Constelações escrita por Mitzrael Girl


Capítulo 3
Serpentário




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Constelações

Serpentário

A primeira coisa na qual podia pensar – se é que realmente o podia – era em abrir os olhos e sair daquela escuridão, que estranhamente lhe parecia cansativa. Entretanto, apenas pensar naquele simples movimento fazia seus olhos doerem, como se há muito já estivessem fechados. E pensando daquele jeito… há quanto tempo não os abria?

Depois de um esforço que lhe pareceu sobre-humano para um simples ato, conseguiu finalmente abrir os olhos. O lugar ao redor lhe era completamente estranho… as paredes claras demais e talvez um lugar pequeno demais para o quarto que já conhecia de seu apartamento. Se apenas abrir os olhos tinha sido um ato cansativo, mover o resto do corpo estava fora de questão por enquanto, então, deixou apenas que seus orbes dourados revistassem o quarto até onde conseguiam. As imagens ainda estavam um pouco embaçadas, e então, parou os olhos sobre alguém que estava perto do que parecia ser a janela. A pessoa estava de costas e puxava a cortina para o lado, deixando uma luz noturna invadir o quarto. A imagem lhe era ligeiramente familiar, os cabelos pretos presos num coque baixo, estatura mediana, magra… ou era o que seus olhos estavam lhe mostrando.

– Quem… quem é você…? – a voz saiu de sua garganta com tanto esforço, que ao falar aquilo, achou que o som realmente não tinha saído de sua boca.

Fechou os olhos, na intenção apenas de piscá-los, mas o ato foi tão demorado que ao abri-los, a pessoa já estava bem diante de si… e não era a mesma pessoa que imaginara ter visto. Agora, de tão perto, conseguia notar o vermelho dos cabelos presos em dois rabos-de-cavalo baixos, passando por cima dos ombros estreitos.

– Meu Deus… eu não acredito nisso…! – a voz feminina soou baixo, e a mulher virou-se para olhar alguma coisa bem ao lado da cama em que ele estava deitado. – Você… você realmente… pelos deuses! Isso é quase impossível!

– Eu… não conheço você. – ele continuou a falar, mesmo com esforço, era como se pudesse se acostumar àquilo de novo. – O que aconteceu? Onde… onde eu estou…?

– Acalme-se, Sesshoumaru-sama… nós precisamos fazer uns exames com você. Faz um bom tempo agora que esteve dormindo, hein. – ela disse, segurando o braço dele para sentir a pulsação.

– O que… está acontecendo? – ele perguntou, sentindo uma incrível vontade de continuar com os olhos fechados, de dormir. – Estou me sentindo cansado…

– Eu vou lhe dizer uma coisa… pode voltar a dormir, contanto que prometa que vai acordar. – a mulher sorriu, divertida, parecia muito alegre por vê-lo acordado, ansiosa… mas ele não poderia ter certeza, no estado em que se encontrava.

– Há quanto tempo… eu estou aqui? – ele perguntou, não tendo muita certeza se conseguiria ficar acordado por mais tempo. Parecia até que alguma droga o estava induzindo ao sono, as imagens estavam voltando a ficar borradas diante de seus olhos, e estava se sentindo cansado demais para alguém que tinha acabado de acordar.

– Há mais de sete meses, Sesshoumaru-sama…

Depois daquelas palavras, ele não conseguia se lembrar de mais nada, e certamente, enquanto não caía de uma vez por todas no sono, estava tentando se convencer de que ouvira o espaço de tempo correto. Sete meses…?

xXx

Quando o homem finalmente conseguiu reabrir os olhos dourados, já tinha idéia de que sua dor de cabeça ia começar, ouvindo aquela voz irritante que parecia lhe perseguir até quando estava dormindo.

– Cale a boca, Inuyasha. – foram as primeiras palavras que ele conseguiu pronunciar num tom alto o suficiente para que os presentes no quarto ouvissem, embora ainda estivesse com os olhos bem fechados, sem saber quem mais estava lá além do meio-irmão.

– Sesshoumaru-sama! – Kagome se aproximou da cama do homem antes que ele conseguisse mesmo abrir os olhos. – Como você está? Pelos deuses, eu realmente não acredito que isso aconteceu… você está mesmo acordado! Viemos assim que Ayame deu a notícia.

– É, vaso ruim não quebra fácil mesmo. Eu disse que esse idiota não ia me deixar em paz por tanto tempo, feh. – Inuyasha reclamou, e Sesshoumaru nem precisou desviar a vista, ainda embaçada, para saber que o meio-irmão estava fazendo pose de despreocupado.

– Não ligue pra ele, Sesshoumaru-sama. Acredite, ele era o mais preocupado, esse tempo todo. – Kagome sorriu, sentada bem ao lado da cama. – Mas isso não importa… o importante é que você está bem e acordado. Ayame disse que precisa passar por uma bateria de exames ainda para termos certeza de que está recuperado. Mais alguns dias, e poderá sair desse hospital.

– Espero que sim. – o Taisho mais velho respondeu, tentando se mover na cama, sentindo os músculos doídos e retesados.

– Ah, Rin-chan vai ficar tão feliz quando eu contar a ela! – a morena falou, e a voz alta e animada parecia doer nos ouvidos de Sesshoumaru. – Tenho certeza que vai voltar correndo quando souber que está acordado, Sesshoumaru-sama!

– Rin…?

– Sim! Acho que ela estava muito mais preocupada até que Inuyasha. – Kagome confessou.

– Quem é… Rin? – Sesshoumaru arqueou as sobrancelhas ao ouvir o nome, voltando os olhos, agora com a vista mais nítida, para a cunhada, percebendo o enorme sorriso nos lábios dela desaparecer.

– Você não se lembra? – a pergunta em tom confuso veio da voz de Inuyasha, quando ele finalmente se aproximou mais da cama, entrando no campo de visão de Sesshoumaru.

– Deveria…? – Sesshoumaru estava começando a estranhar as expressões desanimadas no rosto dos outros dois.

– Sesshoumaru-sama… você se lembra como veio parar aqui? – Kagome perguntou, depois de um olhar significativo para o marido, que estava começando a irritar Sesshoumaru.

Sesshoumaru ficou calado por um tempo, pensando na pergunta da cunhada, e depois de alguns minutos fitando os olhares interrogativos dos dois visitantes, deixou que suas próprias sobrancelhas se arqueassem em confusão. O que tinha acontecido para ele ir parar naquele hospital por sete meses…? Antes que tivesse a chance de reorganizar as idéias – tudo parecia lento demais desde que acordara –, Ayame entrou na sala novamente, falando com Inuyasha e Kagome sobre alguns exames, e então, ele não teve tempo de perguntar o que exatamente tinha acontecido, apenas foi levado para uma bateria de exames que estava lhe cansando mais do que deveria.

Durante todo o tempo dos exames e as perguntas da médica e dos enfermeiros, duas coisas rodavam em sua cabeça: aquele nome que Kagome tinha mencionado, que embora não conseguisse recordar, lhe era estranhamente familiar; e os sete meses e o motivo de ter ficado tanto tempo em coma.

Mas se cada músculo do seu corpo doía só de pensar em se mover, seu cérebro até parecia na mesma condição. Mesmo que tentasse se esforçar para saber o motivo do acidente, ficava apenas com mais dor de cabeça.

– Taisho-sama? Taisho-sama… – Ayame chamou pelo que parecia ser a terceira vez, até que ele voltasse os olhos para ela. – Perdido em pensamentos, imagino.

