Acordei no dia seguinte sete horas da manhã. No dia anterior havia me deitado oito horas da noite depois de passar a tarde toda com dor de cabeça.

"Não devia ter bebido.", pensei. 

Levantei da cama e fui ao banheiro. Rosie provavelmente continuava dormindo, pois seu quarto ainda estava fechado e a casa estava silenciosa. Florence e Daniel haviam ido para o trabalho. Ambos eram médicos e viviam no hospital da cidade.

Desci as escadas ainda de pijama e encontrei a lareira ligada. Pensei em sair e dar uma volta pela neve, mas estava frio demais e iria congelar lá fora. Lembranças do dia anterior vieram em minha mente. "Eu havia beijado aquele cara com uma vadia. Nunca mais quero voltar naquele bar, ele vai achar que sou uma louca e eu não sei onde esconder minha cara.", pensei. Mas nada daquilo importava naquele momento. Eu só precisava fazer algo para acabar com minha falta de sono. 

Subi as escadas e parei na porta da biblioteca. Fazia tempo que não entrava lá. Costumava passar a tarde toda lendo lá quando era mais nova, mas mesmo depois que entrei na faculdade, evitava ir na biblioteca da casa. Peguei na maçaneta e a virei com cuidado para não fazer barulho, porque as portas antigas costumava acordar todos na casa. Abri a porta e entrei. Aquele continuava sendo meu lugar preferido em toda a casa. 

Passei entre duas estantes enormes e cheias de livro e escolhi "O Diário De Uma Paixão". Era um dos que eu mais gostava e sempre acabava chorando tanto no livro como no filme. Abri em uma página qualquer e comecei a ler.

"A razão pela qual dói tanto nos separarmos é porque as nossas almas estão ligadas. Talvez sempre tenham sido assim e para sempre serão. Talvez, tenhamos vivido mil vidas antes desta, e em todas elas tenhamos nos encontrado. E, talvez, em cada uma delas tenhamos sido obrigados a nos separar pelos mesmos motivos. Isso significa que esta despedida é, ao mesmo tempo, um adeus pelos últimos dez mil anos e um prelúdio do que virá."

Lágrimas se formaram em meus olhos, mas segurei o choro. Fechei o livro e coloquei-o de volta a estante. Permaneci sentada olhando na janela. Eu só conseguia ver a floresta, um pedaço da estrada, a neve caindo, o chão completamente branco, algumas montanhas ao longe e um pouco longe, a casa do nosso vizinho mais próximo. 

Estava distraída e quase caí da cadeira quando ouvi a porta se abrindo. 

- Oi, querida. - era Doris, nossa ajudante. - Não sabia que estava aqui, se quiser volto mais tarde para limpar. 

- Não, tudo bem. - disse me levantando. - Acho que já está na hora de fazer algo útil. - disse rindo. 

- O que vai fazer? - Doris perguntou.

- Sinceramente? Não faço ideia. - Doris riu. 

- Quer que eu faça um chá para você? 

- Pode ser de canela? - sorri.

- Claro, querida. 

Doris desceu as escadas e logo me trouxe um xícara de chá. Resolvi descer um pouco na sala. Liguei a televisão, onde passava o filme Piratas do Caribe - O Baú da Morte e logo minha atenção foi atraída para a tela. Me encostei no sofá e sem querer derramei meu copo de chá no tapete. Agachei para limpar o chão e acabei vendo, debaixo do nosso imenso sofá, uma porta no chão. Me certifiquei de que ninguém estava olhando e arredei o sofá.

- O que está fazendo acordada? - era Rosie, que descia as escadas sonolenta. 

Puxei o sofá antes que percebesse e sentei no chão. 

- Dormi cedo, então acordei cedo. - sorri disfarçando o nervosismo. 

- Ok, só vim aqui porque acordei pra ir no banheiro e ouvi a televisão ligada. - ela tinha dificuldade de me olhar por causa da claridade do dia. - A propósito, Doris já chegou? 

- Sim, está na biblioteca. - sentei no sofá e agi normalmente. 

- Tchau, vou voltar a dormir. - disse com a voz arrastada e voltou a subir a escada.

Continuei pensando no que tinha visto. "Um porão? Como nunca notei isso antes?", eram perguntas que não saiam da minha cabeça. 

Teria que esperar até o dia seguinte, quando estivesse sozinha em casa para olhar no que aquilo daria.