Card Master Sakura escrita por ghost of Sparta


Capítulo 16
Capítulo 12 - As muitas vidas de Sakura (PT1)


Notas iniciais do capítulo

A vida de Sakura mudou completamente... a história não está como deveria ser... e agora? (Apresentando: Reiko-chan ^^)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/328547/chapter/16

[Imagem Ilustrativa do Capitulo]

Havia uma menina dormindo serenamente em seu quarto naquele inicio daquela manhã. Ela tinha cabelos curtos, que chegavam quase a altura do ombro e eram na cor castanho claro, e era um pouco baixa para os seus 14 anos. O quarto rosa em que estava não era muito grande e estava enfeitado com bichinhos de pelúcia por todos os lados. Ao lado da única janela do cômodo havia um mesa com vários livros e materiais escolares junto com uma mochila amarela cuja arrumação aparentemente havia sido abandonada no meio do caminho. Na cabeceira da cama era possivel encontrar um diário com uma capa cor-de-rosa e uma boneca.

A porta do quarto é aberta lentamente por uma mulher. Ela era alta e magra, tendo longos e esvoaçantes cabelos negros e belos olhos verde-esmeralda. Parecia estar no auge dos seus 30 anos. Estava usando um macacão azul-marinho com uma blusa amarela por baixo.

Mulher: Filha?

Sem resposta. A menina devia estar muito concentrada em seus sonhos. A mãe se aproxima da cama e coloca sua mão no ombro da filha, sacudindo ela gentilmente em seguida.

Mãer: Filha? Filha? Acorda, filha.

A menina vai abrindo seus olhos lentamente, a visão ainda um pouco embaçada por causa do sono. Ela se senta na cama e boceja algumas vezes.

Menina: O que foi?
Mãe: Você vai se atrasar para a escola.

A mãe abre o guarda-roupa, pega as peças de um uniforme escolar e as coloca sobre a cama. O uniforme consistia em uma blusa branca, um blazer e um par de meias pretos e uma saia xadrez em tons de vermelho. Em seguida ela abre a cortina e a janela do quarto.

Mãe: Se arrume depressa ou vai acabar chegando atrasada no seu primeiro dia de aula. O café da manhã já está na mesa.

Após dizer isso, a mãe dá um beijo na testa da filha e deixa o quarto. A menina cambaleia para fora de sua cama e veste a blusa, o blazer e a saia de seu uniforme rapidamente, além de colocar uma gravata vermelha no pescoço. Em seguida, ela vai até o banheiro para lavar o rosto e escovar seus dentes.

Menina (abrindo a boca, com sono): Uahhhhhh

A menina volta ao seu quarto e se ajoelha diante de um espelho redondo em sua mesinha, começando a pentear seus cabelos. Em seguida ela coloca um laço roxo em seus cabelos, criando uma madeixa lateral no lado esquerdo da cabeça. A menina se senta na cama e veste suas meias, que iam até a altura dos joelhos. Depois ela pára para esfregar um pouco os olhos. Ainda estava muito sonolenta.

Menina (abrindo a boca, com sono): Uahhhhhh!
Mãe: Rápido, filha!

O grito da mãe vinha do andar debaixo. A menina se levanta e se aproxima de sua mesa, observando a mochila amarela. Na mesa, ela podia ver livros, cadernos, e outros materiais escolares, bem como um perfume, um tapa-olho branco, um relógio, um celular, algumas pulseiras e alguns laços, tudo formando uma grande e bagunçada pilha. A menina coloca o tapa-olho em seu olho direito e empurra a pilha de coisas para dentro de sua mochila.

Menina (abrindo a boca, com sono): Uahhhhhh!

A menina se ajoelha diante do espelho em sua mesinha e ajeita o tapa-olho em seu rosto. Ela observa seu olho esquerdo por um instante. Algo a estava incomodando, mas não sabia dizer o que era. Talvez quando conseguisse acordar por completo, ela poderia descobrir.

Menina (abrindo a boca, com sono): Uahhhhhh!

A menina pega sua mochila e finalmente caminha para fora do quarto.

"Vocês devem estar se perguntando quem eu sou, não é? Deixa eu me apresentar apropriadamente. Eu me chamo Reiko, tenho 14 anos de idade e hoje é meu primeiro dia de aula na minha nova escola. Tenho um problema sério com educação física, mas gosto muito de matemática e música. Me considero uma menina razoavelmente normal, apesar de ser muito tímida. Minha timidez às vezes me gera problemas, mas não há nada que eu possa fazer. Isso faz parte de quem eu sou."

Reiko desce as escadas e pára na entrada da cozinha. Havia uma mesa recheada com um delicioso desjejum. A mãe estava servindo um copo de suco para um rapaz de cabelos curtos e negros e com cara de poucos amigos. O rapaz sorri maldosamente ao perceber a presença de Reiko.

"Eu vivo nessa casa com a minha mãezinha, que se chama Nadeshiko, e meu onii-chan, que se chama Touya. Meu paizinho se chama Fujitaka e no momento ele está numa viagem a trabalho na Inglaterra. Ele é um grande arqueólogo, sabe? Eu, minha mãe e o onii-chan sempre tomamos café-da-manhã juntos."

Reiko: Ohayo Gozaimasu.
Mãe: Ohayo, querida filha.
Touya: Olha só... a monstrenga acordou sem fazer muito barulho. Vai chover.

Reiko ignora o comentário e se senta a mesa.

Touya: Ué? Não vai reclamar de eu ter te chamado de monstrenga?
Reiko: Itadakimasu.

Reiko começa a comer rapidamente seu café-da-manhã enquanto toma um delicioso suco de uva. Touya fica a observando, curioso, e a cara de sono da menina lhe chama atenção.

Touya: Ah, entendi. Ela não está acordada ainda. Está em modo monstrenga-zumbi.
Mãe: Touya... pare de chatear sua irmã.
Touya (cruzando os braços, indignado): Não tem graça se ela não ficar brava.
Reiko (ao terminar de comer): Gochisou sama.

Reiko se levanta e faz uma reverência para a mãe e outra para o irmão.

Reiko: Eu já vou indo.
Mãe: Tome cuidado, filha. E tenha um bom dia de aula.

Reiko coloca sua mochila amarela nas costas e calça seus sapatos.

Reiko (abrindo a boca, com sono): Uahhhhhh!

Reiko sai da casa e fecha a porta. Ela pára por um instante e fica admirando a casa amarela onde vivia. Não era muito grande, mas era confortável.

"É muito bom ter um lar para onde voltar. E também é maravilhoso ter uma familia que te ama e te dá suporte. Eu tenho muita sorte de ter tudo isso. Tenho muita sorte de ter a vida que tenho."

Reiko estava sentindo um incômodo. O seu olho direito, que estava coberto pela tapa-olho, estava latejando. A dor vai ficando um pouco mais forte e a menina sente a sonolência desaparecendo.

"Só tem um pequeno problema..."

Reiko sente seu cérebro começar a trabalhar num ritmo acelerado. Havia finalmente acordado por completo. Ela olha para a casa e fica imediatamente assustada.

"Essa não é minha vida!"

Reiko: HOEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEE!



Reiko, levada pelo susto, acaba caindo no chão.

Reiko: N-não pode ser... essa n-não é minha c-casa...

A menina se levanta e se aproxima do muro da frente da casa. Havia ali uma placa com o nome Kinomoto escrito. Reiko toca a placa várias vezes, como se quisesse ter certeza de que era real. Ela conhecia aquela vizinhança, mas aquela não era sua casa. Seu lar ficava em outro lugar, em outra cidade.

Reiko (murmurando): O que está acontecendo?

Reiko sai correndo pelas ruas. Ela encontra uma banca de jornal duas esquinas mais tarde. Após receber algumas moedas como pagamento, o jornaleiro cede uma edição do jornal do dia. Reiko abre o jornal e folheia suas páginas rapidamente.

Reiko: Está errada. A data está errada.

Reiko coloca a mão no queixo, pensativa.

Reiko: Será que eu viajei no tempo igual aqueles filmes que a nee-chan gosta de assistir...? Ou talvez eu esteja sonhando...

Reiko nota um grupo de rapazes passando pela rua e a observando.

Rapaz 1: Você viu?
Rapaz 2: Sim. É uma menina muito bonita.

Reiko sente seu rosto corar ao perceber que estão falando dela.

Rapaz 3: Ela é fofinha... mas por que o tapa-olho?
Rapaz 2: Talvez ela esteja com alguma irritação...
Rapaz 1: Ou talvez tenha perdido o olho em algum acidente e prefere ocultar as marcas deixadas...
Rapaz 3 (rindo): Ou talvez seja alguma otaku maluca fazendo cosplay.
Rapaz 1: Pode ser. Ela é muito bonita, deve ter algum defeito. As mais bonitas sempre têm.
Rapaz 2: Que tal a gente matar a curiosidade?

Os três rapazes caminham em direção a Reiko. Um deles acena para a menina.

Rapaz 1: Oi! Podemos te perguntar uma coisa?

Reiko esconde seu rosto atrás do jornal que acabara de comprar.

Rapaz 2 (com um olhar indignado): Ei! É falta de educação esconder o rosto quando alguém fala com você.

Um dos rapazes tira o jornal das mãos de Reiko.

Reiko (as palavras quase não saindo da boca): E-eu n-não devo falar c-com estranhos...
Rapaz 3: Não precisa ficar tímida e nem com medo. Só queremos saber o porquê do tapa-olho.

Um dos rapazes coloca a mão sobre o tapa-olho de Reiko, o que deixa a menina muito inquieta.

Reiko: Ahhhhhh!

Reiko sai correndo, deixando para trás os três rapazes. Eles se entreolham, confusos.

Rapaz 1: Eu acho que vocês assustaram ela...

Reiko corre com todas as suas forças. Corria sem destino certo, apenas querendo fugir daquela situação. Após alguns minutos correndo, ela chega ao parque do rei pinguim. Reiko se senta no balanço, ainda bufando de cansaço, e vasculha sua mochila até conseguir encontrar um celular. Em seguida disca um número, na esperança de ouvir uma voz familiar.

– O número que você discou não existe. Verifique o número e tente novamente.

Reiko suspira e guarda o celular na mochila.

Reiko: O número da onee-chan não foi encontrado. Será que só eu vim parar aqui?

Reiko sente algumas lágrimas começarem a escorrer.

Reiko: O que eu vou fazer sozinha...? Como vou descobrir o que realmente aconteceu? Como vou voltar para casa se isso não for um sonho?

Reiko olha para sua mochila por alguns instantes. Ela enxuga as lágrimas e resolve pegar seu celular novamente.

Reiko: Talvez ela também esteja aqui...
Menina: Ei! Você!

Reiko nota que uma menina havia parado sua bicicleta diante dela. A menina possuia cabelos curtos e castanhos e usava um uniforme igual ao de Reiko. Reiko se surpreende ao reconhecer a garota.

Reiko: Rika? Rika Sasaki?
Rika: Nós nos conhecemos?
Reiko: É... bem... hmmm... eu... eu acho que não exatamente...

Rika observa Reiko da cabeça aos pés. Seus olhos páram por um momento mais demorado na gravata vermelha do uniforme.

Rika: Isso não faz sentido nenhum. O que está fazendo aqui?
Reiko: Hoe?
Rika (num tom ríspido): Você é tonta? Eu perguntei o que você está fazendo aqui!

Reiko baixa levemente a cabeça, sentindo-se ameaçada pelo tom de voz de Rika.

