O último Beijo escrita por andy_1993


Capítulo 7
O Oculto - Parte 7




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Chegamos do colégio um pouco antes do almoço, minha tia e minha mãe estavam na cozinha jogando conversa fora, Will e Sophie foram até elas, mas eu estava com muito sono, mal conseguia me manter em pé aquela altura. Agora para minha vida melhorar eu perderia o sono. Desde aquela noite eu não conseguia dormir. No total de três noites, e com certeza minha aparência não era das melhores, digamos que eu estava pior que aquela bruxa má da Branca de Neve, mas claro sem a verruga.


Subi as escadas e fui direto para meu quarto, joguei minha bolsa no chão e me debrucei sobre minha cama, soltando um longo suspiro. De repente pensei ter sentido alguma coisa ter subido nela, uma coisa pequena, cansada demais para abrir os olhos e descobrir o que seria aquilo, apenas ignorei, mas a coisinha não parava de se mexer, era peluda, subindo em cima da minha bunda, abri os olhos e devagar fui virando a cabeça para olhar o que seria aquilo.


Foi então que me deparei com uma coisinha pequena de pelos claros, de duas patas, me olhando com aqueles pequenos olhos pretos.


- MÃE!! – Gritei.


Pude ouvi seus passos desesperados pelas as escadas, quando finalmente chegou me olhou com preocupação, atrás dela Will, Sophie e minha tia, tentavam olhar para ver a tragédia que poderia ter acontecido, ouvi a risada exagerada de Sophie, após vê aquela cena.


- Você comprou um cachorro!


- Cadela. – Corrigiu, rindo baixinho. – Anne você nos pregou um susto, pensei que havia acontecido alguma coisa grave!


- E aconteceu! Você comprou um cachorro!


Eu era alérgica a pêlo de animais e acabei descobrindo isso da pior maneira possível, aos cinco anos quando meu pai havia comprado um gato siamês para mim, tive uma crise alérgica que me obrigou a ficar três dias no hospital e não pretendia passar por aquilo de novo.


- Cadela – Retrucou Will lá de trás, se segurando para não ri.


- Não deixa de ser um cão, com pêlos e tudo mais!


- Querida não se preocupe, o máximo que você vai ter é um espirro ou outro.


- Eu vou morrer! – Peguei aquele pequeno ser felpudo e o botei no chão.


Logo voltei a me deitar e fechei os olhos.


Ainda rindo saíram do quarto não falando mais nada, quando já estava “sozinha” novamente, abri apenas um lado do meu olho.


Ela estava sentada do lado da cama, me olhando, balançando seu rabo pro lado e pro outro com uma carinha de pidona.


- Pare de me olhar! – Falei escondendo o rosto no travesseiro.


Fui virando meu rosto aos poucos, e lá estava ela ainda me olhando. Aqueles malditos olhos pequenos e negros!


Sim, uma coisa tinha que admitir, ela era uma criaturinha muito bonitinha e sim, eu estava com vontade de apertar ela.


- Certo você venceu! Mas se eu começar a espirrar você rasga daqui!


Ela deu um latido e mostrou sua língua rosa e logo subiu na cama e pude sentir suas patinhas pequenas nas minhas costas.


Tudo bem, eu estava com olheiras horrendas, com olhos ardendo de sono e com uma coisa peluda e fofa nas minhas costas que a qualquer momento pode me causar danos fatais.


Seu nome era Laila, era uma Golden Retriever de três meses, de pêlos bem clarinhos e quando mostrava sua língua rosada parecia que estava dando um enorme sorriso.


Lembrei de uma vez há muito tempo quando minha mãe havia dito para mim que quando ela e minha tia eram pequenas, minha mãe e ela sempre quiseram um cachorro, mas na época não podiam ter por causa do meu avô – Alérgico que nem a neta –, e agora minha tia decidiu fazer uma grande surpresa para ela, e pra mim também.


 


Acordei do meu sono me espreguiçando, eu não teria tido nenhum pesadelo, não dormia bem daquele jeito a muito tempo, pronta para levantar dei uma olhada no peso que tinha nas minhas costas, ela ainda estava ali deitada dormindo profundamente e nenhum espirro viria ainda.


- Dormiu bem? – Perguntou Will que estava encostado na porta do meu armário me fitando.


- Sim, nem me lembrava a ultima vez que havia dormido tão bem, você pode... – Segurei para não ri alto e apontei com os olhos para Laila.