– O que dizia? – perguntou, fazendo esforço para não ocupar a mente com besteiras.

– Eu vou recomendar que fique mais alguns dias em observação aqui no hospital. Acabou de sair de uma condição realmente delicada, seria bom passar por mais alguns exames. Afinal, não é todo dia que uma pessoa acorda de um coma de sete meses. – ela começou a falar, e mesmo com o pouco tempo dado para a resposta dele, ele permaneceu em silêncio. – No mais, você não teve danos aparentes, vai precisar de umas poucas sessões de fisioterapia para a dor nos músculos, e nada de muito importante. O que mais me preocupa agora é se houveram mais danos cerebrais que possam ser notados em longo prazo. Mas pelo visto, você sofreu perda de memória recente por conta da pancada… se vai recuperá-la ou não, isso só o tempo dirá. Falando nisso, até quando você se lembra das coisas?

– Eu ia… começar a trabalhar num caso da Toudai. – ele respondeu, passando a mão pelos cabelos, ainda não acostumado com o tamanho deles. Estava mais ou menos na altura dos olhos, e tinha demorado tanto para crescer até o tamanho natural, desde que era um garoto.

– Taisho-sama? – Ayame chamou novamente, e ele mais uma vez percebeu que tinha se perdido em pensamentos aleatórios. – Parece um pouco desconcentrado…

– Não me lembro de muita coisa. – ele continuou. – Tudo depois da Toudai parece uma grande confusão.

– Okay, não vamos forçar muito a barra. – Ayame sorriu para ele. – Vou levá-lo de volta para o quarto, depois fazemos mais exames, por agora, tente descansar e não pensar muito nisso tudo.

Não pensar em tudo era a última opção para Sesshoumaru no momento, afinal, depois de perder sete meses de vida e nem saber o motivo exato, não era uma coisa satisfatória para uma pessoa tão controlada quanto ele.

Ele ficou preso ao apartamento de hospital pelos próximos dez dias, com a sua paciência já no limite da explosão. Não sabia nada da empresa direito porque Hakudoushi estava em Nagoya resolvendo um caso importante e só iria voltar em alguns dias, a esposa dele certamente não entendia muita coisa de advocacia e não podia lhe dar detalhes sobre nada. Nunca fora chegado a mais alguém da empresa para ter o privilégio de ser visitado. Na verdade, tinha recebido visitas apenas de Kagome e da esposa de Hakudoushi. Uma vez de Inuyasha, que também parecia estar mais cheio de problemas do que ele jamais tivera.

Quando Ayame ainda lhe pediu para ficar mais alguns dias, ele já tinha terminado de trocar de roupa e estava pronto para sair do quarto, de volta a suas calças sociais, sapatos impecavelmente engraxados, camisa preta de gola e terno.

– Taisho-sama, eu realmente acho que deveria ficar mais alguns dias em observação. – Ayame insistiu, quando ele já estava seguindo na direção do estacionamento, com o celular em mãos, que Inuyasha tinha lhe trazido muito contra a sua vontade, além de todas as roupas e do seu laptop.

– Eu não tenho mais o que fazer aqui. Não vou me lembrar de mais nada, e já consigo andar sozinho, obrigado. – Sesshoumaru disse, levando o celular ao ouvido assim que encontrou o número na memória do aparelho.

– Mas foi um coma de sete meses, Taisho-sama! Sabe com que freqüência casos como o seu acontecem? – Ayame insistiu.

– Eu fiquei aqui por mais de sete meses, não vou ficar outros sete para satisfazer a sua curiosidade. – Sesshoumaru disse, saindo do quarto e fechando a porta sem cerimônia. Voltou a atenção para o celular quando a outra pessoa atendeu. – Myouga, venha me buscar no hospital. Você já ficou sete meses sem trabalhar, então pareça eficiente ou vou demiti-lo.

Ele não esperou a resposta, apenas desligou o celular e colocou no bolso da calça de novo, andando a passos mais largos para sair do local. Myouga era seu motorista na empresa, geralmente só precisava dele quando tinha que ir a audiências ou sair durante o expediente. Para chegar à empresa e sair de lá, gostava de dirigir seu próprio carro.

Ainda precisou esperar dez minutos no estacionamento até que conseguisse avistar o carro preto e elegante que estacionara bem ao seu lado. Sequer esperou o motorista sair do automóvel para abrir a porta, como era costume, entrou sozinho e imediatamente abriu o laptop para ver mais coisas do trabalho. Aquele era o único jeito de não ficar com dor de cabeça constante pensando no que tinha acontecido nos meses que tinham sumido de sua memória, e especialmente, porque aquele nome que Kagome falara ainda lhe parecia tão familiar, mesmo que não se lembrasse de nada sobre ele?

Apenas quando tinham saído do estacionamento do hospital, avisou a Myouga que ia direto para a empresa, e não para seu apartamento, como devia ter planejado muito antes. Estavam em plena quinta-feira, simplesmente não podia descansar depois de tanto tempo parado. Queria saber o que estava acontecendo desde a sua ausência, e especialmente reencontrar Hakudoushi para ele lhe deixar a par de todos os casos que estava trabalhando antes do acidente.

Só não esperava que o outro só fosse chegar no fim de semana. De quinta a sexta, ficou exclusivamente imerso nos casos que perdera, e em três dias, conseguira arrumar mais dois casos grandes nos quais trabalhar. A empresa não estava tão terrível quanto tinha imaginado, mas dava pra perceber que ele fazia falta ali, especialmente quando o sócio precisava viajar, e durante aqueles três dias, se dedicou ao máximo em colocar tudo na mais perfeita ordem possível. Apenas no sábado de noite foi que finalmente teve coragem de parar de olhar processos e se recostar no sofá da sua sala de estar, em seu confortável apartamento. Suspirou, pensativo, e imediatamente sua mente se ocupou em lembrar-se dos meses perdidos antes do acidente. Estava cansado, cansado e frustrado por não conseguir descobrir uma simples pista do que tinha acontecido. E incrivelmente, Kagome não parecia estar disposta a contar sobre a tal Rin de quem falara no dia que o vira acordado. Do mesmo jeito que os outros insistiam que só tinha acontecido um acidente enquanto ele ia a uma festa de noite. Aquela era a parte mais curiosa. Ele não era o tipo de pessoa que sairia de casa numa sexta à noite, em pleno caso da Toudai, para ir a uma festa.

Com raiva, jogou a caneta tão forte sobre a mesa de centro da sala que por pouco ela não se partiu em duas. Levantou-se incomodado e foi até a pequena mesa alguns metros de distância da porta. Havia várias bebidas sobre uma bandeja de prata, com alguns copos de vidro e cristal. Ele se serviu de uma dose de uísque e se afastou, andando até a sacada, com as cortinas e portas fechadas. Por um momento, ficou apenas encarando o tecido leve com uma tonalidade de azul celeste. Não sabia por que, mas aquela cor estava incrivelmente atraente a seus olhos, embora nunca tivesse reparado tanto nela. Olhou em volta, as paredes estavam brancas como as do hospital em que estivera preso por tanto tempo, e por um segundo, imaginou reformar o local e pintar as paredes da mesma cor da cortina.

– Azul…

Naquele momento, teve a ligeira impressão de que aquela voz em sua cabeça pronunciando o mesmo nome não era a sua, mas alguma voz que deveria conhecer. Teria pensado mais naquilo e ficado com dor de cabeça, certamente, se o som da campainha não tivesse lhe chamado a atenção. Arqueou as sobrancelhas e seguiu até a porta, deixando o copo com a bebida sobre o balcão da cozinha. Sabia que praticamente ninguém conseguia entrar em seu apartamento sem que o porteiro avisasse, exceto por uma pessoa…

– Hakudoushi. – disse, no tom mais neutro que conseguia pensar, quando abriu a porta e encontrou o sorriso satisfeito do amigo.