Reiko: E-eu estava... estava tentando encontrar uma pessoa...
Rika: Isso não é hora para namorar. Qual a sua turma?
Reiko: Minha... turma?
Rika: Só uma idiota responde uma pergunta com outra pergunta!
Reiko (fazendo várias reverências): Ahhh! Desculpa, desculpa, desculpa. Eu... bem... hmmm... eu estou na turma 4D.
Rika: Turma 4D, não é? Você vêm comigo!

Rika começa a arrastar Reiko e a coloca sentada na bicicleta.

Reiko: P-por que? P-por que está fazendo isso?
Rika: Esse ano eu fui escolhida para ser representante da nossa classe.

Rika aponta seu dedo indicador para Reiko.

Rika (falando bem alto): Enquanto eu estiver nesse cargo, nenhum estudante da turma vai se atrasar! Eu não vou permitir, ouviu bem? Não vou permitir!
Reiko: Eu o-ouvi...
Rika: Todos vão chegar no horário nem que eu tenha que arrastar cada um em minha bicicleta.

Reiko desce da bicicleta.

Reiko: Eu... eu sinto muito. Não posso ir a aula hoje. Tenho uma coisa muito importante para fazer.
Rika: O que?! Você não ouviu nada do que eu disse? Eu não vou deixar ninguém se atrasar!
Reiko: V-você... você não pode me o-obrigar...

Rika abre sua mochila e retira uma corrente de dentro dela.

Rika (com um sorriso malvado): Não posso te obrigar, é?

Rika assobia, feliz, enquanto monta sua bicicleta. Reiko estava sentada no banco do carona, amarrada com uma corrente de forma que não pudesse fugir.

Rika (erguendo o braço esquerdo no ar): Escola Tomoeda... aí vamos nós!

Rika começa a pedalar e a bicicleta logo ganha velocidade. Reiko fica apenas observando, sem ter como fazer nada.

Reiko: Hoeeeeee!

As duas meninas passam em alta velocidade pelas ruas da cidade. Chegam a quase atropelar uma senhora que saía de uma padaria.

Reiko: Desculpaaaaa...

Em poucos minutos elas chegam ao pátio da escola. Rika pega Reiko nos braços e a coloca sentada num banco.

Reiko: Você não vai me soltar?
Rika (balançando a cabeça): Só quando tiver certeza que você está na classe. Espere aí.

Rika guia sua bicicleta até o bicicletário. Ela abre sua mochila e procura por um cadeado para prender sua bicicleta. Reiko fica apenas observando, incrédula.

Reiko (suspirando): Por que essas coisas só acontecem comigo?

Reiko nota uma menina de cabelos loiros se despedindo da mãe. A menina parecia não ter muito mais que cinco anos e estava muito insegura. Ela caminha alguns passos em direção a um dos prédios da escola, mas acaba dando meia volta e se jogando nos braços da mãe.

Mãe: O que foi, Yukino?
Yukino: Eu não quero ficar longe da mamãe. Vou me sentir muito sozinha...
Mãe: Como assim, minha filha? Você vai estar cercada de muitas crianças da sua idade. Vai poder fazer muitos amigos. E além do mais, sua irmã também está estudando aqui. Ela já está na sala de aula te esperando...
Yukino: Eu não consigo fazer amigos... ninguém gosta de brincar comigo... nem a onee-chan gosta... só a mamãe gosta da Yukino...

Algumas lágrimas começam a escorrer pelo rosto da jovem Yukino.

Yukino: Eu não quero ficar sozinha aqui, mamãe.

A mãe acaricia carinhosamente a cabeça da filha. Em seguida ela abre uma sacola que estava carregando consigo.

Mãe: Eu estava pensando em guardar isso para depois, mas...

A mãe se agacha diante de Yukino e entrega um presente para ela. Era um bicho de pelúcia, uma ovelha de pelúcia amarela e branca. Yukino fica olhando para o bicho de pelúcia em suas mãos com um olhar confuso.

Yukino: Presente...?
Mãe: Sim. Um presente para você. Essa é uma ovelha mágica, sabia? Sempre que você se sentir para baixo ou se sentir sozinha, basta abraçá-la com toda a força... se você fizer isso, a ovelha vai te passar uma energia tão forte que você vai ser capaz de fazer qualquer coisa que desejar do fundo do coração.
Yukino (os olhos brilhando de entusiasmo): Incrível...
Mãe (sorrindo): É mesmo, não é? Se você tiver problemas para fazer amigos, peça a ajuda da ovelha e tente novamente. Tenho certeza que, se você se esforçar, vai conseguir fazer tudo o que deseja.

A mãe beija a testa de Yukino.

Mãe: Agora... que tal ir para a sala de aula, minha filha?

Yukino olha para algumas crianças que entravam no prédio da escola. Ela ainda se sentia insegura para enfrentá-las sozinha. Yukino, então, respira fundo e abraça a ovelha de pelúcia com muita força.

Yukino (se voltando para a mãe): Até mais tarde, mamãe.
Mãe: Boa aula, filha.

E então Yukino sai correndo em direção ao prédio.

Reiko (murmurando): O que foi isso? Essa cena... eu me lembro dela... será que isso é realmente um sonho?
Rika: Falando sozinha, novata?
Reiko (ficando rígida de repente): N-não. Apenas pensando alto...
Rika: Hora de ir.

Rika pega Reiko no colo e a carrega até a sala de aula. Após soltar a menina da corrente, Rika a coloca sentada numa cadeira.

Rika: E que essa seja a primeira e ultima vez que você tenta se atrasar, ouviu bem?
Reiko: S-sim...
Rika: Novata idiota...

Rika começa a andar pela sala, segurando uma lista em sua mão. Parecia estar conferindo se todos os alunos estavam na sala.

Rika: Opa! Onde está o Myazawa? Ahhhh! Aquele moleque!

Rika sai correndo da sala. Reiko fica apenas observando, incrédula.

Menino: Não se assuste. Ela é assim mesmo.

Reiko olha para o lado e nota que um garoto de óculos havia puxado conversa com ela.

Menino: Ela sempre foi muito energica e às vezes é um pouco grossa... mas no fundo é uma boa pessoa.
Reiko: E-entendo...
Menino: Você é a nova estudante transferida, não é?
Reiko (ficando rígida de repente): S-sim.

O menino se levanta e estende sua mão para Reiko.

Menino: Muito prazer. Pode me chamar de Terada.
Reiko: P-prazer... eu... eu sou Reiko...

Terada fica encarando Reiko, olhando diretamente para o tapa-olho dela. Reiko, obviamente, fica incomodada com o olhar. A porta da sala é aberta com violência. Rika entra arrastando um menino pelo cabelo.

Myazawa (lágrimas jorrando dos olhos): Ahhh. Piedade!
Rika: Deixa de ser fracote. Eu peguei leve com você.

Rika empurra Myazawa para uma cadeira. Em seguida ela vai para uma das cadeiras da primeira fila, onde seu lugar estava guardado por sua mochila.

Myazawa: Maldita hora em que a professora escolheu essa lunática como representante...
Rika: O QUE?
Terada: Se abaixa!

Terada puxa Reiko para baixo, ajudando ela a evitar um livro que havia sido lançado. O livro passa por toda a extensão da sala e atinge o rosto de Myazawa em cheio, fazendo o garoto cair no chão.

Rika: Mais respeito com a representante da sua classe, moleque.
Reiko: E-ele está bem?
Terada (sorrindo): Não se preocupe. Eles brincam assim a toda hora.
Rika (apontando para Terada): Ei, quatro-olhos! Ajude esse moleque a se levantar.
Terada: Mas por que eu?
Rika (batendo um livro ameaçadoramente na sua mão): Você quer realmente discutir comigo?
Terada: N-não...

Repentinamente, a professora Yuno Akazawa entra na sala carregando um guarda-chuva amarelo e uma pasta com livros e alguns papéis. Ela era a professora titular daquela turma.

Professora Akazawa: Todos aos seus lugares, prodigios do amanhã.

A professora Akazawa faz sinal para que Reiko fique junto dela e a menina prontamente obedece.

Professora Akazawa: Antes de começar, quero apresentar a vocês sua nova colega de classe. Essa é Reiko Kinomoto.
Reiko (a voz bem baixa): Bem... esse... esse não é exatamente... meu nome...
Professora Akazawa: O que? Você disse alguma coisa?
Reiko (balançando a cabeça,): Não... nada...
Professora Akazawa: Apresente-se aos seus colegas então.
Reiko (sorrindo, sem graça): M-muito prazer. E-espero que p-possamos ser bons amigos.
Professora Akazawa (sorrindo amigavelmente): Tomem conta de sua nova colega e ajudem-na no que ela precisar. Vamos manter as boas energias fluindo em nossa classe este ano.
Todos: Certo!
Professora Akazawa: Você pode se sentar na cadeira atrás da Tomoyo Daidouji. Seja bem-vinda, Reiko.
Reiko (fazendo uma reverência): O-obrigada.

Reiko caminha pela fileira de cadeiras um pouco incomodada. Enquanto andava, ela podia sentir todos os olhares da classe sobre ela. Esse tipo de atenção a deixava muito sem graça. Era possivel ouvir alguns murmúrios.

Aluna 1: Ela é diferente...
Aluno 1: Por que ela está usando um tapa-olho?
Aluna 2: Será cosplay? Será que ela é doente?
Aluno 2: Ela é meio estranha, não é?

Reiko pára diante de uma garota de longos cabelos negros e faz uma reverência.

Reiko: Prazer em conhecê-la, Tomoyo Daidouji.

Reiko já conhecia uma Tomoyo Daidouji, mas não essa Tomoyo. Ela não sabia ao certo se havia realmente viajado no tempo, se era um sonho ou se aquilo era um mundo completamente diferente. Até ter certeza, ela decide seguir a maré de eventos. Tomoyo lança um olhar de desdém para Reiko.

Tomoyo: Não fale comigo como se fossemos do mesmo nível, pirralha.
Reiko: O q-que?

Reiko fica perplexa com a reação de Tomoyo. Definitivamente aquela não era a Tomoyo que conhecia.

Tomoyo: Você está na minha frente, cria da ralé. Sente-se logo e pare de incomodar os outros.
Reiko: D-desculpe...

Reiko se senta em seu lugar, cabisbaixa.

Tomoyo: Era só o que me faltava... uma pobretona dessas achando que está no direito de me dirigir a palavra sem permissão. Esse mundo está realmente perdido...

Reiko sente vontade de chorar. Parecia que ninguém conseguia gostar dela de verdade. Ela sempre atraía olhares no começo, mas logo todos se afastavam e a ignoravam. Reiko se sentia como um imã que repelia as pessoas e isso a deixava muito frustrada. Ela queria simplesmente sair correndo dali, mas não tinha coragem.

Professora Akazawa: Para começar, abram seus livros na página 189 e...

Reiko não estava realmente prestando atenção no que a professora estava dizendo. Havia começado a escrever na ultima folha de seu caderno. Decidira escrever tudo que conseguia lembrar para depois pensar e tentar entender o que aconteceu.

Assim que o sinal da escola soou, horas mais tarde, os alunos da turma 4D foram até os vestiários para se trocar. Meninos e meninas vestem seus uniformes de educação física. Em seguida todos se reunem na quadra esportiva da escola. Lá havia um outro grupo de alunos aguardando.

Terada (ajeitando os óculos): Parece que hoje vamos ter aula de educação fisica junto com outra turma...

