Gabriel

Andei de um lado para o outro dentro do quarto. O telefone já estava todo suado em minha mão. Eu devia ligar pra ela e contar toda a verdade. Eu devia. Disquei o número e esperei chamar.

- Gabe? – sua voz doce ecoou do outro lado da linha.

- Me-Mel. – eu gaguejei. – Er... Eu... Queria saber se você vai pra festa de aquecimento na sexta. – perguntei apertando os olhos.

- Vou sim. Eu devo ir não é? – ela perguntou.

- Sim. Deve sim. – eu forcei um sorriso. – Quer que eu vá te buscar?

- Não precisa, a gente pode se encontrar lá. – ela disse.

- Tudo bem, era só isso mesmo. A gente se vê amanha? – perguntei e ela ficou em silêncio.

- Você está bem? Digo, você está estranho. – ela disse.

- Não sei. – foi tudo o que eu consegui dizer.

- Quer sair hoje à noite? – ela perguntou e eu hesitei.

- Não é nada. – eu disse.

- Eu sei. Você não precisa dizer, mas é que...

- Eu também quero te ver. – eu disse involuntariamente e ela sorriu.

- Quer vir aqui? O céu está lindo, a gente podia ver no quintal. – ela propôs e eu senti um sorriso se formar em meu rosto.

- Estou indo. – eu disse antes de desligar.

Troquei de roupa e saí de casa, ponderando se deveria realmente ir. Sim, eu deveria. E deveria também contar toda a verdade.  Parei em frente a sua casa e sorri ao vê-la sentada na varanda. Ela se levantou e seguiu para o quintal. Segui-a. Ela se deitou na grama e eu deitei ao seu lado. Ficamos calados.

- Você pode falar se quiser. – ela disse depois de um breve silêncio e eu senti meu coração bater mais rápido. – Ou não. – ela sorriu. – Olha aquela estrela. – ela apontou. – Será que ela está mais perto da Terra? Ou ela é maior que as outras? Porque ela é mais brilhante? – ela perguntou e eu sorri.

- Sirius. – eu disse e ela virou o rosto pra me encarar. – É o nome dessa estrela. Ela é a mais brilhante. – eu sussurrei olhando para o céu. Mel suspirou.

- Não sabia que estudava as estrelas. – ela sussurrou com um sorriso.

- Não estudo. Só pesquiso algumas coisas de vez em quando. – eu disse.

- Sirius. – ela sussurrou. – Pode ser a nossa estrela. – ela sugeriu. Senti meu coração acelerar.  Ela riu. – Isso soou brega não foi?

- Não. Não. – eu disse balançando a cabeça. – Ela pode ser nossa estrela. – eu disse firmemente.

- Qual o problema? – ela perguntou suavemente virando a cabeça para mim. Seus olhos castanhos estavam mais claros por causa da luz dos fundos de sua casa. Suas sobrancelhas quase se uniam e eu senti um nó se formar em minha garganta. Meus olhos embaçaram de repente e eu virei o rosto, encarando o céu novamente. Balancei a cabeça e a puxei pra perto. Ela deitou a cabeça em meu braço e eu a abracei junto a mim. – Ei. – ela chamou com um sussurro. – Me conta. – ela pediu tocando meu rosto delicadamente.

- Não é nada, eu juro. – eu disse abrindo bem os olhos, tentando evitar que o liquido que se formava em meus olhos caíssem. Encarei o céu. – Podemos ter uma constelação também. – eu falei e percebi o quanto minha voz saiu rouca.

- Podemos? – ela perguntou sorridente.

- Sim. – eu sorri. – Que tal Orion? – eu sugeri apontando a constelação sobre nós. – Bem ali, em forma de trapézio com três estrelas no meio. As três Marias. – eu disse e ela riu.

- Gosto de Orion. – ela sorriu. – Tem certeza que não quer falar nada? – ela perguntou de repente. Eu forcei um sorriso.

- Tenho. – eu disse e apertei os olhos. Eu sentia que devia contar a verdade, mas só não conseguia. Não conseguia falar nada. Era como se as palavras se entalassem em minha garganta.

Ela me abraçou e esticou-se para me beijar. Sorri ao sentir seus lábios gélidos tocarem os meus. Estômago borbulhando, mãos geladas e falta de ar. Ok, eu acho que talvez, só talvez, eu goste dela.

                                                       Mel

Depois que Gabe foi embora, me vi subindo as escadas com um sorriso idiota no rosto. Entrei no quarto e me joguei na cama. Gritei abafando o barulho com a almofada. Um riso gutural me fez virar rápido apenas para ver minha mãe encostada à porta.

- Você me assustou. – eu dei de ombros.

- Você está feliz. – ela disse e eu a encarei. – Não tente desviar minha atenção disso. – ela disse e eu ri.

- Sim. Estou feliz. – admiti. Ela andou até minha cama no mesmo momento em que eu levantei encostando-me a janela.

- Quem é ele? – ela perguntou sentando-se em minha cama. Encarei com as sobrancelhas arqueadas. Ela deu de ombros e eu sorri.

- O nome dele é Gabriel Johnson.

- Ah, aquele que estava aqui no seu quarto naquela noite? – ela perguntou encarando-me, e depois riu. – Vocês não...

- Mãe! – adverti-a. – Claro que não. – eu disse encolhendo os ombros. Ela assentiu e eu senti que ela estava aliviada.

- Confia nele? – ela perguntou depois de um tempo em silêncio.

- Porque a pergunta?

- Por que... Não quero que se machuque novamente. – ela disse olhando-me. Balancei a cabeça.

- Eu confio nele. – eu disse com um sorriso fraco. – Aquilo não vai mais acontecer mãe. – eu disse encarando-a. Ela sorriu e assentiu. Levantou-se da cama e depositou um beijo em minha bochecha.

- Por favor, se cuida, tá? – ela disse e eu assenti com um sorriso. Minha mãe saiu do quarto e eu me deitei na cama, encarando o teto sobre mim. Gabe nunca me machucaria. Eu confiava nele. Claro que confiava. Eu sorri antes de fechar os olhos.