Depois de algum tempo chorando, eu cai no sono. Eu estava tão esgotada e cansada. Acordei com uma dor de cabeça insuportável e com o estômago roncando. Peguei meu celular e vi que já passava do meio dia, já era hora de eu almoçar. A casa estava silenciosa, quando abri a porta só pude ouvir o som baixo da TV, meu avô estava assistindo algum jogo. Desci a escada e ele estava lá.

– Charlie. – chamei e ele olhou e rapidamente se levantou.

– Eu já tia te chamar, Nessie. – ele disse se aproximando. – O que vamos comer? Pensei em sairmos e comer no...

– Não. – eu respondi, interrompendo-o. – Não me leve a mal, vovô. Mas eu não estou com cabeça pra sair. Eu sei fazer algumas coisas... posso fazer uma lasanha, ou espaguete...

– Lasanha está ótimo. – ele sorriu. – Vou tomar um banho e depois que almoçar, preciso trabalhar. Você se importa se ficar um tempo sozinha?

É isso que eu realmente preciso.

– Não, tudo bem. – eu sorri e caminhei até a cozinha.

Fui abrindo as portas do armário e pegando todos os ingredientes. Colocando-os na bancada, lembrei-me da “guerra de comida” que tive com Jacob na ilha. Meu coração se acelerou e eu senti uma dor terrível. Uma angústia, uma saudade. Queria tanto poder saber onde ele está, conversar com ele, esclarecer tudo.

Não demorei mais que uma hora para terminar de fazer a lasanha, a salada e um pouco de arroz. Eu e Charlie comemos em silêncio. Logo ele foi para o trabalho e eu fiquei em casa. Liguei a tv e coloquei em qualquer canal, não estava com vontade de assistir nada, na verdade.

Comecei a pensar em como TUDO estava errado. A briga com Jacob. A discussão com o meu pai. A insatisfação que eu estava com a minha própria vida. Cresci com os meus pais dizendo que levaríamos uma vida normal, como qualquer ser humano. Mas, acho que eles ainda não sabem que seres humanos vão à escola, têm amigos e frequentam a casa dos mesmos, saem para se divertir. E a minha vida estava totalmente ao contrário, pois eu não ia à escola, muito menos ter amigos e frequentar a casa deles, e sair? Isso é raridade. Por toda a minha infância vivi trancada na casa dos meus avós, no chalé ou na Ilha. Não que eu fosse infeliz, mas acredite, eu não estava totalmente feliz. Eu sinto que ainda falta algo.

Meu celular começou a tocar e vi que na tela estava escrito “Mamãe”. Eu não queria atender, não queria enfrentar tudo aqui... agora. Mas, mais cedo ou mais tarde eu teria que enfrentar e por que não agora?

– Alô? – eu disse.

– Nessie! – minha mãe exclamou. – Querida, você está bem?

Não, mãe. Não estou nada bem.

– Sim, mamãe. – menti. – E como estão as coisas ai?

Pude ouvir o suspiro alto e demorado da minha mãe.

– Nada bem. – ela respondeu por fim.

Não era preciso eu saber ler pensamentos para saber o que estava acontecendo. Eu já sabia que minha mãe estava magoada e meu pai ainda com raiva, mas arrependido. E meus tios e avós estariam com raiva do meu pai, a ponto de não olharem mais nos olhos dele. Senti uma pontada de culpa.

– Devo imaginar. – respondi olhando na janela a chuva que escorria pelos vidros. – Eu sinto muito, mamãe. A culpa é toda minha. Eu me precipitei, exagerei. Não aconteceu nada de tão ruim para eu sair assim.

– Não se culpe. Você não é a única errada da história. – ela protestou. – Todos nós erramos. Seu pai errou por gritar com você daquele jeito. Você errou por sair assim do nada... sem dar explicações. Eu errei por não tentar melhorar a situação. O que temos que fazer agora é resolver tudo isso. É por isso que estou ligando, para seu pai e eu irmos ai para conversarmos com você.

– Quando?

– Agora, se possível. – ela respondeu. – Sei que faz pouquíssimas hora que tudo aconteceu. Mas, eu não aguento ficar longe de você.

Minha mãe estava certa. Mas... eu queria esperar um pouco.

– Pode ser amanhã de manhã? – perguntei cautelosamente. – Quero ficar um pouco com Charlie. Ele ficou feliz em me ver.

– Tudo bem. – minha mãe respondeu. Deu pra sentir a sua decepção.

– Então tá. – eu disse sem jeito.

– Eu amo você. – ela sussurrou. – Mais que a minha própria vida.

– Eu também. Amo você e o papai. Mais que a minha própria vida. – eu sussurrei tocando no meu colar, dado pela minha mãe há alguns anos atrás.

– Ele também te ama. – minha mãe disse. – Nunca duvide disso, querida.

– Eu sei. – respondi sinceramente. – Eu sei.

Nos despedimos e a dor que eu sentia era enorme. Eu sempre tinha que exagerar e estragar tudo. Se eu não tivesse esse tal orgulho, talvez eu ainda teria Jacob perto de mim e o meu pai também. Agora, acho que perdi os dois homens mais importantes para mim.

Chorei desesperadamente, com uma almofada no rosto para abafar o choro alto e agudo. Depois de ter desabado em lágrimas, decidi tomar um banho. Quando terminei de me vestir e estava prestes a secar o cabelo, a campainha tocou. Ao olhar na janela, pude ver uma moto preta estacionada bem na frente da casa, de um jeito irregular, como se a pessoa estivesse com pressa demais para se preocupar com isso.

Meu coração se acelerou. Eu sabia que era Jacob. Será que eu estava pronta para encará-lo? Não sei. Eu só queria abraça-lo. Mais nada.

Corri até chegar a porta. Dei um longo suspiro.

Quando abri, ele estava lá. Todo perfeito, do jeito que só ele conseguia ser. Meu Jacob.

Ficamos sem reação. Só olhávamos nos olhos de cada um, sem dizer uma única palavra. Sua primeira atitude foi me envolver em seus braços, eu retribui. Não sei por quanto tempo ficamos ali, mas não foi necessário para mim, eu queria mais. Depois ele olhou profundamente em meus olhos.

– Precisamos conversar. – ele disse por fim e eu assenti.

Fomos até a sala e ele sentou de frente para mim. Ele me encarou e suspirou. Eu sabia que ele precisava dizer algo muito importante, eu só não sabia o que era. Meu coração acelerou e eu fiquei preocupada. O que era tão importante a ponto de deixar Jacob tão preocupado e angustiado?