Truques Mortais escrita por Anna Evans


Capítulo 8
Capítulo 8 - Sonata da Morte


Notas iniciais do capítulo

Meus queridos, teria postado este capítulo na sexta a noite, mas fiquei sem internet... Depressivo isso. Ontem comecei a participar de um concurso da escola Sesc para jovens dramaturgos... Agora tenho que escrever uma peça em um mês... Vamos lá , né!
Enfim, depois dos rolos e afins está aqui o capítulo, espero que gostem!



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— Você conseguiu entrar na sala de aula? — Holly perguntou a Juliet enquanto seguiam para o pátio principal do campus junto de Jennifer.

— Sala de aula? — Juliet riu. — Nem tentei. Tomei um banho me arrumei e fui dar uma volta por aí. Vou assistir a próxima agora. Pensei que Biologia seria mais fácil.

— Anda reclamando muito! — Holly falou — Vamos começar este ano estudando Estatísticas e Ética Profissional.

— Mas o que diabos isso tem haver com Psicologia?

— Infelizmente tem tudo haver.

Juliet deu de ombros e logo olhou para Jennifer ao seu lado. Estava calada desde que a encontrara nos corredores do prédio principal. Já fazia tempo que queria lhe perguntar como estava... Apenas tinha medo de ouvir a resposta.

— Ah! — Holly arfou — Já ia esquecendo, Jenny! Ryan queria falar com você... Disse que era urgente.

— Ryan? — Juliet se intrometeu. — Ryan Australiano ou Ryan Americano?

— Não, Ryan Irlandês. — Continuou Holly — Disse para encontra-lo depois da próxima aula lá na biblioteca.

— Não vai dar. — Jennifer disse enquanto olhava em volta.

— O que tanto procura?

— Estou atrás do Maldito Vitorino. Ele simplesmente some!

Holly olhou para Juliet que deu de ombros.

— Quem é Vitorino? — Holly perguntou.

— Scott.

— Já te disse que ele está no mesmo quarto que o Freddie? — Juliet perguntou.

— Já.

— Bom... — Juliet ignorou — Me pergunto quem será o outro garoto no quarto, os dois são tão perfeitos... Imagine quem será o terceiro membro.

— Membro? — Holly fez uma careta — Por favor Juliet, deixe disso.

As três continuaram seu caminho. Juliet tagarelando como sempre e Holly a corrigindo de suas bobagens. Jennifer conversava com as duas de vez em quando, isto é, quando não estava ocupada olhando ao redor atrás de Scott.

O pátio principal para qual elas iam era enorme. Alguns alunos até usavam bicicletas para cruza-lo. O que mais se destacava nele era o Prédio principal, onde se encontrava a secretaria e a direção e as salas de aula práticas; Laboratórios, a entrada para o grande teatro no segundo andar e as salas de enfermagem. Ainda no pátio, Via-se uma fonte que estava sempre jorrando água para cima. A fonte era grande e redonda feita de mármore branco. Dentro dele, onde a água caía, era repleto de quartzos, aquela pequena pedrinha branca cristalina que lembram muito os diamantes. Em dias de sol elas cintilavam lá no fundo. Alguns alunos gostavam de sentar a beira da fonte para conversar. E para finalizar, o pátio era repleto de barracas de lanches de todos os tipos que possa imaginar agora.

Estavam perto do prédio principal quando notaram a multidão se aglomerando para entrar lá. Isso até seria normal nos dias das provas ou resultados finais, mas hoje? Era incomum, ainda mais incomum pelo fato do rosto de todos eles estarem perplexos, alguns assustados, outros agitados e curiosos.

— Não estava muito afim de ir lá dentro — Juliet comentou ao ver a multidão — Mas sei lá, senti uma vontade tão grande agora. Vamos lá!

— Não sei não... E se for algo... — Holly foi interrompida.

— Algo bom!

— Ia dizer ruim!

— Vamos logo. — Jennifer as puxou. — Algo me diz que não teremos a próxima aula.

— Ah isso é um fato glorioso! — Juliet disse a acompanhando.

Chegando lá, as garotas ouviram diversas coisas, informações diferentes de cada grupo de alunos. “Colocaram um rato na comida do refeitório” “Os professores estão pedindo demissão” “Roubaram o reitor” entre muitas outras... As coisas começaram a fazer sentido ali quando a fumaça começava a se aproximar da porta de entrada já aberta. Não era uma simples fumaça, era uma fumaça escura e tóxica...