Ele imediatamente entrou sem ser convidado, seguindo direto até a bandeja com bebidas e se servindo, enquanto Sesshoumaru fechava a porta.

– Até que enfim, meu amigo! – Hakudoushi disse, animado, erguendo o copo na direção dele e lhe estendendo outro. – Por um momento, achei que ia me deixar com aquela empresa sozinha pelo resto da vida!

– Nem em sonhos, Hakudoushi. – Sesshoumaru disse, e, ao invés de aceitar o copo oferecido pelo amigo, pegou o seu próprio sobre o balcão da cozinha.

– Ah… já tinha começado a comemoração sem mim, hein! – o outro disse, bebendo uma dose do uísque de uma só vez e deixando o copo vazio sobre a bandeja para voltar a se aproximar de Sesshoumaru, que agora, estava sentado num dos bancos altos diante do balcão. – Eu sinto muito não ter vindo antes, mas tive muitos inconvenientes com um caso de chantagem lá em Nagoya. Mas parece que você já chegou tomando conta de tudo, trabalhando até hoje de noite. Estamos num sábado, Sesshy.

– Ainda bem que tudo parecia em ordem quando voltei. Ou certamente o mataria. – Sesshoumaru disse, tomando o resto do uísque de vez e deixando o copo vazio de lado.

– Claro que mataria. – Hakudoushi respondeu, também terminando de tomar o uísque. – Mas achei que me livraria mais de você enquanto estivesse em Kyoto.

– Por que eu iria a Kyoto? – o dono dos olhos dourados perguntou, desinteressado, seguindo até o sofá e organizando as procurações que estavam em cima do centro. – Algum caso que eu vou ter que cuidar e ainda não fui informado?

– Caso? – Hakudoushi o seguiu, sentando-se confortavelmente numa poltrona. – Claro, o seu com Rin. Achei que ia ser a primeira coisa que ia fazer depois de acordar.

Sesshoumaru parou de arrumar os processos instantaneamente ao ouvir aquele nome mais uma vez. Voltou os olhos atentos para o sócio e não pôde evitar se sentir ainda mais frustrado por não fazer idéia do que se tratava, quando certamente deveria fazer.

– Quem… é Rin? – conteve a vontade de falar “inferno” no meio da frase.

– Hm? – Hakudoushi franziu a testa ao ouvir a pergunta. – Como assim quem?

– Está fingindo que não fala a minha língua? – Sesshoumaru retrucou, estreitando os olhos.

– Você não se lembra da irmã da sua cunhada? – o outro se ajeitou na cadeira, tentando entender o que acontecia. – Sua festa de aniversário? O casamento? A festa que estava indo quando sofreu o acidente?

– Eu odeio festas de aniversário, especialmente minhas. – ele terminou de empilhar os processos e se sentou no sofá maior, de três lugares. – Soube do casamento há umas duas semanas, e não sei o que estava fazendo para sair de casa numa sexta no meio do caso da Toudai.

Hakudoushi ficou calado por alguns minutos, parecia analisar a situação. Sesshoumaru voltou a encarar as cortinas azuis enquanto o amigo pensava, tentando esquecer tudo aquilo e especialmente a sua frustração por não se lembrar de nada que o amigo comentava. E apenas naquele momento, alguém tinha mencionado que a tal Rin era irmã de Kagome. Ele nem sabia que Kagome tinha uma irmã…

– Você lembra quantos anos tem, Sesshoumaru? – Hakudoushi perguntou, e imediatamente tirou o sorriso sarcástico do rosto quando recebeu um olhar nada amigável do outro em resposta. – Okay… bom, é uma pena que não se lembre de Rin-sama. Espero que lembre a tempo e vá logo pra Kyoto.

– Me dê um bom motivo pelo qual eu iria até Kyoto só por causa de uma mulher. – Sesshoumaru disse, achando que os amigos estavam começando a fazer caso demais sobre aquela tal de Rin.

– Bom… ninguém melhor pra responder isso do que você, Sesshy. – Hakudoushi respondeu, já se levantando da poltrona, com um sorriso convencido no rosto. – Descanse um pouco. Lembre-se que amanhã é domingo e a empresa não abre. Que tal um almoço?

– Penso nisso depois. – o Taisho mais velho disse, e instintivamente voltou a olhar para as cortinas.

– Eu vou indo agora. Até depois então. – Hakudoushi disse, já seguindo na direção da porta e abrindo-a. – Aliás, gostei do novo corte de cabelo.

Sesshoumaru não se importou em acenar nem se despedir, apenas ouviu o som da porta se fechando e então, finalmente fechou os olhos, cansado de fitar aquele lenço azulado sem nenhum motivo aparente. Antes que se desse conta, estava adormecendo ali mesmo, no sofá.

Eu acho que já está em tempo de você acordar, sabia…?

O dono dos olhos dourados se levantou com tamanha urgência ao ouvir aquela voz que por pouco não caiu do sofá em que estava dormindo. Olhou ao redor, ainda atordoado por achar que havia mais alguém ali. Para lhe pregar uma peça daquelas, tinha que ser no mínimo, Hakudoushi, embora a voz fosse de longe alguma que tivesse realmente a capacidade de lhe irritar.

Mas mesmo com aquela voz tão perto, não havia nada nem ninguém ao seu redor, além do mesmo apartamento frio e vazio de sempre. Depois de alguns minutos tentando se convencer de que aquela voz só tinha vindo de um sonho tão distante que nem conseguia se lembrar, finalmente olhou para o relógio de pulso. Eram quase dez da manhã, e ele não era o tipo de pessoa que costumava dormir tanto. Talvez ainda fosse efeito colateral de ter passado tanto tempo dormindo. Levantou-se apenas para comer alguma coisa e depois, voltou para a sala para pegar os processos que estavam empilhados na mesa de centro e levá-los até o escritório. Ainda precisou recusar as ligações de Hakudoushi cinco vezes até que o sócio lhe deixasse em paz com seu trabalho. Era apenas aquilo que precisava, trabalhar para recuperar todo o tempo perdido com aquele inconveniente.

Quando o homem finalmente se permitiu um descanso de verdade, já era quinta-feira e estava em seu escritório, às 21h43min, trancado desde as 7h. Tinha passado a semana toda dentro daquela empresa, sem sair direito nem pra comer, se rendendo apenas depois das insistências de Hakudoushi. Esperava que já estivesse sozinho àquela hora da noite, mas ainda se impressionou quando ouviu a porta sendo aberta sem cerimônia.

Hakudoushi entrou meio desinteressado. Estava com uma aparência cansada também, mas não tão lastimável quanto a de Sesshoumaru. Já tinha se livrado do terno, do colete e da gravata; a camisa social já estava por fora da calça e tinha as mangas dobradas até os cotovelos. Diferente do amigo, que apenas tinha se livrado do terno, enquanto todos os botões da roupa estavam devidamente presos assim como a gravata.

– Você foi despejado do seu apartamento e está morando aqui agora? – Hakudoushi perguntou, sentando-se confortável numa das poltronas diante do gabinete do sócio.

– Você já devia ter ido embora. – Sesshoumaru respondeu simplesmente, o olhar distante, desinteressado até mesmo nos papéis que estava olhando momentos antes.

