A Lenda Perdida e a Rainha Esquecida escrita por Mitzrael Girl


Capítulo 2
.Capítulo I.




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As Crônicas de Nárnia

A Lenda Perdida e a Rainha Esquecida

Para Lis

.Capítulo I.

5h30min.

Era a hora que o relógio de cabeceira digital marcava. O céu ainda estava escuro àquela hora, mas o som irritante do alarme fez com que a jovem loira precisasse abrir os olhos esverdeados com vontade de quebrar o despertador no meio. Tão cedo…

– Droga. Prova! – ela se levantou rapidamente, contendo a vontade de destruir o despertador. Não teria tempo para aquele detalhe depois de lembrar que queria chegar mais cedo à faculdade justamente para estudar para uma prova que teria às 8h.

Correu para o banheiro para se arrumar e lavar o rosto para acordar. Tinha ido dormir muito tarde justo por conta daquela prova, tão tarde que lembrava até de ter sonhado acordada, tinha visto uma floresta enorme bem diante da sua escrivaninha. Se não fosse mais de uma da manhã e não estivesse raciocinando direito, teria passado por cima da escrivaninha para adentrar a floresta e provavelmente teria ido de cara com a parede.

– Não posso chegar atrasada… tenho que passar, tenho que passar! – repetiu consigo mesma, diante do espelho, ainda com cara de sono e com olheiras enormes.

Terminou de se arrumar rapidamente, saiu do quarto com os livros na mão e tentando não fazer barulho pela casa para não acordar a família. Fechou a porta ao passar e andou a passos largos para a estação de metrô mais próxima. O sol já estava mais alto e o dia estava um pouco mais quente. O relógio já marcava quase 6h30min.

– Droga, eu vou perder o metrô de 6h30min! – ela comentou consigo mesma, olhando para o relógio em seu pulso.

Precisou praticamente correr na rua para descer as escadarias para a estação – quase tropeçando e provocando um terrível e vergonhoso acidente – e finalmente alcançar o metrô poucos minutos antes das portas fecharem.

Parou para respirar quando finalmente estava dentro do transporte. O metrô começou a se mover e ela segurou-se numa das hastes de apoio. Levantou a cabeça para procurar algum lugar para se sentar, e parou de imediato, fitando diretamente a janela do metrô. Era para supostamente ver o lado de fora, ou seu próprio reflexo. O problema é que o reflexo dela não estava aparecendo… e não sabia que o metrô não circulava mais no subsolo e sim à beira de uma praia de águas cristalinas com seres saltando contra as ondas.

Ela não quis desviar os olhos do vidro, tendo certeza que se o fizesse, a imagem sumiria. Mas tinha certeza de que o efeito do pouco tempo de sono também tinha ajudado para piorar sua situação. Depois de alguns minutos olhando para a linda paisagem provocada por seu sono, desviou o rosto e sentou num dos lugares vazios, de costas para as janelas que imaginara ter visto a praia. Precisava no momento se preocupar com a prova e nada mais.

Foram trinta minutos de viagem até que o metrô parasse na estação que ela iria descer. Àquela altura, já tinha se esquecido dos sonhos acordados que tivera. Quando chegou à faculdade, seguiu direto para a biblioteca, para passar a próxima hora terminando de revisar uns assuntos. Então teria certeza de que passaria naquela prova.

Ao chegar à biblioteca, escolheu uma mesa, entre as duas últimas fileiras de livros de Direito, e colocou a bolsa e o livro que estava carregando na mão sobre ela. Virou-se para uma das prateleiras, procurando um determinado título entre os que estavam arrumados em ordem alfabética. Andou lentamente até o final da prateleira, até finalmente achar o que queria. Mas, ao estender a mão para pegar o livro na prateleira mais alta, um barulho de cascos adentrou seus ouvidos, e ao virar o rosto, para tentar entender de onde estava imaginando aquilo, não foi a imagem da mesa, das prateleiras o mesmo do panorama da biblioteca que invadiu seus olhos esverdeados. Estava num local completamente diferente, em meio à árvores tão altas que pareciam alcançar o céu, arbustos verdes e vivos… e aquele som ficando cada vez mais alto. Virou-se novamente, imaginando poder encontrar os livros que estivera buscando, mas arregalou os olhos quando encarou um rosto muito próximo do seu… na verdade, literalmente se jogando contra o seu.

– Abaixe-se! – foi a única palavra gritada que ouviu antes que o corpo pesado se chocasse contra o seu, levando-a ao chão úmido da floresta.

Depois daquilo, ela ainda teve a impressão de escutar várias coisas cortando o ar simultaneamente, mas não tinha certeza, na verdade, estava mais preocupada em raciocinar se realmente tinha um cara bem em cima de si e que estava evitando se levantar, como se quisesse escondê-la junto dele.

– Hey… você…?

– Shhh! – ele não deixou que ela completasse a frase. – Eles vão nos encontrar, fique quieta.

Ela não sabia exatamente o que pensar, mas o que quer que estivesse sonhando naquele momento, estava sendo um sonho muito realista. Uma floresta atrás da sua escrivaninha, uma praia no túnel de metrô e agora, outra floresta bem na biblioteca da faculdade? Alguma coisa tinha que estar dando realmente errado com sua cabeça, não era possível que ficar tanto tempo acordada tivesse tais efeitos colaterais.

Enquanto ela estava perdida nas próprias suposições, as vozes de outras pessoas não invadiram seus ouvidos, só voltou à vida real – ou não – quando o homem que ainda estava se escondendo com ela, mais precisamente, em cima dela, voltou a falar.

– Acho que eles já foram. – disse, erguendo o corpo para olhar por cima dos arbustos sob os quais estavam escondidos. – É… despistamos eles.

– Que… que tal sair de cima de mim agora? – a dona dos cabelos loiros falou, incerta e ainda desnorteada com a situação.

– Ah… claro. – o jovem fez o que ela disse e, ainda olhando para os lados para ter certeza de que não havia mais ninguém por lá, finalmente se levantou.

