Já havia se passado uma semana desde a colheita, hoje era quarta feira, oito de dezembro. Ainda não tinha começado a nevar, mas eu sabia que o dia estava se aproximando, assim como o dia em que a neve se acumularia no chão, o dia em que os Jogos irão começar.

Minha mãe chegava em casa tarde todos os dias, ela havia parado de trabalhar em casa como lavadeira e segundo ela, Mandy – sua amiga que trabalhava com ela – havia descoberto uma agência de lavadeiras, no fim da cidade. Um ônibus passava recolhendo as roupas sujas nas casas e as levava para a agência, que segundo minha mãe era na verdade era um galpão velho e sujo com tanques e perto do rio, onde elas conseguiam a água necessária. O ônibus depois trazia as roupas de volta às casas. Eu nunca tinha visto esse ônibus, muito menos ouvido falar nessa “agência”. Nem Jane, nem Ally, nem Kate e nem Carol haviam ouvido falar também. Elas disseram que quem ia pegar a roupa suja na casa delas era minha mãe, que também levava as nossas roupas.

Depois da colheita Mary, a prima de Gabriel havia ficado em choque, acho que ela tinha entrado em depressão por ter sido escolhida. Eu só a via nos corredores às vezes, e quando via ela estava sozinha. Não olhava ninguém nos olhos, havia perdido toda a sua felicidade, ela nem falava com o primo dela. Pelo menos foi isso o que ele me disse. Já que tínhamos uma aula juntos todos os dias e ele insistia em sentar do meu lado e formar dupla comigo. Dizia que eu era sua única amiga. Eu não sei por que, mas não conseguia confiar nele.

“Oi Kate, como está?” Cheguei perto da morena que estava pegando livros no armário. Minha próxima aula era com ela, que se assustou ao ouvir minha voz.

“Oi Julia, estou bem e você?”

“Também estou.” Ela ajeitou o laço roxo da cabeça. “Tem certeza que está bem Kate?”

“Tenho por quê?”

“Você está... Diferente hoje de manhã.”

“Ah... Não é nada.”

“Vamos Kate, você sabe que pode me contar tudo.” Ela me olhou nos olhos e suspirou. “É a colheita?” Arrisquei perguntar.

“Não... Não é isso. Quer dizer... isso também, mas estou preocupada na verdade com outra coisa.”

“Vamos, a sala de matemática e longe daqui.” Ela deu um sorriso amarelado e começou a me acompanhar pelos corredores.

“Sabe o Ethan?”

Encarei-a como quem não sabia do que ela estava falando e ela fez uma careta. Comecei a rir.

“Claro que sei. O menino lindo do primeiro ano que você encontrou quando estava saindo do mercado semana... Passada?”

“Retrasada.”

“Sei, sim. O que tem ele?” Ela me olhou com um olhar triste.

“Então... Ele já me chamou para sair várias vezes, e é claro que eu fui quem seria burra o suficiente para não aceitar um encontro com o Ethan do primeiro ano, ele é lindo e os olhos dele...” E ela começou a falar rapidamente sobre ele.

“Kate!” Ela parou de falar e me olhou.

“Desculpe.” Eu sorri.

“Tudo bem. Mas então, qual é o ponto?”

“Então... Ontem foi o nosso sexto encontro...”

“E...”

“ELE ME PEDIU EM NAMORO!” Ela gritou e deixou o livro de matemática cair. Eu sorri e comecei a gargalhar com a cena dela dando vários pulinhos em volta de mim. Peguei o livro com a capa rosa e a caligrafia perfeita com o nome Kate Brown e um laço preto do lado.

“Calma Kate!” Entreguei o livro a ela, que ainda sorria.

“Parabéns!” Dei um abraço apertado nela. “E você aceitou, não foi?”

“Mas é claro Julia!” Eu sorri novamente.

“Então com o que está tão preocupada?” O sorriso desapareceu de sua face e ela ficou em minha frente, encarando-me. Seus olhos marejaram e ela olhou para o chão. Mordi os lábios com medo do que ela falaria.

“Eu estou indo para os Jogos Julia, não sei se voltou ano que vem.” Ela levantou a cabeça.

“Oh Kate.” Ela me abraçou novamente. Dessa vez meu livro que caiu no chão. Fiquei consolando-a por alguns minutos até que o sinal batesse e nos obrigasse a voltar para a aula.

Eu fiquei realmente triste por Kate, ela era uma pessoa tão boa, tão meiga. Sempre ajudava os outros, era uma ótima amiga, fazia tudo certo e tinha que acontecer isto justo com ela? Justo com a frágil Kate, a menina do laço. Eu não disse para ela, e odiava admitir para mim mesma, mas sabia que estava certa. Assim como eu ela sabia que um grupo não ganhava duas vezes. As memórias da conversa vieram à tona novamente.

Isso estava acabando comigo. Na verdade com todas nós. Eu tinha que proteger as meninas, não iria deixar que elas morressem, não iria.

A aula de matemática acabou e parti para a aula de história, deixando uma abalada Kate sozinha pelo resto da manhã. Acho que a veria no intervalo. Troquei meu livro e observei a foto de nós cinco, colada na porta. Fechei o armário e segui pelo corredor. Encontrei com Jane no meio do caminho. Ela estava olhando em um espelho dentro do seu armário e passando seu costumeiro batom rosa sabor morango.

