Eu estava exausta. Minha pele latejava da força com que eu apertava o machado que eu tinha nas mãos. Minha respiração era pesada, e por um momento me permiti encostar a cabeça na lataria gelada do refigerador. Seth estava encolhido feito uma bolinha, dormindo tranquilo ao meu lado. Eu o cobri com uma toalha que estava exposta para a venda ali no pequeno mercado, e apenas o observava, alerta para qualquer barulho que escutasse.

Invejei meu irmão domindo daquela forma. A quanto tempo eu não dormia mais do que meia hora, apenas cochilando um sono leve como uma pluma? Observei novamente o interior da mochila que repousava sob minhas pernas. Alguns poucos mantimentos, objetos de higiene e algumas garrafas de água. Acredito que seria o suficiente para durarmos mais dois, no máximo, três até encontrarmos outro mercado como aquele que passavamos a noite. Não que aquilo fosse nomeado como solução. Estava cada vez mais difícil encontrar um lugar com comida o suficiente para uma semana. Era por esse motivo que eu não comia muito, preferia poupar metade da minha parte para Seth. Não que ele soubesse disso.

Estava ficando cada vez mais difícil passar os dias, sobreviver. Comida fresca era algo que eu não sabia o significado a meses. Um bom banho, talvez já fizessem cinco dias. Encarei minhas unhas encardidas. Cada dia que passava me sentia menos feminina, menos mulher, mas isso não era algo com que eu devesse me preocupar. Eu acreditava que não houvessem muitas outras pessoas - vivas - no mundo, que fossem reclamar de meu corte de cabelo. Não quando a cada segundo eu tinha que lutar pela minha própria vida e a de meu irmão pequeno.

Ouvi um barulho na porta de entrada do lugar e meus músculos já se retesaram automaticamente, preparados para o que viria a seguir. Levantei com cuidado, com a fraquesa presente no bambear das minhas pernas. Prendi a respiração, preparando para atacar mais alguns daqueles walkers desgraçados, implorando para que não fizessem barulho o suficiente para acordar Seth.

Quando saí de trás do refrigerador com o pequeno machado empunhado ao topo de minha cabeça, me admirei por serem pessoas vivas que estavam ali. Mesmo assim não abaixei minha arma. Das poucas pessoas que encontramos pelo caminho, quase todas elas haviam provado que não existia mais a palavra civilização no vocabulário humano.

Eles também me apontaram as armas. Um garoto asiático aparentava ter no máximo vinte e poucos anos de idade, tinha um revólver direcionado a mim. Ao seu lado, um homem por volta dos trinta, apontava-me uma besta. Ele parecia saber muito bem como usá-la. Os dois tinham uma aparência tão deploráveis quanto a minha. Mas quem estaria bem em um mundo como este?

Senti minhas pernas vacilarem, mas me obriguei a sustentar a pose de perigosa. Era provável de que se eu tentasse atacá-los desmaiaria ali mesmo, por falta de força para tal ato. Eu mal aguentava o peso do machado em minhas mãos tremulas. Mas não importava que essa fosse a verdade, eu só precisava que eles não notassem isso.

– O que vocês querem? - Minha voz falhou quando saiu. Tentei falar o mais baixo possível, a preocupação com Seth gritava suplicante em minha mente.

– Suprimentos. - O garoto asiático respondeu, com a arma vacilando, em dúvida se continuava a me mirar ou não. Definitivamente eu não deveria parecer tão perigosa quanto desejava.

– Deêm o fora, aqui está vazio. - Respirei fundo, sentindo uma vertigem se apossar de mim. Não agora, que droga. O cansaço estava me consumindo, quase que forçando-me a baixar a guarda. Mas eu não me permitiria recuar o machado.

– Como “está vazio”? - O mais velho se pronunciou, com a expressão curiosa tomando-lhe o rosto. - Viemos aqui ontem, tinham mais algumas coisas que deixamos para buscar hoje.

– Ah. - Foi o que consegui dizer. Isso explicava o porque do lugar estar praticamente limpo. Sem muitos mantimentos, ou qualquer coisa de que fosse útil em um mundo como o que estavamos hoje.

As armas ainda estavam em punho, ainda aprumadas em direção a cada um de nós, quando ouvi a voz de Seth ao meu lado.

– O que está acontecendo Jessie? - Ele levantou os olhos mais a frente, dando de cara com os homens apontando as armas em nossa direção e eu me postei a frente dele, com a sanidade esvaindo-se da minha consciência.

A última coisa que vi antes da escuridão completa foram os homens abaixarem as armas e olharem confusos ao me verem esmaecendo ali mesmo. Tudo por qual eu lutava era pela vida de Seth - sinceramente, eu mal me importava com a minha própria - mas, em uma das poucas situações das quais ele sofria real risco perante a estranhos armados, eu havia falhado.