Reiko passa seus olhos rapidamente nos alunos da outra turma. A maioria deles parecia estar olhando para ela como se ela fosse um elemento estranho naquele lugar. Reiko não gostava desses olhares. Felizmente a atenção de todos logo é atraída por uma briga entre Rika e Myazawa. A representante da classe estava enforcando o colega com entusiasmo.

Myazawa (lágrimas escorrendo dos olhos): Eu juro que foi sem querer...
Rika: Ninguém espalha boatos sobre outros sem querer, garoto idiota. Você espalhou por aí que eu estava fazendo marmitas para você todos os dias!

Myazawa senta as mãos apertarem mais forte o seu pescoço e grita de desespero.

Myazawa: É TUDO MENTIRA! Eu peço desculpas... por favor, não me mate, não me mate, não me mate...
Rika (largando o pescoço do garoto): Medroso...

Myazawa cai no chão, gemendo de dor.

Terada (gota caindo): Esses dois não tem jeito...
Rika: Quatro-olhos!
Terada: O-o que foi?
Rika: Onde está a novata?

Terada olha para os lados a procura da nova colega de classe. Ele coça a cabeça, confuso.

Terada (dando de ombros): Não sei... ela estava aqui agora a pouco...

Reiko havia saído correndo em direção ao vestiário, aproveitando que ninguém estava prestando a atenção nela. Ela coloca a mão sobre seu tapa-olho. Seu olho direito estava latejando de novo.

“Essa dor de novo... o que significa?”

Reiko, perdida em seus pensamentos, acaba trombando com uma menina que saía do vestiário feminino. As duas caem no chão com o choque.

Reiko: Desculpa, desculpa, desculpa...
Menina: Sakura?

Reiko observa mais atentamente a garota com quem trombara. Era uma menina de pele bem clara, um pouco mais alta que Reiko, e possuia cabelos negros com as pontas roxas. Havia uma presilha com a imagem de um ursinho verde preso numa das madeixas. Ela estava usando um uniforme de educação física, assim como Reiko.

Reiko (parecendo surpresa): Do que você me chamou?

Reiko ajuda a menina a se levantar.

Menina (coçando a cabeça, sem graça): Não foi nada. Eu confundi você com outra pessoa.
Reiko (segurando a mão da menina): Você a conhece? Conhece a Sakura?

As duas meninas ficam se entreolhando por alguns instantes.

Menina: Sim... eu a conheço. Na verdade estou procurando por ela... preciso da ajuda dela para resolver um problema...
Reiko: Eu também preciso da ajuda dela.
Menino: Ei! Vocês duas! A professora de educação física já está esperando na quadra.

As duas meninas olham para o garoto que estava as chamando. Ele tinha um semblante sério, cabelos castanhos e olhos na cor âmbar.

Menina (perplexa): S-shaoran?
Shaoran: Por que essa surpresa toda, Nishimura? Somos da mesma turma... já esqueceu?
Reiko: Nishimura?

A menina sai correndo e abraça Shaoran Li com força.

Menina: É muito bom ver um rosto conhecido... está tudo diferente... tudo fora do lugar...
Shaoran (tentando se desvencilhar): Ei! Nishimura... Nishimura... Kazuko Nishimura!

Kazuko se assusta quando Shaoran grita seu nome. O menino desfaz o abraço e se afasta de Kazuko.

Shaoran: Desde quando eu te dei permissão para me chamar pelo primeiro nome? Ou para me abraçar desse jeito? Não me lembro de ter esse tipo de intimidade com você. Recomponha-se, garota.
Kazuko (se afastando, muito sem graça): D-desculpa...
Shaoran: Vamos logo. A professora já está esperando. Não quero ninguém causando problemas para ela.

Reiko e Kazuko seguem Shaoran em direção à quadra. No caminho, Reiko olha algumas vezes de relance para Kazuko.

“Ela disse que está tudo diferente? Tudo fora do lugar? Será que ela também percebeu?”

Reiko acaba colidindo com Kazuko quando essa pára de repente.

Reiko (fazendo uma reverência): Desculpa... não te vi parar...

Reiko nota que Kazuko estava pálida como se tivesse visto um fantasma.

Reiko: Hoe? O que foi?

Kazuko: Sa... Sa... Sa... SAKURA?!

Reiko segue o olhar de Kazuko e nota que ela estava olhando para a professora, que estava no meio dos alunos. Era uma mulher alta, com longos cabelos castanhos presos num rabo-de-cavalo e belos olhos verde-esmeralda. Carregava consigo uma sacola com algumas bolas de vôlei.

Shaoran: Mais respeito com a professora!

A professora olha, curiosa, para Kazuko.

Professora Sakura: Algum problema, Nishimura? Parece que você viu um fantasma.
Shaoran: Ela está agindo muito estranho hoje, professora.
Kazuko (sorrindo sem graça ao notar que todos olhavam para ela): Desculpa... acho que estou um pouco cansada e devo estar confundindo as coisas...
Reiko: Está errado!

Todos olham para Reiko. A menina estava com os olhos arregalados e as mãos na cabeça.

Shaoran: O que está errado?

Reiko aponta para a professora Sakura e para Shaoran.

Reiko: Vocês deviam ter a mesma idade... deviam ficar juntos...

A professora Sakura e Shaoran se entreolham, surpresos.

Reiko: Está errado, está errado, está errado...

Reiko sai correndo da quadra, algumas lágrimas escorrendo de seus olhos.

Rika: Olha só. A novata surtou...
Professora Sakura: Ela não parece nada bem...
Kazuko: Eu vou atrás dela, professora.
Professora Sakura: Têm certeza, Nishimura?
Kazuko: Sim. Vou conversar com ela e acalmá-la. Não se preocupe.

A professora Sakura encara o olhar determinado de Kazuko por alguns instantes.

Professora Sakura (suspirando): Ok. Vá até a menina e a leve para a enfermaria. Depois volte para cá. Entendido?
Kazuko: Certo.

Reiko havia por todo o colégio, ignorando todos por quem passava no caminho. Ela corre até não ter mais para onde correr. Ao olhar ao redor, Reiko percebe que havia ido parar no terraço do prédio. A menina se senta no chão e olha para o céu, a visão embaçada pelas lágrimas.

Reiko: Está tudo fora do lugar... eu quero minha familia... minha casa... quero que tudo volte ao normal... eu quero acordar!
Kazuko: Não é um sonho.

Reiko se assusta ao notar que Kazuko também havia subido ao terraço da escola.

Reiko: N-não?
Kazuko: Pelo menos, não é um sonho seu.

Kazuko se senta ao lado de Reiko.

Reiko: C-como assim?
Kazuko: Eu tenho certeza que sou real... então, se isso for um sonho, é um sonho meu.
Reiko: Mas se isso for um sonho seu... significa que não existo...

Reiko começa a balançar a cabeça freneticamente.

Reiko: Isso não é verdade! Eu sou real! Sou de carne e osso! Sinto dor de verdade todas as vezes que minha irmã me bate no café-da-manhã!
Kazuko: Hmmm... isso nos deixa num impasse... como vamos saber de quem é o sonho?

Reiko enxuga suas lágrimas com sua camisa.

Reiko: Se minha mãe estivesse aqui... ela diria para procurar a resposta em meu coração.

Reiko se levanta, fecha seus olhos e coloca suas mãos no peito. Kazuko fica apenas observando, curiosa.

Reiko (abrindo os olhos): Não é um sonho.
Kazuko: Como você sabe?
Reiko: E-eu apenas sei...
Kazuko: Hmmm...

Reiko volta a se sentar ao lado de Kazuko.

Kazuko: Por algum motivo, eu confio em você...
Reiko (sorrindo de maneira meiga): Muito obrigada.

Kazuko estende sua mão para Reiko.

Kazuko: Eu me chamo Kazuko.
Reiko (apertando a mão de Kazuko): Eu sou Reiko... prazer em conhecê-la.
Kazuko: Bem... se isso não é um sonho, então é mais um dos problemas de bruxaria da Sakura... ultimamente eu sempre acabo envolvida por acidente...

Reiko fica olhando para o céu por alguns instantes. Ela retira uma folha do bolso de seu uniforme.

Reiko: Eu escrevi algumas coisas durante as aulas...
Kazuko: Que coisas?
Reiko: Coisas que não faziam sentido... que estavam fora do lugar...
Kazuko: Eu percebi um monte de coisas também... acordei numa casa completamente diferente hoje... tenho quase certeza que aquela era a casa da Chiharu...
Reiko: Eu também acordei num lugar diferente... acordei na casa antiga dos Kinomoto.
Kazuko (olhando, surpresa, para Reiko): Na casa da Sakura?
Reiko (acenando positivamente): Sim... mas aparentemente ela não faz mais parte daquela familia... é como se eu tivesse tomado o lugar dela...
Kazuko: Mas como isso é possivel?

Reiko se levanta e encosta a cabeça na grade de proteção do terraço. De onde estavam era possivel ver o andamento da aula de educação física.

Reiko: Assim que me dei conta do que estava acontecendo, eu conferi a data no jornal... está errada...
Kazuko: Errada? Mas para mim ela está certa... só o que está errado são as coisas e pessoas ao meu redor.
Reiko: Hmmm... talvez isso esteja relacionado a viagem no tempo.
Kazuko: Hã? Existe esse tipo de coisa?
Reiko: Sim. Isso é possivel se você tiver uma magia muito poderosa e um bom conhecimento de como usá-la.

Kazuko olha, incrédula, para Reiko.

Kazuko: Não me diga que você também mexe com esse negócio de magia?
Reiko: Bem... hmmm... na verdade eu só estudo magia... eu nunca tive nenhum poder... apenas a minha irmã têm...

Reiko baixa a cabeça, parecendo um pouco triste. Kazuko resolve mudar o rumo da conversa para não deixar a menina depressiva.

Kazuko: Então... você está me dizendo que você viajou no tempo?
Reiko: E-eu não tenho poder para isso... e não me lembro de ter encontrado nenhum artefato mágico que pudesse fazer esse tipo de coisa...
Kazuko: Essa conversa está me deixando ainda mais confusa...
Reiko: Se as coisas estão fora do lugar... talvez não seja uma viagem no tempo... talvez as realidades estejam bagunçadas...
Kazuko: Realidades?
Reiko: Sim. Minha mãe me explicou uma vez que existem muitos mundos similares em muitas maneiras, mas diferentes em outras. Nós existimos em todos esses mundos, mas em versões diferentes, com vidas diferentes e escolhas diferentes. Esses mundos existem de forma paralela e geralmente não interferem um no outro... mas se algo bagunçasse a divisa entre esses mundos... isso faria com que pessoas de diferentes mundos fossem misturadas...
Kazuko: Uau!

Kazuko estava olhando admirada para Reiko, que fica envergonhada e cora.

Reiko (escondendo o rosto com as mãos): P-por que você está me olhando assim?
Kazuko: Desculpe. Eu estava te encarando, não é? É que fiquei impressionada. Você parece realmente entender dessas coisas de magia e realidades alternativas...
Reiko: E-eu acho que posso dizer que entendo um pouco...

As duas meninas ficam em silêncio por alguns instantes.

Kazuko (coçando a cabeça): Deixa eu ver se entendi... então alguma bagunçou a divisão entre esses tais mundos paralelos e misturou tudo?
Reiko: Aparentemente sim. Houve uma mistura de eventos e pessoas de realidades diferentes.
Kazuko: Então este pode nem ser o meu mundo?
Reiko: Eu não posso afirmar ao certo... mas provavelmente este mundo é a fonte do que quer que tenha causado essa mistura... eu sei que meu mundo não estava tendo nenhum problema que pudesse causar isso, mas os outros...
Kazuko: Bem... a Sakura andava tendo muitos problemas no meu mundo... então talvez eu ainda esteja aonde pertenço... será que existe alguma forma de confirmar?
Reiko: Infelizmente eu não sei... teríamos que perguntar para alguém com mais experiência em magia...