– Muito sensível da sua parte. – o dono dos olhos lilases disse, girando na cadeira de couro. – Não fique até tarde demais. Amanhã tem uma audiência marcada pras 14h. Tente estar inteiro.

O Taisho não precisou responder. Hakudoushi também não se importou em despedidas formais ou animadas, estava cansado demais até para lidar com o ótimo humor de Sesshoumaru.

Parecia que para compensar o domingo que dormira demais, ele estava dormindo de menos aquele tempo todo. Tinha noites que dormia só uma hora, e ainda passava o dia todo trabalhando, dentro e fora do escritório. Afinal, era o jeito de esquecer aqueles meses que tinham sumido de sua memória. Entretanto, algumas poucas coisas tinham voltado, de uma maneira bem vaga ainda, como cenas da festa surpresa estúpida de aniversário, ou do casamento de Inuyasha e Kagome. Mas sobre a tal de Rin… ainda não havia nada.

Ele passou a mão pelos cabelos, impaciente, e se levantou. Com as mãos nos bolsos da calça, andou até as enormes janelas de vidro que iam do chão até o teto da sala, dando uma visão belíssima do centro da cidade, especialmente durante a noite. Depois de fitar as luzes nas ruas e nos prédios, levantou a cabeça mais alto e fitou as luzes do céu. Como sempre, era quase impossível se ver estrelas no céu noturno do centro de Tokyo, entretanto, algumas poucas estrelas ainda conseguiam se destacar em meio à luminosidade da cidade. Por alguns momentos, ficou muito interessado em uma estrela em particular, e depois de muito forçar a vista, teve a impressão de desenhar uma linha imaginária através dela, ligando estrelas com a luz mais fraca, ou que nem estavam lá, mas ele sabia que estariam.

– Escorpião… – deixou que a voz saísse de sua garganta sem nem se dar conta, e logo a imagem completa da constelação tinha surgido em sua mente. – Antares…

Subitamente a cabeça dele tinha começado a doer, ou talvez já estivesse doendo há muito tempo, mas ele só tivesse percebido naquele momento. Havia uma jovem com ele, na irritante festa de aniversário, não dava pra lembrar exatamente da imagem dela, mas a voz era a mesma que vinha lhe sussurrando há tantas noites a fio, coisas que ele nem sabia se tinha ouvido antes do acidente.

– Eu preciso dormir… – disse a si mesmo, balançando a cabeça e voltando até o gabinete. Só podia estar ficando louco lembrando aquelas coisas, e elas iam lhe deixar ainda mais louco. A única coisa que precisava fazer pelo resto da vida era trabalhar muito e esquecer o que lhe dava dor de cabeça.

Empilhou os papéis no canto da mesa e viu alguns últimos que estava terminando de ler quando Hakudoushi entrara na sala. Tirou a caneta do bolso e assinou rapidamente na linha pontilhada, em três folhas diferentes. Então, ficou uns minutos observando a própria assinatura…

– Bonita… mas ninguém nunca entende… – falou, com uma voz feminina se repetindo na sua cabeça com aquela mesma frase.

Ele ficou parado mais alguns minutos, pensando na frase que simplesmente escapara de seus lábios. Jogou a caneta sobre a mesa e deixou os documentos do jeito que estavam, pegando o terno e saindo da sala a passadas largas. As luzes no caminho eram fracas, e logo ele alcançou o elevador privativo. Sem ninguém no prédio inteiro, foi rápido chegar até o térreo, e encontrar apenas os dois seguranças noturnos. Não se importou em se despedir, apenas saiu praticamente correndo e entrou no carro, ligando o mais rápido que podia e acelerando para se afastar do prédio.

Quando ele saltou do carro, já na garagem de seu apartamento, travou o veículo e seguiu até o elevador. Em poucos minutos, as portas se abriam e quando ele estendeu um pé para subir, sentiu um leve tremor. Mas também não estava certo se tinha sido um pequeno terremoto ou se apenas tontura pela dor de cabeça que sentia, o fato é que lembrara mais uma vez daquela voz, repetindo-se em sua cabeça e comentando um terremoto em Shinjuku. Ao estender a mão para apertar o botão do seu andar, ficou fitando intensamente o próprio pulso, quase como se quisesse ver através da manga da camisa social.

Enquanto o elevador subia até o andar do seu apartamento, pela primeira vez que conseguia lembrar em toda a sua carreira de advogado, e talvez, até mesmo, sua vida toda… estava considerando seriamente a possibilidade de entrar de férias. Mais situações como aquela e vozes estranhas em sua cabeça, sabia que certamente enlouqueceria.

Ao entrar no apartamento, deixou a pasta e o terno sobre o sofá da sala de estar e já seguiu para o quarto desabotoando as mangas da camisa. Depois de um demorado banho quente, precisou se jogar na cama e rezar para dormir, simplesmente não conseguia parar de pensar sobre o tal terremoto em Shinjuku, e não sabia por que. Provavelmente, se dormisse iria sonhar com aquele maldito terremoto e não teria paz pela próxima semana. Depois de rodar na cama por pelo menos meia hora, finalmente sua cabeça pareceu esfriar um pouco e raciocinar melhor… qual fora a última vez que tivera notícias sobre um terremoto em Shinjuku? Certamente, devia ser em algum período entre o início do caso da Toudai e o seu acidente, já que desde que acordara não tivera notícias como aquela, e mesmo que terremotos tivessem acontecido, ele estava tão ocupado com o trabalho que jamais teria tempo de olhar o jornal.

Completamente confuso e impaciente sobre aquela informação, se levantou e seguiu até o escritório, a uma porta de distância do seu quarto. Sentou-se diante do computador e esperou alguns minutos até que ligasse. Foi questão de mais uns poucos minutos até que encontrasse a informação que precisava, num site de notícias locais. Se aquele site estava certo, tinham acontecido três terremotos em Shinjuku especificamente… um no ano anterior, do qual Sesshoumaru nem lembrava direito, já que estava em Nagoya na época. E os outros dois, um cerca de três semanas depois do seu acidente, e o outro, uma semana antes de sair do hospital, quando já estava consciente.

O homem se recostou na cadeira e continuou encarando as informações que tinha encontrado. Por que se lembrara tão fortemente de um simples terremoto em Shinjuku? Poderia ser realmente impossível saber quanto àquele que ocorrera durante seu estado de coma, mas os outros dois pareciam tão pouco prováveis que ele estava ficando incrivelmente mais confuso do que quando não sabia das informações. E pra variar, aquilo estava apenas lhe rendendo mais dores de cabeça. Estava começando a considerar seriamente a idéia de voltar ao hospital e fazer os exames de rotina que Ayame tinha requisitado quando ele se recusou a ficar mais tempo internado. Talvez com os exames, descobrisse um jeito de acabar com aquelas dores de cabeça. Porém, pisar naquele hospital era a última coisa que queria voltar a fazer.

Apenas mais alguns minutos forçando a mente para lembrar-se de alguma coisa e a cabeça voltou a doer. Massageou as têmporas demoradamente, girando lentamente na cadeira de um lado a outro. Estranhamente, só conseguia se convencer de que a maioria das coisas das quais se lembrava não tinha acontecido num período de tempo em que ele estava consciente. E a mais singular e mais forte delas era aquela voz familiar se repetindo em sua mente. Se a tinha ouvido antes do acidente… queria entender por que a esquecera.

