1570 quilômetros era à distância de Budapeste a Moscou. Se fizéssemos a viagem em carro numa velocidade de 80 Km/h levaríamos 17 horas e 44 minutos para chegar a capital russa. Hoje em dia, um vôo comercial de Budapeste a Moscou leva cerca de 1 hora e 57 minutos.

Assim que o crepúsculo chegou, Naruto e eu seguimos viagem de carro. Por não sabermos o caminho tivemos que perguntar para um grupo de três pessoas que eram refugiados de Budapeste. Numa dessas jogadas do destino que as pessoas comumente chamam de sorte, encontramos em meio a esse grupo um homem que falava russo, e Naruto conseguiu se comunicar com ele usando o pouco de russo que sabia falar; em troca da informação, nós demos carona para esse pequeno grupo.

Atravessamos a fronteira sem problemas e após a travessia, o pequeno grupo de refugiados seguiu seu caminho, e eu e Naruto decidimos seguir viagem para Moscou em trem.

O carro que usávamos foi deixado na parte de trás da estação de trem. O tanque de gasolina estava vazio, e não havia mais galões de gasolina reserva deixada pelo proprietário do carro; além disso, não valeria a pena tentar seguir viagem em carro. 

A viagem de trem por Moscou revelou-se maravilhosa. Eu ia sentada na janela observando a bela paisagem que rapidamente passava por nós; o cansaço tomava conta de meu corpo, e sem notar encostei a cabeça no vidro da janela e fechei os olhos. Senti a mão de Naruto apertar a minha bem forte, era como se ele dissesse que estava ali ao meu lado.

O sono pouco a pouco chegava. Abri com os olhos assustada assim que uma freada brusca do trem projetou meu corpo para frente. Imediatamente um falatório percorreu os corredores do trem.

- Naruto, o que está acontecendo? – perguntei em voz baixa para que ninguém notasse que eu estava falando em inglês.

O olhar de Naruto estava voltado para o corredor, sua expressão facial séria me preocupou.

Ele rapidamente recostou a coluna na poltrona e sussurrou para mim. 

- Sakura, tente ficar calma.

Meus batimentos cardíacos aumentaram a freqüência, e assim como Naruto eu me recostei na poltrona e fiquei olhando para frente, dessa vez fui eu quem apertou forte a mão dele.

Ouvi gritos vindos da parte da frente, e ao virar para a lateral vi soldados soviéticos armados com metralhadoras e fuzis pelo corredor; meu corpo paralisou. Os soldados olhavam atentamente para o rosto de cada passageiro. Em silêncio eu rezei para que os soldados não nos vissem; que pudéssemos ser invisíveis ao olhar deles.

Um dos soldados que passou por nós olhou-nos curioso, mas sua atenção foi logo desviada quando outro soldado que estava parado dois bancos a nossa frente, do nosso do outro lado do corredor, o chamou. O soldado de barba que havia chamado o outro que nos olhava agarrou o braço de um homem de cabelos pretos cortado bem rente ao couro cabeludo que estava sentado ao lado de uma mulher de cabelos lisos na altura do ombro que tinham um tom escuro de vermelho. Sem muito esforço o homem puxou o homem para fora do banco; a mulher que o acompanhava gritou em prantos para os soldados, mas um deles empurrou-a fazendo-a cair na poltrona. E naquela hora eu pude escutar, em minha mente, a súplica do casal que fora morto no beco; eu ainda sentia a dor deles em meu coração.   

Vi a mulher se erguendo e gritando contra os soldados soviéticos, o soldado que a havia empurrado deu-lhe um soco no rosto para que assim ela se calasse. Naruto soltou minha mão e fez menção de levantar-se, mas antes que os soldados percebessem seu movimento, eu puxei seu casaco e supliquei-lhe com os olhos rasos de lágrimas que não fizesse nada; vi a frustração nos olhos de Naruto quando ele voltou a sentar-se.

Mais uma vez eu agia de maneira egoísta. Nunca pude me perdoar por nunca ter ajudado aquele casal no beco, e acredito hoje meu castigo por isso seja a alma deles atormentando meus sonhos; mesmo tendo se passado tantos anos, se eu fechar meus olhos e pensar sobre eles eu ainda posso escutar suas vozes cheias de dor.

O homem gritou para os soldados algo que deve ter sido ofensivo porque o soldado de barba bateu com força o cabo do fusil na barriga do homem que se curvou de dor, os soldados começaram a rir. O clima dentro do vagão era de total apreensão, nenhum passageiro ria ou falava alguma coisa. 

O soldado de barba não satisfeito com o golpe que dera no homem voltou a bater-lhe com o cabo do fusil nas costas, e o homem caiu de joelhos; a mulher que o acompanhava chorava, gesticulava e falava com os soldados, pelo tom de voz dela eu acreditei que ela suplicava-lhes por misericórdia.

Naruto estava inquieto do meu lado.

- Não faça nada, Sakura – pediu-me num tom de voz baixo.

Não agüentando ver os soldados maltratarem o casal, Naruto levantou-se e foi ter com os guardas. Meu coração estava disparado e eu mal conseguia respirar, eu não sabia o que fazer, Naruto estava indo de encontro com os soldados.