Foi naquele momento que a estudante de Direito prestou atenção ao homem. Ele era bem mais alto que ela, vestia roupas estranhas, botas de couro amarradas às pernas com cordas, calças e camisa folgadas, um cinto onde havia um punhal preso e uma correia que prendia uma aljava nas costas dele, com apenas algumas flechas visíveis e nada de arco. Era como se ele tivesse saído de um filme de fantasia na Idade Média. Os cabelos eram curtos e castanhos e os olhos verdes finalmente desviaram da floresta ao redor para encarar os olhos igualmente verdes dela.

– Vai ficar deitada aí esperando eles voltarem? – ele perguntou, estendendo a mão para ajudá-la a se levantar.

– Quem é você? – ela finalmente perguntou, aceitando a ajuda e vendo que de pé, a diferença de altura era bem mais notável.

– Eu sou Joshua. – ele disse, soltando a mão da mulher. – Quem é você?

– Meu nome é Rebecca… – a mulher respondeu, mas antes que pudesse continuar, ele a interrompeu.

– Suas roupas são estranhas… você é uma humana, não é? De que reino você vem? – o homem inclinou um pouco a cabeça para os lados, analisando a calça jeans, as sandálias de salto e a camisa de gola e mangas cumpridas que ela usava.

– Humana…? – Rebecca conteve a vontade de rir, ela realmente devia estar delirando. – E o que mais seria? Como assim de que reino? Onde estamos exatamente?

– Onde estamos? – ele perguntou, parecendo incrédulo. – Você está brincando, não é? Está há dois passos do território do Rei Tristan, desarmada, com as tropas dele correndo por aí… e ainda pergunta onde estamos? A não ser que… – ele deu alguns passos para trás. – Você pertence ao reino de Tristan, não é? Quem é você na verdade?

– Reino de Tris… você está ficando louco? – Rebecca replicou, agora mais perdida nas suposições. – Eu não faço idéia de quem é esse tal de Rei Tristan. Que lugar é esse, afinal? Eu só posso estar ficando louca. – ela completou, levando a mão à cabeça.

Rebecca fechou os olhos por uns segundos apenas, balançando a cabeça para tentar colocar os pensamentos em ordem. Parecia que aquilo tinha efeito, pois ao abrir os olhos, estava de volta à biblioteca, diante da prateleira de livros em que procurava um livro de Direito.

A jovem olhou ao redor, tentando confirmar se estava mesmo de volta à biblioteca central de Direito. Parecia tudo normal para ela. Olhou no relógio… incrivelmente, parecia não ter se passado nem um minuto desde que estivera naquela floresta até voltar…

– Você… não… esteve… em… lugar… nenhum. – disse para si mesma, puxando o livro da prateleira e colocando-o com força em cima da mesa.

Sentou-se numa das cadeiras e abriu em uma página qualquer, começando a ler coisas que não tinham realmente a ver com a prova que ia fazer naquela manhã, mas não pareceu ter se dado conta daquele detalhe.

xXx

Argorius olhou o fundo do precipício. Um rio corria lá embaixo, fraco, desaparecendo em ambos os extremos ao longo do estreito. O céu estava claro ainda, mas a luz do sol já estava quase desaparecendo no horizonte, para dar lugar à noite e ele mais uma vez tentasse lê-las…

Voltou-se para trás rapidamente ao sentir alguém se aproximando. Podia ouvir as folhas farfalhando de um modo diferente e os galhos de árvores se espatifando no chão.

– Vejo que conseguiste fugir, humano. – Argorius falou, ao ver a imagem de Joshua surgindo entre as árvores. – É uma proeza teres escapado das tropas de Tristan.

– Pelo visto, nem precisa mais de informação. – Joshua respondeu. – E eu ainda perdi meu arco.

– O que conseguiste? – Argorius perguntou, dando passos na direção do outro.

– Ele está fechando o território. Está se fechando para todos os narnianos e os que tiverem relação com Nárnia. – Joshua começou a falar, erguendo a cabeça para encarar o centauro nos olhos. – Ele só quer humanos no seu território, mas não sei qual o motivo disso.

– É porque os humanos são os únicos que hão de resistir. – Argorius respondeu, fechando a mão em punho, virando-se mais uma vez para ir até a beira do desfiladeiro.

– Resistir a que? Ainda não sei o que está se passando na cabeça de vocês… será que alguém poderia me contar alguma coisa? Eu ainda estou do lado dos narnianos, sabia? – o homem reclamou, aparentemente irritado.

– Nárnia está para desaparecer, humano. – Argorius comentou, olhando o céu. – A mágica vai desaparecer… e a única coisa que restará de nós, são os humanos que aqui habitam… porque são humanos.

– Do que está falando? – Joshua deu um passo na direção do centauro, não entendendo exatamente sobre o que ele falava. – É sobre aquele rumor que está rodando entre os narnianos?

– Não é mais um rumor. – Argorius voltou os olhos para ele. – Até o Rei Tristan percebeu… e ele está fazendo o que pode para se salvar. Se apenas os humanos podem sobreviver ao choque dos dois mundos, então, ele liderará apenas humanos.

– Isso não pode ser verdade, não é? – Joshua sorriu, irônico, mas a seriedade de Argorius fez seu sorriso sumir. – Mas eu ouvi… ouvi histórias de que Aslam tinha falado algo sobre esses dias, o que significa que há uma saída, não há?

– "É dever do povo de Nárnia lembrar-se da Era de Ouro… dos grandes reis e rainhas do passado, do que eles fizeram, do que eles puderam fazer… por um mundo que não era deles." – Argorius repetiu as mesmas palavras que ouvira do anão na noite anterior. – Se consegues decifrar as palavras de Aslam sem chegar à conclusão que todos já chegaram, que há um modo de trazer os reis do passado de volta para nos salvar… ficarei feliz em ouvir.

– Não há nada que as estrelas possam contar? – Joshua perguntou.

– Espero ansioso que elas possam me dar mais respostas sobre o que Aslam nos deixou. – Argorius encarava o céu de fim de tarde. – Mas… talvez elas se confundam com o céu do outro mundo… e não posso dizer que o que estava escrito esteja certo.

