O último Beijo escrita por andy_1993


Capítulo 1
O Começo - Parte 1


Notas iniciais do capítulo

Continuarei se gostarem da história, caso ao contrário acaba por aqui :D Me orgulho do meu trabalho de qualquer jeito xD



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/33272/chapter/1

Sábado, 24 de Fevereiro de 2007.

São Paulo andava bastante quente. Parecia que eu e o resto da cidade vivíamos em um gigantesco forno. Os ventiladores e ar condicionados já tinham se tornado inúteis aquele ponto, mas nada, nem o calor infernal impediam aquelas pessoas de continuar com suas vidas.

Naquela manhã, como sempre, minha mãe havia entrado no meu quarto sem nenhuma cerimônia ou incomodo e aberto às cortinas para que a luz do sol entrasse, fazendo-a com que batesse em meu rosto. Insistia em dizer para que eu acordasse cedo para não ter insônia à noite, e fazia o possível e o impossível para que isso não acontecesse. Era extremamente irritante! Todas as noites eu as fechava com a esperança de que um dia eu pudesse acordar a hora que eu quisesse, sem ser incomodada por qualquer raio de sol que invadisse meu quarto.

Eu mal conseguia abrir os olhos por causa da claridade, tentei olhar para o relógio que estava no criado mudo com muita dificuldade, eram apenas 07h00min da manhã.

Que mãe obriga a filha há acordar essa hora em pleno sábado? Ah é, a minha!

Revoltada, tentei de todos os modos voltar a dormir, mas já era completamente inútil.

Sem esperanças de recuperar meu sono, levantei e dei uma olhada em Sophie que dormia em um colchonete ao lado da minha cama. Enquanto seu quarto estivesse em reformas, teria de me acostumar com sua presença ali.

Dormia tão profundamente que nem se deu conta que já era de dia, e nem se incomodava com a baba que escorria da sua boca ao travesseiro.

Sophie era apenas um ano mais velha que eu, minha melhor amiga, à pessoa que eu mais confiava, minha irmã. Ela era a garota mais linda que eu já havia visto. Seus cabelos grandes castanhos claros preenchiam todo o travesseiro, sua pele branca igual leite e seus olhos verdes, tão claros e relaxantes.

Sempre tínhamos sido muito ligadas, uma com a outra, nas brigas ela sempre estava ao meu lado, disposta a me defender, me apoiava em qualquer decisão que eu tomasse e eu sabia que sempre me apoiaria. Diferente de mim, ela e nossa mãe, Christine, se davam muito bem, nunca discutiam, procuravam ter uma conversa civilizada, não importando a gravidade do assunto. Eu sentia inveja dela, de como ela conseguia se manter tão calma em certas situações, como ela conseguia ser tão elegante em momentos tão... "Escrotos"

Quando eu estava vasculhando algumas fotografias antigas que minha mãe costumava a guardar dentro de uma caixa velha dentro do armário, acabei encontrando uma foto dela quando tinha 17 anos, a mesma idade de Sophie atualmente. Pareciam irmãs gêmeas.

No meu caso, não era parecida nem com ela nem com meu pai, e sim com a minha avó. Eu e ela éramos como unha e carne, contava tudo, o que eu sentia o que acontecia no meu dia, o que eu pensava.

O natal costumava ser o nosso dia. Nós fazíamos um doce chamado: rabanada. Pão doce e molhado coberto de canela e açúcar. Era o meu favorito, esperava o ano todo só pra poder comê-lo.

Um dia antes do natal eu ia para sua casa, bem de manhãzinha para ser a primeira a comer a primeira rabanada. Saia bem quentinha e a cada mordida, me dava uma vontade enorme de abrir um sorriso.

Mas tudo isso tinha acabado há dez anos, quando minha avó acabou falecendo no dia do natal. A ficha demorou a cair, mas quando finalmente me dei conta, eu chorei, e muito! Por uma semana, sem parar, dia e noite, fiquei dois dias não conseguindo me alimentar, me sentia tão sozinha. Sophie estava lá do meu lado, sofrendo como eu e me dando força, mas não era a mesma coisa. O que mais me abalava era o fato de nem ter tido a oportunidade de me despedir dela. Dizer o quanto sentiria a falta de sua companhia... Doía só de pensar que nunca mais iria sentir seu cheiro de hortelã ou a sensação maravilhosa que sentia quando a abraçava, era tão injusto!