As duas meninas voltam a ficar quietas por alguns instantes.

Kazuko: E a Sakura? Talvez ela saiba de algo...
Reiko: Ela não deve ter as mesmas memórias que você, afinal ela é a Sakura de outro mundo. Ela pode nem ter magia...
Kazuko: Isso é um problema... eu não conheço ninguém mais que mexe com essas coisas de magia...

Kazuko solta um profundo suspiro.

Kazuko: Mas afinal, por que só nós duas sabemos que algo está errado? Por que só nós não fomos afetadas pela mistura das realidades?
Reiko: D-desculpa... e-eu não sei responder... eu queria ser mais útil...

Kazuko nota que a expressão de tristeza de Reiko ficara mais profunda. Parecia que a menina estava carregando todo o peso do mundo nas costas. Era impossivel não ficar com pena dela. Subitamente, Kazuko coloca as mãos nos ombros de Reiko e sorri para ela. A menina percebera que Reiko não tinha muita confiança em si mesma, então ela teria que passar confiança para a colega.

Kazuko: Que cara é essa? Anime-se! Estamos nessa juntas e vamos dar um jeito de colocar tudo no lugar. Vamos dar nosso melhor, entendido?
Reiko: S-sim...
Kazuko: Eu não ouvi... o que foi que você disse?
Reiko (com um semblante um pouco mais confiante): Vamos dar o nosso melhor!
Kazuko: É isso aí.

As duas meninas notam que a aula de educação física já havia terminado. Os alunos caminhavam para os vestiários enquanto a professora recolhia as bolas. Estavam tão absortas em sua conversa que não viram a hora passar.

Kazuko (falando de repente): Vamos perguntar a Sakura.
Reiko: Mas ela não deve saber de nada...
Kazuko: Existe uma chance de que ela saiba algo que possa nos ajudar, não é?
Reiko: S-sim... eu acho que sim...
Kazuko: Enquanto existir uma chance, nós devemos continuar tentando.
Reiko: Certo.

Kazuko e Reiko descem as escadas correndo e vão para a quadra, apenas para perceber que ela já estava vazia.

Reiko: Chegamos tarde...
Kazuko: Ela deve ter ido guardar as bolas no depósito. Vamos lá!

Kazuko puxa Reiko pela mão e as duas meninas voltam a correr. Elas dão a volta na fonte da escola, passam pelo jardim lateral e chegam a uma pequena casa nos fundos da escola que servia de depósito para materiais dos professores. A porta estava entreaberta e era possivel ouvir vozes vindo de dentro do depósito. Kazuko e Reiko se aproximam sorrateiramente da porta e notam que a professora Sakura estava conversando com um aluno.

Reiko: Ela esta conversando com o Shaoran...
Kazuko: Temos que esperar até que ela esteja sozinha...
Reiko (parecendo um pouco desconfortável): Hmmmm... eu... eu não acho que devíamos ouvir a conversa dos outros escondidas...
Kazuko: Shhhh. Eu quero ouvir o que eles estão falando...

A professora Sakura gesticulava muito enquanto falava, sem saber que estava sendo observada.

Professora Sakura: Você sabe que não podemos continuar com isso...
Shaoran: Mas, Sakura...
Professora Sakura: Você ouviu o que aquela garota disse... as pessoas já estão começando a desconfiar de nós dois...
Shaoran: Eu não me importo. Tudo o que quero é ficar com você, Sakura. Ficar com a pessoa que eu gosto.

Kazuko fica boquiaberta.

Kazuko: Não acredito no que estou ouvindo...

Shaoran pega as mãos de Sakura.

Shaoran: Eu não me importo sobre o que os outros pensam. Podemos fugir agora se você quiser.
Professora Sakura: Não podemos ser assim irresponsáveis, Shao-kun. Não podemos simplesmente dar as costas para nossa familia e amigos...
Shaoran: E o que vamos fazer? Eu não aceito ficar longe de você!
Professora Sakura: Se continuarmos, podemos perder tudo... você pode ser obrigado a mudar de escola e eu posso perder meu emprego e minha reputação... você estaria disposto a enfrentar a tudo e a todos por mim?

Shaoran abraça a professora Sakura afetuosamente.

Shaoran: Eu enfrentaria um exército se fosse necessário.

A professora Sakura sorri.

Professora Sakura: É por isso que gosto tanto de você...

A professora Sakura dá um beijo no rosto de Shaoran. O garoto cora violentamente.

Professora Sakura: Se você acredita tanto na força do nosso sentimento, então eu também devo fazer o mesmo. Vamos trabalhar para continuar juntos.
Shaoran: Isso!
Professora Sakura: Só teremos que tomar mais cuidado e...

A professora Sakura nota que haviam duas garotas espiando pela porta entraberta. Ela se move até a porta e a abre, dando de cara com Reiko e Kazuko.

Professora Sakura: O que vocês estão fazendo aqui?
Kazuko: Você devia ter vergonha!

Reiko fica surpresa com o grito de Kazuko. Sua amiga estava com algumas lágrimas nos olhos, embora seu semblante demonstrasse certa raiva.

Kazuko: Você é uma professora! Deve ter o dobro da idade do Shaoran! Como pode abusar dele dessa maneira?
Professora Sakura: Ei! Fale baixo... você entendeu tudo errado...
Kazuko (balançando a cabeça): Eu entendi tudo muito bem!

Kazuko dá um empurrão na professora Sakura e pega a mão de Reiko.

Kazuko: Vamos!
Reiko: M-mas... mas...

As duas meninas saem correndo. Kazuko olha de esgueira para trás e percebe que Shaoran e a professora Sakura estão em seu encalço.

Reiko: Por que você ficou tão agitada assim de repente?
Kazuko: Uma professora e um aluno... isso é muito errado... isso é...

Reiko pára repentinamente e acaba derrubando Kazuko ao puxar seu braço de volta.

Kazuko (se levantando): Por que fez isso?
Reiko: Você não está ouvindo?
Kazuko: Hã?

Kazuko nota que elas haviam ido parar no pátio frontal da escola, próxima a algumas árvores. A menina fecha seus olhos e se concentra, sendo capaz de ouvir um som ao longe.

Kazuko: Mas o que é isso?
Reiko: Eu não sei... parece uma sirene... talvez uma ambulância?
Kazuko: Está aumentando...

O som da sirene vai aumentando progressivamente até se tornar quase ensurdecedor. Reiko e Kazuko tapam suas orelhas para tentar suportar o incômodo do som.

Shaoran: Aí estão vocês...

Shaoran e a professora Sakura haviam alcançado as meninas.

Professora Sakura: Vocês estão bem? Por que estão com as mãos nos ouvidos?
Kazuko: Você não está ouvindo? Ahhh!

O som fica ainda pior. Reiko e Kazuko caem de joelhos, as orelhas começando a sangrar. A professora Sakura se agacha diante delas.

Professora Sakura: Meu Deus! Elas estão sangrando! Vá buscar ajuda, Shaoran!
Shaoran: Certo!

O garoto chinês sai correndo rumo ao prédio da escola. A professora Sakura coloca a mão na testa de Reiko para medir sua temperatura.

Professora Sakura: Você não parece estar com febre... o que você está sentindo? Está doendo em algum lugar? Consegue andar?
Reiko: Dói... dói muito...
Kazuko: Faça parar...
Reiko: Veja...

Reiko aponta para o horizonte. Kazuko fita o lugar que ela estava apontando e percebe um grande clarão se formando. O clarão estava ficando cada vez maior, se movendo pelos prédios e casas e os engolindo. Ninguém parecia estar notando aquele evento estranho a exceção de Reiko e Kazuko.

Professora Sakura: O que vocês estão olhando? Não têm nada lá...
Reiko: A-a luz...
Professora Sakura: Elas estão delirando...

A professora Sakura pega Reiko no colo e coloca Kazuko em suas costas.

Professora Sakura: Aguentem firme... vou levá-las para a enfermaria.

A professora Sakura vai caminhando a passos largos rumo ao prédio da escola. Reiko e Kazuko nada podem fazer além de torcer para que a estranha luz não as pegue.

Kazuko: Mais rápido!
Reiko: Está nos alcançando...

Então tudo fica branco.

Rapaz: Cuidado!

Reiko é puxada para a calçada com força e quase perde o equilibro, mas se mantém de pé. Ela havia sido salva de ser atropelada por um caminhão em alta velocidade.

Rapaz: Você está bem?

Reiko observa mais atentamente o rapaz que havia a salvado e logo o reconhece.

Reiko: Touya?
Touya: Hã? Nós nos conhecemos?
Reiko (sem saber para onde olhar): É... hmmm... bem... obrigada pela ajuda!

Reiko resolve sair correndo sem saber direito para onde estava indo. Touya fica apenas observando, intrigado.

Touya (gritando de longe): Não ande tão avoada! Vai acabar sendo atropelada!

Reiko pára de correr algumas esquinas depois, encostando-se ao lado da vitrine de uma loja de roupas.

Reiko: O que aconteceu? Eu estava na escola, então veio aquele barulho e o clarão e...

Reiko dá uma boa olhada ao redor. Ela conhecia aquela vizinhança, embora estivesse mais sombria e imunda.

Reiko: Esse lugar... parece Tóquio, mas ainda assim é diferente...

Reiko olha para o escuro céu da noite e percebe que haviam poucas estrelas a brilhar. Um pingo cai sobre seu rosto. Mais dois pingos surgem do céu. Logo uma chuva pesada começa a castigar a cidade, acompanhada de fortes ventos. Reiko começa a correr pelas ruas em busca de um lugar que estivesse de portas abertas e que pudesse servir de abrigo.

Reiko: Ai, que frio!

Reiko percebe um homem entrando num prédio e, sem pensar direito, apenas o segue. Ela se surpreende com o ambiente. Havia algumas mesas e cadeiras, algumas mesas de sinuca, algumas jukeboxes e um balcão. Numa das mesas do fundo do lugar havia um casal fumando e conversando baixo, com medo de serem ouvidos. Três homens estavam se divertindo em uma das mesas de sinuca enquanto bebiam suas cervejas. O cheiro de bebida e cigarro que pairava no ar era tão forte que chegava a dar náuseas.

Reiko (murmurando): Onde eu vim parar?

Reiko se surpreende quando uma toalha amarela é jogada sobre sua cabeça. Ela sente alguém enxugar seus cabelos com força, fazendo todo o seu corpo sacudir.

Senhora: O que você estava fazendo nessa chuva, menina idiota?

Reiko se vira e nota que uma senhora um pouco acima do peso e com cabelos presos em duas tranças estava agachada junto dela.

Senhora: Você está bem?

Reiko apenas confirma com um aceno de cabeça.

Senhora: Você está sozinha?

Reiko acena positivamente mais uma vez.

Senhora: Você sabe como voltar para casa?

Reiko balança a cabeça em negação. A senhora suspira, parecendo levemente irritada.

Senhora: Você ao menos sabe falar? Qual o seu nome?
Reiko: R-reiko.
Senhora: Muito bem. Pelo menos o gato não comeu sua língua. Eu me chamo Chiharu Mihara... mas pode me chamar de Madame Mihara. Eu sou dona dessa espelunca que as pessoas gostam de chamar de bar. Não seja lerda... continue a se secar.