– Então… é melhor esperar sentado. – Joshua disse, sentando-se no chão de pedra frio, olhando para o fundo do precipício por uns segundos até se sentir completamente tonto e se arrastar um pouco para trás. – É mais… seguro. – disse, ao encontrar os olhos de Argorius.

Os dois ficaram ali por longas horas até que o céu estivesse completamente escuro. Não trocaram palavras, embora Joshua se mostrasse impaciente várias e várias vezes, brincando com as flechas de sua aljava, com o punhal, e quase derrubando-o no penhasco.

– És muito impaciente, humano. – Argorius falou, depois de deixar-se distrair pela inquietação de Joshua pela segunda vez, quando o cabo do punhal bateu em sua pata dianteira.

– Desculpe por isso. – Joshua sorriu sem graça, pegando o punhal e o guardando de volta, dando graças à Aslam que não tinha sido a lâmina a acertar o centauro… sabia o quão violento eles podiam ser… talvez a sua sorte fosse que este em particular era Argorius.

– Certamente não conseguiria o dom de ler as estrelas com toda essa agitação. – Argorius completou, sem mover-se um dedo, olhando para o céu completamente estrelado agora.

– Não, estou muito bem, obrigado. – Joshua falou, levantando-se e limpando a roupa. – E então, vê alguma coisa?

Argorius ficou calado, fitando o céu tão intensamente que parecia ver as estrelas se movendo em sua direção. A resposta não veio mesmo com a esperança de Joshua. Ele balançou-se na ponta dos pés, andou de um lado a outro, e ainda assim não houve resposta do centauro.

O homem parou, fitando as estrelas também. Não conseguia ver nada de diferente nelas, nem se tentasse encontrar. Nem mesmo sabia que outro céu era aquele do qual Argorius falava mais cedo. Céus não eram sempre a mesma coisa? Um grande azul cheio de pontinhos brilhantes e só. Centauros apenas pensavam demais e viam coisas demais.

– Bom… eu acho que você vai demorar mais um pouco aí, então eu vou… – quando Joshua já estava dando passos para trás, parou ao ouvir a voz de Argorius interrompê-lo.

– Curioso… – o centauro não desviou os olhos das estrelas.

– Ahn? Falou comigo? – Joshua deu a mesma quantidade de passos para frente, olhando do semblante concentrado de Argorius para o céu e de novo para o amigo. – Se importa de dizer… o que é curioso?

– Os céus… – Argorius levantou a mão num gesto lento, apontando para a imensidão acima de si.

– Os céus…? – Joshua perguntou, impaciente.

– É como se fossem um só. – Argorius completou, estreitando os olhos, como se tentasse ver além do que a vista alcançava.

– Er… – Joshua conteve a vontade de comentar que o céu parecia só um em qualquer ângulo, esperando que o centauro concluísse o pensamento. Mas o silêncio pairou novamente e ele precisou tirar o líder do grupo de seus devaneios. – Isso significa que há alguma coisa nele?

– É essa a parte curiosa. – o centauro ainda continuava com os olhos fixos no céu. – Mesmo se sobrepondo… especialmente hoje… eles se encaixam perfeitamente. Como se fossem assim desde o início dos tempos.

– E você pode ler? – Joshua perguntou, ansioso.

– É como uma lenda. – Argorius respondeu. – Como uma lenda contada nas estrelas.

– Do que fala essa lenda então?

– Da destruição de Nárnia.

Apenas naquele momento, o centauro abaixou os olhos para Joshua, eles se encaravam de maneira apreensiva. Seria aquela a conclusão que estavam esperando? Era o destino que os aguardava então… até mesmo as estrelas tinham certeza daquilo. Aqueles eram os pensamentos que passavam pela cabeça de Joshua enquanto encarava o sério líder dos centauros… até que viu um sorriso surgir sutilmente no canto dos lábios de Argorius.

– O… o que? – Joshua perguntou de imediato. – Por que está rindo? O que foi?

– Fala de como Nárnia resistiu à destruição uma vez… e como pode fazê-lo novamente. – Argorius respondeu, esticando o braço para indicar as estrelas. – É uma lenda… uma lenda que foi perdida entre os dois céus, há muito tempo atrás. Uma lenda que só ressurge com a junção dos dois mundos.

– E quem é que vai salvar Nárnia afinal? – Joshua não conteve mais a impaciência.

– Uma… rainha. – Argorius voltou os olhos para o homem, abaixando as mãos. – Uma rainha de uma era que foi esquecida antes mesmo da Era de Ouro.

– E quem é essa rainha? Onde ela está? – o homem perguntou. – Como ela pode salvar Nárnia? É uma rainha de que reino?

– Isso… os céus não sabem nos dizer. – Argorius completou, finalmente esquecendo as estrelas e se virando para o humano.

Antes que um deles pudesse falar mais alguma coisa, um vento muito frio soprou, fazendo ambos darem passos para trás, para longe do penhasco. Ao virarem os rostos, uma luz quase que ofuscante brilhou no meio do ar, fazendo-os fecharem os olhos. Ao abrirem mais uma vez, se impressionaram com a vista. Era uma coisa sobre-humana. Em lugar do estreito e da floresta no outro lado do precipício, uma visão de enormes construções se erguia diante deles. Havia várias luzes, pessoas, máquinas que se moviam em grande velocidade de um lado a outro. Era como se um outro lugar estivesse surgindo sobre Nárnia.

– O… o que… – Joshua afastou-se, assim como Argorius, mas a visão não durou muito tempo. Do mesmo modo como tinha surgido e com aquela mesma brisa congelante, uma luz, dessa vez negra, invadiu os olhos deles, queimando-os como em brasa.

Joshua e Argorius levaram as mãos aos olhos, apressados, gemendo com a dor instantânea. Apenas depois de alguns minutos ela passou, permitindo que os dois respirassem mais aliviados e abrissem os olhos para encarar apenas a floresta e o precipício.

– É… é o mundo deles. – Argorius comentou, se recompondo quando os olhos pararam de arder. – O mundo de nossos antigos reis.

– Wow… dessa vez foi bem pior. – Joshua reclamou, balançando a cabeça para os lados rapidamente, tentando se recuperar.

