Quando foi que eu vi Lissa pela última vez? Ah, sim...foi quando ela tentou me matar.

Ela estava muito diferente agora: vestia um All Star preto, calça jeans e uma jaqueta preta. Quando ela retirou o capuz, vi que sua pele era branca como giz e seus olhos eram vermelho-sangue.

- Luna. - foi tudo o que disse.

Leon avançou.

- Você! Se afaste dela!

- Não. - eu disse em um tom firme, e ele me olhou preocupado.

- Não me diga que quer falar com ela. - disse; a voz cheia de nojo.

Lissa olhava para os outros com desdém.

- Temos que conversar. - disse à ela, que sorriu.

- Você mudou, garota.

- Estou falando sério, Lissa. E você sabe o que é. - me virei. - Posso ficar à sós com ela?

Eles hesitaram, e Jane deu um passo à frente.

- Como assim? Ficar sozinha com essa...é suicído. 

- Ela não vai me machucar. - garanti, confiante.

Suspirando, eles seguiram o caminho de volta. Leon ponderou por um minuto antes de beijar o alto da minha cabeça.

- Tenha cuidado. - sussurrou, enquanto Lissa permanecia quieta nos observando, provavelmente analisando o que haveria entre mim e Leon.

Ela ergueu uma sobrancelha.

Namorado novo?, ela disse na minha mente.

Deixei essa passar.

O que você acha?, mandei de volta, um pouco enigmática e hostil.

Ela voltou à postura séria.

- O que você queria aqui, hã?! - ela me repreendeu quando ficamos sozinhas. - Sabe o que poderia ter acontecido?!

- Achou que nunca mais ia me ver? - eu a provoquei.

- Você sabe que não é isso.

- Então sabe o que vim fazer aqui.

Ela parou e olhou para cima. Parecia estar pensando.

- Por que tentou me matar? Eu confiava em você, Lissa! - dei a facada.

- Sabia que ia direto ao ponto. - ela respondeu, ainda olhando para o lado. Ela não queria me encarar. - Mas você não sabe de nada, Luna.

- Claro que sei. - contei. - Essa baboseira toda de rivalidade entre Resgatadores e Morte. Leon me contou tudo.

Lissa caminhou até um tronco quebrado  e se sentou nele, dando um tapinha para que eu me sentasse do lado. Ela ficou quieta de novo e uma leve brisa passou por nós.

- Não queria matar você, Luna. - falou ela. - Foi um trabalho; uma missão. Foi uma ordem.

- Se aproximar de mim e virar minha única amiga foi uma tarefa pra você?! - vociferei. Minha garganta doía.

- Não foi difícil me aproximar de você - Lissa continuou. - Virar sua amiga é que foi o erro. Paguei caro por não ter te matado.

- Por isso se afastou de mim? - quis saber. - Sabia que iria procurá-la. - Você é mesmo a minha Morte?

Ela demorou pra responder.

- Queria sua cabeça, como todas as Mortes. - contou. - Esperava que você ficasse ferida tempo o suficiente para levá-la aos Resgatadores.

Fiquei de boca aberta. Nunca imaginei Lissa dizendo algo do tipo.

E, me olhando, ela acrescentou:

- Somos inimigas, Luna. Não podemos ser amigas. Você é uma Indomada; eu, a Morte.

Ri do comentário absurdo.

- Não somos inimigas.

Ela suspirou alto.

- Um dia, nos encontraremos no campo de batalha. E nossos instintos agirão em primeiro lugar.

Balancei a cabeça.

- Onde esteve esse tempo todo?

- Além da Floresta Vermelha. - contou. - Às vezes, nós "patrulhamos" por aqui. Sorte sua que era o meu turno. - ela brincou com a última palavra, batendo seu ombro no meu de brincadeira.

- Mas...por que vocês fazem isso? Por que há a rivalidade? - indaguei.

- Rivalidade é um termo um tanto fraco. - disse Lissa. - As Mortes querem vingança dos Resgatadores. Há muito tempo, um de nós foi capaz de amar, o que é impossível.

- Zattara. - eu disse. - Conheço a história.

- Isso bagunçou o equilíbrio - continuou. - Ela foi punida, e os outros não aceitaram. Afinal, também já fomos Indomados, mas não queríamos ser assim. Antes, cada pessoa tinha a sua Morte. Hoje, podemos lidar com qualquer um, a qualquer hora; causar acidentes e crimes. Podemos trazer o caos.

- Isso tudo porque o amor bateu no coração errado. - refleti.

- E tem mais - ela acrescentou. - Tudo está ficando pior.

- E não há uma maneira? - instiguei. - Será que a "Morte" não pode voltar a ser como era antes?