Reiko pega a toalha e começa a se secar.

Reiko: O-obrigada pela toalha.
Madame Mihara: Você sabe o telefone da sua casa? Ou sabe ao menos usar um telefone?
Reiko: E-eu não posso voltar...
Madame Mihara: Por que não? Alguma coisa aconteceu? Fizeram algo a você?

Reiko não sabia o que responder, então apenas abaixa a cabeça. Madame Mihara olha para a menina diante de si com pena.

“Ela está achando que eu fugi de casa ou que era maltratada pelos meus pais. Não posso dizer o que realmente está acontecendo. Ela não acreditaria de qualquer maneira. Mas mesmo assim me sinto mal por não contar a verdade...”

Madame Mihara: Entendo... parece que você não têm para onde ir, não é?
Reiko: N-não... não tenho...
Madame Mihara (murmurando): Você me lembra um pouco a mim mesma quando era mais nova...
Reiko (confusa): Como é?
Madame Mihara: Não é nada. Estava apenas pensando alto.

Algumas mulheres com trajes muito reveladores entram no bar e se juntam aos homens na mesa de sinuca. Madame Mihara passa seu braço direito sobre os ombros de Reiko e começa a puxá-la para trás do balcão.

Madame Mihara (acendendo um cigarro): Eu adoraria te dar abrigo, mas isso aqui não é ambiente para uma criança inocente como você... e nem eu sou o tipo de pessoa que você vai querer por perto...
Reiko: Você me parece uma boa pessoa...
Madame Mihara: Você vai aprender com o tempo que as aparências enganam... TAKASHI!

Um homem de cabelos negros e olhos bem fechados surge de uma das portas atrás do balcão. Estava usando um avental branco todo sujo de comida. Ele tropeça no próprio pé e cai no chão diante de Reiko e da madame Mihara.

Madame Mihara (gota caindo): Reiko, esse imprestável é meu empregado. Ele se chama Takashi Yamazaki.
Reiko: Hmmmm.
Madame Mihara (sussurrando no ouvido de Reiko): Você pode confiar nele. Esse idiota não seria capaz de fazer mal a uma mosca mesmo que quisesse...

Takashi se levanta rapidamente, e faz uma reverência.

Takashi: Me desculpe por ser tão estabanado...
Madame Mihara: Tente ser menos atrapalhado... se quebrar alguma coisa, vou descontar do seu salário.
Takashi: Prometo que vou me esforçar!
Madame Mihara (balançando a cabeça): Você sempre promete isso antes de fazer alguma besteira...
Takashi: Bem... em que possa ser útil, senhora?
Madame Mihara: Essa menina está perdida e preciso que você leve ela para o templo Tsukimine.
Takashi: Se ela está perdida, não é melhor procurar a família dela?
Madame Mihara: Você não é pago para pensar, cabeça de vento. Apenas faça o que estou mandando.

Madame Mihara tira uma chave de carro do bolso e joga para Takashi. Dois homens entram no bar e se sentam numa das mesas do fundo do ambiente.

Senhor: Ei! Mihara! Traga seu traseiro gordo aqui e venha nos atender.
Madame Mihara: Já estou indo, traste!

Madame Mihara suspira pesadamente.

Madame Mihara: A menina precisa de um lugar para dormir... o templo é um lugar melhor para ela... e lá com certeza ela vai conseguir boas pessoas para a ajudar.
Takashi (o corpo tremendo num repentino arrepio): Está bem, está bem. Mas por que tinha que ser logo no templo?
Madame Mihara: Não me diga que ainda têm medo das histórias de fantasma do templo...
Reiko: Histórias de fantasmas?
Madame Mihara (com um sorriso maldoso): Dizem que as pessoas que tentam subir a escadaria do templo durante a noite são levadas por fantasmas para pagar por seus erros. Conheço muitas histórias de pessoas que sumiram lá... vocês querem ouvir algumas?
Takashi: Ahhhh! Estamos indo!

Takashi pega Reiko pela mão e começa a arrastá-la para a porta dos fundos. Madame Mihara fica apenas gargalhando enquanto caminha para atender seus novos clientes.

Reiko (acenando com o braço): Obrigada por me ajudar!

Isso é tudo que Reiko consegue dizer antes de ser arrastada para fora. A chuva forte ainda castigava a cidade, então Takashi se protege com uma capa-de-chuva azul que pegara no caminho. Ele corre até o carro, uma caminhonete verde caindo aos pedaços, e consegue abrir a porta, após deixar a chave cair no chão três vezes. Takashi entra no veículo e dá a partida. Então olha para o lado e nota que havia esquecido algo.

Takashi: Cadê a garota?

Reiko estava abraçando o próprio corpo com os braços e se protegendo da chuva embaixo de um grupo de telhas que ficava sobre a porta dos fundos do bar. Takashi corre até Reiko e joga sua capa-de-chuva sobre ela.

Takashi: Vamos, vamos. Não temos a noite toda. Daqui a pouco começa o movimento pesado no bar e a madame Mihara vai precisar de mim.
Reiko: C-certo...

Os dois entram na caminhonete, que acelera com força e derruba algumas lixeiras no seu caminho para a estrada principal. O carro segue pelas ruas em alta velocidade, sempre derrapando perigosamente nas curvas. Com a chuva caindo tão forte, era difícil dizer se Takashi estava realmente enxergando o caminho que estava seguindo ou apenas arriscando sua sorte. Reiko, sentada no banco do passageiro, se encolhe toda, ainda sentindo muito frio.

Reiko: Hmmm... é... bem...
Takashi: O que foi?
Reiko: E-esse lugar para onde estamos indo...
Takashi: Templo Tsukimine.

O corpo de Takashi treme todo só de dizer o nome.

Reiko: Templo Tsukimine... por que a madame Mihara decidiu me mandar para lá?
Takashi: As pessoas do templo têm a fama de sempre ajudar viajantes e crianças perdidas ou orfãs. E eles não cobram nada por isso... é realmente estranho...
Reiko: Eu não acho estranho ajudar as pessoas...
Takashi: Porque você é só uma criança boba. Eles devem ter alguma mina de ouro para manter sempre tanta gente naquele lugar e não cobrar nada.
Reiko: Hmmm... e existem realmente fantasmas por lá?

A caminhonete pára repentinamente e Reiko acaba batendo levemente a cabeça no painel.

Reiko (passando a mão na cabeça): Ai, ai...

Reiko nota que a porta do passageiro fora aberta e que Takashi estava estendendo sua mão para ela.

Takashi: Vamos logo, garota. Já chegamos.
Reiko: C-certo.

Reiko sai do veículo e fica lado a lado com Takashi. Ela fica surpresa. Estava no pé de uma grande montanha coberta por àrvores e arbustos e cortada no meio por uma grande escadaria de tijolos. No topo da montanha era possivel ver uma casa, ou pelo menos a sombra dela. A forma da casa era estranha dando a impressão de ser um daqueles castelos vistos em filmes de terror.

Reiko: Será que está tudo bem chegar tão de repen...

Reiko olha para o lado e percebe que Takashi já havia entrado no carro e acelerava o veículo para longe.

Reiko (agitando os braços no ar, desesperada): Ahhhh! Você não pode me deixar aqui sozinha!

Já era tarde. Takashi não voltaria por nada no mundo. Reiko fica para ali, sozinha. Sua capa-de-chuva vai ficando cada vez mais encharcada por causa da tempestade e o vento frio vai se tornando mais cruel. Era preciso procurar abrigo. Reiko faz menção de subir a escadaria, mas pára no primeiro degrau. Cada som que vinha da vegetação ao redor fazia seu coração bater acelerado.

Menino: Você vai subir?
Reiko: Hoeeeeeeeee!

Reiko leva um susto e dá um pulo. Atrapalhada, acaba caindo sentada no chão. Um menino de cerca de 7 anos com olhos na cor âmbar e usando uma capa-de-chuva amarela estava diante de Reiko. Trazia em suas costas uma mochila grande que parecia estar abarrotada de coisas. Ele estende a mão para ajudar a menina a se levantar.

Menino: Perdão. Eu não quis assustá-la.
Reiko: T-tudo bem... n-não foi nada demais...
Menino: Você está indo para o templo também?
Reiko: S-sim...
Menino: Posso te acompanhar?
Reiko: S-sim...

Então os dois começam a subir as escadarias. Reiko sente calafrios a cada passo dado em meio aquela escuridão, mas de alguma forma estar ao lado daquele menino a deixava reconfortada.

Menino: Então... você veio aqui para procurar abrigo?
Reiko: S-sim. Encontrei uma senhora chamada Mihara e ela me disse para vir aqui.
Menino: Aquela gorda ajudando alguém? Coisa rara de se ver...
Reiko: Você não devia falar assim das pessoas. É errado.
Menino (fazendo cara feia): Você está falando como se fosse minha mãe. Não preciso de sermões. Guarde-os para você mesma.
Reiko (totalmente sem graça): D-desculpa...

Os dois caminham mais um pouco em silêncio. O menino suspira. Não queria ter que aguentar aquele clima ruim até chegar ao topo da montanha.

Menino: Eu me chamo Shaoran. Como você se chama?
Reiko: R-reiko. Pode me chamar de Reiko.
Shaoran: Então, Reiko-senpai... qual a sua história?
Reiko: Senpai?
Shaoran: Sim. Você é mais velha que eu, então tenho que tratá-la com o devido respeito.
Reiko (gesticulando com as mãos): Não, não. Eu me sinto estranha com você falando desse jeito... por favor, me chame apenas de Reiko.
Shaoran: Certo, Reiko-senp... Reiko. Qual a sua história? Fugiu de casa?
Reiko: É... hmmm... bem... é complicado...
Shaoran: Tudo bem. Quando você estiver pronta, você poderá falar sobre isso.
Reiko: Hmmm... e você?
Shaoran: Eu?
Reiko: Sim. Qual a sua história?
Shaoran: Meu tio é responsável pelo templo, então sempre venho passar os fins-de-semana com ele.

“Então por isso ele está com a mochila...”

Shaoran: Ele ajuda os viajantes, mas o que ele mais gosta de fazer é ajudar crianças perdidas e órfãs. Ele já foi uma, então sabe como pode ser sofrido.

Reiko: Entendo... ele têm muitas crianças morando com ele?
Shaoran: No momento têm apenas cinco. Ele sempre as ajuda e procura um lar onde elas possam viver tranquilas e serem amadas. Meu tio é uma grande pessoa.
Reiko: Você parece gostar muito dele.
Shaoran: Sim. Eu quero ser uma boa pessoa como ele quando crescer. Quero fazer as pessoas sorrirem.

Reiko nota um sorriso tímido no rosto de Shaoran.

Shaoran: Eu gosto muito de ajudar no templo... eu sempre tenho muitos amigos para brincar lá e nós aprendemos muitas coisas... todos lá estão sempre felizes, graças ao meu tio.
Reiko: Tenho certeza que se você trabalhar duro, vai conseguir ser uma pessoa tão boa quanto seu tio... e vai trazer alegria para as pessoas ao seu redor.
Shaoran: Eu vou dar o meu melhor!

Reiko e Shaoran se entreolham e sorriem.

Shaoran: Você parece ser uma pessoa muito legal, Reiko-senpai. Fico feliz de ter te conhecido.
Reiko: Eu também, Shaoran.
Shaoran: Bem... chegamos!