Por mais vinte minutos, continuou sentado naquela cadeira, fitando um ponto fixo no nada entre seu rosto e a janela do escritório. A dor de cabeça não voltou, mas algumas frases dispersas tinham aprendido a tomar a sua mente quando não estava imersa em trabalho ou qualquer outra coisa que lhe exigisse concentração. Ele não podia ficar com a mente em branco, ou em completo silêncio, sempre havia uma voz intrometida lhe fazendo companhia.

Quando ele finalmente voltou para a cama para dormir, pela primeira vez, não se preocupou em acionar qualquer alarme, do celular ou do relógio. A vontade de trabalhar na manhã seguinte praticamente não existia, e talvez fosse uma boa idéia voltar ao hospital, mesmo que não quisesse colocar os pés lá de novo… não tinha uma razão plausível para tal. Não tinha uma razão…

Já são cinco meses, Sess…

Sess…? Não conseguia lembrar ninguém que o chamasse por qualquer apelido além de Hakudoushi com aquele ridículo “Sesshy”. E por que tudo estava tão escuro? Já passara tempo demais naquela escuridão… e não havia nada mais nela além de um som. Um som reconfortante, que sempre estava lá.

Não posso ficar aqui esperando que abra os olhos…

Por que não podia abrir os olhos? Precisava abrir. Se não os abrisse…

Você não vai mais acordar pra mim.

Havia uma sensação nova dentro de si, e ele não sabia o que era. Não se lembrava de ter sentido aquilo antes em toda a sua vida. Mas aquele tom melancólico só tornava a escuridão ainda mais angustiante. E ele estava tão distante.

Adeus, Sesshoumaru.

Era ali. Era exatamente naquele momento que tinha que abrir os olhos. Mas infelizmente, tudo continuava escuro. A escuridão não lhe assustava, não saber onde estava também não importava. Mas pela primeira vez em toda a sua vida… o silêncio o estava incomodando. Não havia sua voz, não havia a voz de mais ninguém que pudesse lhe alcançar num lugar tão distante. Aquela única voz tinha se esvaído… completamente.

De um sobressalto, Sesshoumaru abriu os olhos e deu de cara com o marcador do relógio digital no criado-mudo ao lado da enorme cama. Por um tempo, ficou completamente compenetrado em sua própria mente tão vazia e silenciosa. Não tinha assimilado nem a hora que o relógio marcava. Quando finalmente voltou aos seus sentidos, notando que o relógio marcava exatamente 9h13min, nem se importou de que já devia estar na empresa àquela hora. Simplesmente continuou deitado, como se mais nada no mundo importasse do que aquele momento.

Tarde demais… – as palavras saíram tão espontaneamente de seus lábios que só se deu conta delas ao ouvir a própria voz.

Pelos minutos que se seguiram, sem que ele pensasse em mais nada, o silêncio pairou em sua cabeça. Não havia mais aquela voz… o adeus de seus sonhos parecia definitivo, um adeus até mesmo para suas memórias. Ainda precisou de mais uns segundos pensativos para poder se levantar e decidir alguma coisa.

– Eu não disse adeus. – ele repetiu, pensativo.

Ainda não sabia exatamente de quem era aquela voz ou o que significava, embora o palpite fosse forte de que era da tal de Rin que todos se recusavam a lhe explicar quem era. Sem pensar duas vezes, levantou-se, tomou um banho rápido e trocou de roupa. Àquela altura, o silêncio lhe incomodava mais do que tudo. Ignorou as ligações para o celular e o desligou o mais depressa possível, o que sabia que provocaria interrogações imensas em Hakudoushi e o faria provavelmente colocar a polícia para procurá-lo, acreditando num possível seqüestro. Mas nem aquilo foi o suficiente para desviá-lo de seu foco. Ao entrar no carro estacionado na garagem do prédio e sair deste, seguiu um caminho pouco conhecido e completamente incomum: até o hospital em que estivera internado por mais de sete meses.

Não havia nenhuma consulta marcada e não era qualquer caso que pudesse ser chamado de urgente, mas precisava tirar algumas coisas a limpo ou enlouqueceria. Precisava mesmo, no fundo, ouvir aquela voz uma vez mais.

Teve uma sorte absurda quando entrou no hospital e seguiu até o balcão da recepção na clínica para ver que Ayame estava assinando algumas fichas e entregando para a enfermeira do outro lado do balcão. Uma das assistentes voltou a atenção para Sesshoumaru para atendê-lo, mas ele dispensou a ajuda e seguiu até a médica conhecida.

– Se-Sesshoumaru-sama. – a ruiva piscou duas vezes, quase deixando a ficha que segurava cair de tanta surpresa. – Que… surpresa. O que faz aqui? Aconteceu alguma coisa? Sente-se mal?

– Eu achei que… podia fazer os exames de rotina que pediu. – ele respondeu a primeira e mais óbvia coisa que surgiu em sua cabeça. Não era mentira que queria colocar os pensamentos em ordem, mas na situação em que estava, não havia nenhum remédio que fosse ajudá-lo, e sabia daquilo.

– Claro. – respondeu Ayame, e mesmo que Sesshoumaru não fosse um mestre em decifrar emoções, teve a impressão de que o tom dela foi levemente decepcionado. – Já que é um homem ocupado, venha comigo, vou providenciar para que faça uma bateria agora mesmo.

Sesshoumaru apenas acenou positivamente com a cabeça e a seguiu. As próximas horas que se seguiram foram irritantes e cheias de exames e perguntas chatas, e o fizeram quase se arrepender de ter ido até ali. Mas havia apenas uma última coisa que precisava saber, e queria descobrir aquele fato o quanto antes.

Com o término dos exames, Ayame o encontrou novamente, com a sua ficha de paciente preenchida, adicionando algumas informações enquanto conversava com ele e lhe fazia perguntas rotineiras.

– Bom, assim que os resultados dos exames saírem, eu lhe informo. Mas pelo que posso ver, está tudo em perfeita ordem, Sesshoumaru-sama. Não tem com o que se preocupar. – ela disse e fez um último rabisco na prancheta, voltando os olhos para o homem de pé a sua frente.

– Existe a possibilidade de se ter memórias quando a pessoa está em estado de coma?

A pergunta surgiu tão de repente que Ayame piscou três vezes até conseguir associar a pergunta por completo. Imaginava se o próprio Sesshoumaru tinha pensado nela antes de falar ou se tinha saído de surpresa, mas a expressão dele era tão séria e compenetrada que ele definitivamente tinha pensado naquela questão por um longo tempo, o que a deixou ainda mais curiosa.

– Por que pergunta isso? – Ayame fez questão de perguntar, franzindo o cenho com a questão dele, mas claro, devia saber de longa data que Sesshoumaru não era o tipo de pessoa que gostava de dar motivos pessoais ou explicações pertinentes a ninguém. Não se surpreendeu quando ele ficou calado, movendo-se apenas para colocar as mãos nos bolsos. Ela pigarreou um pouco e continuou a falar. – Não é comprovado cientificamente. Mas muitas pessoas acreditam que se conversarem com pacientes em estado de coma, eles vão ouvir e voltar à consciência. Muitos parentes e pessoas queridas costumam fazer isso quando alguém importante fica nesse estado grave, mas confesso que a maioria deles desiste depois de um tempo, infelizmente, até nesses casos a esperança pode desaparecer.

Sesshoumaru ia perguntar outra coisa imediatamente, mas sua voz foi detida no meio do caminho quando a última sentença de Ayame soou: “até nesses casos a esperança pode desaparecer”. A médica ficou em silêncio também, e quando desviou os olhos de Sesshoumaru, pensando em se despedir e sair, a voz dele voltou a invadir o local.

