Spirited Away 2 escrita por otempora


Capítulo 40
O canto do dragão




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/32823/chapter/40

Ela continuava correndo, mesmo que seus músculos cansados gritassem em protesto. Não conseguia se livrar da sensação de que passava inúmeras vezes pelo mesmo local, andava em círculos naquele labirinto escuro. Temia abrir uma porta, sem saber o que poderia ali encontrar.


Parou na frente de uma porta aberta, lá estavam novamente os corpos estendidos de Bou e Haku. Cerrou as pálpebras para conter as lágrimas que se assolavam em seus olhos. Suspirou profundamente e atreveu-se a entrar. Olhando com desconfiança para o aparentemente adormecido Kohaku. Avançou pé ante pé com um cuidado excessivo em direção a aquele espelho. Ignorou o calafrio que subiu por sua espinha.


Pousou sua mão sobre a de Boh, gelada.


- Desculpe. – sussurrou.


Com uma expressão dolorida, ergueu a face para ver o verdadeiro Boh.


- Pensei que algo muito ruim houvesse acontecido a você. – ele disse.


- Você parece exausto... – a garota comentou com angústia.


- E estou. Mas agora já não falta muito.


- Não diga isso! – Chihiro protestou. – Sabe que não irei desistir de você.


- Você já não precisa mais de mim. Consegue controlar o poder sozinha.


- Eu preciso, Bou! - Chihiro olhou para o brilho fraco que emanava das suas mãos. - Eu o matei não foi? – disse horrorizada.


- Não, Chihiro. Ele só esta fraco. Deve sair daqui logo, antes que ele retome a consciência. – um desespero latente tomava sua voz. Tinha medo de deixá-la partir, mas precisava fazer isso. – Chihiro, não gostaria de pedir que fizesse isso, porém, você tem de ir embora; desta vez para sempre. Feche o portal, Chihiro. – suspirou como se estivesse sentindo alguma dor. – Use a força que está no prendedor. Talvez a energia se dissipe...


- Mas eu não sei como fazer isso... não posso.


- Você sabe como... está dentro de você agora. É só se concentrar. Precisa selar a passagem para que fique bem. Tem que me prometer... – ele cessou a fala novamente. Vincos surgindo em sua testa. – Deve prometer que não vai fazer nada imprudente. Que vai ficar segura... por mim.


- Tem de existir uma outra saída. Eu poderia...


- Nem pense nisso! – ele interrompeu-a. – Nunca iria conseguir sair dali.


Sua imagem se curvou com dor.


- O que foi? – Chihiro perguntou.


- Não é nada.


- Bou...


- Sinto muito. Não queria que as coisas fossem assim. Fiz de tudo para que você ficasse segura, para que não tivesse que usar esse poder. Mas agora é diferente. Sinto muito. – ele repetiu.  


Viu uma cabisbaixa Chihiro assentir. Suspirou com alívio.


- Adeus, meu anjo. – sussurrou.


A garota não olhou para cima. Boh sabia que estava chorando pela maneira que escondia o rosto com sua franja comprida. Apesar do anseio que o incitava a dizer alguma coisa, afirmar que haveria uma solução. Ficou quieto, tentando resgatar em sua memória o último sorriso que ela lhe dera.


- Vai ficar tudo bem. – ele tentou colocar alguma convicção em sua voz. – Você vai conseguir, Chihiro. Você é forte.


- Forte? – Chihiro se rebelou. – Eu sempre fui incapaz de lutar por qualquer coisa! Nunca consegui manter quem eu amava perto de mim! Não fui capaz de protegê-lo. Não fui forte o bastante para olhar para trás e reter Haku enquanto podia tê-lo feito! Ou para ter mantido você dentro da maldita casa! Então não me diga que irei conseguir! Eu sempre estrago tudo que toco!- ela não mais escondia as lágrimas. Encarava o corpo inerte de Haku.


- Chihiro. – Boh lhe chamou com doçura. – Olhe para mim. – ele pediu. – Quero que entenda uma coisa. – Você não é uma espécie de desastre. É luz. E todos, menos você, conseguem ver isso. Sei porquê a energia foi até você. Não foi um acaso. Quando lhe contei quem eu era, se lembra que eu fiquei surpreso por você não ter percebido quem eu era?


- Sim. – disse com incerteza.


- Você estava controlando aquela magia. E o único motivo para ela ter ficado sob suas mãos. Chihiro sua energia atraiu aquela energia negativa. Apesar de eu ter dito outra coisa antes, seria impossível que uma mágica de proteção atraísse tanta potência. Entende? Você foi tão intimamente mudada por esse lugar que não pôde se separar dele. Creio, que se usar todo esse poder para fechar o portal, tudo irá se dissipar. – seu corpo se curvou. – O ciclo irá se fechar. – sussurrou. Sua voz soou como uma profecia. Mas Chihiro não queria que fosse assim. Não poderia permitir  


- Bou.


Ele não permitiu que Chihiro falasse.


- Não se arrependa de nada... Eu te amo, meu anjo. – Boh fechou os olhos, pranteando baixinho. Colou uma das mãos no vidro na direção de Chihiro. Naquele momento imóvel, era somente um bebê assustado. Encolhido, clamando por sua mãe que lhe havia deixado. Tornava-se um minúsculo dragão, assim como Haku, que tanto amara. Destilando aquele choro de criança por pressentir sua partida breve. Naquele mundo grande demais para sua pequenez. Ririam dele por ser longo e desajeitado. Por não aceitar as convenções.


Por desejar um colo quente e um simples beijo de boa noite, ao invés do brilho das pedras preciosas.


Desejava tocar nas coisas vivas. Sentir a energia que emanava delas. Mas era um garoto estranho que devia ser afastado de coisas estranhas, para seu bem. Para que não ficasse maluco.


Devia pensar no futuro. Em como obter dinheiro e mais dinheiro.


Contudo, agora, ele era somente um menino. Não poderia saber o que o futuro lhe aguardava. Não tinha conhecimento que amaria uma pessoa mais do que a si mesmo. Uma coisa minúscula que fizera despertar seu coração. Que trouxera tua presença, como um clarão tão brilhante. Fora como se tivesse olhado para o sol pela primeira vez em seu abandono desesperado.


- Chihiro. – murmurava em seu sonho.    


E, gradativamente, ia se tornando a sua essência. Tornando-se gradativamente um dragão; ronronava. Sentindo um toque cálido junto a seu braço.


Começou a cantar aquela canção ancestral. Aquelas palavras mágicas e sem significado definido. Somente palavras que pareciam dizer toda a sua vida, que alteravam seus sentidos.


Chorava suas grandes lágrimas, naquele espaço apertado, afundando nas memórias. Na saudade do que nunca tinha tido. Dos sorrisos e beijos que tão lentamente tinha se embebido, não haviam existido. Afundava em si mesmo. Deixando de existir, carregado por aquele som conhecido. Faltava pouco.


- Eu te amo, Chihiro. – conseguiu distinguir. Era tudo que fazia sentido. Aqueles braços entorno de si. Um bebê chorando. Tudo se tornava inteligível. - Eu te amo Chihiro. – surgia novamente, num sussurro fraco, ao qual ele se prendia. - ... amo... te amo... – era só o que existia. E ele pranteava ainda mais, pois era sua vida, seu amor. - ... Chihiro.


Era com esse conhecimento que partia. Uma figura presa em sua memória. Irreal e inexistente.


- Adeus, meu anjo.


Chihiro estava sozinha.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Spirited Away 2" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.