- Ah, sim, claro. – Ele foi se aproximando, segurando a cadelinha enquanto dormia para eu poder me levantar, e logo a pôs de volta em cima do meu travesseiro.


- Obrigada. O que você estava fazendo aqui? – Bocejei.


- Sinceramente?


- Não, pode mentir, não tem problema.


- Estava olhando você dormir – Um sorriso se abriu no canto de sua boca.


- Está bem, agora eu quero saber.


Ele riu.


- É a verdade.


Senti meu rosto ficar vermelho nessa hora. Passei as mãos nos olhos para tentar disfarçar


- Anne...


- Sim?


- Você pensou?


Não eu não havia pensado.


- Pensei...


- Ok. Eu sei esperar... – Comunicou ele, sabendo perfeitamente que eu não havia pensado.


- Obrigada Will... – Virei de costas para ele, para olhar minha companheira de quarto. Estava tudo em silêncio. Eu olhava para o sono da cadela e ele olhava pra mim.


Seus olhares tinham retornado desde a nossa volta, agora que eu sabia de seus sentimentos por mim, eu chegava a achar que estava sendo cruel por não ter pensado na hipótese de evitar tragédias e ficar com ele. A única coisa que me refletia em mente era Victor, cada vez que o encontrava, ficava mais difícil não pensar nele.


- Você dormiu bem na ultima noite naquela casa?


Eu o encarei hesitando responder aquela pergunta. Via dentro de seus olhos castanhos profundos e frios que ele desconfiava.


 - Sim... Eu preciso tomar banho.


- Claro.


Eu o acompanhara ate a porta, ele sorria, abriu a porta e me deixou sozinha.


Pousei por alguns instantes minha mão na maçaneta.


Will era misterioso, e ousado, era difícil tentar descrevê-lo, tentar desvendar suas verdadeiras intenções


Passei as mãos nos cabelos, puxando-os pra trás, fechando os olhos.


O que fazer? – Me sentia perdida no meu mundo e ninguém poderia me salvar.


 


*****


 


Hoje o jantar foi silencioso, o que me deixou pasma porque na mesa uniam-se duas tagarelas. Podia ter acontecido das duas terem brigado, difícil, mas não impossível. Meus olhos rondaram a mesa, minha tia remexia com o garfo a sua salada, não tinha colocado se quer alguma daquelas folhas na boca, olhava para o prato como se estivesse longe dali, foi então que ouvi a primeira voz a se manifestar. Sophie começara a falar do dia animado que teve entre suas novas amigas e só quem respondia e se mostrava interessada era nossa mãe. Will ouvia a conversa, mas não falou nada, ele discretamente desviava os olhos da conversa e os passava pra mim, eu percebia, e ele sabia disso, mas eu fingia não notar.


Quando eu já estava deitada na cama, eu sabia que meu sono não iria chegar tão cedo. Eu olhava pro teto, me lembrando de cada momento lá naquela clareira, os olhos que eu só havia visto em meus sonhos e o jeito que eles me hipnotizavam, a tendência e o desejo de tocar na pele do seu rosto... Ele estava lá, e estava me esperando. Sua voz ecoava ainda nas minhas lembranças, sussurrando em meu ouvido a palavra: “Monstro”.


Laila permanecia em meu quarto, dormindo no finalzinho da cama, seu rabo que tanto era agitado nem se movia. Pressionava-me não ter dado nenhum espirro até agora. Levantei-me para passar a mão na cabeça cheia de pelos da pequenina.


Crescem tão rápido. – Pensei. Isso soava estranho... Nossa falei que nem minha mãe agora e um arrepio veio.


Levantei e fiquei em pé de frente para a varanda... Ele poderia estar ali, me vigiando ou coisa assim, ou vendo o que eu estou fazendo... Mordi meus lábios de baixo e andei para fora da varanda me aproximando da árvore, o vento vinha como todas as tardes e noites, um vento frio e bom. Segurei firme minhas mãos na madeira e me puxei para ficar em pé na grade. Meus olhos foram pra baixo, e comecei a rir.


Era alto e não teria como eu sair com vida depois de uma queda daquelas, Will sim, mas eu não. Meu coração pararia de bater antes mesmo de chegar ao chão. Ele me salvara mesmo da morte duas vezes.


Sentei no galho e segurei em outro que estava sobre minha cabeça e me arredei até chegar ao canto.   


