pudesse sonhar assim também, sem ter que ficar sempre alerta, para poder descansar como devia. Parei, derrapando, ao chegar onde era um parque vazio e silencioso.

Quem sabe pudesse me esconder ali. Busquei por um esconderijo caminhando pelo parque a passos largos. Vi ali uma casa, daquelas de madeira que crianças pequenas adoram brincar. Engatinhei para dentro dela, abraçando meu joelho e tentando manter-me em silencio. Eu só queria dormir, só dormir.

Deixei-me esconder o rosto sobre os joelhos e fechei os olhos. Minha respiração controlava-se, meu coração voltava ao normal, deixei que a adrenalina em meu sangue liberasse por meu corpo. Isso me fez ficar sonolenta, querendo apenas deitar-me ali na terra fofa e dormir.

Estava quase adormecendo...

- Onde ela pode estar Connor? Sabe que temos que levá-la de volta. Morgan não vai gostar nada se voltarmos de mãos vazias. Essa garota já esta cansando, não é a primeira vez.

- Cale-se Henry, sei disso está bem? Agora fique de boca fechada e olhos abertos. - mandou Connor. Retrai-me dentro da casa de madeira. Ouvidos atentos a qualquer barulho que pudesse atraí-los até mim.

Mantive-me na mesma posição, não me deixaria mover em instante algum. Não podia fazer nenhum ruído. Nada. Só o silencio. Apenas o silencio.

- Droga Connor! Cadê ela? - berrou Henry irritado.

- Procure melhor, vá! - ordenou Connor. Eu podia ouvi-los muito bem, eles estavam próximos de mim. Qualquer barulho e eles me encontrariam.

E então, como se tivessem sempre ali, apareceram.

Deixei escapar um gemido quando as sombras apareceram. Ofeguei com medo. Delas e dos homens lá fora. As sombras, em forma de borboletas, pairando em meus cabelos, agitaram-se dentro da casa escurecendo tudo ao redor.

Sombrias como a escuridão que me recebia com afeto, as sombras que davam “olá” sempre que algo estava para acontecer, embarcando em mais um apavorante ruído de pavor de meu coração. E eram sempre ruins.

As sombras-borboletas juntaram-se, formando uma só sombra, preenchendo o espaço da casa de madeira toda, escurecendo tudo, até mesmo o resquício de luz que poderia haver por ali. Ofeguei com mais veemência, esquecendo que não podia fazer barulho.

Encurralada, sai da casa de madeira e pus-me a correr novamente, escorregando na terra molhada. A lama sujara-me por completa. A chuva havia parado, mas acabei sendo surpreendida com braços novos. Não de Connor ou Henry, de outro alguém.

- Pensou que podia escapar Annie? Enganou-se.

- Quem é você? - perguntei, num sussurro.

- Sou seu mais novo “guarda-costas”. - respondeu ele a tempo que Connor e Henry chegassem até nós.

- Vejo que a pegou Simon. - disse Connor.

- Leve-a. - mandou Simon, me empurrando na direção dos dois. Henry me agarrou pelo braço e Connor o seguiu mais atrás. Fui pega mais uma vez.

Entretanto, olhando para trás, para as sombras que se erguiam acima do parque, senti-me protegida de certa forma. Repreendi a mim mesma por tal sensação.

Não estava protegida. Não contando para onde me levariam novamente. Baixando os olhos das sombras, encontrei os olhos de Simon me observando. Ele me olhava como se me analisasse.

Senti-me exposta demais com aqueles olhos tão vazios me encarando. Desejei que ele parasse de me olhar. Pedi às sombras que me ajudassem, mas, sabia que não seria atendida.

Ao mesmo tempo eu estava apavorada e com raiva, queria apertar a garganta daquele homem, daquele mais novo “guarda-costas”, persuadi-lo e matá-lo.

- Entre ai! - ordenou Henry me jogando para dentro da ambulância. Prenderam-me na cadeira que havia ali. Vi Simon caminhar-se para um carro preto que estava estacionado mais abaixo na rua no tempo que Connor teve para fechar a porta na minha cara. Connor entrou no lado do passageiro, ao lado de um Henry sorridente e vitorioso. - Vamos ser bem remunerados dessa vez Connor, fique feliz por isso.

- Não gosto de prendê-la desse jeito Henry, sabe disso. Essa garota passou por muitas coisas, não deve ser tratada assim.

- Está com pena dela? - perguntou Henry num tom de desaprovação, como se Connor tivesse amolecido o bastante para me soltar.

- Não Henry, não estou, mas, essa garota parece fugir de algo, além de nós, entende? É como se ela tivesse amedrontada o tempo todo. Isso é assustador.

- Está com medo dela?! - Henry virou-se para Connor, para fita-lo com descrença e desconfiança. Eu os ouvia, porém, prestava mais atenção às sombras que me seguiam. Henry ligou o carro e acelerou, pondo o carro em movimento.

- Não tenho medo de nada imbecil, muito menos de uma garota! - Connor falou num tom ofendido, olhando de relance para mim. Eu estava tão absorvida no que aconteceu que nem prestei mais atenção no que os dois homens conversavam.

Eu estava voltando para o Reformatório. Depois de anos sendo detida por roubos, furtos, pequenas agressões, perceberam que ficar na cadeia por alguns dias ou meses não tinha mais resultado, então recorreram ao Reformatório. E é pra lá que estou indo, de novo. 


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