– "Dessa vez"? – Argorius franziu o cenho, encarando o humano. – Você já viu isso antes?

– Sim… e não. – Joshua respondeu, passando a mão pelos olhos e finalmente parando para encarar o outro. – Hoje, quando estava fugindo do exército de Tristan.

– O que viu exatamente?

– Foi bem menor que isso… mas foi a mesma sensação estranha. E não deu pra ver tanta coisa… só apareceu aquela garota e fechou. – Joshua relatou, olhando para o lado novamente para ter certeza de que aquele mundo estranho não estava no lugar das conhecidas florestas de Nárnia. – E depois, aconteceu a mesma coisa… mas a garota desapareceu com aquela luz negra. Não sei se ela foi afetada do jeito que n…

– Uma humana do outro mundo conseguiu entrar em Nárnia? – Argorius comentou, não escondendo a surpresa.

– Eu acho que não vai ser difícil… se continuar como aconteceu agora. – Joshua respondeu.

– Humano… quantas pessoas do outro mundo acabastes de ver? Quantas pessoas havia do outro lado do precipício? – Argorius questionou.

– Hm… muitas. – Joshua respondeu, olhando para o outro lado da floresta de novo… era um lugar parecido com os reinos humanos de Nárnia… mas bem mais complexos, com muito mais pessoas andando de um lado a outro.

– Quantas nos encararam tal como as encaramos? – o centauro perguntou, e naquele momento Joshua se deu conta de onde o centauro queria chegar.

– Não está dizendo que…?

– As estrelas não puderam nos responder, mas Aslam pôde. – foi a sentença final de Argorius.

xXx

Rebecca já estava ficando cansada daquela prova. Suas mãos estavam cansadas de tanto escrever, e só tinha respondido quatro das dez questões. Suspirou, relendo pela terceira vez o enunciado da quinta questão. Não conseguia se concentrar e associar direito o que ela pedia. Como conseguiria? Duas horas atrás estava delirando na biblioteca com um cara alto, moreno e de olhos claros que a tinha supostamente protegido no meio de uma floresta. E por mais absurdo e estúpido que aquilo pudesse parecer… não conseguia esquecer. Não dava pra se concentrar na prova e lembrar-se do que tinha imaginado ao mesmo tempo. O mínimo que podia acontecer era descrever aquela floresta e aquele cara na resposta da questão.

– Que saco… – ela sussurrou consigo mesma, abaixando a cabeça para apoiá-la nos braços e descansar um pouco. Ainda tinha três horas de prova pela frente… ou achava que tinha.

Antes mesmo que pudesse abrir os olhos, sentiu-se cair como se o chão tivesse desaparecido sob seus pés. Não teve tempo de gritar ou de reclamar, ou mesmo voltar a responder sua prova, quando sentiu sua pele tocando uma areia fria. Abriu finalmente os olhos para perceber que estava quase engolindo areia de praia. A jovem se sentou de imediato, olhando ao redor, tentando acreditar que mais uma vez estava sonhando. Não havia mesa, não havia cadeira, ou mesmo a prova e toda a sala ao redor. Não havia a cidade que conhecia e a faculdade, havia apenas uma enorme praia deserta.

– Ah não… está acontecendo de novo. – a mulher reclamou consigo mesma. – Eu tenho que parar de delirar… preciso terminar de responder a prova…

Do mesmo modo que fizera mais cedo, ela colocou a mão sobre os olhos e balançou um pouco a cabeça, tendo a certeza de que voltaria à realidade. Talvez tivesse voltado, se não tivesse sentido algo gelado batendo em sua perna.

– Ah, droga! – ela se levantou rapidamente, quando a água do mar alcançou suas pernas. Tentou correr para longe da praia, mas caiu de bunda no chão por conta das sandálias de salto alto. – Ahhh! Eu mereço!

Ela se levantou mais uma vez, antes que a água das ondas a alcançasse de novo. Tirou as sandálias de uma maneira completamente desajeitada e começou a andar na direção de um paredão rochoso mais adiante. Para todo lado que olhava, ou via floresta, ou mar… um mar realmente bonito que não imaginava que pudesse existir na Terra. Mas realmente… era mesmo na Terra que estava?

Rebecca suspirou. Estava cansada daqueles devaneios… e não conseguia aceitar que tinha caído da cadeira da sala de aula para uma praia de um mundo completamente desconhecido… quer dizer, qual a probabilidade de uma coisa daquelas ser real?

– Hm… – murmurou consigo mesma, contando alguma coisa nos dedos. – Acho que a probabilidade… hm… não existe essa probabilidade!

Ela conteve a vontade de bater na própria testa com o pensamento, voltando a olhar ao redor. Caminhou contra o mar, seguindo na direção dos rochedos. Subiu as pedras cuidadosamente, alcançando logo uma clareira com uma floresta bem adiante. Olhou ao redor e além das grandes árvores… apenas… árvores, árvores, montanhas, árvores e árvores.

– Ótimo… onde que eu fui me meter? – reclamou, chorosa, sem saber para onde seguir. – Isso não pode ser real! Não pode!

Depois de ponderar alguns minutos sobre ficar ali parada ou adentrar a floresta, não resistiu à tentação de explorar o desconhecido além daquela clareira em que estava. Sempre fora fascinada por florestas, mas não tinha realmente chegado perto de uma… tinha a chance bem diante de seus olhos… o problema era que não sabia o que tinha lá exatamente. E se fosse perigoso…?

– Hm… vamos esperar que aquele cara apareça de novo pra me ajudar. – comentou consigo mesma, escondendo um sorriso travesso e andando a passos largos para adentrar a floresta, segurando o par de sandálias de salto alto numa das mãos.

Só precisou andar durante cinco minutos para definitivamente não saber por onde voltar. As árvores eram altas e quase fechavam o céu, os arbustos eram muitos e não dava pra saber exatamente de que lado viera – além de não conseguir se concentrar em lembrar-se do caminho percorrido e pensar no que tinha a percorrer ao mesmo tempo –, e a floresta era estranhamente silenciosa. Um silêncio, no entanto, curioso. Por poucas vezes durante o tempo que caminhara, pensou ter ouvido sussurros… sussurros que se perdiam entre as árvores, ou que pareciam virem das árvores.