- Até agora ninguém descobriu. - ela lamentou.

Engoli em seco.

- Como você se tornou um deles? Já foi Indomada? - quis saber.

Lissa deu um longo suspiro.

- Minha história é muito longa. Tem coisas que você não suportaria. O que deve saber é que, há muito tempo atrás, eu precisava de ajuda. Me apareceu alguém; a única pessoa que me estendeu a mão quando ninguém mais o fez. Essa pessoa me salvou. - ela se virou pra mim. - Sente calafrios perto de mim?

Neguei com a cabeça.

- Então talvez eu esteja certa.

- Do quê?

Ela fez muxoxo.

- Talvez eu não seja a sua Morte.

- E o que isso significa? - eu tive medo da resposta.

Ela não respondeu.

- Lissa. - eu disse mais séria. - O que você quer dizer com isso? Que a minha Morte pode estar por aí só esperando o momento certo de acabar comigo? E eu nem sei quem é?

- Você vai sentir quando estiver por perto. - garantiu ela; mas senti que sua fala vacilou um pouco. Ela riu de repente. - Você se lembra de Rachel? - ela disse o nome com a voz fanha, imitando a voz irritante de minha falecida inimiga do colégio.

Então eu me lembrei.

- Se lembra do que aconteceu com ela? - Lissa disse outra vez.

- Ela foi assassinada. - respondi, intacta. - Mas por que? O que tem? Acha que foi um de vocês? Por que faria isso? Acha que se confundiu comigo?

Lissa adotou uma postura indiferente e insana. Depois, sorriu maliciosamente.

- Se lembra como ela morreu? - ela continuou com a postura arrogante. - Legal, né?

- O quê?! - eu franzi o cenho. - Ela morreu da forma mais brutal que já vi! Foi horrível! - estremeci, lembrando-me de Rachel toda ferida e ensanguentada...

Lissa riu.

- Fui eu quem a matei, Luna.

Parei, chocada. Depois a encarei incrédula.

- O quê?! - disse depois de um tempo. - Mas...como...

- Eu me cansei de ela ficar o tempo todo implicando com você, zombando de você; só por causa de uma inveja idiota e doentia que ela sentia por você - ela falou, sendo sincera. - Aquilo me fez lembrar dos tempos horríveis em que sofri na minha vida. Simplesmente me enfureci, e não aguentei.

Comecei a rir, mas meio encabulada. Afinal, estávamos falando de uma pessoa morta, por mais que fosse Rachel.

- Não sei se agradeço você. - eu disse.

- Só...não suporto pessoas mesquinhas e fúteis. - Lissa revelou.

- Como a matou? - que quis saber.

Lissa novamente ficou estática e hostil, sorrindo.

- Eu a peguei no corredor. À princípio, pensei em somente assustá-la e avisá-la para não importunar mais você, mas não deu. Criei uma ilusão na mente dela, fazendo com que ela visse várias feras atacando-a e rasgando-a. Foi divertido. - debochou ela, sorrindo cruelmente.

Agora eu entendia porque Lissa queria que eu me afastasse. As Mortes podiam ser instáveis. Mas, talvez, Lissa só tivesse sido tão cruel só com Rachel. Ou não.

- Não podemos mais nos ver, Luna. - ela disse depois de um tempo. - Nosso líder desconfia de mim, e não posso dar bandeira. os castigos em Agartha, nossa terra, não são bonitos de se ver...ou de se sentir.

- Sabe que isso não vai acontecer. - eu sempre discordava dela.

- Não vai sentir minha falta - ela deu de ombros. - Pelo que vi, você tem amigos de verdade. Confie neles, e não em mim. Você e aquele loirinho... - ela riu. - É seu namorado?

- Não. - eu falei rápido demais, o que só fez aumentar a suspeita dela.

Lissa permaneceu calada. Naquele momento, eu daria tudo pra ler os pensamentos dela. Ela não era exatamente uma expert em garotos ao meu ver.

- Ele parece ser um bom cara.

Deixei estar.

- Devem estar dando por sua falta na Ordem. Eu te levo até lá. - ela se levantou.

- A Floresta Vermelha não vai atacar de novo? - perguntei, com medo. O que acabara de passar ali já era tormento o suficiente.

Ela riu.

- Não. O que você viu aqui foi só uma demonstração do que ela é capaz de fazer.

Ainda havia coisas piores escondidas ali...

Quando começamos a caminhar, tudo aconteceu em câmera lenta.

Minha visão foi tomada por vultos. Quando dei por mim, notei, horrorizada, que Lissa e eu estávamos cercadas por lobos selvagens.