Desde então nunca mais consegui comemorar o natal de novo. Um grande sentimento de ódio corria em minhas veias pela primeira vez.

Sim, eu odiava o natal.

 

   *****

Aquela manhã parecia igual às outras. Nada de diferente, ou de interessante. Tomei meu café da manhã e fui terminar de ler "Orgulho e Preconceito" de Jane Austen, minha autora predileta, eu amava todos os seus romances. Sempre que lia. Imaginava como era ter nascido naquela época. Tudo parecia estar mais em ordem, comparando a bagunça que é hoje... E os homens pareciam ser menos idiotas e hipócritas. Pelo menos chegavam a disfarçar melhor.

Quando terminei de fantasiar, olhei discretamente para minha mãe por cima do livro, ela estava inquieta, mordia os lábios e andava de um lado para o outro sem parar.

Desde que meu pai morreu a dois anos, em um acidente de carro, aquela agora era a sua rotina. Vivia impaciente e nervosa, mal conseguia se concentrar no que estava fazendo, por três meses, foi pedida para que se afastasse do trabalho de professora de uma das escolas mais caras de São Paulo. E isso, só a fez deprimir mais ainda.

Todas as noites, eu ia vê-la em seu quarto, a olhá-la percebia-se que havia chorado desesperadamente até cair no sono profundo.

Só começou a melhorar depois das visitas que fazia frequentemente a uma psicóloga por insistência de suas amigas de trabalho.

Finalmente, depois de muitas voltas pela sala. Ela parou. E veio se sentar ao meu lado.

- Mãe, ta tudo bem? – Olhei atentamente para a expressão de seu rosto.

Nada tinha mudado. Continuava com sua ânsia, mordiscando os lábios e agora esfregava as mãos uma na outra.

- Filha, eu andei pensando muito... – Começou a dizer se aproximando mais pra perto de mim – O que você acharia se a gente saísse daqui?

- Ir dar uma volta?

- Não Anne, mudar.

- Mudar de apartamento? – Perguntei intrigada.

- Não querida, mudar, sair de São Paulo... - Ficou em silêncio por alguns segundos. Suspirou, puxando bastante ar e soltando bem devagar e se pôs a continuar – Minha psicóloga disse que seria muito bom pra mim, se eu começasse uma vida nova, e eu e sua irmã decidimos que seria melhor pra mim, começar ela longe daqui.

Uma bomba rigorosa e violenta atingiu meu subconsciente, deixando minha mente completamente oca.

- Mas como... E que lugar seria esse? – Tentei convencer a mim mesma a manter a calma.

- Talvez, em Belém... Ai nós ficaríamos com sua tia Silvia e seu primo, Will.Lembra dele?

Eu só havia estado lá uma vez. Quando minha tia Silvia estava se divorciando do seu marido, meu Tio Ben. Um advogado de sucesso que estava tendo um caso com sua secretária.

Ainda consigo me lembrar dos detalhes. Silvia chorava quase sempre, às vezes chegava a ficar trancada no quarto com minha mãe durante horas. Ela não permitia que minha mãe falasse com meu pai ou comigo e minha irmã, porque o seu pensamento havia se tornado egoísta, e preconceituoso. Achava que todos os homens eram iguais. Mentirosos e traidores, e que era facil eles fazerem a cabeça de crianças. Nas suas conversas, conseguia ouvir pouco atrás da porta - Sim, eu sei é feio ouvir atrás da porta, mas meus pais se esqueceram de me ensinar isso na época -. Alertava minha mãe para ter cuidado, para ficar de olho para nunca confiar em ninguém.

A vontade subia ate minha garganta e ficou engatada ali. Queria arrombar aquela porta e dizer que era tudo mentira. Meu pai era a pessoa mais maravilhosa que existia.

Em nenhum daqueles dias saímos para nos divertir, ficávamos apenas ali assistindo tudo o que acontecia, tudo aquilo para mim, era igual a uma novela. Via meu pai andando perdido pela casa, de vez em quando, ficava parado em frente à porta do quarto, esperando saber o que se passava. Sempre que ficava nervoso ruía as unhas da mão e aquela altura eram quase inexistentes. Queria contar o que eu havia ouvido e o que eu via, mas não conseguia.