Segurei no tronco da imensa árvore e olhei para entre as diversas folhas. Nenhum sinal dele. Suspirei decepcionada. Virando o rosto para voltar para meu quarto, para minha cama e meus pensamentos.


Eu devia estar muito controlada para não ter gritado de susto por ele aparecer tão rápido em meu lado. Ele parecia calmo, sentado no galho com os braços cruzados me olhando como se estivesse se divertindo a me ver tão necessitada de algo para me manter sentada ali. Os olhos não estavam vermelhos estavam castanhos. Seus cabelos achocolatados mais bagunçado do que nunca, sua pele tão branca e lisa, tão perfeita e enlouquecedora.    


- O que você esta fazendo aqui? – Perguntei em voz baixa para não alertar ninguém.


- O mesmo que você. – Respondeu no mesmo nível de voz que o meu.


Vagamente me veio à lembrança da sua voz na floresta, seca, grossa e roca. Agora era calma e divertida.


- E o que eu estou fazendo? – Perguntei em tom desafiador.


- Sentada, não? – Falou ele tão obviamente.


- Tão engraçadinho...


Ele riu. Em suas mãos não tinha mais nenhuma luva, sua blusa era preta e usava um jeans, mas estava descalço, seus pés eram grandes e como o resto da pele, branca e pálida.


Eu estava tremendo, não medo, mas nervosismo. Algo que tão pouco me permitia sentir...


Ele me olhava sério.


- Esta com frio? – Perguntou.


- Um pouco... Pensei que nunca mais ia voltar a vê-lo.


- Por um momento eu também achei. – Ele se levantou sem nenhum esforço ou ajuda, e estendeu a mão pra mim. – Venha. Vamos sair daqui.


Eu a olhei, mas não a peguei.


- Eu prometo que não vou machucá-la.


- Eu não tenho medo... Eu confio em você. – O vi abrir um sorriso no canto da boca.


Estendi minha mão e a segurei. Era fria e muito pesada. Ele me puxou rapidamente e mal percebi quando já estava em seus braços, sua pele tocava a minha e meu frio aumentava, senti meu corpo se arrepiar e tremer, mas era tão reconfortante ficar tão perto dele. Passei meus braços em volta de seu pescoço gelado e escondi meu rosto no seu pescoço. Conseguia sentir o perfume dos seus cabelos, era um perfume doce que me fez querer sorrir, me deixei o apertar mais, mas logo afrouxei meu aperto.


Senti seus lábios na porta de minhas orelhas, e o seu ar gelado a congelou, mas não me importava.


- Chegaremos lá em dois minutos – Sussurrou.


Fechei meus olhos e uma corrente de ar frio veio até mim. Como ele havia prometido, chegamos lá em dois minutos ou até menos. Ele falou com gentileza quando disse que eu já podia abrir os olhos, não estávamos em uma floresta nem qualquer lugar do tipo. Estávamos em uma casa, ou melhor, dizendo, em um quarto.


Era espaçoso e aconchegante, sua cor era um bege claro, tinha uma cama e livros, milhares de livros, se não fosse pela cama diria que poderia ser uma biblioteca. As estantes eram duas largas de madeira forte e escura.


Os livros eram diversos de mitologias a medicina e política. Alguns eram velhos demais, outros novos... Pareciam os mesmos assuntos dos livros da casa onde estivemos.


Tinha uma televisão de tela plana grudada na parede, no outro canto uma mesa branca e mais livros.


- Onde estamos? – Perguntei.


- No meu quarto. – Virei o rosto para encará-lo e ele olhava para seus diversos livros com orgulho.


- Seu quarto? – Precisei repeti.


- O que? Pensou que eu vivia em uma gruta?


- Claro que não. Quero dizer... Talvez. Imaginei que morasse em uma casa velha e assustadora cheia de aranhas e outros bichos asquerosos.


Eu o vi arregalar o olhar.


- Eu tenho um monstro incrivelmente feio no porão, não ta a fim de ver?


Eu o olhei assustada.


- Você tem um monstro no porão? – Perguntei incrédula.


Ele bufou.


- O que você acha que eu sou? Victor Frankenstein?


- Ah, eu já passei a acreditar em tudo quando vim morar aqui.


O ouvi resmungar alguma coisa, mas ignorei. Os seus livros ainda chamavam minha atenção. Levantei o braço e passei a ponta dos dedos por eles, deslizando-os até chegar a um familiar. O puxei e ao ver a capa pude ter certeza.


- Como você o pegou? – Perguntei.


Ele ria ao meu lado.