– Alguém falou comigo?

Daquela vez, a ruiva engoliu em seco. Depois das palavras melancólicas que Rin tinha lhe dito sobre Sesshoumaru continuar adormecido, do fato de ele ter se esquecido dela, e a possibilidade da amiga já estar tendo uma nova vida em Kyoto… não sabia se era uma boa idéia responder aquela pergunta a Sesshoumaru, como aquilo podia afetar a vida dele ou a de Rin… mas não custava nada tentar e torcer um pouco pela felicidade da outra – e tinha a forte impressão de que a felicidade dela dependeria do que Sesshoumaru descobrisse sobre o pouco tempo que passaram juntos.

– Eu sei que não se recorda, Sesshoumaru-sama. E vou apostar as minhas cartas que estou fazendo bem em lhe contar. – Ayame sorriu levemente, mas a expressão de Sesshoumaru continuava a mesma, completamente neutra. – Durante cinco meses, Rin-chan acompanhou o seu estado de perto, sempre esteve ao seu lado, esperando que a ouvisse, mas bem… acho que a esperança dela se foi também.

Mais uma vez, o silêncio pairou na sala, e Ayame não teve a felicidade nem de descobrir o que Sesshoumaru estava pensando através da expressão dele… ele era totalmente inexpressivo, frio e distante.

– Espero que tenha sido de alguma ajuda. – disse Ayame, depois de um rápido suspiro. – Eu preciso ir agora, Sesshoumaru-sama. Avisarei quando os exames estiverem prontos. Fique bem.

Ela deu um último sorriso amigável e então, afastou-se na direção da porta da sala. Saiu e fechou-a atrás de si, deixando o dono dos curtos cabelos prateados mergulhado em seus próprios pensamentos mais uma vez. Não era muita surpresa para ele que fosse Rin a dona da voz que o perseguia desde que acordara… nem era muita surpresa o fato de que realmente devia estar lembrando as palavras que ela lhe dissera durante seu estado de coma. A maior surpresa, naquele minuto, era não apenas o fato de que apenas a voz dela prevalecia em sua mente, mas o simples fato de que ainda não conseguia lembrar quem era, ou qualquer momento que tivessem passado juntos.

Em mais um impulso completamente aleatório, ele saiu do hospital e seguiu direto para o carro, ainda completamente indisposto a ligar o celular para receber ligações de Hakudoushi ou de qualquer pessoa que tivesse ligação com a empresa. Ainda precisava fazer uma coisa antes de sequer pensar em voltar ao trabalho, e foi com esse pensamento fixo na cabeça que cruzou a cidade até um local que nem colocara os pés ainda. Demorou uns minutos tentando acertar o endereço, mas respirou aliviado ao parar diante da casa certa. Por um tempo indeterminado, ele ficou fitando a frente da casa demoradamente até se convencer de que não estava fazendo nenhum tipo de loucura. Queria voltar e seguir pra seu trabalho na empresa, mas sabia que se voltasse dali, se arrependeria depois – mesmo que fosse um homem sem o mínimo de arrependimentos, um sentimento estranho dizia que aquela seria a primeira vez.

Desceu do carro de uma vez e seguiu até a porta de entrada da casa. Tocou a campainha e logo escutou uma voz conhecida dizer que já estava indo atender.

A mulher abriu a porta apressada e parou de súbito ao ver a figura que estava do lado de fora. Sesshoumaru encarou a cunhada por um longo período de tempo até que ela recuperasse o sentido da fala.

– Se-Se-Sesshoumaru-sama…? – o nome do outro saiu com esforço dos lábios da morena. Definitivamente, a última pessoa que imaginava que tocaria a sua campainha era Sesshoumaru. – O… o que…?

– Posso entrar? – ele perguntou, o menos indelicado possível, e Kagome pareceu voltar aos sentidos depois do choque de recebê-lo como visita.

– Ah, é claro! Como não? Desculpe a grosseria. – ela deu espaço para que ele passasse. – Pode entrar.

Sesshoumaru passou pela morena e olhou o interior da casa. Era grande e confortável, definitivamente o tipo de casa decorada por uma mulher. Não sabia como Inuyasha conseguia conviver com tantas flores enfeitando o local e aquela cor de parede que beirava o rosa.

– Venha, sente-se. – Kagome o guiou até a grande sala de estar e indicou uma poltrona que fazia parte de um conjunto de sofás de couro beges. – Quer alguma coisa? Uma bebida?

– Não, estou bem. – respondeu Sesshoumaru, sentando no local indicado.

– Inuyasha não está em casa agora, queria falar com ele? – ela perguntou, sentando-se no sofá diante dele.

– Não. Inuyasha não me interessa. – ele disse, curto e grosso, como de costume. Kagome apenas sorriu sem graça diante da resposta, não fazia idéia do que ele podia querer ali. Até que uma idéia muito agradável surgiu em sua mente.

– Não teria vindo aqui por causa de…

– Posso ver seu álbum do casamento? – Sesshoumaru pediu, cortando a morena antes que ela chegasse à parte de Rin e possivelmente começasse a falar desenfreada. Pela cara compreensiva dela, devia ter pensado na possibilidade dele ter lembrado de Rin, o que não era verdade… ainda.

– Meu… ahn? – Kagome não conseguiu evitar a expressão totalmente confusa, e esqueceu por um segundo que ia perguntar sobre Rin.

– Seu álbum de casamento. – ele repetiu, mesmo a contragosto. – Quero vê-lo.

– Hm… claro. – com o cenho franzido, ela levantou-se do sofá e seguiu até o quarto. – Só um segundo… – disse, antes de desaparecer no corredor.

Sesshoumaru simplesmente recostou-se à cadeira e esperou pela volta da mulher. Ela demorou ainda mais de dez minutos para poder voltar com uma caixa vermelha de veludo, com feche dourado e um visor em cima que mostrava uma foto do casal.

– Aqui. – ela estendeu o álbum para o cunhado e sentou-se no sofá ao lado. – Sesshoumaru-sama… por que… agora?

Sesshoumaru pegou o álbum entre as mãos e abriu a caixa, deixando-a sobre a mesa de centro e pegando o álbum dentro dela. Deixou Kagome sem resposta por um longo período de tempo enquanto abria o álbum e passava as fotos do casal rapidamente. A mulher não insistiu em nenhuma explicação, apenas ficou observando-o e esperando a foto certa aparecer, e quase deixou um sorriso escapar quando parou exatamente na primeira foto em que Rin aparecia.

Ele ficou tanto tempo parado, só observando a foto, que Kagome quase teve vontade de dizer que havia mais fotos da moça nas próximas páginas, mas conteve o instinto e chamou-o de forma mais suave.

– Sesshoumaru?

– Hm? – ele desviou os olhos da foto para fitar Kagome. A figura da mulher pairava em sua cabeça e não precisara nem de ajuda de Kagome para descobrir quem ela era na foto. A sua cabeça estava começando a doer mais.

– Estava tão distraído aí… – Kagome sorriu e estendeu os braços para pegar o álbum de Sesshoumaru, sem nem esperar permissão. Passou algumas fotos rapidamente até parar em uma em particular e devolver a ele. – Aqui.

Assim que Sesshoumaru pousou os olhos sobre a foto, onde estavam apenas ele, Inuyasha, Kagome e a irmã, um par de palavras saiu da sua boca espontaneamente.

– Uma meia-foto.

– Hm? – Kagome piscou duas vezes, confusa.