Eles estavam diante de um grupo de três casas rústicas bem ao estilo oriental tradicional. Eram bem coladas uma na outra e haviam antenas e caixas velhas em seus telhados. Vistas de perto, não apreciam tão assustadoras. Então Reiko percebe um enorme casa alguns quilometros mais a frente, quase que completamente coberto pelas árvores. Aquele devia ser o real templo, e as casas onde estavam deviam ser dormitórios.

Reiko: As luzes estão apagadas... todos devem estar dormindo...

Shaoran e Reiko se abrigam embaixo do telhado e retiram suas ensopadas capas de chuva, largando-as num varal próximo. Eles tiram seus sapatos e abrem uma das portas de correr para entrar na casa central.

Shaoran: Wow.

Shaoran defende um golpe com sua mochila e rola no chão, se afastando da porta. Uma garota de cabelos ruivos usando um kimono preto estava atacando ferozmente com uma shinai. A garota tenta um golpe rasteiro, mas Shaoran se esquiva com um salto. Duas cadeiras são derrubadas no processo. Em seguida ela tenta um golpe pelo alto e Shaoran se esquiva com uma cambalhota. Um vaso de planta acaba derrubado e seus cacos espalhados pelo chão. Reiko fica muita aflita e resolve se aproximar da garota para tentar conversar, mas acaba levando um golpe na cabeça. Ela cambaleia e cai sentada no chão. As luzes do ambiente são acesas repentinamente e um senhor com um longo cabelo preto preso num rabo-de-cavalo surge para apartar a briga.

Senhor: AMANE! PARE JÁ COM ISSO!

A garota ruiva obedece e abaixa sua shinai. O senhor corre até Reiko e a ajuda a se levantar.

Senhor: Você está bem, menina?
Reiko (passando a mão na cabeça): N-não se preocupe... estou bem...

“Minha irmã me dá um cascudo todas as manhãs, então acho que estou ganhando imunidade a golpes na cabeça...”

Shaoran corre até o senhor e o abraça.

Shaoran: Tio Hideki!
Hideki: Shaoran! Você devia ter me ligado avisando que estava chegando. Eu teria ido te buscar na estação.
Shaoran: Eu queria fazer uma surpresa, mas acabei surpreendido pela Amane.

Amane abraça Shaoran e bagunça os cabelos dele.

Amane: Vejo que você andou praticando seus movimentos, Shao-Shao. Mas ainda está longe de estar no mesmo nível que eu.
Shaoran (se afastando do abraço): Você sabe que eu odeio quando você faz isso, prima. E desde quando você recebe visitantes desse jeito?
Amane (sorrindo): Poderia ser um ladrão, não é?
Shaoran: Isso é um templo, não um dojo.
Hideki: Sua prima e eu vamos ter uma conversa séria sobre esses ataques... já é a segunda visita que ela ataca hoje...
Shaoran: Segunda visita?

E então todos notam que Kazuko Nishimura estava parada na porta do cômodo, apenas observando o desenrolar da situação. Ela tinha um pequeno curativo na cabeça.

Reiko: Kazuko?

Após as devidas apresentações, todos se reúnem numa sala para tomar chá. Era um lugar um pouco apertado, com portas de correr em ambos os lados. Amane estava servindo chá para todos.

Hideki: Então vocês duas se conhecem?
Reiko: Sim.
Kazuko: Nós meio que nos perdemos uma da outra quando chegamos aqui...

Kazuko pisca discretamente para Reiko.

Reiko: É... foi isso.
Hideki: Vocês são bem-vindas para passar a noite aqui... mas eu gostaria de saber onde estão suas familias.
Reiko: É complicado de explicar...

Passos são ouvidos e Reiko vê uma sombra se movimentar por trás de uma porta. Após alguns instantes a sombra desaparece. Hideki olha fixamente para o tapa-olho de Reiko.

Hideki: Vocês não precisam ter medo... se seus pais maltratavam vocês, nós vamos garantir que...
Reiko: Não é nada disso!

Reiko havia se levantado de repente.

Reiko: Meus pais nunca me machucariam! Minha mãe me ensinou tudo que sei e meu pai sempre buscou ser forte para me proteger! Eu amo muito os dois e devo tudo a eles!

Reiko nota que todos estavam olhando para ela, confusos com aquela reação repentina.

Amane: Acho que eu bati forte demais na cabeça da coitada...

Reiko se senta novamente, um pouco sem graça.

Reiko: D-desculpa... e-eu não tinha a intenção de gritar...
Hideki: Amane, será que você poderia se certificar que as outras crianças estão dormindo? Não quero ninguém perambulando por aí a essa hora da noite.

Amane se levanta e deixa a sala por uma das portas laterais.

Reiko (colocando a testa no chão): Desculpa, desculpa, desculpa. Eu não queria acordar ninguém, nem trazer problemas.
Hideki: Está tudo bem. Faz muito bem para alma poder expressar seus sentimentos desse jeito.
Reiko: C-certo...

Reiko nota novamente uma sombra se movimentar por trás da porta. Instantes depois, ela desaparece em silêncio.

Kazuko: Nosso problema é meio complicado de explicar...
Hideki: Se você contar em detalhes, talvez eu possa ajudar a encontrar uma solução.
Kazuko: Nós precisamos encontrar uma pessoa... e talvez só essa pessoa possa nos ajudar. Você conhece uma garota chamada S...

A sombra surge novamente atrás da porta, dessa vez chamando a atenção de Hideki.

Hideki: Sakura! Pare de se esconder!

Reiko, Shaoran e Kazuko olham para a porta que Amane deixara entreaberta e notam que ali havia uma menina de 5 anos e belos olhos verdes usando um pijama rosa. Ela estava abraçada a um ursinho de pelúcia e olhava timidamente para as pessoas presentes na sala. Hideki abre seus braços.

Hideki: Seja educada, querida. Venha aqui e se apresente para as visitas.

Sakura corre até Hideki e se joga em seus braços.

Hideki: Vamos lá, querida. Se apresente para as visitantes. Elas querem muito ser suas amigas.

Sakura apenas esconde parcialmente seu rosto com a camisa de Hideki, olhando de Kazuko para Reiko, curiosa.

Kazuko (murmurando): Essa não... estamos em apuros...
Hideki (apontando para Kazuko e Reiko): Essa menina se chama Kazuko e essa aqui se chama Reiko. Meninas, essa é uma das órfãs que eu cuido aqui. Ela se chama Sakura.
Reiko: É uma menina muito fofinha.

Sakura cora e cobre todo o rosto com a camisa de Hideki.

Hideki: Ela está conosco desde que tinha três anos. Infelizmente seus pais perderam a vida num acidente de carro e ela não fala uma palavra desde então.

Os olhos de Shaoran e Sakura se encontram por um momento. O garoto sorri para a menina.

Shaoran (acenando): Oi, Sakura. Há quanto tempo.

Sakura larga Hideki e sai correndo da sala.

Shaoran: Hã? Eu fiz alguma coisa errada, tio? Achei que nós estivessemos começando a nos dar bem...
Hideki: Não se preocupe, Shaoran. Sakura é uma menina muito reservada. Leva tempo para conseguir se aproximar dela... mas tenho certeza que ela gosta muito de você.
Shaoran (parecendo ganhar ânimo): É mesmo?
Kazuko (parecendo levemente irritada): Não precisa ficar tão animadinho...
Shaoran: Você disse alguma coisa, Kazuko-senpai?
Kazuko (sorrindo sem graça): Nada não. Estava apenas pensando alto...

“É impressão minha ou isso foi uma cena de ciúmes?”

Sakura volta correndo para a sala e pára diante de Shaoran. Ela estende seus braços, oferecendo uma folha de papel para o garoto.

Shaoran: Isso é para mim?

Sakura acena positivamente com a cabeça. Shaoran pega a folha e nota que havia dois bonecos desenhados nela. Eles estavam sentados num gramado colhendo flores e colocando numa cesta.

Shaoran: Que demais! Você desenhou o nosso ultimo passeio juntos. Ficou muito legal, Sakura. Obrigado.

Sakura abre a boca como se fosse dizer algo, atraindo a atenção de todos.

Shaoran: Você quer falar alguma coisa, Sakura?

A menina se esforça, derrama algumas gotas de súor, mas não consegue dizer uma palavra. Por fim, ela resolve abraçar Shaoran.

Shaoran: Continue se esforçando, Sakura. Eu sei que você vai conseguir... e quero estar por perto quando você finalmente falar para poder ouvir a sua voz...

Sakura fica muito vermelha, desfaz o abraço e sai correndo da sala. Hideki suspira, desapontado.

Hideki: Ainda não foi dessa vez... bem... o que vocês estavam dizendo antes de serem interrompidas, meninas?
Kazuko: Hã? Bem... é que...
Reiko: Você conhece alguém chamado Clow?

Kazuko olha surpresa para Reiko. Não esperava que a menina a interrompesse. Ela também estava confusa quanto ao nome que Reiko perguntara. Elas não estavam atrás da Sakura?

Shaoran: Clow?
Hideki: Onde você ouviu esse nome?
Reiko: Precisamos da ajuda dele.

Hideki fica observando Reiko por alguns instantes. Parecia ligeiramente incomodado.

Hideki: Então seu problema envolve magia?
Reiko: Sim. Precisamos dos conselhos de um feiticeiro poderoso. Você sabe onde podemos encontrar Clow Reed?
Hideki: Você não pode. Clow Reed morreu anos atrás.
Reiko: Entendo...

Reiko bebe mais um gole do seu chá.

Reiko: E quem herdou suas cartas mágicas?
Hideki: Eu não sei. Nós não sabemos nada deste mundo mágico em que vocês se envolveram. Feiticeiros foram banidos do Japão anos atrás. Não há mais nenhum por aqui.
Reiko: Nenhum feiticeiro? Mas o que aconteceu? Você sabe onde podemos encontrar um feiticeiro?
Hideki: Não. Não sei.
Shaoran: Mas tio...
Hideki: Nós não sabemos.

Hideki lança um olhar firme para Shaoran, fazendo o garoto se calar. Em seguida, ele se levanta abruptamente.

Hideki: Vocês podem dormir aqui por hoje, mas devem partir amanhã. Não quero que vocês atraiam problemas para o templo.
Shaoran: Tio!
Kazuko: Está tudo bem. Não queremos causar problemas. Ficamos gratas pela hospitalidade.
Hideki: Obrigado por entenderem. Pedirei a Amane que prepare um quarto para vocês...

Após tomar um banho e trocar de roupas, Reiko e Kazuko vão para um quarto de hóspedes. Amane oferece dois futons para as meninas. Mesmo com a casa toda fechada, o ar ainda estava muito frio, então um aquecedor foi ligado.

Reiko e Kazuko se deitam, mas nenhuma delas consegue realmente dormir. Elas ficam olhando para o teto, pensativas. Após algumas horas, Kazuko resolve falar.

Kazuko: Você está acordada?
Reiko: S-sim.
Kazuko: Posso te perguntar uma coisa?
Reiko: Sim.
Kazuko: Eu pensei que nós estávamos atrás da Sakura para nos ajudar... por que você perguntou sobre o tal Clow?
Reiko: Você nunca ouviu falar dele?
Kazuko: O nome me parece familiar... mas não sei quem ele é.
Reiko: Clow Reed foi o feiticeiro mais poderoso da Terra há muito tempo atrás. Ele criou as cartas mágicas conhecidas como cartas Clow.
Kazuko: Cartas Clow?
Reiko: Isso. A Sakura herdou as cartas e as converteu com sua magia, criando as cartas Sakura.
Kazuko: Ah. Então são aquelas cartas que ela usa nas batalhas dela... mas colocar o próprio nome nas cartas é meio estranho, não?
Reiko: Eu acho legal... eu gostaria de um dia criar as cartas Reiko...
Kazuko: Mas você não possui magia, não é?