- Nunca te ensinaram que é feio pegar coisas que não são suas? – Ele arrancou os livros de minhas mãos e os deixou no alto, ele era mais alto que eu – e quem não era.


- Eu ia devolver! – Rebati. Aproximando-me para lançar minhas mãos ao livro. Quando percebi estava tão perto dele, de seu rosto que podia sentir o hálito frio que vinha de seus lábios, era tão tentador olhar para eles. Os de Will eram quentes e aconchegantes. Os de Victor eram frios e sedutores. Ele não olhava minha boca e sim dentro de meus olhos, os vi ficarem mais claros, passando de castanhos para verdes. Era espantoso, seus braços foram se abaixando, botando o livro em minha mão, mas agora ele já não me interessava mais, deixei escorregar de minhas mãos ao chão.


Suas mãos foram escorregando pelo meu rosto até o meu pescoço, elas tocaram meus ombros e seus dedos caíram pelos meus braços, seu frio agora começava a me atrair.


Arrisquei aproximar mais meu rosto do dele e sentia a ponta de seu nariz no meu, eram como se tivesse caído flocos de neve no meu. Suas mãos subiram de novo fazendo o mesmo percurso que fizera quando as desceu, mas agora ele deixara suas mãos coladas em minha nuca e seus dedos se enfiarem entre meus cabelos. Passei a ponta do meu indicador nos seus lábios finos e o fiz desenhar uma linha até sua bochecha.


O rosto que tanto desejei tocar estava na minha frente. Coloquei minhas duas mãos em seu rosto e o fitei com mais desejo. Seus lábios vermelhos se arrastaram nos meus antes de saboreá-los, e então senti o choque que foi quando se uniram primeiro com um beijo inocente e gentil, nossas línguas dançavam dentro de nossas bocas e quanto mais os segundos se passavam, mais era difícil separá-las. Seus lábios espremiam os meus e o beijo se tornou mais violento, ele me tomou em seus braços e ele me apertou mais em si, ele me empurrava para trás e eu o puxava junto comigo, ele me encostou-se à estante, onde senti livros caírem ao meu lado. Seus braços se apertaram na minha cintura me levantando, e eu cruzei minhas pernas em volta de seu corpo não querendo mais ficar longe dele, querendo o pra mim para sempre, nunca desejei tanto alguém como o desejava, eu o queria de corpo e alma.


Senti as palavras de Will voltando: “Porque ele é sua metade.”


Ele me completava. Agora eu sabia que não poderia ficar com Will, que eu nunca poderia pertencer a ele como pertencia a Victor.


Ele me carregou ate sua cama onde me deitou com delicadeza. Ele beijava minha bochecha e meu pescoço, e isso me fazia sentir um fogo dentro de mim.


Então ele sussurrou em meu ouvido:


- Fique comigo pra sempre... – Sua voz estava doce e tremula.


Eu queria ter dito sim, que não agüentaria viver longe dele mais nenhum minuto se quer, que o queria para a eternidade, mas ao invés disso eu gaguejei:


- E... Eu... – Não negaria o que ele era, e o que fez, eu ainda tinha perguntas sem respostas. – Eu tenho pesadelos, e a maioria deles na escuridão, e... Aparece alguém, mulheres, elas me olham e eu as chamo, mas nada sai da minha boca... Eu corro atrás delas e elas fogem de mim, com medo e então, eu volto a me isolar, e volto a reencontrá-las mortas...


Ele estava de cabeça baixa olhando para o nada, seus olhos sem inexpressão, ele respirava uma respiração calma.


- Por quê? – Eu senti que estava começando a sair do controle, mas não me impedia. Tudo ficou guardado e agora era hora de botar pra fora, minha voz ficou mais firme e meus olhos vermelhos de irritação, sentia já o sal molhado em baixo deles, mas era isso o que eu queria. – Seja o que for que você faça, pare! Por favor, eu não agüento mais, não quero vê sangue e morte, nem escuro... Por que esta fazendo isso comigo?! Eu quero a verdade!


Ele continuou mudo. Seus lábios se abriram um pouco, mas logo os fechou, pressionando um no outro. Ele saiu de cima de mim e sentou na beira da cama. Vi em seus olhos que estava sofrendo tanto quanto eu. Eram sinceros, ele choraria se fosse possível...


As lagrimas já fugiam de meus olhos. Eu me aproximei dele. Mas não sabia mais o que dizer, por isso esperei por alguma palavra dele, fitando seus olhos agora escurecidos, aproximei meu rosto do seu e pousei o queixo em seu ombro.