– Nessa noite… ela disse que me mandaria uma meia-foto. – as palavras saíram tão espontaneamente dos lábios de Sesshoumaru que Kagome imaginou que ele estava imerso demais nas próprias lembranças para perceber que tinha falado tanto.

– Você está lembrando… – a mulher deu um sorriso contente, mas Sesshoumaru não respondeu à sua felicidade.

Naquele momento, a dor de cabeça dele aumentou um pouco mais e ele fechou o álbum, desviando os olhos das fotos e colocando-o de volta à caixa vermelha.

– Mas ela disse adeus. – Sesshoumaru completou, e daquela vez, Kagome teve certeza de que ele estava bem consciente das próprias palavras, enquanto entregava o álbum de volta a ela, encarando-a fixamente nos olhos. – Até a esperança pode sumir.

– Sesshoumaru-sama… – Kagome recebeu o álbum, um tanto quanto estática, e manteve os olhos fixos nele quando se levantou da poltrona.

– Obrigado pelo seu tempo. – ele disse, sem se importar em estar agradecendo a alguém, o que era muito incomum de sua parte.

Ele não esperou que ela o acompanhasse ou respondesse, passou pelo caminho entre os sofás e seguiu na direção da porta de saída. Foi apenas naquele minuto que Kagome percebeu o que estava acontecendo e jogou o álbum de fotografias de lado no sofá para seguir o cunhado. Alcançou-o bem antes dele chegar à porta de entrada.

– Ela não desistiu, Sesshoumaru! – Kagome disse, de uma vez, e aquelas palavras foram o suficiente para ele parar, mesmo que não tivesse se virado de volta para a mulher. – A Rin não perdeu a esperança em você, Sesshoumaru-sama.

Aquela sentença foi seguida por um silêncio quase sepulcral. Kagome talvez esperasse alguma resposta e Sesshoumaru esperasse uma continuação, mas ambos ficaram em silêncio por um período de tempo até que ela voltasse a falar.

– Infelizmente… ela já não podia mais suportar você dormindo aquele tempo todo, sem responder nada do que ela lhe falava. – a mulher completou, finalmente, e Sesshoumaru sentiu, pela primeira vez em muito tempo, o coração falhar uma batida. Estranhamente, doía. – Eu não lhe contei nada sobre Rin porque aconteceu exatamente o que ela mais temia… que você acordasse e não se lembrasse dela, então isso seria pior do que ter ficado esperando seus olhos se abrirem. – mais um minuto de silêncio se seguiu e Kagome respirou fundo para poder completar. – Eu preferi não acender de novo as esperanças dela… mas queria muito que você fizesse isso.

Mais alguns minutos angustiantes de silêncio por parte de Sesshoumaru. Como Kagome queria que ele dissesse que estava indo até Kyoto para buscá-la, mas era pedir demais até para um sonho.

– Ela faz residência agora no Hospital Mizushima… em Kyoto. – aquelas foram as últimas palavras esperançosas de Kagome, quando o homem finalmente voltou a andar e estendeu a mão para o trinco da porta.

– Até outro dia, Kagome.

Ele saiu e fechou a porta atrás de si. Kagome suspirou derrotada, voltando para a sala, com um pensamento de “não custa nada tentar” na cabeça. Na cabeça de Sesshoumaru, entretanto, os pensamentos estavam ainda mais confusos… pensamentos demais para uma mente só suportar, o que só fez aumentar a sua dor de cabeça. Havia um completo turbilhão de memórias invadindo sua cabeça, momentos simples e significantes… momentos que ele não conseguia imaginar como havia esquecido.

Andou a passos tão apressados que estava praticamente correndo. Entrou no carro e fechou a porta com força, ligando-o e passando a primeira marcha para sair do lugar. Mesmo dirigindo, pegou o aparelho celular e o ligou. O aviso de chamadas perdidas surgiu imediatamente e ele as ignorou. Quando ia discar o novo número, o celular tocou e ele conseguiu atendê-lo por acidente.

– O que foi, Hakudoushi?

Sesshy! Finalmente consegui falar com você! Onde inferno você se meteu?

– Não vou pra empresa hoje. – respondeu Sesshoumaru, parando no sinal vermelho.

Não era pra ir pra empresa mesmo, era pra ir pro tribunal. Você tem uma audiência hm… dez minutos atrás. – o homem respondeu do outro lado da linha.

– Você pode cuidar dela pra mim. Tenho uma coisa mais importante pra resolver agora. – ele respondeu, acelerando o carro quando o sinal ficou verde.

Mais importante que seus casos?! Impossível! – Hakudoushi deu uma risada exagerada do outro lado, até que ele parou de súbito, como se a ficha tivesse caído. – Não me diga que…

– Tchau, Hakudoushi. – Sesshoumaru não esperou que ele terminasse de falar, nem deu chance para isso, simplesmente desligou o celular e se preocupou em discar outro número. Esperou alguns toques até que atendessem do outro lado, e não esperou que a voz feminina terminasse o cumprimento. – Quero reservar um vôo ainda hoje para Kyoto.

Infelizmente, o próximo vôo disponível só saía na tarde daquele mesmo dia, às 18h, e não teve muita escolha senão voltar para o apartamento e esperar. Por mais incrível que pudesse soar, até mesmo para o próprio Sesshoumaru, não estava com cabeça para trabalhar naquele dia. Na verdade, sua cabeça não pensava em mais nada além daqueles três meses de memória que tinham voltado como uma pancada muito dolorosa. E o que piorava ainda mais a dor de cabeça era como tinha demorado a acordar… lembrar… e principalmente, como pudera esquecer.

Não teve muito com o que se distrair durante o tempo restante. Só sentiu o peso em sua cabeça diminuir quando desembarcou no aeroporto de Kyoto, a noite já cobrindo o céu, poucas estrelas conseguindo se sobressair diante da iluminação artificial da cidade grande. Àquela altura, não havia mais volta… e ele não pretendia voltar.

xXx

O relógio marcava 20h em ponto quando Rin concluiu o expediente. Seguiu até o vestiário e pegou suas coisas no armário, colocando um sobretudo bege por cima da roupa completamente branca e colocando o jaleco dentro de uma bolsa de papel. Pegou a bolsa tira-colo também bege e passou a alça por cima do ombro, sentindo o peso de seus objetos pessoais cansarem-lhe ainda mais. Tinha passado dois dias direto de plantão e só tirara alguns breves cochilos. Precisava voltar para seu apartamento e aproveitar o sábado de folga.

Saiu do hospital despedindo-se de alguns conhecidos com breves acenos e sorrisos, mas só se sentiu bem mesmo quando chegou fora do prédio e pôde respirar o ar puro da noite. Mesmo depois de tantos meses terem se passado… e mesmo que tivesse estudado para ser médica durante seis anos de sua vida, não conseguia evitar ficar incomodada com o ambiente do hospital, especialmente toda vez que sabia de novos pacientes em coma. Fitou o céu por um minuto e depois sorriu, correndo através do estacionamento para chegar à avenida e pedir um táxi.

Ainda eram oito da noite, portanto ainda havia uma movimentação considerável na rua e demorou um pouco até ver um táxi e estender o braço para parar. Não adiantou muito das três primeiras tentativas, mas finalmente, na quarta vez, um deles parou no meio fio, e ela ainda precisou correr um pouco para alcançar o lugar que ele tinha estacionado. Ao abrir a porta para entrar, porém, seus olhos travaram completamente ao encarar o outro lado da rua. Sentiu a alça da bolsa de papel escorregar pelos seus dedos e bater no chão, ignorou o chamado do motorista do táxi, pedindo que ela entrasse que ele precisava trabalhar… todos os sons silenciaram naquele momento e ela não se importou quando o homem se esticou para fechar a porta de novo e acelerar o carro, deixando-a para trás, ainda em seu estado completamente estático.