Eu era uma menina de oito anos com mente mais elevada que as outras daquela idade. Will tinha nove, a mesma idade de Sophie na época. Ela como sempre, linda, desde pequena, nunca cortou seus longos cabelos, sempre o manteve daquele jeitinho. Minha inveja era inevitável em relação a sua beleza, até que aprendi com o tempo a vê beleza de outra forma.

Eu e meu primo nunca havíamos nos falado, ele parecia muito distante ou até assustado.

Ele era um menino branquinho de cabelos loiros queimados, lisos em forma de cuia, era magro e mais alto que eu e Sophie.

Quando nos vimos pela primeira vez. Ele não falou nada, nem mesmo um simples “Oi”. Não sorriu, e nem mostrou entusiasmo com a nossa presença. Ficava apenas me encarando sério e calado. Procurei não me preocupar com seu silêncio.

- Ele deve está passando por um momento muito difícil – Comentava Sophie.

Procurei entender, mas mesmo assim não pude evitar de me sentir incomodada pelos seus olhares constantes. Notei que nem por um segundo desviava o seu olhar. Parecia que ia me comer com os próprios olhos.

Por toda nossa estada em Belém eu tentava ao máximo ignorar toda aquela novela, mas era impossível. Finalmente acabou quando voltamos para São Paulo. O que me deu um grande alivio.

Voltando aquela sala, onde meus nervos ja chegavam a estourar.

- Não! – Menti descaradamente – Por que precisamos mudar?

- Anne, eu vou me sentir melhor se formos, e gosto da companhia da sua tia Silvia... Eu já conversei sobre isso com sua irmã e ela achou a idéia ótima. Qual o grande problema em nós irmos pra lá?

- Eu não vou! Eu não quero deixar minhas amigas, minha escola, eu não vou! – Repeti.

A verdade é que eu não tinha muitas amigas, as meninas eram bastante frescas e metidas de nariz em pé e não chegava a duvidar que fossem falsas. É como dizem: Melhor sozinha do que mal acompanhada... Mas aquilo não deixava de ser um argumento, e também, foi à primeira coisa que passou pela minha cabeça.

A escola até que era boa, não tinha nada do que reclamar dela. Excerto por algumas coisinhas “pequenas” no banheiro feminino e o uniforme.

- Você vai fazer novas amigas, e com o tempo você vai acabar se acostumando, e pode ate chegar a gostar de lá!

Eu abaixei o olhar.

- Sinto muito, mãe.

- Anne, por favor...

Sem olhar pra sua expressão, ignorando seu chamado. Fechei o livro e fui direto para o meu quarto, batendo a porta com raiva, esquecendo que Sophie ainda dormia.

- A casa vai cair ou é só impressão minha? – Perguntou ela, com os olhos ainda fechados.

- Como você pode concordar em se mudar? Seu quarto estar sendo todo reformado. Você tem amigas aqui e a escola ainda!

Abriu os olhos devagar, revelando aos poucos seus verdes cristalinos.

Permaneceu calada por alguns minutos. Apertando seus lábios carnudos, transformando a linha da sua boca em uma reta.

- Anne... Veja bem... O apartamento já foi vendido. A nova proprietária que estar reformando o quarto. Nós temos só uma semana para sair, e quanto ao colégio, tudo bem e as minhas amigas, a gente se fala pelo MSN, e nas férias eu posso vir visitá-las – Explicou em tom de voz calmo – Eu to pensando no melhor pra mamãe. E você?

- Não acredito! Porque vocês não me disseram nada? E o pior é que eu nem tenho escolha! Como vocês puderam fazer isso comigo? Não é justo! Como VOCÊ pode fazer isso comigo?! – Eu não cheguei a perceber no momento, mas já estava berrando.

- Desculpa Anne... Pare de ser tão egoísta!

- Eu já não tenho escolha!