- Você esta ligada a mim – Começou ele. – Você faz parte de mim, e eu só descobri isso enquanto você dormia e por isso, tentei parar mais cheguei a um estado lamentável e não consegui me controlar... Foi quando você estava no lago e me viu. Isso nunca tinha afetado você antes...


- Por que ao invés de pessoas não pode ser animais? Era assim que você fazia! – Foi quando me dei conta – Como assim antes? – Perguntei assustada.


Ele entrelaçou os dedos, ele olhava pro nada, no canto de seus lábios tinha um sorriso. Como se fosse um sorriso de satisfação.


- Parei de me importar com as pessoas quando Isabel morreu. Por isso passei a procurar o que realmente me satisfazia.


“Eu estou com você desde que nasceu Anne... Eu estava no Chile quando você começou a ser gerada... E eu senti você, uma coisa forte em meus pensamentos, isso quase me enlouqueceu a ponto de enfiar uma estaca no meu coração morto, mas fui impedido pelos meus irmãos... Disseram que também sentiam alguma coisa, mas não se comparava ao que estava crescendo dentro de mim. Esperança, alegria, dor e amor... – Ele virou o rosto e me olhou. – Eu fui atrás, sem saber o que exatamente procurava, até finalmente te achar. Você ainda estava dentro de Christine. Naquele instante eu sabia, eu sentia.”


“Desde então não fiquei longe nem um minuto. Sua mãe estava sozinha cuidando da casa quando quase a perdeu, o elevador não estava funcionando e desceu nas escadas, devido à falta de luz, ela perdeu o equilíbrio, mas eu a segurei. Coloquei as mãos exatamente na sua barriga enorme e senti você chutar. Foi como voltar à vida. Milhões de faiscais explodiram dentro da minha cabeça em um segundo, uma incapacidade de raciocinar... Ela não conseguiu vê meu rosto, mas me agradeceu, me convidou até para jantar. Bem, não tem problema em comer comida humana, mas quando você já esta... Diferente, o gosto muda para desagradável, mas aturável. Eu agradeci, mas resolvi não revelar meu rosto, seria assustador para ela me reencontrar agora.”


“Quando nasceu, eu fiquei parado atrás de uma tela a observando, maravilhado, acho que foi a primeira vez desde que me transformei que chorei. Um choro sem lagrimas.”


“Aquele peso nos meus pensamentos ficou mais leve, mais iluminado agora que você estava ali. O tempo passava rápido e você crescia cada vez mais, se tornando cada vez mais vulnerável a acidentes. Você estava sempre em perigo, não me arriscaria a me afastar, por isso fiquei com você.”


“Às vezes eu sussurrava em seu ouvido coisas doces. Quando caia da cama eu a colocava de volta, quando tinha pesadelos eu a acariciava, quando estava com frio eu a embrulhava, quando dormia chorando por causa do falecimento da sua avó e do seu pai, eu enxugava suas lagrimas.”


“Todo esse tempo eu consumi sangue humano, e isso nunca a tinha afetado, nenhum pesadelo, nem nada.”


Eu estava mais... “Nervosa” do que surpresa. Lá estava à verdade a que eu tanto exigi e eu não a suportava, não agüentava.


- Eu não sou Isabel... – Falei. – Você a quer, não a mim. Quando você me olha você só consegue vê-la, quando me beijou, quis beijar ela. – Eu me levantei com fúria, indo direto até a porta.


Ele segurou meu pulso e me puxou. Claro, tentei me manter dura, me afastando dele, mas ele era o Hulk, ou parente dele em relação à força. Quanto a mim, eu era apenas uma frágil humana.


Ele segurou meu rosto e me olhou nos olhos, seu sorriso era leve, e bondoso, seus olhos eram calmos e castanhos ainda.


- Eu sei que Will contou a nossa história... Mas, em nenhum momento da sua existência eu a comparei a ela. – Ele esclareceu com divertimento. – Pra falar a verdade vocês não são nada parecidas. A única coisa incomum entre vocês é o cheiro.


Eu o olhei de lado e bufei.


- Ela era a doce e eu sou a bruta. – Tentei adivinhar. – Sem contar que devia ser muito linda... Espera... O cheiro?


Will tinha dito isso. E cada vez tudo o que ele falava se comprovava. A história parecia mais daquelas que vemos na TV, só que a minha simplesmente era real.