Algumas sirenes soavam mais atrás. Não demorou muito para que os universitários avistassem o carro de bombeiros. Aquele fato de você achar que o carro de bombeiros é vermelho... Esqueça, isso foi há muito tempo... Ali em Refúgio Místico ele era Amarelo. As roupas dos profissionais eram pretas com as típicas faixas verdes e amarelas fluorescentes. Eles abriram caminho para o prédio, afastando os alunos. O primeiro profissional, era uma mulher, entrou correndo no prédio... Provavelmente fora para analisar a situação. Não demorou muito para seu retorno.

— Incêndio classe A — Ela gritou para os companheiros de trabalho próximos ao caminhão. — Exigida Mangueira tipo dois!

Os profissionais se apressaram na retirada da mangueira do caminhão. O tipo dois era específico para áreas entre edifícios comerciais ou industriais. Tinha uma pressão de trabalho máximo de 1.370 kPa (Quilopascal). Eles arrastaram a mangueira em direção ao prédio. Enquanto mais dois bombeiros entraram na frente... Voltaram com seus uniformes chamuscados e com duas pessoas apoiadas neles.

Para a surpresa de Jennifer e Juliet, uma das pessoas era um novo estudante. Um velho amigo, Freddie... Freddie tinha as roupas chamuscadas e a pele suja de ferrugem. Estava tossindo muito e de imediato foi levado para dentro da ambulância logo atrás do caminhão. A outra pessoa era o Senhor Mark, o velho faxineiro do prédio. Era triste olhar para alguém tão amigável ter um rosto contorcido em dor.

— Meu Deus! — Juliet se alterou — O que aconteceu aqui? Eu tenho que ver se ele está bem eu...

— Calma Juliet — Holly a segurou — Ele vai ficar bem, não vá até lá para deixa-lo estressado. Eles vão saber o que fazer com ele.

— E o Mark? — Juliet continuou. — Ele vai ficar bem ele...

— Vai sim, Juliet!

Jennifer olhou para dentro do prédio novamente... Tudo que podia ver era a fumaça negra espalhada pelo local. Bem lá no final via as chamas compulsivas e o jato d'água que as apagava. Ela estava completamente insensível esses últimos dias. Mesmo que quisesse... Ela não se importava com o que acontecia, não sentia nada em relação áquilo. Ela apenas assistia... Como se estivesse olhando para o horizonte, sem pensar em nada.

Depois de um tempo os bombeiros voltaram, o incêndio acabara. Lá de dentro saíram mais alguns funcionários completamente devastados. Empresários, diretores e turistas. Todos que passaram pelo instante de terror.

Após alguns momentos de silêncio, os superiores da universidade local de Refúgio Místico reuniram os alunos e todos os funcionários ao redor da fonte para esclarecer o incêndio que havia ocorrido na sala sete do primeiro andar ao meio de uma reunião. E o que for dito é que aquele dia seria nulo. O reitor havia morrido nas chamas junto de mais três professores. Pela noite era obrigatoriamente que todos aparecessem próximos ao cais para prestarem luto.

— Isso é realmente chato — Freddie disse enquanto acompanhava Juliet e Jennifer. Ele estava bem, apenas estava no lugar errado aquela hora. Havia ido entregar os documentos restantes na secretaria ao lado da sala sete, para que pudesse terminar de vez sua ficha de inscrição.

— É... essas coisas são assombrosas — Juliet confirmou. — Agora vou ter até receio de pisar lá.

— Bom, então acho que terei de ir sozinha. — Jennifer falou.

— Como assim sozinha? O que vai fazer lá?

— Antes de saber do incêndio estava indo até o prédio principal para entrar no teatro. Tenho que pegar umas coisas que esqueci lá no final do ano passado.

— Mas eu acredito que esteja tudo fechado por ali por causa do incêndio. — Freddie opinou.

— Sim, está... Mas ainda da pra passar.

— Quer que eu vá com você? — Ele perguntou.

— Não precisa, fica aí com a Juliet. Quando acabar lá, vou pro dormitório, Holly está lá com uma amiga...

— Você é louca!

Juliet a viu ir embora.

Enquanto trilhava seu caminho para o prédio principal Jennifer tinha coisas em sua cabeça... Palavras e frases aleatórias que vinham num tom alto e claro, um tom que ela conhecia muito bem... “Quero mais é que faça dezoito anos para poder ir embora” “ Esses seus desejos... Você sonha com coisas que são impossíveis.” Ah, claro. Ela recordava friamente daquela voz... Daquelas palavras frias de seu pai. Se lembrava também do tortuoso silêncio de sua mãe, de sua ausência e sua falta de interesse. O nome da ilha realmente lhe fazia sentido... Aquele era seu refúgio... Um refúgio da sua realidade, da sua dor. Dos seus medos... Da sua vida. Ela havia completado dezoito anos, viera direto para a ilha, cursar a faculdade de artes cênicas... Continuar o que ela gostava, o teatro... A música. Tentar tornar real os sonhos que seu pai a fazia esquecer. Os sonhos que sua mãe não se interessava em conhecer. Fora por isso que ela não voltara para casa no final do ano. Ela não tinha casa... Ela não queria ter... Não aquela casa, não aquela família. Ela se sentia mal por isso. Mas era a opção menos dolorosa a se seguir.