Conhecia-a o bastante para saber exatamente como ela estava se sentindo. E eu, agora tentava não me importar, embora eu me importasse muito. A parti daquele dia, eu parei de dirigir qualquer palavra para ela ou para minha mãe. Me sentia tão traída, mais da parte da minha irmã. Era a primeira vez que ficávamos sem nos falar, primeira vez que ela não me apoiaria na minha decisão. Mas ela também me conhecia o bastante para saber muito bem que se me dissessem algo sobre isso antes, eu faria de tudo para não ir.

Eu já estava com as malas feitas, esperando no carro junto com Sophie, enquanto minha mãe entregava as chaves do apartamento à nova proprietária. A ver fazendo aquilo me fez ficar com mais raiva ainda. Fechei os olhos, esmagando meus lábios um no outro e suspirando fundo. Em meus pensamentos eu dizia que nunca mais falaria com nenhuma das duas.

Do meu lado, Sophie estava de cabeça baixa, em uma voz roca, me pedia desculpas sem parar, e eu fingia não ouvir nenhuma palavra que dizia.

Já estávamos a caminho do aeroporto, passando em frente de prédios, casas e shoppings, a saudade já começava a surgir à medida que nos afastávamos deles.

Como eu poderia me acostumar?

Passei em frente ao meu antigo colégio, e lá estavam alguns alunos de cursinho usando o uniforme que eu particularmente achava ridículo por deixarem os alunos parecendo um bando de quadrados ambulantes.

Viemos em silêncio todo o caminho. Ao chegar, vimos que nosso vôo estava atrasado, nada além de uma olhada, nenhum resmungo. Minha mãe e minha irmã não viram alternativa se não sentar e esperar e assim fizeram. Estava nervosa e chateada demais ainda pra sentar ao lado de alguma das duas, então fui ate uma janela me despedir calada. As olhava de canto e via seus cochichos e olhadas pra mim. Era difícil ignorar aquilo por mais que eu quisesse.

Os aviões se preparavam para a partida e eu tentava imaginar como minha vida seria de agora em diante. Eu estava com medo do que podia acontecer, se tudo desse errado lá. Apertei os punhos. Isso fazia a raiva ficar ainda mais forte. Eu ainda pretendia ignorar elas por um bom tempo. Elas merecem. Vivi praticamente toda minha vida naquele apartamento, eu não pensava nem por um momento em aceitar aquilo.

- Apreciando a vista? - Perguntou uma voz grossa atrás de mim.

Quando virei, dei de cara com um garoto que parecia ter minha idade, cabelos ruivos, olhos castanhos claros e um pouco mais alto que eu.

- Ah, sim! É uma bela vista... – Meus pensamentos ainda estavam longe, por isso mal prestei atenção no que eu havia respondido. Muitas outras perguntas se criavam na cabeça, estava viajando, ao mesmo tempo em que estava ali de costas para o ruivo, eu não estava.

Ouvi sua risada forçada, e o olhei. Levantou uma de suas sobrancelhas ruivas.

- Você tem um gosto estranho... – Comentou.

- Não é a primeira vez que ouço isso. - Não era mesmo.

- Prazer, meu nome é Fernando - Disse ele, esticando a mão para apertar a minha.

- Sou Anne – Olhei sua mão esticada, e acenei com a cabeça.

Não era da minha natureza apertar a mão de estranhos.

Ele pareceu confuso, olhou para própria mão e a meteu no bolso da frente de sua calça

- Você ta indo pra onde?

- Belém - Suspirei.

- Eu também. Meus pais acham que eu devo passar um tempo com meu avô, tive uns problemas aqui e meu avô é um pouco sozinho - Disse ele passando a outra mão na nuca e parecendo ficar vermelho - E você?

- Estou me mudando pra lá – Infelizmente – Junto com minha mãe e minha irmã.

- E você ta gostando?

Preferi fingir não ter escutado aquela pergunta, queria de alguma forma esquecer que eu estava saindo da minha cidade, que eu tanto amava, pra ir para outra que eu nem conhecia direito, e nem queria me esforçar um pouco para conhecer.

Quando estava prestes a entrar no avião, dei uma ultima olhada para trás, não conseguia acreditar que ia começar a viver uma vida nova e nem sabia por onde começar. Me sentia em um beco sem saída. Sem ter mais ninguém com quem confiar, pra compartilhar aquilo que eu estava sentindo. Aquilo era um adeus.