Ela olhou ao redor, tentando encontrar um caminho, uma trilha, um sinal… qualquer coisa que a guiasse naquele mar de semelhanças, e então, sentiu-se pisar acidentalmente em alguma coisa peluda… afastou-se rapidamente, virando-se para ver do que se tratava.

– Hey! Não olha por onde anda não, é? Isso é um rabo, tá ouvindo?

Rebecca olhou imediatamente para baixo, tentando se convencer de que realmente não tinha sido dopada ou coisa parecida. Arregalou um pouco os olhos, ao encarar os orbes claros do que bem parecia um… coelho. Um coelho de pêlo preto com manchas brancas e de pé sobre as duas patas traseiras.

– O que é que ce tá olhando, hein? Nunca viu um coelho não, foi?

A única reação lógica para aquela situação… ao perceber que realmente tinha um coelho reclamando com ela, foi simplesmente gritar. Ela gritou o máximo que pôde e se afastou, tropeçando num galho de árvore e mais uma vez, naquela manhã, caindo de bunda no chão. Depois de recuperar-se da dor momentânea, voltou a encarar o animal, querendo ter certeza de que ele realmente existia e ainda por cima, falando!

– Qual o problema com você, hein, garota? – o coelho falou, aproximando-se a pulos rápidos, e pulando no colo dela, para encarar seu rosto de perto. – Está com medo de quê?

– Vo-vo-vo-você… – ela começou a falar, ainda mais nervosa com a proximidade do animal. – Qu-quer dizer… coelho… vo-você… você fala!

– Jura? Esperava o quê? Que eu grunhisse ou fizesse sons incompreensíveis? – o coelho respondeu, pulando de cima do colo da mulher. – Você está com algum problema, garota?

– O… o coelho fala. – ela repetiu, mais para se convencer do que para informar ao animal que estava ciente daquilo.

– Para a senhorita, Senhor coelho. Ou melhor, Khar. Meu nome é Khar. – o coelho se apresentou, estendendo a pata para que Rebecca o cumprimentasse. – E você? De onde saiu com essas roupas estranhas? Definitivamente não é uma narniana… essas roupas são muito feias.

– Hey! – Rebecca reclamou do modo como ele observava as suas roupas. – Eu sou Rebecca… Rebecca Lawrence. – estendeu a mão para apertar a pata do coelho, completamente receosa.

– Humanos… hmpft. Adoram ter nomes complicados, quanto mais, melhor. – o coelho soltou a mão dela rápido. – Bom, não importa de onde saiu, é melhor voltar pra sua toca logo. As árvores estavam comentando que os exércitos de Tristan estavam rondando essa área também, sabe, eles não gostam de narnianos… bah, mas você é humana, duvido que não esteja do lado deles. Então é melhor eu ir andando, antes que apareçam e resolvam tirar minha pele fora. Boa sorte, garota.

– Rebecca. – ela corrigiu, vendo o coelho se afastar andando sobre apenas as duas patas traseiras.

– Que seja, que seja. – o coelho apenas balançou uma mão em resposta, continuando a se afastar, começando a conversar consigo mesmo. – Eu não sei mesmo o que eles acham que essa tal rainha pode fazer… nem sabemos como encontrá-la! Por mais que vejamos aquele outro lado, não tem como passar, simplesmente não tem. Não sei como ela pode salvar Nárnia… não sei…

Aquelas foram as últimas palavras que Rebecca ouviu, ainda dentro de seu raio de audição, até que o coelho começasse a saltitar pelos arbustos, desaparecendo rapidamente.

– Árvores? Narni… nar… ah! – Rebecca balançou a cabeça mais uma vez, tentando associar o que estava acontecendo, mas era meio que completamente impossível. Não sabia onde estava, não sabia se estava sonhando um sonho extremamente real, não sabia se estava com sérios problemas psicológicos… mas por enquanto… queria viver naquele sonho, e descobrir o que exatamente estava acontecendo ali.

Ela se levantou, limpando a roupa e recolhendo as sandálias que deixara cair quando se afastara do coelho. Voltou a caminhar, tomando cuidado dessa vez para observar os lugares em que pisava. Não encontrou nenhum animal no pouco que andou, mas precisou parar quando ouviu arbustos se mexendo de maneira não convencional bem atrás de si.

Virou-se, procurando a fonte do barulho, mas não viu nada que pudesse tê-lo provocado. Voltou a caminhar, escutando mais arbustos se movendo, e então, virou-se repentinamente, mas ainda assim, não conseguiu flagrar o que estava provocando tais barulhos.

– Estou realmente enlouquecendo. – suspirou, cansada.

– Eles estão se aproximando…

Aquela voz adentrou os ouvidos da jovem quase como uma sentença de morte, tão surpresa ela ficou ao ouvir o sussurro. Virou-se rapidamente, tentando descobrir de onde a voz surgira, mas continuava sem ver ninguém… nem mesmo animais.

– Qu-quem… quem está… – deu alguns passos para trás e antes mesmo que pudesse completar a sentença, ouviu outro sussurro.

– Eles a encontrarão…

– Quem está aí?

– Ela pode nos ouvir… será que é realmente ela?

Rebecca começava a se voltar em todas as direções. As vozes pareciam cercá-la e ela não fazia idéia de onde estavam vindo. Poderiam mesmo estar vindo de seus próprios pensamentos, não iria se impressionar nem se o vento falasse naquele estranho lugar.

– Ela não parece narniana…

– Mas parece humana… como os teomarinos.

– Então pode ser perigosa. Pode ser um deles.

– Não… não é um deles… é ela.

– Quem está aí? – Rebecca perguntou uma vez mais, parando de se mover, desistindo de tentar localizar os donos das vozes. – Apareça! Não vou fazer nada!

– Não duvido disso.

A nova voz não era exatamente um sussurro e era ligeiramente conhecida. Rebecca virou-se para trás o mais rápido que pôde, dando de cara com o mesmo homem moreno de olhos verdes que encontrara mais cedo. Ele estava vestindo uma roupa diferente, e além de ter um arco de uma aljava cheia de flechas, carregava também uma espada embainhada na cintura.