Momentos de silêncio.

Kazuko: Desculpa... acho que disse uma coisa ruim...
Reiko (o tom de voz mostrando um pouco de tristeza): T-tudo bem. Você apenas disse a verdade.
Kazuko: Então... o novo plano é encontrar Clow?
Reiko: A Sakura deste mundo é muito nova e não tem como nos ajudar. Pensei que Clow talvez pudesse estar vivo, mas não demos sorte...
Kazuko: Então vamos ter que procurar por outro feiticeiro...
Reiko: Vai ser difícil por causa dessa restrição a feiticeiros no Japão, mas talvez ainda exista algum escondido por aqui...
Kazuko: É... talvez...

As duas meninas voltam a ficar quietas. Kazuko fica observando, através de uma janela, o vento guiar o galho de uma árvore em movimentos aleatórios.

Reiko: K-kazuko?
Kazuko: Sim.
Reiko: Eu posso te perguntar uma coisa?
Kazuko: Claro.
Reiko: Você gosta do Shaoran?

Kazuko se engasga com a própria saliva e começa a tossir. Reiko ajuda a amiga a se sentar e se acalmar.

Reiko: Você está bem?
Kazuko: Sim... por que você perguntou aquilo?
Reiko: Bem... você abraçou o Shaoran com muito entusiasmo quando estávamos na escola e ficou muito irritada quando descobriu a relação da professora com ele. E agora há pouco você parecia estar com ciúmes da relação entre Shaoran e Sakura.
Kazuko: Entendo...
Reiko: Então... você... hmmm... você gosta dele?
Kazuko (corando): Não é que eu não goste... nem que eu goste desse jeito... é que... bem... é complicado...
Reiko: Você não pode ficar com ele.

Kazuko olha, surpresa, para Reiko.

Kazuko: Como é?
Reiko: Shaoran e Sakura estão destinados a ficarem juntos. Você me parece uma pessoa boa e eu não quero que você se machuque tendo falsas esperanças...
Kazuko: Como você pode ter tanta certeza que o destino deles é ficarem juntos?
Reiko: Eu... hmmm... eu apenas sei.
Kazuko: Hmmm. Você parece saber muito sobre a vida de Sakura. Pensando bem... lá na escola você ficou muito abalada quando viu que Sakura e Shaoran tinham idades diferentes e poderiam não estar juntos... e eu me lembro de você ter escrito sobre algumas coisas que você percebeu que estava fora do lugar... e quando você se referiu a casa dos Kinomoto, você disse “antiga casa dos Kinomoto” como se eles não vivessem mais lá... como você sabe dessas coisas?

Kazuko lança um olhar firme para Reiko e fica aguardando uma resposta. Reiko olha para as paredes do quarto, como se estivesse procurando uma resposta.

Kazuko: E então?
Reiko: Eu sei essas coisas porque creio que o meu presente... é o seu futuro.
Kazuko: O que? Como assim?
Reiko: Eu falei de viagens no tempo, lembra?
Kazuko: Sim. Você disse que a data do jornal estava errada. Eu me lembro disso.
Reiko: O que quer que tenha misturado as realidades, também afetou a linha do tempo. Por isso eu vim parar nessa situação.
Kazuko: Então você é do futuro?
Reiko: Nós temos muitas realidades sendo misturadas aqui, algumas que provavelmente não vimos ainda, mas acredito que o futuro da onde vim se refere a sua realidade... a realidade que é a fonte dos problemas...
Kazuko: Entendo... então Sakura e Shaoran ficam juntos?
Reiko: S-sim. E se tornam muito... muito fortes juntos.
Kazuko: E eles se tornaram famosos?
Reiko: Eles são citados em alguns livros de magia... assim como Clow Reed...
Kazuko: E qual sua relação com eles?
Reiko: Hmmm... bem... eu herdei as cartas Sakura.
Kazuko: Você herdou?
Reiko: Não exatamente eu... minha irmã herdou, mas eu sempre procuro ajudá-la.
Kazuko: E como é o f...
Reiko: Por favor, pare!

Reiko tapa a boca de Kazuko.

Reiko: Eu já falei demais... não posso ficar falando do futuro... isso... isso pode complicar as coisas...
Kazuko: Entendo. Tudo bem. Não vou forçar você a nada que não queira. Só tenho mais uma pergunta.
Reiko: E qual é?
Kazuko: Por que você usa esse tapa-olho no seu olho direito?
Reiko (parecendo incomodada): Bem... é que...
Shaoran: Reiko-senpai? Kazuko-senpai? Vocês estão acordadas?

Shaoran havia aberto a porta do quarto silenciosamente.

Kazuko: Estamos sim. Algum problema?
Shaoran: Eu vou ajudar vocês!
Reiko: Hoe? Como assim?
Shaoran: Nós sabemos onde vive uma feiticeira... meu tio a mantém escondida para protegê-la, mas eu confio em vocês. Tenho certeza que não farão nenhum mal a ela.
Kazuko: Ela está muito longe daqui?
Shaoran (balançando a cabeça): Não. Ela fica escondida nos fundos do templo. Não é muito longe daqui.
Reiko: Nos ajudar vai causar problemas para você, Shaoran.
Shaoran: Não se preocupem comigo. Não seria a primeira vez que desobedeço meu tio. Eu me entendo com ele depois.
Kazuko: Você tem certeza que quer fazer isso pela gente?
Shaoran (sorrindo): Claro.
Kazuko: Muito obrigada!

Kazuko abraça Shaoran carinhosamente como forma de agradecimento. Ela o larga, segundos depois, ao levar um chute no tornozelo.

Kazuko (passando a mão no tornozelo): Ai, ai, ai.

Kazuko nota que Sakura estava parada ao lado de Shaoran. A menina encarava Kazuko com uma cara fechada.

Reiko (rindo): Acho que a Sakura não é muito sua fã, Kazuko.
Shaoran: Sakura... você não devia fazer isso com as visitas. Isso é mal.
Kazuko: Tudo bem, Shaoran. Já passou. Acho que entendo o que ela está sentindo...
Shaoran: Hã? Como assim?
Kazuko: Nada. Deixa para lá.
Shaoran: Bem... se formos agora, podemos voltar antes do amanhecer.

Sakura segura firme a mão de Shaoran. O rosto da menina fica mais vermelho que tomate, mas mesmo assim ela não retrocede.

Shaoran: O que foi, Sakura?
Reiko: Eu acho que ela quer vir com a gente. Certo?

Sakura acena positivamente com a cabeça.

Shaoran: Vai estar frio lá fora... e eu não quero que você se meta m problemas por minha causa.

Sakura segura a mão de Shaoran com mais força.

Shaoran: Ai. Tá bom, tá bom. Você pode vir com a gente. Vou buscar casacos e capas-de-chuva...

Em cinco minutos, os quatro jovens estavam caminhando pela floresta da montanha, se protegendo como podiam da força do vento e da chuva. Shaoran parecia conhecer muito bem aquela região e guiou seus amigos pelo caminho mais rápido e seguro possível. Sakura seguia segurando a mão de Shaoran e olhando de esgueira para Kazuko.

Kazuko (suspirando): Juro que ela se ela não fosse tão fofinha, eu já tinha devolvido aquele chute... mas quando tudo voltar ao normal, você vai ver.

Sakura apenas mostra sua língua para Kazuko.

Reiko (rindo): Vocês duas são muito engraçadas juntas...
Shaoran: Parem um pouco, por favor.

As meninas notam que haviam chegado ao famoso templo Tsukimine. Havia um caminho de pedras cercadas por grandes arcos de madeira. Ao redor haviam várias estacas de madeira fincadas no chão. Diversos fios ligavam essas estacas e nesses fios estavam presas algumas tradicionais lanternas esféricas japonesas, a maioria delas apagada. O caminho levava as portas principais do templo. As portas eram feitas de madeira e metal e eram gigantes. Mesmo fechadas, elas rangiam castigadas pelos fortes ventos. Nas paredes frontais do templo haviam alguns vãos onde os fiéis acendiam suas velas e rezavam. No momento, todas as velas ali estavam apagadas.

Kazuko (murmurando): Ele está bem diferente do que me lembro...
Reiko: Podemos entrar?
Shaoran: Na verdade, não.
Kazuko: Por que?
Shaoran: A feiticeira está escondida numa sala nos fundos do templo. É uma sala secreta e não existe acesso por dentro do templo. Só existe uma única entrada.
Kazuko (suspirando): Sabia que estava fácil demais...
Shaoran: Já recuperaram o fôlego? Vamos dar a volta.

Os quatro seguem por um caminho a direita do templo e escalam uma pequena pilha de pedras. Durante a escalada, Shaoran coloca Sakura em suas costas. A menina enlaça o pescoço do amigo com seus braços.

Shaoran: Arghhh. Não aperta tanto, Sakura. Assim você vai me sufocar.

O grupo chega ao topo da pilha e então caminha alguns metros por uma planície deserta. Minutos depois, chegam a um precipício. Sobre ele havia uma ponte de madeira que sacudia bastante com a ventania da tempestade.

Reiko: V-você quer que a gente atravesse isso?
Shaoran: Não precisa ter medo. Essa ponte está aí há anos e sempre se manteve firme e forte. Não é qualquer tempestade que vai derrubá-la.
Reiko: De alguma forma isso não foi muito encorajador...

Reiko e Sakura estavam temerosas, olhando para a ponte.

Kazuko: Têm certeza que não existe outro caminho?
Shaoran: Não existe.
Kazuko: Então acho melhor desistirmos dessa ideia e...
Shaoran: Eu vou na frente para provar que está tudo bem.
Kazuko: Espera!

Mas Shaoran já tinha ido. O garoto se segura nas cordas de sustentação e vai avançando pela ponte, um passo por vez. A cada passo, as tábuas de madeiras que formavam a ponte rangiam com mais força. No meio do caminho, Shaoran pára para acenar para as amigas.

Shaoran: Viram? Completamente seguro.

Muito cedo para falar. Uma das tábuas se parte e o pé direito de Shaoran afunda. O garoto estava preso.

Reiko: Shaoran!

Reiko faz menção de pisar na ponte, mas não tem coragem. Ela sente todo o seu corpo tremendo e não era de frio. Kazuko empurra Sakura para os braços de Reiko. Sakura se debatia, tentando se livrar e correr para ajudar Shaoran.

Reiko: S-sakura?

“Ela não está com medo... tudo que ela consegue pensar é em ajudar aquele que ama... por que eu não consigo ser assim? Por que eu sou tão fraca?”

Kazuko: Cuide da menina.
Reiko: O-o q-que você vai fazer?
Kazuko: Salvar o Shaoran, é claro!

Antes que Kazuko possa fazer algo, as cordas de sustentação se rompem e a ponte desaba. Shaoran se vê em queda livre rumo a escuridão do fundo do precipício.

Reiko: SHAORAN!

Por instinto, Kazuko simplesmente se joga no precipício atrás de Shaoran.

Reiko: KAZUKO!

Sakura cai de joelhos, lágrimas se misturando as gotas de chuva em seu rosto.

Reiko: Não... não pode ser...

Reiko também estava aos prantos. Ela caminha lentamente até a beirada do precipício. Repentinamente Kazuko e Shaoran mergem da escuridão voando. A menina tinha grandes e belas asas brancas em suas costas.

Reiko: Kazuko! Shaoran!