- Sim, vocês têm o mesmo cheiro, chega a se tornar atormentador. Por muito tempo na presença de Isabel tive que permanecer com os caninos a amostra, com o tempo aprendi a me controlar, como agora.


“Anne, você não tem noção do quanto é linda, o quanto é doce e delicada e frágil...”


- Por que justamente eu? – Era mais uma pergunta pra mim mesma do que pra ele. Era a mesma pergunta que eu tinha feito para Will no dia da revelação.


Tudo bem. Era uma maldita maldição, mas por que tinha que ser eu?


- Se não quiser me ver mais, apenas diga... E eu sumo da sua visão.


- Você não entende...


Seus olhos confusos me fitavam. Deus! Devia ser proibida a existência de pessoas com tamanha beleza quanto à dele.


- Então me ajude a entender... – Ele pediu.


Agora eu lembrei. Victor não sabia da maldição, não sabia nem o que devia ter acontecido com o meu parente, pai de Isabel, da sua busca por vingança.


Ele apenas sabia que eu existia e que estava ali, ao seu lado.


Tudo na minha cabeça girava tão rápido que eu não sabia dizer o que era melhor. Contar pra ele sobre essa maldição e perde-lo ou não contar e ficar com ele. Mas e o resto? O que aconteceria se eu de repente escondesse? Minha irmã se suicidaria por um amor não correspondido? E tudo se repetiria? Não... Eu conheço minha irmã, principalmente me conheço, e não me suicidaria igual Isabel.


Minha respiração ficou leve.


- Eu não posso mais ficar sem você. – Falei.


Ele me olhou, e seus olhos estavam mudando para verde claro. Eu em um ato de desesperado passei meus braços por seu pescoço gelado e o abracei. Parecia que eu finalmente havia encontrado, era como se eu estivesse esperado ele todo esse tempo, como se eu soubesse o tempo todo que ele existia e fazia parte de mim.


Eu o apertei com toda minha força enquanto seus dedos pálidos se enroscavam em meus cachos.


- Só me prometa uma coisa... – Sussurrei perto de seu ouvido. – Prometa que não atacara mais as pessoas.


Senti seu suspiro de agonia.


- Quer que eu prometa? – Perguntou ele.


- Tudo o que você faz para as outras pessoas é como se fosse eu que estivesse fazendo. Lembra?


Senti ele me apertar mais um pouco, e enfiar seu rosto entre meus cabelos.


- Me desculpa Anne... Prometo que não acontecerá de novo.


Era tão reconfortante ouvi aquilo dele, finalmente aqueles pesadelos iriam acabar de vez.


Não, eu não conseguia imaginar como devia ser difícil pra ele parar de tomar o sangue das pessoas e passar a tomar os de animais. A única coisa em que eu realmente pensava naquele momento é que eu estava lá, e não era um sonho.


Lá estava eu, envolvida em seus braços, tão próxima dele. O momento em que por muitas vezes Christine já havia passado com meu pai, aquele momento em que você esta com alguém que você ama e que quer que dure para sempre como se o tempo congelasse, como se os problemas que a vida te trás simplesmente nunca tivessem existido, que nunca existiriam.


Ficamos naquele quarto ainda por muito tempo, o resto era silencioso, como se na terra estivéssemos apenas eu e ele.


Contava em detalhes sobre os últimos meses, quando ele esteve oculto, como era difícil resistir ao sangue de um humano, particularmente o meu. Isso deveria realmente me assustar, já que a minha frente estava um vampiro. Talvez o maior predador, que agora, eu sabia que existia. Agora era difícil pensar que talvez O Conde Drácula, fosse apenas mais uma história de terror. Que talvez também outras criaturas do mundo irreal fossem apenas imaginarias, saídas da cabeça de um homem qualquer, ou de lendas da Grécia.


Ele contou como Isabel era diferente de mim, tanto na aparência quanto no gênero. A única coisa incomum entre nós era o cheiro como Victor havia contado, o cheiro do sangue, a diferença mínima era que o meu parecia ser mil vezes mais forte e foi assim, desse jeito que ele conseguiu me achar, me localizar antes mesmo de eu nascer a quilômetros de distancia da onde se encontrava, ele me achou e me esperou, cuidando de mim, enquanto todo esse tempo eu me sentia sozinha. Ele explicou o quanto era tentador e irresistível. E como não podíamos escapulir quando estivéssemos juntos no sentido de se aproximar “demais”.