– Não… não me assuste desse jeito! – ela reclamou, respirando fundo e colocando a mão sobre o peito.

– Você não está mais baixa do que da última vez que a vi? – ele perguntou, cruzando os braços diante do corpo e analisando a garota dos pés à cabeça.

– Ora, seu…! – Rebecca conteve a vontade de bater no rapaz, quando viu que ele virou o rosto rapidamente para o lado, como se buscasse alguma coisa entre os arbustos… algo que lhe tivesse chamado a atenção.

– Onde você esteve todo esse tempo? Estive procurando-a por mais de onze luas! – Joshua reclamou.

– Onze… quê? Eu acabei de ver você! Não faz nem duas horas! – Rebecca replicou, não sabendo exatamente porque estava sustentando aquela conversa.

– Ainda bem que a encontrei antes do rei Tristan. O boato se espalhou tão rápido que agora ele quer confirmar se você existe… e esse fato é bem verdade. – Joshua continuou a falar, olhando para os lados, como se estivesse desconfiado, sequer pareceu prestar atenção ao que Rebecca falara.

– Rei Tristan…? Do que você está falando? – Rebecca perguntou, irritada. – Que raios de lugar é esse? O que está acontecendo?

– Perguntas para depois, por favor. – Joshua disse, segurando-a pelo braço. – No momento, precisamos correr.

– Eh?

Antes que ela pudesse raciocinar direito, já sentia os pequenos galhos e folhas batendo contra seu corpo enquanto eles corriam por entre as árvores, sem seguir necessariamente uma trilha. Na verdade, não devia ter uma trilha qualquer naquele lugar, quase sentia como se as árvores pudessem se mover e mudar de posição para esconder as trilhas que os outros tentavam fazer.

– Hey! Por que estamos correndo, hein? – Rebecca perguntou, ainda acompanhando o outro, sem ter realmente escolhas, já que ele a estava puxando. – Hey! Quer parar uns segundos?

Foi apenas falar aquilo que o homem estancou no mesmo lugar. Mas não parecia ter parado por conta do pedido de Rebecca. Ele estava olhando atentamente para cima, para além das folhas das copas das árvores. Baixou a vista para olhar ao redor, como se quisesse enxergar através dos troncos largos.

– O que foi? – Rebecca perguntou, ao ver a expressão dele.

– Shhh! – ele fez um sinal para que ela se calasse, continuando a olhar ao redor. – Eles estão perto.

– Eles…?

– Já está cansada de saber quem são. – Joshua retrucou, puxando-a subitamente para baixo. – Cuidado.

– Eles estão aqui? – Rebecca não sabia exatamente porque, mas estava falando no mesmo tom de voz sussurrado que o homem sentado bem ao seu lado. Eles estavam atrás de alguns arbustos pouco altos, quando Rebecca finalmente conseguiu ouvir o som das folhas sendo amassadas e de passos apressados bem atrás dela. – Acho que sim…

– Shhh! – ele fez sinal para que ela se calasse novamente, fazendo-a cruzar os braços emburrada.

Cuidadosamente, ele tirou o arco das costas e puxou uma flecha, posicionando-a no arco. Levantou-se devagar até que seus olhos tivessem um vislumbre da quantidade de homens que estavam rondando-os.

– Ei! Está louco! Se abaixe! – Rebecca reclamou, puxando-o pela camisa sem nem saber o motivo. – Eles vão nos encontrar assim!

– Vão nos encontrar de qualquer jeito, então, é melhor eu atacar antes. – Joshua retrucou, balançando um pouco as folhas no ato de se livrar do braço dela que segurava sua camisa.

Aquela não foi a melhor das idéias… foi preciso apenas que algumas folhas encostassem na pele da garota e em dois segundos ela tinha espirrado. Rebecca levou as duas mãos à boca rapidamente, como se pudesse evitar que o espirro tivesse saído.

– Por aqui! Ouvi alguma coisa aqui! Venham!

Rebecca e Joshua se entreolharam, ao ouvir a voz de um dos homens que estavam rondando a floresta.

– Droga… agora não tem jeito. – Joshua disse, posicionando melhor a flecha.

– Que… o que você…?

– Corra! – ele falou aquilo ao mesmo tempo em que se levantou e disparou uma flecha certeira no peito do homem que estava mais próximo deles.

O homem caiu com a flecha fincada no corpo e o sangue escorrendo. Os companheiros olharam para ele por apenas dois segundos e viraram o rosto na direção de Joshua. Não demorou a que o líder apenas desse um grito em ordem para capturarem o homem. Mas no espaço de tempo entre a ordem e o primeiro passo para trás de Joshua, mais uma flecha já tinha sido disparada e tinha acertado a perna do segundo homem.

– O que está esperando, mulher? Corra! – Joshua gritou para Rebecca, que ainda estava escondida atrás do arbusto, já pegando uma terceira flecha para mirar nos homens que estavam começando a segui-los.

Rebecca não contou o tempo, levantou-se rapidamente e correu para trás de Joshua, percebendo logo que depois de mais duas flechas disparadas, ele também estava começando a acompanhá-la na corrida. Antes de se afastarem o suficiente, Rebecca ainda ouviu claramente o grito de um dos soldados.

– É ela! É a mulher que o Rei está procurando! Peguem-na! Matem-na!

"Matar?", foi o primeiro pensamento que se passou pela cabeça de Rebecca, enquanto corria apressada entre as árvores, sendo impulsionada não apenas por Joshua, como por um novo e incrível instinto de sobrevivência. Nem estava se preocupando mais com o estado em que estavam seus pés. Estava descalça, com as sandálias em mãos… eles estavam machucados pelo chão da floresta… mas no momento, queria apenas correr daquela ameaça de morte que sequer imaginava o motivo.

– Droga… eles estão se aproximando! – Joshua reclamou, ainda correndo e se desviando dos galhos. – Minhas flechas estão acabando…

– Não tem nenhum lugar seguro que possamos ir? – Rebecca perguntou, tentando se desviar dos galhos também, sem perder o passo.

