Gabriel

Tenho que admitir que não seria sacrifício algum passar a noite com ela. Eu só precisava ser inteligente, como Sale havia dito. Espera. Isso... Isso foi armação dele e John? Mas porque Sale me ajudaria com Mel? Eu não conseguia entender. Mas iria me lembrar de perguntar isso depois.

Desde que entramos na cabana, Mel estava impaciente. Andava por todos os lados se batendo nos móveis de madeira, enquanto eu tentava achar um interruptor. Achei uma caixa de fósforos e fiquei acendendo para tentar encontrar. Mel me encarou, e resmungou.

- Vai gastar todos os fósforos?

- Tem uma ideia melhor?

- Tenho. Que tal você procurar uma droga de interruptor?

- Porque você não faz isso? No escuro? Para de reclamar e me ajuda. – eu disse e ela bufou.

Tateei as paredes até chegar a um armário. Abri uma gaveta e peguei um saco de velas. Acendi uma por uma com um pouco de dificuldade por causa do pulso imobilizado, e vi Mel andar devagar até meu lado. Ela pegou uma vela já acesa.

- Ei. – reclamei olhando-a e ela deu de ombros. Colocou a vela em um castiçal em cima de outro armário. Depois pegou outra vela que eu tinha acendido e colocou em cima da mesinha de centro da sala. E fez assim com todas as outras velas, distribuiu em pontos estratégicos da sala. Pegou uma que havia posto em um pires e passou a examinar o resto da cabana. Andei devagar até o centro da sala com uma vela na mão. A sala tinha um sofá vermelho velho, com uma colcha colorida feita de retalhos. Um tapete felpudo cor de caramelo cobria o centro da sala e uma mesinha de centro estava sobre ele, com um vasinho de flores quase murchas. Em um dos armários tinha um conjunto de louças decoradas que parecia ser do século passado, e no outro tinha um violão velho pendurado como se fosse uma relíquia, protegido por uma porta de vidro. Olhei para trás e encarei Mel examinando o balcão de mármore da cozinha. Ela era linda, e assim à meia luz parecia ainda mais encantadora. Os cabelos castanhos ondulados caídos como cascata até quase a altura da cintura e o rosto levemente ruborizado pelo sol do dia lhe davam um ar infantil, deixando-a com um charme de fazer qualquer homem torcer o pescoço para olhá-la passar. Ela passava os dedos superficialmente sobre as prateleiras de madeira envernizada, e eu me vi sorrir ao ver sua expressão curiosa. Ela encarou-me de repente e eu virei-me de volta para a sala. Coloquei a vela em cima do balcão e andei até o armário que guardava o violão. Passei o dedo indicador sobre o vidro empoeirado e puxei a pequena maçaneta de madeira. Tirei o violão de dentro e o examinei.

- Quem disse que pode pegar isso aí? – Mel perguntou atrás de mim e eu sorri.

- Ninguém precisa me dizer o que fazer. – eu dei de ombros andando até o sofá com violão. Vi-a revirar os olhos e encostar-se ao armário. Comecei a bater o dedo rápido e devagar sobre as cordas e vi-a bufar. Ri mentalmente. Eu sabia o que precisava fazer pra amansar a Mel. E eu ia fazer. Eu ia fazer tudo que pudesse pra tê-la de volta, e se depois disso ela não quisesse. Aí eu desistiria. De vez.

Mel

Ficar no mesmo lugar que Gabe me incomodava. Ainda mais quando eu não tinha opção de sair. Meu celular tinha ficado na cabana e ele não tinha trazido o dele. Muito conveniente. Eu não podia mentir que não gostava de ficar ali, mas aquilo me sufocava. Porque minha cabeça fervilhava tentando ser mais forte e inteligente que meu coração que gritava para que eu corresse para Gabe. Respirei fundo quando o vi me encarar encostado à porta. Ele virou-se rápido e eu senti algo formigar dentro de mim. Eu odiava o jeito como ele tava me tratando, mas era realmente isso que eu esperava dele. Eu queria que ele fingisse que eu não existia. Queria distância dele, porque se ele ficasse perto qualquer fio de resistência se romperia. Eu precisava resistir. E eu iria. Uma noite com ele não podia ser tão difícil. Engano meu, ao vê-lo pegar o violão que estava guardado no armário revirei os olhos.

- Quem disse que você pode pegar isso ai?  - perguntei e ele deu de ombros.

- Ninguém precisa me dizer o que fazer. – ele disse e eu revirei os olhos novamente. Como ele tinha se tornado irritante.

Gabe pegou o violão e andou até o sofá vermelho. De repente ele começou a bater o dedo rápido contra as cordas, provocando um som insuportável. Eu bufei.

- Você vai desafinar o violão. – eu berrei e ele nem me olhou. Continuou fazendo aquele barulho. – Você nem sabe de quem é isso! – eu berrei e ele riu.

- Eu não me importo. Violão é pra ser tocado e não pra ser guardado em uma droga de armário.

- Tem razão. É pra ser TOCADO, e você está fazendo tudo menos tocando esse violão! – eu berrei e ele riu. Um riso cínico e provocador, que eu precisava admitir que era muito sexy.

- Me ensina então. – ele pediu parando de repente e encarando-me daquele jeito dele. Daquele jeito que me fazia derreter por inteiro. Balancei a cabeça e me sentei ao seu lado.

- Primeiro, como vai tocar com essa mão imobilizada? – perguntei encarando sua mão apoiada na perna.

- Posso tocar só com essa. – ele disse estendendo a mão direita. – Você faz a parte difícil. – ele disse com um sorriso. Sorri involuntariamente. Ele encarou meus olhos e eu encarei os seus. Mais amarelos do que nunca. Oh Deus, estou reparando os olhos dele de novo. E aquela história de focar, e não se deixar “queimar pelo fogo”? Foco Mel, Foco.  Sacudi a cabeça negativamente e me levantei, encostando-me novamente ao armário.

- Olha Gabe, eu...

- Mel, relaxa. – ele me interrompeu com a testa franzida. – Vamos passar essa noite toda aqui juntos, sério que você quer ficar brigando? – ele perguntou e eu balancei a cabeça. E encarei seu rosto.

O que eu iria fazer? Eu sabia que Gabe tinha alguma coisa a ver com isso de ficarmos presos naquele lugar, mas eu era mesmo tão forte a ponto de conseguir resistir àqueles olhos e àquela voz suave?