E se eu me perguntasse: Como consigo confiar no que parece ser evidente no meu mais possível assassino?


É. Essa pergunta não é difícil, eu simplesmente estava apaixonada por ele, e estar na sua presença eu me sentia mais segura do que com qualquer outra pessoa.


Já tinha se passado horas e eu nem me dava conta disso, pra mim ainda se passavam os segundos lentamente. Era engraçado vê seu modo de falar, era como se ele tivesse saído de um livro da Jane Austen. Era tão formal e correto, seu modo de se dirigir as coisas sem interesse ou que o incomodavam era tão alheio se comparado aos garotos de hoje em dia.


Como era divertido prestar atenção nos mínimos detalhes da sua face, nos seus olhos agora mais claros e mais iluminados, a linha do seu nariz, sua boca fina e avermelhada demais, como ela se movia, e como mostrava seus dentes brancos sempre que pronunciava a palavra: Sim. E ele falava muito essa palavra. Parecia um Deus.


- Então esse é mesmo o seu quarto, e eu estou dentro da sua casa, onde vive você e seus três irmãos? – Perguntei.


- Na verdade são quatro. – Corrigiu ele. – Tenho uma irmã mais velha. Scarlet, mas faz uns 50 anos que não a vejo. Ela não suportava a idéia de matar pessoas para poder sobreviver, ela odiava. Ela não se considerava um monstro e sim uma criatura repugnante, tinha nojo de si própria pelo o que tinha sido obrigada a se tornar. Se transformar em uma vampiresa a fez perder quase tudo que amava, foi obrigada a se afastar das pessoas e do seu sonho. Pode parecer irônico mais queria ser dentista. Na verdade, ela é dentista.


- Mas então... Como ela faz para...? – Perguntei me referindo a sua maneira de conviver com os humanos.


- Ela preferiu se arriscar, ou melhor, dizendo – Ele riu. – nos expor. Em dezembro de 1990 ela decidiu que não suportava mais. Enfurecida, ela se afastou de nós, nos acusando de egoístas assassinos. Tentei convencê-la a ficar, mas ela foi para a Europa, decidida a terminar seus estudos.


“No começo foi difícil se adaptar, durante o tempo que se seguiu ela tentou viver de animais de fazenda, mas o sangue nunca a satisfazia por completo. Sabia que não poderia simplesmente mentir para si mesma, dizendo que nunca mais beberia uma gota de sangue. Não podia também negar que éramos a sua única família. Por isso, nos comunicamos por cartas, poucos telefonemas. Noticias atrás de noticias. Boas e ruins.”


“Em 1992 conheceu um medico, Marcos, que lhe chamou muita a atenção. E a relação entre os dois foi se tornando mais tensa. Ele desconfiava. Afinal, as respostas estão apenas em um simples toque ou olhar. Ela não podia deixar ser tocada”


Uma vaga lembrança das suas luvas de couro vieram. Suas roupas sempre pretas e de mangas, para cobrir sua pele.


Belém não era o lugar mais frio do mundo, mesmo com as chuvas e a ausência do sol, era calor. Vê alguém com os seus vertes, para qualquer pessoa era estranho, principalmente se tratando do seu perfil fora do comum.


Mesmo usando roupas de frio, ele não podia morrer de calor. Não podia morrer de susto, nem se uma bala o acertasse em cheio.


Percebi como era agora, difícil me acostumar com a idéia de estar conversando com um ser imortal que não sente dor.


- Com os dias passando e os dois cada vez mais próximos, era evidente que ele descobriria. – ele continuou – Quando aconteceu, já estava tão louco por Scarlet que não aceitava a idéia de se afastar permanentemente. Como medico, ele tinha um livre aceso ao departamento de doações de sangue. E isso devo admitir que foi de grande ajuda.”


“Hoje ela não precisa mais viver de sangue de animais, já que agora, o marido continua a lhe proporcionar o sangue humano sem que haja mortes.”


- Então, se hoje ele é o marido dela, quer dizer que ele virou...


- Um vampiro. – Ele terminou a frase. – O que eu apenas não consigo entender, é que ele parece não fazer questão do sangue.


- Como assim? – Perguntei intrigada.


Ele me olhou com diversão.


- Ele não sente falta de sangue, ele bebe. Mas não faz questão. É como se ele continuasse humano. Ele se satisfaz com comida humana.


- Como? Pensei que fosse ruim pra vocês.