Entrei dentro do avião, procurando o meu assento e tombando com as pessoas que faziam o mesmo e logo depois avistei Fernando sentado em uma cadeira, do lado dele estava um velho de meia idade que já dormia e babava excessivamente. Sentei do seu lado, feliz por ele ter chegado primeiro a tempo de sentar na poltrona ao lado do velho babão. Minha mãe e Sophie estavam sentadas em poltronas um pouco mais a frente que a minha, do outro lado.

Chegaram a acenar pra mim, mas apenas virei à cabeça para o lado da janela.

Como elas ainda têm coragem? – Eu me perguntava.

Fazia muito tempo que não andava de avião, por isso tentei me manter calma, pegando a revista que estava atrás da poltrona da frente. Era um guia para caso houvesse algum acidente e como eu ainda estava... Nervosa, ter um acidente não era um bom começo para uma vida nova.

Ainda mais não desejada!

A porta do avião já estava prestes a se fechar, quando se ouviu uma voz vinda de fora. Gritando:

- Hei! Estamos aqui! – Gritou a voz de um garoto que agora entrava no avião. Junto com ele, vi uma garota e outro garoto. Ainda não havia conseguido ver seus rostos. Inclinei um pouco mais para o lado discretamente e finalmente pude ver: O primeiro garoto caminhava entre as poltronas comumente. Era alto e tinha cabelos loiros claros ate o meio do pescoço, sua pele era muito branca meio pálido e seus lábios eram avermelhados e tinha grandes olhos azuis brilhantes e carregava apenas o que parecia ser uma mochila cinza nas costas, usava um moletom e um jeans preto.

A garota que o acompanhava me lembrou a um anjo, ela não parecia pálida igual ao primeiro garoto, sua altura não era de uma pessoa baixa, porem também não era de uma pessoa alta, estava numa escala de 1,65 á 1,68 – Imaginei. Seus cabelos de um vermelho vivo lisos por cima e cheios de cachos grandes no final, eles caiam sobre seus ombros nus. Seu rosto parecia ter sido esculpido por algo divino. Todas as pessoas do avião, incluindo eu, ficaram de boca aberta. Seus olhos eram dos mesmos azuis que o do primeiro garoto. Usava um vestido branco de alças finas, presos abaixo dos seios volumosos, e caia solto ate os joelhos. Belíssimo. Ficava tão perfeito nela, que era como se o vestido tivesse sido desenhado, feito para ela e somente ela. Caminhava entre os passageiros como se estivesse flutuando.

Mas o que mais me chamou atenção foi o que estava atrás deles. O ultimo garoto, era alto, um pouco maior que o primeiro. Tinha cabelos achocolatados, bagunçados, mas não maltratados. Seus olhos eram de um castanho esverdeado. Bem claros, pareciam mais verdes do que castanhos quando eu os vi mais de perto enquanto se aproximava. E sua expressão era séria como se estivesse com raiva e ao mesmo tempo calma como se estivesse de bem com o mundo em si. Sua pele era pálida igual a dos dois primeiros. Seus lábios eram finos e avermelhados também.

Os três sentaram nas poltronas do outro lado perto da minha. Usava calça preta uma blusa que mal conseguia notar branca e uma jaqueta preta ate os cotovelos, tinha luvas de couro cobrindo as mãos, eram pretas e vinha ate os pulsos.

Eram extraordinariamente lindos. Muitos dos passageiros, discretamente ainda olhavam para eles, olhares por cima de revistas, fingindo chamar a aeromoça, levantando para ir ao banheiro.

Eles nem pareciam notar, a bela moça de vestido branco apenas ficava rindo. E seus companheiros apenas olhavam pro nada. Como se estivessem esperando pacientemente que aquilo não demorasse.

Eu tentava com todas as forças não olhar para eles. Como se não estivessem ali.

Voltei minha atenção para a revista que estava lendo, tentando ignorar a presença daquelas pessoas. Por uns minutos consegui me distrair, mas não consegui resistir e logo dei uma virada para ver eles novamente. Meu coração por um segundo pareceu congelado, e meu estomago totalmente embrulhado. O garoto de olhos castanhos esverdeados. Me fitava diretamente. Qualquer outro com certeza seria mais discreto, mas ele não, me olhava no fundo dos olhos. Ele continuava com aquele sério calmo, difícil de descrever.

