Spirited Away 2 escrita por otempora


Capítulo 39
A máscara da maldição




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O coração de Chihiro se preencheu de uma raiva que ela desconhecia. Debateu-se nos braços de Haku, sem conseguir se liberar.


- Por que fez isso? – gritou furiosa. Virou-se para que pudesse ver os olhos dele, para tentar ver a maldade injustificada.


Encontrou somente uma imensa fragilidade estampada na face do homem. Teve a impressão de que ele se encolheu, tornando a ser o jovem Kohaku. Os orbes azuis escuros límpidos, aguardando alguma reação da sua parte. Paralisaram-se num duelo sem movimentos, encarando-se. Buscando os resquícios que o tempo lhes haviam causado. 


- O que aconteceu conosco? – a voz de Haku parecia repetir inúmeras vezes, sem que ele abrisse a boca.


Haku estendeu os dedos para que pudesse tocar no rosto de Chihiro, porém, ela se encontrava frígida e ausente.


- Chihiro. – tentou lhe chamar sem que tivesse algum sucesso. Viu as lágrimas doloridas brotando-lhe dos olhos.


- Largue-me. – exigiu com uma voz que não era dela.


Porém ele não conseguiu se afastar. Algo dentro de si gritava para que tivesse alguma ação, para que fizesse com que Chihiro o amasse da mesma maneira que ele. Não agüentava mais aquela imobilidade forçada. Os olhos frios da garota sobre si, a palidez mortal de seu rosto, como se Boh tivesse levado seu coração consigo.


Segurou-a pelos ombros, balançando aquele corpo pequeno com força, tentando fazer com que ela saísse daquela letargia que tanto o incomodava. Preferia gritos a aquela imobilidade. Ele era tão mais forte! Poderia quebrar aquele braço ao meio sem sequer precisar se esforçar, ele conseguiria subjugá-la pela brutalidade. Porém ela não recuava, não havia um gemido de dor. Somente aquela distância que o irritava profundamente. Por mais que seus orbes negros estivessem voltados para ele, eles olhavam para dentro de si.


Deu-lhe um aperto mais profundo para tentar lhe trazer a consciência. Observou uma dor profunda surgir em seu rosto, contudo, ele já desfizera a pressão. Não entendia o porquê daquele sofrimento. Viu que os olhos de Chihiro dessa vez, realmente lhe notavam, reprimiu um arrepio. Ante aquela dureza preferia não ter sido percebido. Sentiu-se imensamente frágil e transparente, como se ela pudesse ver sua alma, todas as marcas que a vida havia lhe deixado. A cicatriz obscurecida em seu coração.


Mas ela não compreendia, não mais. A frieza dera lugar a uma cólera dura. Ele tentou se aproximar, tocando as bochechas de Chihiro com o nariz, aspirando seu perfume.


- Não me toque! – ela tentou se desvencilhar de seu aperto inexorável.


Haku, vendo que ela dava alguma mostra de desconforto aproximou-se ainda mais. Queria gritos, alguma reação que fosse capaz de revidar. Tocou com os lábios o pescoço da menina, ouvindo sua respiração descompassada. Seguiu um caminho lento e tortuoso até o queixo, distribuindo-lhe beijos. Parou antes de alcançar sua boca.


Subitamente, lhe faltava o ar. Tentou achar naquele contato o carinho de outrora. De um tempo em que poderia ter sido feliz. Amaldiçoou a si mesmo por não ter sido capaz de ter feito com que tudo desse certo. Deixou que seus braços caíssem ao lado do corpo. Uma exaustão recém descoberta dominando-o. Recuou dois passos cambaleantes, sem conseguir encarar as marcas vermelhas de suas mãos nos braços nus de Chihiro.


Que carinho restava a ele? Parecia-lhe que todos aqueles anos foram desperdiçados com uma lembrança que cultivara. Como se houvesse uma máscara de tristeza que impedisse de enxergar tudo que passava a sua frente.


Estendeu os dedos, frágil e hesitante para tocar o rosto de Chihiro. Não houve reação alguma da parte dela.


- Sinto muito. – desculpou-se. Não conseguia lidar com aquilo. – Desculpe, Chihiro.


E ela balançou a cabeça, desconsolada.


- Compreende o que fez, Kohaku? – ele baixou a cabeça diante da severidade da voz da garota.


- Sim. – respondeu quando pôde controlar o desejo de chorar. “Um coração é um fardo pesado demais”, quis lhe dizer.


- Por quê? – Haku estremeceu com a dor pronunciada com aquelas palavras.


- Não o matei. Ele já estava um moribundo quando o achei. – tentou se prender aos artifícios para não precisar enxergar a verdade. Desviou os olhos dos orbes escuros de Chihiro.


- Porém poderia tê-lo salvo. – não era uma pergunta.


Aquela afirmação concreta pungiu remexendo numa ferida nova demais para ter sido fechada. Cerrou a mão esquerda num punho trêmulo.


- O que quer de mim? – gritou irritado. – Não vê que estou tentando.


- Está indo pelo caminho errado. – ela retrucou, vendo a face de Haku se avermelhar. Ele recolheu a mão que tocava em Chihiro. – Não entende?


- Acha que tem sido fácil? Durante todo esse tempo... E você... fica com Boh como se não houvesse existido nada! Eu precisava de você... – apelou, tentando encontrar os anos perdidos. – Chihiro.


Acuou-a de encontro à parede. Tocando seus lábios com sofreguidão, sem se incomodar com as lágrimas que rolavam pelo rosto dela, salgando aquele beijo unilateral. Comprimiu-lhe o corpo pequeno usando a força.


Sentiu o gosto de sangue na língua. O sangue de Chihiro.


Sangue que avermelhava sua visão. Uma dor que o fazia se dobrar ao meio, tocando o líquido viscoso que escorria por sua barriga. O que ela fez? – pensou num momento de horror. Chihiro não poderia fazer isso! Não era capaz de controlar aquele poder.


Entretanto, contra todas as possibilidades, ela o fizera num momento de desespero. Conseguira canalizar a energia necessária para fazer com que ele se afastasse.


Caiu de joelhos, sem forças. Tentando focalizar Chihiro em seu campo de visão. Sentia as suas forças se esvaindo. Não podia permitir que fugisse, seria a morte. Mas suas pálpebras insistiam em se fechar.


Ouviu passos longínquos da garota se afastando dele, indo para longe do monstro. Deitou no chão, tentando focalizar alguma visão clara, que permitisse atestar que poderia se levantar.


Não teve algum progresso. Não queria permitir que aquela letargia o dominasse. Curvou-se para tentar levantar. A dor que acompanhou o movimento fez que conseguisse enxergar, mas ele retornou a posição anterior gritando de agonia. Bateu com a cabeça no piso diante de sua incapacidade.


Sua respiração se paralisou. Boh o encarava de sua prisão que ele imputara. Não havia ódio naquele olhar, somente uma tristeza imensurável. Retornou a sua mente a imagem de um garoto que puxava suas vestes em busca de atenção. Não conseguia conciliar a figura daquele menino com o homem preso acima de si. Existia uma força presente em seus traços. Mesmo que ele estivesse se extinguindo aos poucos. Sendo levado as torturas do mundo da morte.


Haku não podia mais fazer nada. Era impotente diante do destino implacável. Permitiu-se fechar os olhos e tentar dormir.


O seu cerne gêmeo se extinguia.


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