“Oi Julia!” Ela disse antes de eu me aproximar, ainda virada para o espelho. Como ela fazia isso?

“Oi loira!” Ela virou-se para mim e exibiu seu sorriso Colgate. Voltou-se para o armário, pegou seu livro e ficou do meu lado, me acompanhando.

“Ansiosa para os Jogos?”

“Na verdade não, e você?”

“Também não. Qual você acha que será a arena este ano?”

“Não faço a mínima ideia Jane.”

“Tomara que não seja em um pântano.”

“Por que não?”

“Você tá doida Julia? Comeu o que hoje?” Ela gritou balançando as mãos.

“Não entendi Jane.” Eu disse rindo dela se descabelando que nem doida. Ela me olhou, passou a mão nos cabelos, voltou para o meu lado e continuou falando.

“Como você acha que eu sobreviveria em um pântano? Com todos aqueles insetos, aquela lama, aquela umidade horrível que deixa meu cabelo armado...”

Ela continuou falando sobre como um pântano poderia fazer mal à sua pele e como não queria ir para um pântano. Desliguei-me da situação, e continuei seguindo pelos corredores, balançando minha cabeça algumas vezes para fingir que estava prestando atenção. Então percebi que havia uma mão estalando em minha cara. Que mão era aquela?

“Julia?”

“Sim?”

“Você são estava prestando atenção... Estava?”

“É claro que estava Jane... Pântanos, umidade horrível, cabelos armados, unhas...”

“Eu não disse nada de unhas.”

“Ok, você me pegou! Eu estava pensando em outra coisa.”

“Você sabe que eu menti, não sabe?”

“Mentiu sobre o que?”

“Sobre não ter falado nada de unhas.” Ela riu e eu a olhei com um olhar confuso. Considerei as possibilidades de um ponto de interrogação acima de minha cabeça.

“O que?”

“Eu sabia que você não estava prestando atenção, então disse que não tinha falado de unhas, quando eu tinha só para você se entregar.” Olhei-a com cautela e começamos a rir.

“Você é estranha Bunch.”

“Você que é Foster.” Continuamos rindo entramos na sala, o professor ainda não havia chegado.

“Você soube que Kate está namorando?”

“Menina! Ela me disse! E o Ethan é lindo, dessa vez tiro meu chapéu para ela.” Nos sentamos na primeira fila.

“Só eu que não conheço esse Ethan?”

“Só você Julia. Só você...”

“Mas e você e o Michael? Como estão?”

“Você sabe, como sempre.”

“Ele ainda não te pediu em namoro?”

“Não. Mas logo o fará.”

“Por que?”

“Julia eu faço mágica.”

“Eu acredito.” Jane abriu a boca para responder alguma coisa, mas logo a fechou, arregalando os olhos.

“O que foi?” Ela nem se moveu, virei-me para olhar em sua direção.

“Jane...”

“Como ele ousa a beijar outra menina bem na minha frente?”

“Jane, ele não é seu namorado.”

“Mas nós estamos juntos há um mês Julia! UM MÊS!”

“Calma Jane! Para de gritar!”

“Calma nada Julia.” Ela disse isso com frieza na voz e uma lágrima correu por seu rosto. Passou a mão rapidamente no mesmo secando a lágrima. Ela olhou em volta, o professor ainda não estava na sala. “Ele vai aprender quem é Jane Bunch.” Ela levantou-se bruscamente da cadeira e passou pela porta com os punhos cerrados.

“Ah Meu Deus.” Eu disse baixinho enquanto olhava ela indo em direção a Michael.

Fiquei observando ela tocar as costas de Michael, que se virou rapidamente e arregalou os olhos quando viu quem havia cutucado ele. Ele começou a balbuciar algumas coisas e Jane o cortou e começou a balançar os braços que antes estavam em sua cintura, falando algo. Ele se encolheu e ela apontou para a menina que estava com uma cara confusa. Acho que não estava entendendo nada. A menina falou alguma coisa e Jane colocou as mãos na cintura novamente. Disse alguma coisa que fez a menina ir embora apavorada. Michael me viu dentro da sala e me lançou um olhar desesperador. Dei um aceno de mão sem graça para ele que se endireitou e falou alguma coisa. Jane respondeu, bateu o pé no chão, apontou na direção onde a menina tinha ido, cruzou os braços e balançou a cabeça negativamente.

Michael olhou para ela como um cachorro que tinha caído do caminhão e seus olhos marejaram. Ela olhou para o chão e balançou a cabeça novamente. Michael começou a falar algo, mas antes que ele terminasse o que ia dizer ela virou-se na direção da sala e voltou andando. Levantei-me.

“Você está bem?” Ela levantou a cabeça.

“Eu fiz o que tinha que fazer Julia.”

Olhei para a porta e Michael ainda estava lá olhando para Jane, confuso e triste. Ela se sentou e começou a escrever no caderno. Eu olhei para ele e sussurrei “Sinto Muito”. Ele se recompôs e começou a ir embora, mas der repente deu meia volta e veio andando em passos apressados até a sala, mas o professor entrou antes dele e fechou a porta em sua cara. Se fosse um dia normal eu até riria desta cena, mas hoje definitivamente não era um dia normal. Acho que se eu tivesse um namorado estaria que nem Jane e Kate. Daqui a pouco vão chegar Carol e Ally me dizendo sobre romances que acabarão, que acabaram ou que vão começar.