Rin não se moveu, e não queria fazer aquilo para descobrir que a sua visão era apenas produto de sua imaginação. Os lábios estavam ligeiramente entreabertos em surpresa e a mão dela começou a tremer. Ele estava lá… como uma miragem perfeita… nada parecia se colocar diante dele para bloquear-lhe a visão, nenhuma pessoa tinha escolhido passar pela frente dele. Os cabelos prateados ainda estavam curtos, mas alcançavam os olhos e o pé do pescoço em várias camadas. Os olhos dourados tinham um brilho singular do qual ela não lembrava, e a encaravam fixamente. Vestia um terno preto por cima de uma camisa bege de gola, calça social e sapatos também pretos, com uma das mãos no bolso da calça. Eles estavam separados pela avenida movimentada, mas ela ainda teve a impressão de que pela primeira vez, em muito tempo, vira um pequeno sorriso se formar nos lábios dele… não imaginava que veria aquele sorriso discreto nunca mais.

Sem que percebesse, um par de lágrimas escorreu de seus olhos e só depois de alguns minutos que notou o rastro frio no rosto. Levantou a mão para tocá-lo e percebeu que realmente eram lágrimas. Quando pensou em atravessar a rua para alcançá-lo, ele virou para o lado e começou a andar na para o lado direito, passando por várias pessoas.

– Não… Sess… – Rin não contou história, voltou-se para o mesmo lado que ele se virara e começou a praticamente correr, olhando para o outro lado da rua, esbarrando em todas as pessoas e obstáculos que tinha no caminho, mas se recusando terminantemente a tirar os olhos dele e descobrir que ele desaparecera.

A quantidade de pessoas do outro lado da rua aumentava, e ele começava a se perder entre elas. O desespero de Rin aumentou e ela finalmente alcançou uma faixa de pedestre, com o sinal aberto para que um pequeno grupo de pessoas atravessasse. Ela adiantou-se para correr ainda mais rápido pela passagem e alcançar a outra rua. Ele não estava mais lá… ela olhou desesperada para todos os lados, e na pressa, conseguiu vislumbrar os cabelos prateados seguindo em frente, depois de dobrar a esquina. Não se importou com as lágrimas escorrendo do rosto, queria só confirmar que ele não era uma ilusão… mais um sonho atrás do qual corria desde que chegar a Kyoto. Por semanas a fio, estivera esperançosa de que Kagome lhe ligasse falando que ele acordara, que se lembrava dela… mas a notícia não chegara. Por semanas, acordara achando que era a vez dele dizer que estava na hora dela acordar… mas ele nunca estava ao seu lado. Aquela visão… não podia ser tão boa para não existir.

Ela correu tanto que perdeu seu alvo de vista, a visão embaçada por algumas lágrimas. Sentiu a respiração ofegante e parou de correr ao alcançar um pequeno parque cercado de gramados verdes e árvores de cerejeira ainda por desabrocharem. Apoiou as mãos nos joelhos e desistiu de erguer o rosto para procurá-lo ao redor. Agora tinha mais certeza do que nunca que era apenas uma ilusão… uma ilusão traiçoeira.

Depois de recuperar o ar, ficou de pé, atraindo olhares de algumas pessoas, particularmente crianças que perguntavam aos pais porque ela estava chorando. Rapidamente, enxugou o rosto com a costa da mão e respirou fundo. Restava-lhe apenas voltar ao apartamento, deitar em sua cama e enterrar a cabeça nos travesseiros, pensando como fora estúpida em acreditar que ele realmente acordara… depois de oito meses, que se lembrava dela… que tinha ido procurá-la.

Deixou que um sorriso simples surgisse em seus lábios e então, sentiu um frio percorrer seu corpo, paralisando-a novamente, da ponta dos pés até o último fio de cabelo. Um toque gentil em sua mão provocara tudo aquilo… e quando a outra pessoa segurou sua mão com firmeza, prostrada bem atrás dela, tão perto que quase conseguia sentir a respiração do outro lhe tocando os cabelos, ela sentiu o coração falhar inúmeras batidas.

Ele levantou a mão dela lentamente, apontando-lhe o céu, especificamente um conjunto de estrelas.

– Está vendo aquela estrela mais brilhante?

A voz sendo pronunciada bem perto do seu ouvido foi o suficiente para que inúmeras lágrimas escorressem do canto dos olhos dela, e precisou conter alguns soluços para concordar quase imperceptivelmente com a cabeça. Sentiu um nó se formar na garganta quando sentiu o outro braço dele envolvendo-lhe pela cintura para puxá-la para perto, segurando-a com firmeza, quase como se ele estivesse prevendo que ela fraquejaria e cairia sobre os joelhos.

– Ligue-a com esta outra, e siga o rastro até fechar a forma. – ele continuou falando, movendo a mão dela e apontando o dedo indicador para formar a figura. – Dessas três estelas, faça três linhas imaginárias puxando três extensões. Sabe que constelação é essa, Rin?

Ela pensou em responder, mas a voz estava embargada pelos soluços e só conseguiu acenar negativamente com a cabeça.

– Se chama o Serpentário. – ele completou. – Diziam que ele tinha tanto conhecimento na medicina que era capaz de ressuscitar os mortos. Zeus não pôde deixá-lo viver por isso… mas lhe reservou um lugar eterno no céu.

Rin apenas sentiu que mais lágrimas escorriam de seu rosto, e daquela vez, estando tão perto de Sesshoumaru, sendo abraçada por ele, ouvindo sua voz, realmente sentiu que toda a força de suas pernas seria drenada e ela cairia ali mesmo, não fosse por ele lhe segurar. Ele abaixou o braço dela e a envolveu com o outro também.

– Se-Sess… Sess… – ela tentou chamá-lo, mas era difícil até mesmo pronunciar o nome dele completo com a voz embargada em choro.

– Sinto muito, estou atrasado. – disse Sesshoumaru, e lentamente, fez com que ela se virasse para ele, sem deixar de ampará-la com os braços. Havia tantas lágrimas saindo dos olhos dela que ela provavelmente não conseguia enxergar mais nada com distinção. – Espero que tenha reservado uma dança para mim.

Finalmente, ela conseguiu estender os braços para envolver a cintura dele o mais apertado possível, segurando o tecido do terno entre seus dedos com força, como se não quisesse que ele sumisse.

– Sesshoumaru! – ela conseguiu recuperar a voz, o som abafado pelo rosto dela estar escondido no peito dele. – Eu achei… eu realmente achei…

– Eu estou aqui, Rin. – ele não deixou que ela terminasse a frase. Segurou o rosto dela entre as mãos e aproximou o rosto lentamente.

Quando suas respirações já se cruzavam, não esperou nem permitiu que ela tentasse falar alguma coisa. Deixou que seus lábios finalmente tocassem os dela, sentindo um gosto salgado acentuado por conta da grande quantidade de lágrimas que ela derramara. Um minuto pareceu uma eternidade, do mesmo modo que os oito meses pareceram um dia. Ao abrir os olhos castanhos de novo e encarar os dourados de Sesshoumaru, Rin teve certeza de que ele estava ali, que realmente a estava encarando, e ouviu as palavras mais simples e significativas que precisava ouvir depois daquele longo e cansativo dia.

– Estou acordado.

Fim


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