Os dois pousam alguns metros mais afastados da beirada. Estavam vivos e sem nenhum ferimento.

Sakura: Shaoran!

Sakura sai correndo e se joga nos braços de Shaoran. Eles acabam perdendo o equilíbrio e ficando de joelhos.

Shaoran: S-sakura? Você falou?
Sakura: Sakura já perdeu a mamãe e o papai dela... Sakura não quer perder mais ninguém que gosta...
Shaoran (retribuindo o abraço): Eu não vou a lugar algum.
Sakura: Você promete?
Shaoran: Eu prometo.

Shaoran e Sakura se surpreendem quando Reiko os abraça abruptamente. As lágrimas não paravam de escorrer pelo seu rosto.

Shaoran: Reiko-senpai? Você está bem?
Reiko: Sim...
Shaoran: Por que está abraçando a gente?
Reiko: Eu? É que... hmmm... eu senti vontade de fazê-lo... minha irmã sempre me disse que sou muito emotiva...

Reiko se afasta, um pouco sem graça pelo que fizera. Sakura enxuga as lágrimas de Reiko com suas pequeninas mãos.

Sakura: Sakura está tão feliz quanto Reiko.
Reiko: É... eu acho que sim...

As duas meninam trocam sorrisos. Shaoran se levanta e fica admirando as asas de Kazuko.

Shaoran: Que legal! Você pode usar magia!
Kazuko (corando levemente): Você acha legal?
Shaoran: Sim!
Reiko: Você consegue nos levar até o outro lado do precipício?
Kazuko: Eu não controlo muito bem essas coisas que consigo fazer... mas acho que se eu levar um por um eu consigo...

E então Kazuko leva seus amigos voando para o outro lado do precipício um a um. Assim que termina as viagens, suas asas desaparecem, como se soubessem que o trabalho elas estava concluído. O grupo caminha mais alguns instantes e finalmente chega aos fundos do templo. Não havia nenhuma porta ali, apenas uma grande parede de pedra e concreto.

Kazuko: Eu pensei que você tinha dito que ela fica numa sala nos fundos do templo...

Shaoran empurra uma pedra no chão, bem como algumas folhas, e revela a porta de um porão.

Shaoran (piscando): Eu disse que era secreta, não disse?

Com um pouco de esforço, Shaoran, Kazuko e Reiko conseguem abrir a porta do porão. Havia uma escadaria de pedra que se perdia em meio a escuridão.

Reiko: É... é meio escuro, não é?

Repentinamente, dezenas de velas nas paredes acendem, indicando o caminho. Sakura leva um susto e se esconde atrás de Reiko.

Shaoran (suspirando): Odeio quando ela faz isso. Vamos. Ela deve estar nos esperando.

O grupo desce as escadas e passa por um apertado corredor até chegar numa sala oval. Era um lugar simples e pouco mobilidado, havendo apenas uma capa e um armário. No meio da sala havia uma pequena mesa de madeira, onde havia algumas xícaras cheias de chá e alguns biscoitos. Sentada diante da mesa havia uma mulher usando um vestido cinza e um chapéu pontudo preto. Possuia longos cabelos negros e suas feições pareciam um pouco estranhas, visto que não possuía sobrancelhas. Shaoran caminha até ela e a cumprimenta, voltando-se pra seus amigos em seguida.

Shaoran: Pessoal, essa é minha tia Sonomi, a última feiticeira do Japão.

Kazuko e Reiko fazem uma reverência. Sakura fica apenas observando a mulher, curiosa.

Sakura: Algum bicho comeu a sobrancelha dela!
Shaoran: Sakura!
Sonomi (gota caindo): Isso foi um acidente com um feitiço anos atrás... um dia vou conseguir fazer elas crescerem de novo...

Sonomi pigarreia.

Sonomi: Reiko. Kazuko. Por favor, sentem-se.

Reiko e Kazuko se entreolham, surpresas. As duas prontamente se sentam. Sonomi faz um sinal e Shaoran e Sakura se sentam também.

Kazuko: Como sabe nossos nomes?
Sonomi: Sirvam-se de chá. Os biscoitos também estão deliciosos.
Sakura (mastigando um dos biscoitos): Sakura gostou dos biscoitos!
Kazuko: Você não respondeu minha pergunta.
Reiko: Kazuko... não precisa ser rude...
Sonomi: Está tudo bem. Eu também ficaria intrigada se estivesse na situação dela.

Sonomi sorri gentilmente para as meninas.

Sonomi: Durante meus estudos, eu descobri uma anomalia no tempo e espaço. Quando pesquisei a fundo, fiquei ainda mais surpresa quando percebi que diversas realidades estavam se misturando aleatoriamente.
Reiko: E-então você sabe?
Sonomi: Sim. Eu sei que as coisas estão fora do lugar, embora não consiga precisar quais. É tudo culpa da magia do caos.

Sonomi mostra um estranho tabuleiro para as meninas.

Reiko (olhando surpresa para o tabuleiro): O Rashinban!
Kazuko: Rashi o que?
Reiko: É o tabuleiro mágico que era usado para encontrar as cartas Clow.
Sonomi: Quando os feiticeiros fugiram às pressas durante o expurgo, esse item acabou ficando para trás.

Reiko observa mais atentamente o tabuleiro. Havia um globo de luz flutuando no meio dele. Parecia representar o planeta Terra.

Reiko: Ele parece modificado.
Sonomi: Muito perspicaz, jovem Reiko. Ele foi modificado por alguém para mostrar os níveis de magia que afetam nosso plano.
Reiko: Entendi... então a concentração de magia do caos está acima do normal... isso certamente geraria um monte de problemas...
Kazuko (erguendo a mão): Será que vocês poderiam falar na minha língua para eu também entender?

Shaoran e Sakura também não estavam entendendo nada, mas preferiam apenas se manter como ouvintes enquanto comiam e bebiam a vontade.

Sonomi: Em algum ponto a magia do caos se acumulou e gerou uma fenda, uma anomalia no tempo e espaço. Enquanto esta fenda estiver aberta, as realidades vão continuar instáveis e os eventos vão continuar se misturando.
Kazuko: E vocêpode fechar essa fenda?
Sonomi: Receio que não. Não sou poderosa o bastante.
Kazuko: Mas se a senhora não puder nos ajudar estaremos perdidas... as outras pessoas que poderiam nos ajudar ou estão mortas...

Kazuko olha brevemente para Sakura.

Kazuko: ... ou são novas demais para isso.

Sonomi também olha para Sakura. A menina retribui o olhar e sorri.

Sonomi: Eu entendo sua situação e sinto muito mesmo, mas receio que não possa fazer nada a respeito.
Kazuko (com um olhar triste): Desse jeito nunca vamos poder voltar para casa...
Reiko: Talvez...

Kazuko e Sonomi olham para Reiko. A menina estava com a mão no queixo, ostentando um olhar pensativo.

Kazuko: Talvez o que? Você tem alguma ideia?
Reiko: Bem... seria apenas um chute...
Kazuko: Não importa. Temos que tentar de tudo.
Reiko: A carta Tempo.
Kazuko: Como é?
Sonomi: Você está falando das cartas Clow?
Reiko: Bem... no nosso mundo elas já pertencem a outra feiticeira... mas, sim, estou falando delas. Acredito que a carta Tempo possa fechar essa fenda criada pela magia do caos. Mas nós precisaríamos de sua ajuda para usá-las.
Sonomi: Eu tentaria ajudar com certeza...
Kazuko: Oba! Então ainda temos esperança.
Sonomi: ... mas não faço ideia da localização atual das cartas Clow.
Kazuko (desapontada): Ahhhh...
Reiko: Entendo...

Sonomi se serve de uma xícara de chá.

Sonomi: E ainda existe outro impecilho...
Reiko: Qual?
Sonomi: Precisaríamos saber onde a fenda está para fechá-la. Embora sua localização provavelmente não mude quando as realidades se misturem, não será fácil localizar a fenda. Não conheço muitos feitiços que possam nos auxiliar.
Reiko (cabisbaixa): Isso realmente é um problema...
Sonomi: Mas se vocês pertencem ao mundo original, ao mundo onde a anomalia começou, talvez haja uma esperança.
Reiko: Como assim?
Sonomi: Vocês podem ter passado por essa anomalia e não deram atenção a ela... ela podia ser apenas uma pequena sensação estranha na época... se vocês se lembrarem, podemos achar a fenda mais rápido.
Reiko: S-sinto muito. Eu não posso ajudar. Não possuo magia. Não poderia sentir nenhum tipo de aura mágica nem se quisesse...
Sonomi: Você não, mas a sua amiga sim.
Kazuko: O que?
Sonomi: Eu posso afirmar que você não é uma garota normal só de te olhar, jovem Kazuko. Mesmo que você não saiba muito sobre seus dons, você possui uma magia poderosa em seu corpo.
Kazuko: Eu não posso...
Reiko: Por favor, Kazuko...
Kazuko: Eu não quero aprender a controlar isso... eu quero ser apenas uma garota normal.
Sonomi: Você não precisa aprender a controlar nada... apenas se concentre em suas memórias. Você se lembra de ter visto algo peculiar ou sentido algo estranho...?
Kazuko: Eu estudo no mesmo colégio que a Sa... quer dizer... que a nossa amiga feiticeira. Coisas estranhas são constantes perto dela. Sinto muito.
Reiko: Tudo bem. Pelo menos você tentou...
Sonomi: Bem... então podemos tentar fazer contato com alguns conhecidos meus para pelo menos procurarmos pelas cartas Clow.
Reiko: Se não for muito incômodo, gostaríamos de contar com sua aj... arghhhhh!

Reiko leva as mãos aos ouvidos e começa a gritar de dor. Shaoran e Sakura se levantam, assustados e tentam acalmá-la.

Shaoran: Reiko-senpai!
Sakura: Está doendo em algum lugar? A Sakura pode ajudar?

Os dois olham para o lado e notam que Kazuko estava rolando no chão, também se contorcendo de dor. Seu ouvido começara a sangrar.

Kazuko: Reiko! É aquele som!
Reiko: É muito doloroso!
Kazuko: Está acontecendo de novo!
Sonomi: O que houve, meninas? O que está acontecendo de novo?

Reiko, com muito custo, se levanta, se apoiando na parede.

Reiko: A realidade... arghhh... a realidade está mudando de novo...
Kazuko: Reiko... veja!

Kazuko aponta para o corredor por onde haviam entrado. Ele estava começando a ser tomado por uma brilhante luz.

Reiko: Vocês não conseguem ver ou ouvir...?
Sonomi: Não... por algum motivo vocês são as únicas que estão a parte das mudanças provocadas pela anomalia... só vocês sentem os efeitos das mudanças...
Kazuko: Que sorte a nossa, não é?
Sonomi: Escutem com atenção. Encontrem os itens mágicos da herdeira de Clow e...

O clarão se intensifica e tudo fica branco.

(CONTINUA...)


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O capitulo foi dividido em partes por causa do tamanho.

Curiosidades:

— Gochisou sama é uma expressão usadas pelos japoneses após a refeição e pode ser traduzida como "obrigado pela comida (que acabei de comer)".
— Onee-chan / Nee-chan significa irmã mais velha.
— Senpai é uma forma de respeito para uma pessoa mais velha que você ou com mais experiência. Geralmente é usado em escolas e clubes para demonstrar uma certa hierarquia entre os alunos.
— Shinai é uma espada de bambu feita para praticar artes marciais sem causar grandes lesões ao adversário.
— Futon é o tradicional colchão japonês.