Naquela tarde os ventos vinham do Sul com toda a força. As palmeiras dançavam banhando-se com o resto dos raios solares que ali se transmitiam. O prédio principal estava lá. A grande porta de vidro fechada.

Um silêncio.

Ninguém ousara entrar ali após o incêndio... Mas Jennifer teria de entrar.

Empurrou a porta e passou as pressas pelo chão de linóleo branco. Subiu as escadas de madeira e virou a direita no corredor. O prédio estava todo apagado. Jennifer só tinha a iluminação natural... Pelo menos por pouco tempo já que a noite se aproximava. Apesar das poucas janelas no segundo andar, era possível caminhar tranquilamente por ali.

O corredor não era muito estreito, mas também não era tão largo, as paredes eram repletas de murais e colagens... Notas e avisos de diversos cursos diferentes da universidade. No final do corredor haviam alguns cartazes de peças, eram as apresentações antigas... E mais a esquerda estava a porta dupla de madeira reluzente. A entrada para o teatro.

Antes que pudesse chegar até a porta, Jennifer ouviu um som vindo de lá... Estava abafado pelo fato da porta estar fechada... Mas era compreensivo. Era uma música... Mas ela só ouvia com clareza as notas graves. Era óbvio que vinha de um piano.

Chegando até a porta era girou a maçaneta e entrou logo fechando a porta atrás de si.

O teatro era uma das partes mais grandes do prédio principal. Ele era imenso, com inúmeras fileiras para a platéia. Os degraus eram cobertos por um carpete vermelho escuro. Lembrava muito os teatros municipais famosos.

O teto era alto e cheio de detalhes moldados com prata legítima, detalhes que podiam se referir a muitas coisas: histórias, contos, pessoas... No centro do teto se pendia um lustre todo feito de cristais. Ele era novo este ano. E dos dois lados da parede haviam luminárias pequenas e delicadas que iluminavam pouco as paredes revestidas de painéis dourados, dando um toque raso e bonito.

Ainda ali... Perto a porta, Jennifer encarou a escadaria que tinha que descer até chegar ao piso da orquestra e finalmente ao palco. Ela desceu devagar os degraus, passando por inúmeras fileiras de cadeiras marcadas por números.

Seus olhos estavam fixos no grande palco a sua frente. As cortinas de seda vermelhas abertas. Os holofotes num tom alaranjado pairavam acima do piano de cauda branco. Era de lá que vinham as notas, agora bem mais claras... Notas delicadas e tristes que vinham do piano tocado por um rapaz.

Ela conhecia a música, já a ouvira inúmeras vezes... Mas ela estava mais interessada em descobrir quem era que a tocava. Era realmente bom, mas a música havia sentimento demais... E ela começava a se sentir triste, meio amargurada lá no fundo enquanto ouvia a musica.

Desceu mais alguns degraus devagar querendo não atrapalhar.

O rapaz estava virado de lado. Tinha cabelos lisos e escuros. A pele era clara e sua roupa era quase toda preta. Os olhos se mantinham fechados enquanto deslizava os dedos pelas teclas brancas de mármore do piano. Ela o reconhecera... Era Scott. Ela realmente ficou impressionada. Não esperava que alguém como ele pudesse tocar algo assim... Tão marcante e delicado.

Ele não parecia o mesmo de antes. Com a música, ela sentia uma certa diferença em Vitorino. Ali ela apenas via um rapaz solitário e vazio... Era como se pudesse ouvir suas dores naquelas notas. E num vislumbre ela quase a viu tocando ali em seu lugar.

Chegando no piso da orquestra, dessa vez ela subiu uns cinco degraus para chegar ao palco. Agora ele estava de costas para ela. Parecia não ter notado sua chegada. Agora ouvindo melhor a música ela pode dizer em sua mente... Ela realmente já ouvira. Era a Sonata No. 14 de Beethoven, a famosa e triste sonata Moonlight.

Com cautela Jennifer se aproximou e sentou-se em um banco ao lado do piano enquanto ouvia Scott tocar ainda de olhos fechados.