– O território dos centauros. – Joshua respondeu, olhando para trás e atirando uma penúltima flecha. – Eles podem até entrar no território dos narnianos, mas não se atreveriam a chegar perto dos centauros com tão poucos homens.

– Cen… cen… centauros? – Rebecca quase tropeçou ao ouvir a palavra. – Está… está falando de centauros de verdade?

– Se fossem de mentira não teria como nos proteger, né? Agora corra! – Joshua retrucou, e virou-se mais uma vez para atirar a última flecha. – Droga! Errei!

Ainda havia três homens seguindo-os, os três armados de espadas e escudos. Precisavam apenas aproximar-se o suficiente para atacá-los e se Joshua não conseguisse dar conta dos três, talvez a idéia de matar Rebecca se concretizasse. Mas a garota parou de súbito ao perceber que podia morrer não pelas espadas dos homens que a perseguiam, mas pelo pequeno rochedo que estava à sua frente. Ela parou o passo pouco antes de cair pelo menos uns dois metros até um rio não muito calmo que estava bem diante de si.

– Joshua! – ela se virou, em busca de ajuda, chamando pelo outro bem a tempo dele parar antes de esbarrar nela e os dois caírem na água.

– O quê?

– Não tem pra onde ir! – ela reclamou, quando ele a alcançou e olhou para baixo.

– Estamos perto, o território dos centauros é do outro lado. – Joshua respondeu, virando o rosto rapidamente para ver que os homens estavam já saindo da floresta.

– Como vamos passar pelo rio? – Rebecca perguntou, olhando para a água mais uma vez.

– Da maneira mais rápida. – ele respondeu, e não esperou um segundo sequer para empurrá-la na direção da água.

A loira não teve muito tempo para gritar, quando sentiu a água tocando-lhe a pele e invadindo seus pulmões, pelo modo completamente desavisado que tinha sido jogada. Ela bateu os pés, lutando contra a correnteza para conseguir chegar à superfície e respirar. Quando sentiu o vento bater em seu rosto fora da água, tossiu forte, abrindo os olhos para encarar o caminho pelo qual a correnteza a estava levando. Havia muitas pedras, mas não conseguia se segurar a nenhuma delas, não conseguia enxergar direito e a cada segundo que se passava, engolia mais água, ficava mais difícil respirar sem que gotas do líquido invadissem seus pulmões. Não conseguia olhar para trás para descobrir onde Joshua estava… estava completamente desorientada e sentia que talvez realmente não resistisse à correnteza do rio.

Sem conseguir continuar a bater os pés, parou lentamente, até que a água passasse de seu pescoço e seu corpo fosse caindo mais e mais fundo na água. Teria ficado realmente inconsciente, se não tivesse sido puxada de súbito para a superfície mais uma vez. Os braços fortes a seguraram firmemente pela cintura, fazendo com que mantivesse a cabeça fora da água. Ela tossiu mais uma vez.

– Onde acha que está indo? Não pode morrer agora, sabia? – ela ouviu a voz de Joshua falando, bem perto dela, enquanto ainda estava dentro da água, sendo levada, ela esperava, para a margem.

– É… sua culpa. – Rebecca retrucou, cuspindo água uma vez mais.

Ele não voltou a falar… e ela só teve coragem de tentar pensar em alguma coisa coerente quando estava mais uma vez em terra firme, deitada na margem do rio, tossindo o resto de água que tinha se acumulado em seus pulmões pela surpresa do ato dele.

– Você não sabe nadar? – foi a primeira frase que saiu dos lábios do moreno.

– É claro que eu sei nadar! – ela respondeu, de maneira indignada. – Mas teria funcionado melhor se você não tivesse me empurrado na água! Tava tentando me matar?

– Ainda não. – Joshua respondeu, se levantando e estendendo a mão para que ela pegasse. – Agora estamos protegidos.

– Eu espero que seja verdade… melhor que ser jogada em outro rio. – Rebecca respondeu, segurando a mão dele.

Ela teria se levantado, se não tivesse sentido a dor no pé. Sentou-se novamente sem demora. No momento em que toda a preocupação de fugir tinha sumido, as dores no corpo começaram a se manifestar. Os pés estavam completamente machucados por ter corrido descalça na floresta.

– Droga… – a mulher reclamou, olhando para os próprios pés com alguns arranhões e um pouco de sangue escorrendo junto com a água. – E ainda perdi minhas sandálias novas! – completou, num tom choroso.

– Como é que você corre por uma floresta com os pés descalços? – Joshua falou, se abaixando e tirando o arco e a aljava das costas.

– Eu estava na sala de aula dois minutos antes de chegar aqui, tá? Como é que eu ia adivinhar? Isso é contra as leis da física! – Rebecca respondeu, emburrada.

– Você reclama demais. – o homem retrucou, virando-se de costas para ela. – Suba. Se formos depender de você, não vamos chegar aos centauros nunca. Eles vão cuidar dos seus ferimentos… espero.

– Como assim "espero"? – Rebecca perguntou, apreensiva, segurando o pescoço do outro, enquanto ele a levantava nas costas. – Eu que espero que eles sejam amigáveis, hein.

– Eu também. – Joshua respondeu, começando a andar na direção da floresta.

Mais uma vez estavam cercados por enormes árvores de copas tão altas que pareciam arranhar o céu. Rebecca estava interessada em olhar para todos os lados e descobrir em que mundo estava… passaram alguns minutos em silêncio e não havia nem sinal dos tais centauros.

– E então… que lugar é esse afinal? – ela perguntou, quebrando o silêncio. – Não parece com a Terra.

– Terra? É o nome do mundo de vocês? – Joshua respondeu, usando o arco para tirar os arbustos do caminho. – Criativo, não?

– Idiota.

– Essa é Nárnia. – ele respondeu. – É um mundo de magias. Eu não saberia explicar mais a você.

– Hm… muito esclarecedor. – Rebecca comentou, irônica. – E como eu vim parar nesse lugar, exatamente?

– Nárnia está sumindo. – ele continuou, procurando o caminho certo com os olhos. – Por causa do seu mundo.