Os segundos que ele passou me olhando, pareciam horas. Seus olhos pareciam mostrar nada apenas o vazio. Eu não conseguia me soltar deles, é como se estivesse posto algum feitiço em mim.

Comecei a sentir calafrios. Medo, um medo o qual eu nunca havia experimentado antes. Até que fechei os olhos, apertados com toda força, forçando-os a permanecer fechados. Quando eu os abri, estava sentada com os olhos para a poltrona da frente. Tratei de desviar meus pensamentos, com a esperança de aquela sensação passar. Ouvia os seus companheiros sussurrarem um para o outro, mas lutei para não olhar As outras pessoas do avião finalmente se distraíam, e não pareciam nem notar meu medo. É como se estivéssemos sozinhos em uma sala, aonde ninguém poderia nos vê, aonde ninguém ouviria meu socorro. Quando a aeromoça anunciou que nós iríamos decolar, soltei um ar profundo. Não via à hora de aquilo tudo acabar.

Minha tentativa de me distrair não estava funcionando como o esperado. Eu o olhava às vezes, mas ele não olhava mais pra mim. Mesmo assim sentia como se ele ainda me observasse o tempo todo. Olhei para o relógio novamente, e não era a metade do tempo que eu pensava ter se passado.

O tempo estava lento quando deveria estar rápido.

Vi que Fernando dormia com a cabeça apoiada no ombro do velho e junto com ele, babava também. Me encostei na poltrona e tentei relaxar, esquecer de tudo. Fechei os olhos, e logo sem perceber acabei caindo no sono.

Estava tudo muito escuro, mas conseguia ver as árvores grandes e assustadoras que me rodeavam, havia neblina o bastante para eu não poder ver mais meus pés. Andei desorientada por aquele lugar desconhecido, estava frio e úmido. Eu me abraçava com força numa tentativa de me manter aquecida.

“Tem alguém ai?!”

Era o que eu gritava. Gritei muitas vezes, mas nem mesmo eu conseguia ouvir minha própria voz. Ela havia sumido. Já tinha se passado muito tempo. Entrei em um desespero total e aos poucos fui perdendo as esperanças de encontrar alguém. Meus olhos começaram a ficar pesados, sentia aquela água salgada cair lentamente por meu rosto.

O que eu mais temia estava acontecendo. Meu pior pesadelo. Estava na escuridão, sozinha e assustada... Deitei no chão, encolhida, isolada, abraçando minhas próprias pernas. As horas não paravam de se passar e nada acontecia, nenhum sinal de alguém.

- Anne...

Ouvi alguém chamar meu nome. Olhei para os lados, mas nada além do vazio. Ouvi mais uma vez.

A voz se aproximava cada vez mais, como se sussurrasse em meus ouvidos.

“Quem está ai?”

Eu perguntava, mas nenhum som saia da minha boca.

De repente, um pedaço de luz apareceu á minha frente. Olhei para cima. Uma nuvem negra que escondia a lua começou a desaparecer, e finalmente a luz iluminou aquele lugar sombrio.

A minha volta, as árvores já não eram tão grandes, e muito menos assustadoras. Abaixo dos meus pés, uma areia branca e macia. Um pouco mais a frente, um balanço.

Quanto mais me aproximava, lembranças que eu não sabia que haviam existido começaram a voltar.

Lembrei de quando tinha seis anos. Eu e meu pai adorávamos ir passear juntos, enquanto minha mãe e Sophie, como sempre, saiam para ir fazer compras. Nosso lugar favorito era o parque. Nenhum dos brinquedos que havia lá me interessava o único que conseguiria chamar minha atenção, era o balanço. Adorava quando meu pai me empurrava nele.

Costumava a falar para mim que a qualquer momento que eu quisesse eu poderia sair voando pelo mundo, que eu era o pássaro mais lindo que ele já viu. E logo, assoprava em meu ouvido.

Sentei no balanço e devagar, me embalei.

Amava sentir o vento bater em meu rosto, o jeito que ele fazia meus cabelos dançarem no ar.