- Talvez pros vampiros comuns sim. Ele foi diferente. Creio que haja outros com diferentes características.


- Durante todos esses anos você nunca encontrou outros?


- Na verdade não. Eu e meus irmãos nos tornamos isolados de quase tudo. Para ficarmos seguros. – Ele passou uma mecha do meu cabelo para trás da minha orelha. E suspirou.


Dei mais uma analise da onde eu me encontrava, ele tinha uma cama, uma televisão e uma biblioteca. Mas olhar para o seu rosto. Não tinha nem um sinal de cansaço ou de sonolência.


- Então, você dorme de manhã? – Perguntei.


- Não.


- De noite?


- Não


- Você dorme?


- Bem... Não. Eu finjo que durmo.


- Finge que dorme?


- É, chega a ser uma coisa que sinto falta, era o único momento que eu parecia estar livre de tudo. Em paz. Mas em compensação é muito divertido ficar te observando, principalmente quando esta sonhando.


- É eu imagino... Isso é invasão de privacidade sabia? Posso mandar prender você por isso.


- Nada pode me afastar de você.


Eu o olhei calada. Ele era um ser divino, não me incomodava se ele ia-me olhar dormindo ou se me vigiava durante o dia, só de sentir sua presença me sentia maravilhada.


Quanto mais eu ficava com ele, mas ele ia se tornando um vicio pra mim.


Ousei a me aproximar mais dele, seus lábios permaneciam imóveis enquanto os meus tremiam com a aproximação.


Mas ele segurou meu rosto com as mãos geladas. O que me fez parar e apenas ficar olhando para ele.


- Hora de você ir pra cama. – Ele falou em uma voz baixa.


- Eu já estou na cama.


Ele me lançou um olhar severo.


- Eu quis dizer a sua cama. – Ele esclareceu.


- Ah... – Falei desanimada, tentando fazer minha melhor expressão de pena.


Se bem que eu era péssima nisso.


Ele apenas continuou me olhando e com o mesmo olhar soltou um riso forçado.


- Quero só vê sua cara daqui a algumas horas. – Ele falou com entusiasmo.


- Ah, vai ta igual a sua. – Retruquei com um sorriso no canto da boca.


- Engraçadinha.


Ele me pegou nos braços igual como fizera quando me trouxe, e foi ate a janela por onde tínhamos entrado.


- Quando vou vê você outra vez? – Perguntei depressa.


- Amanhã eu preciso conversar com os meus irmãos. Mas de noite estarei na sua janela.


- Eles não sabem que eu estou aqui?


- Exatamente não, mas quando chegarem vão sentir seu cheiro. Eles não se incomodam, passaram os últimos séculos tentando me entender e até agora só Elizabeth conseguiu. Ela esta louca pra conhecer você.


Ao ouvir seu nome, recordei claramente do seu rosto. Seus cabelos ruivos e olhos azuis bem claros. Sua pele branca e pálida naquele vestido branco. O anjo que eu havia visto no avião.


Com meu olhar pensativo. Ele apenas disse:


- Não se preocupe, ela não vai morder. Pelo menos não você. Ela apenas se animou de ter uma garota que não seja a refeição dela, tão perto.


 


Era bom saber que sua cunhada não a considera uma refeição. Era bom saber que também logo iria ficar igual a ela futuramente.


Porque logo Victor iria me dá a imortalidade igual como Scarlet fez com Marcos.


Mas antes de qualquer decisão, como minha mãe diria: “Reflita antes de qualquer escolha que possa mudar para sempre sua vida”


Eu tinha duas escolhas.


Primeira: Dizer para ele nunca mais me procurar ou botar os olhos em mim. Daí eu ficaria com Will. Terminaria o colegial e iria para a faculdade. Onde eu terminaria meus estudos e me formaria e depois arranjaria um emprego em algum lugar até os meus últimos dias. Ah sim, e passaria meus últimos dias pensando: Como teria sido se eu tivesse escolhido passar a eternidade com o homem da minha vida?


Sem contar o sofrimento que eu iria passar por causa da separação.


 


Segunda: Transformar-me em uma vampira, onde eu passaria a eternidade me alimentando de sangue humano (sangue doado em hospitais, claro) E passar a eternidade vivendo e amando Victor. Entretanto teria que me afastar da minha família e dos meus amigos. Teria que assistir de camarote minha família morrendo de um por um enquanto eu ficaria desse jeito... Jovem para sempre.


 


Eu ainda tenho tempo pra pensar...


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