– O meu mundo? Como assim?

– Explicaram que… o seu mundo está avançando rápido demais. Isso está afetando Nárnia. – Joshua continuou explicando. – É como se o seu mundo estivesse engolindo o nosso… e só há uma chance de nos salvar.

– E que chance é essa? – Rebecca perguntou, curiosa. – Mais pessoas do meu mundo vieram parar aqui?

– Chegamos. – Joshua disse, ignorando a pergunta da mulher e afastando um último arbusto para avistarem um campo vasto, cheio de cabanas sendo erguidas e seres estranhos e míticos andando de um lado a outro, conversando com animais falantes como o coelho que Rebecca encontrara mais cedo.

– Uow… esse era pra ser um território só de Centauros?

– É pra você ver como são amigáveis. – Joshua respondeu, continuando a andar na direção dos acampamentos improvisados de todos aqueles seres estranhos à Rebecca.

– Por que tantos estão aqui? São narnianos…? – ela perguntou, começando a notar que estavam chamando a atenção, talvez porque ela estivesse sendo carregada e os dois estivessem completamente encharcados.

– Sim. – o homem respondeu, mas parecia alheio às perguntas de Rebecca, continuando a olhar para frente, buscando algo, ou alguém.

– Acho que você… já pode me colocar no chão. – ela disse, começando a se incomodar com a quantidade de olhares que se voltavam para ela enquanto passavam.

– Está com o pé machucado. – Joshua parecia responder quase que automaticamente, sem se preocupar, ou ao menos notar o alvoroço ao redor dele.

– Acho que estamos chamando muita atenção. – Rebecca tentava evitar olhar para os seres ao seu redor, mas era quase que impossível com tantos animais falando entre si e seres que sempre imaginara serem mitológicos.

– Argorius.

– Joshua… vejo que conseguiu.

A nova voz grave fez Rebecca desviar os olhos de todos os animais ao redor e olhar para frente. Precisou erguer o rosto para encarar os olhos negros do que seria um centauro, com certeza. Além dele, outros centauros se aproximavam, mulheres e homens, para olhá-la e a Joshua como todos os outros ao redor.

– Ops… acho que to meio perdida aqui… – Rebecca comentou mais consigo mesma do que com Joshua, ainda encarando o grande centauro enquanto sentia um calafrio percorrer sua espinha.

– O exército de Tristan nos seguiu até a margem do rio. – Joshua falou, ignorando o comentário da mulher. – Eles estão se aproximando cada vez mais. Se continuar assim, vão alcançar mesmo o território de vocês.

– Eles jamais se atrev…! – um dos centauros bateu as patas dianteiras, demonstrando sua inquietação, mas parou imediatamente de falar quando observou Argorius levantando a mão.

– As coisas estão ficando perigosas. – Argorius falou. – Eu não duvido que eles estejam nos alcançando… e com a quantidade de humanos, será difícil detê-los com o pouco que temos.

– Mas não podemos continuar esperando. – Joshua rebateu. – Eu a trouxe… eles também estão atrás dela.

Naquele momento, o centauro finalmente fixou os olhos escuros e sérios nos de Rebecca. Mais uma vez ela sentiu um calafrio de medo percorrer-lhe a espinha.

– Não precisa ter medo, humana. – ele disse. – Certamente não temos intenção alguma de fazer algo de mal a você. Mas receio que precisamos muito de sua ajuda.

– Ahn… eu? – Rebecca sentiu a voz tremer.

– O que aconteceu? Ela não pode andar? – Argorius dirigiu-se a Joshua daquela vez.

– Ela machucou os pés enquanto fugíamos dos homens de Tristan. Precisa de tratamento. – Joshua respondeu.

– Claro. – Argorius virou-se para os outros centauros. – Elária… leve-a para ser tratada.

– Sim, meu senhor. – uma centauro andou na direção deles e parou ao lado de Joshua.

Com uma força que Rebecca não imaginava que ela teria, a mulher a ergueu e a colocou sentada em seu dorso, começando a andar na direção dos centauros, para o outro lado do acampamento.

– Não se preocupe, vamos cuidar bem de você. – a mulher disse, enquanto seguia o caminho, tranqüilizando Rebecca.

– Obrigada. – foi a única coisa que ela conseguiu responder, segurando-se ao corpo de cavalo, concentrando-se em ouvir os sussurros a sua volta.

– Então é essa a tal rainha? Ela não parece lá muita coisa…

– Nárnia está mesmo nas mãos dela? O que será que ela pode fazer?

– Mas não se lembra das lendas…? Sobre os reis do passado… parece que eles salvaram Nárnia mesmo crianças, então, talvez ela não seja tão ruim.

– Nós já passamos do tempo de acreditar em lendas…

– Aslam… onde ele está quando precisamos?

– Do que… do que estão falando? – Rebecca finalmente tomou coragem para perguntar à centauro. – Por que ficam olhando para mim?

– Hm… imagino que o rei não tenha tido tempo de lhe contar. Mas eles vão lhe explicar tudo. – Elária respondeu, alcançando uma cabana de tecido e entrando. – Primeiro vamos tratar dos seus ferimentos.

– Rei? Que rei? – Rebecca perguntou, confusa sobre quem teria estado com ela sem conseguir explicar o que estava acontecendo.

– Que rei? – Elária repetiu, ajudando-a a descer de seu dorso, fazendo-a sentar-se no que parecia uma cama improvisada com madeira e alguma pele de animal. – Ele que a trouxe até aqui.

– Me troux…? – Rebecca parou subitamente com a frase que tinha acabado de ouvir e precisou segurar um grito surpreso na garganta. – Rei? O Joshua é Rei?

– Hm… pelo visto ele também não teve muito tempo para contar isso. – Elária comentou, seguindo até a saída da cabana. – Mas logo tudo vai ser esclarecido. Agora eu preciso conseguir alguém para tratar seus ferimentos, eu volto logo.

– Ei… esp… – Rebecca tentou detê-la, mas não adiantou, a mulher desapareceu pela saída da cabana sem explicar mais nenhum detalhe. – Rei… uow.

Final do Capítulo I


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