- Anne...

De novo aquela voz voltou a chamar meu nome varias vezes. Tampei os ouvidos. Não queria mais ouvi-la, ela vinha de dentro da minha cabeça, eu desejava, pedia, implorava para que parasse. Ate que finalmente, o silêncio.

Um vento forte passou, e a nuvem negra voltou a cobrir a lua, novamente não conseguia ver mais nada, nem ás árvores, o balanço, não conseguia mais sentir a areia nos meus pés.

Estendi minhas mãos para frente, tentando fazer elas me guiarem, foi ai que senti algo frio tocando meus dedos. Uma mão. Mas de quem poderia ser? Não estava sozinha? Senti como se meu coração tivesse vindo até a garganta, a cada pulsação forte, aqueles dedos congelados subiam pelos meus braços bem devagar, até ombros. Seus toques frios só faziam meus cabelos se eriçarem. Eu não conseguia me mexer, eu não sabia se ficava assustada ou feliz por finalmente ter encontrado alguém – Alguém completamente fora do normal.
Aos poucos a nuvem que cobria a luz da lua estava desaparecendo, eu já conseguia ver as árvores e o balanço novamente, olhei para aquelas mãos que me tocavam, eram pálidas e grossas. Levantei o rosto, nervosa pro que estava prestes a ver, e olhos vermelhos me encaravam, seus lábios avermelhados, voltaram a dizer meu nome, mas nada ouvi...       - Anne?! – Gritou.

Acordei em um pulo.

Olhei para Fernando que fazia uma expressão de preocupação.

No primeiro momento eu não consegui reconhecê-lo. Olhei ao meu redor e vi que estava no avião ainda, e com rapidez tudo me veio à cabeça, incluindo uma dor de cabeça bem forte.

O sonho parecia ter sido tão real, que me fez esquecer a minha mudança, de tudo. Não passava mesmo de um simples sonho, ou pesadelo.

Inclinei minha cabeça para o lado querendo ver se achava minha mãe e Sophie, o pouco que consegui ver parecia que estavam dormindo despreocupadas.

- Anne? Você ta legal? - Perguntou Fernando parecendo ainda preocupado.

- Sim. Eu só preciso de um copo de água – Comuniquei. Botando a mão sobre minha cabeça que doía.

Fernando chamou a aeromoça. A que foi até nós, era a mais bonita do que as outras que por sinal, pareciam ter mais de 50 anos. Seu corpo naquele uniforme justo era de dar inveja, sua cabeleira loira era amarrada em um coque e seus olhos azuis eram de encantar qualquer pessoa que os olhasse. Ela foi muito simpática comigo, comparando com as outras, foi à única que não havia feito cara feia pra mim.

- Tem certeza de que só precisa disso? Você parecia muito tensa aqui. Você só ficava falando: "Ta muito escuro” – Informou Fernando. Fazendo uma careta ao dizer o que eu falava enquanto sonhava.

- Eu estava falando? – Não falava dormindo desde os meus dez anos.

- Sim. Eu e a Vivian ficamos chamando você por um bom tempo aqui.

- Quem é Vivian?

- É a aeromoça

Fiquei pensando por alguns estantes e depois de alguns minutos Vivian apareceu com o copo de água e um remédio para dor de cabeça.

Eu apenas sorrir para ela de um jeito sem graça e ela abriu um lindo sorriso para mim, que faria qualquer cara derreter aos seus pés.

- Precisa de mais alguma coisa? – Perguntou ela.

- Não, obrigada – Respondi educadamente.

- Se precisar de mim, é só chamar - Disse por fim e se retirou imediatamente.

- Anne, tem certeza de que estar bem? Você parece um pouco pálida.

Mas eu não consegui prestar o mínimo de atenção no que ele havia falado.

Após Vivian sair de minha frente, notei que o garoto da poltrona ao lado da minha a olhava. Um olhar muito familiar, enquanto eu o olhava, ele desviou seu olhar para mim e acabei deixando cair o copo com a água.

A sensação de quando ele havia me olhado foi como se eu tivesse levado um tiro no meio do peito e ele, apenas abriu um sorriso sínico no canto da boca.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

reviews o/



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O último Beijo" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.