Eu arrastei meu corpo para a poltrona do lado do corredor e fiquei observando Naruto falar alto com os soldados que no inicio pareciam escutá-lo com atenção. Eu não entendia uma palavra do que Naruto estava dizendo. 

O soldado de barba soltou uma sonora gargalhada antes de dar um soco no rosto e depois no estomago do Naruto, os golpes o fizeram cair de costas em meio ao corredor. Numa reação natural eu me pus de pé e encarei os soldados, busquei apoio nos bancos para me manter em pé.

O soldado de barba tinha maldade no olhar, não havia o mínimo sinal de bondade em sua alma corrompida pelo sangue dos inocentes que ele havia matado. Ele olhou-me dos pés a cabeça, era como se ele me analisasse.

O soldado que o acompanhava cochichou algo para o companheiro de barba. Naruto rapidamente se pôs em pé atrás de mim.

- Sakura – Naruto chamou por meu nome bem próximo ao meu ouvido.

Meus braços esticados impediam a passagem de Naruto pelo corredor. Eu gritei para os soldados.

- СУПРУГ (leia-se suprug)

Numa tradução livre: “marido”

O soldado de barba disse algo para o outro e em seguida girando os calcanhares agarrou o homem e o arrastou pelo corredor do trem, o outro soldado levou a mulher que não mais gritava ou gesticulava. Senti Naruto pisar forte no chão e quando virei o rosto para trás vi a vontade em seus olhos de seguir os guardas.

- É o bastante, Naruto! – disse a ele num tom de voz baixo e repreensivo.

Depois de dizer aquilo, eu senti toda a pressão em meu corpo se dissipar num profundo suspiro. Voltei a sentar-me no banco e joguei o corpo para a outra poltrona. Os soldados soviéticos desceram do trem levando com eles a mulher e o homem.

Naruto sentou-se a meu lado.

- Sakura, eu não sabia que você falava russo! – disse-me Naruto todo animado por isso.

Eu fechei minhas mãos em forma de punho e comecei a socá-lo.

- Idiota! – eu tentei deixar meu tom de voz o mais baixo possível – Poderíamos ter sido levados junto com eles!

Naruto ficou bem sério.

- Não era a nós que eles estavam procurando.

- Como sabe?

- Porque o soldado disse que não éramos o casal do folheto.

Fiquei um pouco aliviada em saber disso.

- Não deveria ter se intrometido – eu notei que a lateral esquerda do lábio inferior de Naruto estava um pouco inchada, suavemente passei meu dedo no local – Está doendo?

- Sakura, eles não me machucaram. Não se preocupe. 

Eu beijei a lateral de seu lábio machucado, e Naruto ficou surpreso com meu beijo.

- Por favor, não faça mais loucuras.

Naruto sorriu e puxando minha cabeça a colocou em seu peito, eu agarrei-me a seu casaco e ali fiquei em silêncio por um longo tempo enquanto ele acariciava meus cabelos e segurava minha mão.

Assim que estivesse em Moscou eu deveria agradecer a Sasuke não só por ter dito a Naruto que eu havia ido para a Hungria, mas também por ele ter me ensinado o significado de algumas poucas palavras em russo; “marido” havia sido uma dessas poucas palavras que ele me ensinou.

Lembro-me do dia que aprendi essa palavra.

Flashback.

Estávamos na sala de Sasuke e eu estava ajeitando alguns jornais, na capa de um deles havia a foto de um distinto casal; eu me encantei tanto pela foto que fiquei a olhando por um bom tempo.

- O que tanto vê nessa foto? – perguntou-me Sasuke desviando sua atenção dos documentos que ele tinha em mãos para mim. 

Eu balancei a cabeça e sorri.

- Nada especial, apenas acho que eles formam um belo casal... Eles parecem ser felizes – coloquei o jornal sobre a mesa de Sasuke.

- E você é feliz com seu СУПРУГ (leia-se suprug)?

A pergunta de Sasuke pegou-me de surpresa.

- O que é um СУПРУГ (leia-se suprug)?

Repeti perfeitamente a pronuncia da palavra dita por Sasuke.

- Você pega rápido o acento russo – elogiou-me Sasuke com um meio sorriso nos lábios – Poderia se passar por uma soviética se falasse russo.

- Ainda não me disse o que é um СУПРУГ (leia-se suprug) – eu tentava levar com bom humor a conversa.

-Marido, Sakura. СУПРУГ (leia-se suprug) significa marido em russo – respondeu-me Sasuke agora num tom de voz mais sério – Você é feliz com seu marido?

Fim do flashback

Embora, na época que Sasuke me questionou a respeito disso eu tenha lhe dado uma resposta positiva, eu e Naruto apenas convivíamos juntos como parceiros, porém eu já me sentia feliz estando ao lado dele. E se alguém me perguntasse se eu era feliz com meu marido hoje, eu responderia “Sim” imediatamente. Eu era feliz ao lado de Naruto, e não havia porque negar tal felicidade; mesmo que o meu casamento com ele fosse uma mentira.

Quando o trem chegou a Moscou eu estava adormecida entre os braços de Naruto. Lembro-me dele chamando meu nome.

- Sakura... Sakura... Nós estamos em Moscou.

E ao abrir os olhos, eu senti que meu maior pesadelo estava começando.