Scott que estava ali já a um bom tempo, se mantinha concentrado em sua música. Sentindo cada nota queimar suas veias como um chamado do desconhecido. Se sentia estranho desde que acordara. Não era para menos... Aquele era um dia especial para ele, dia 11 de Fevereiro. Se não fosse sua faculdade ele estaria em Londres agora... No teatro Municipal.

Era isso que ele fazia todo dia 11 de fevereiro. Mesmo se estivesse em outro estado, ou em outro país. Mas como desta vez ele não poderia sair de Refúgio Místico, ele foi para o Teatro da universidade... O mais próximo que pode chegar da verdadeira essência de sua vida fria e amargurada.

Sentar-se ali ao piano e tocar em homenagem a ela... Lutando para que as lágrimas não caíssem... Por isso fechava seus olhos. Lutando para conseguir se lembrar de seu rosto... De seus olhos. Da sua voz e do seu carinho... Mas não era tão fácil... Não sobrara nada dela para ele... Nem sequer lembranças...

Com raiva Scott apertou com força as teclas, errando a nota. Passou as mãos pela testa e logo em seguida pelos cabelos, os arrastando para trás.

Scott abriu os olhos e se deparou com Jennifer. Ela tinha as sobrancelhas unidas. Seus olhos castanhos brilhavam pela luz do holofote, mas talvez não fosse apenas isso. Ela estava sentada perto dele... Ele se perguntava agora a quanto tempo ela estava ali. Mas ele não se importava... Nada poderia anima-lo, ou irrita-lo mais naquele dia.

Mas tinha algo de errado com ela ali... Seu rosto... Era como se... Ela estava triste também? Sim, talvez não tanto quanto ele, mas estava. Ele conhecia um olhar de tristeza daqueles. Ele já fora um garoto... Um garoto que apenas queria se divertir, mas um garoto que vivenciava fatos que lhe desanimavam. Que lhe fizeram mudar... Como Scott desprezava aquela vida!

Ele a encarou por mais alguns segundos antes dela falar algo.

— Não sabia que tocava... — A voz de Jennifer estava baixa. Ainda anestesiada pela melancolia da música.

Os olhos de Scott passaram das teclas até os olhos de Jennifer.

— Não sabia que estava aqui — Sua voz era rouca agora. Ficara tanto tempo calado que sua voz chegara a falhar naquela tentativa.

— Não vim por você... — Ela falou — Vim buscar umas coisas... Eu as escondo aqui desde o ano passado. Ouvi você e me sentei aqui. Gosto do som do piano... Gosto dessa sonata.

Scott voltou a encarar as teclas do piano, tão triste quanto antes.

— O que houve? — Jennifer perguntou.

Scott negou com a cabeça e tornou a fechar os olhos. Jennifer entendeu como um recado de que não deveria lhe perguntar mais nada a respeito. Ele realmente estava mal, e mesmo conhecendo ele a apenas dois dias... Ele deixara claro que não era de mostrar muito de seus sentimentos... Quem dirá de suas fraquezas.

Jennifer suspirou.

— Hoje também não é um dia muito bom para mim.

Scott permaneceu calado.

— Vim aqui pegar o meu antigo diário... — Ela continuou — Estou conturbada com o passado.... Coisas que fiz que não deveria ter feito... Coisas que não fiz, mas que deveria... Frases que não queria ouvir, mas ouvi. Isso está me matando... E eu as ouço tanto em minha cabeça que muitas vezes acredito que são verdades... Coisas que quando mais nova pensei que iria esquecer quando saísse de casa... Mas acho que tem coisas das quais não podemos fugir.

Scott a olhou novamente.

— Qual o seu maior medo? — Ele lhe perguntou com a voz suave.

— Não sei do que tenho medo especificamente... Mas... Se tem algo que me apavora... É a morte.

Scott estreitou os olhos se sentindo um pouco desconfortável com sua resposta.

— Existem vários tipos de mortes Jennifer...

— Como assim?

Ele se virou em seu banco em direção a Jennifer.

— Muitos acham que a morte é aquela onde tem sangue... onde o coração para e a pessoa tem que ser enterrada... Céu ou Inferno. — Scott negou com a cabeça — A morte tem outras formas.... Eu creio que você já tenha vivenciado ela...

— Porque acha isso?

— Porque você vive com medo. — Ele falou — Por isso é tão séria. Tão irritada... É medo. A morte nos deixa mais frios...

— Nunca vi ninguém morrer. — Jennifer garantiu.

— Sorte a sua, mas não é disso que falo... Você pode não ter visto ninguém morrer... Mas você sentiu.

Jennifer podia concordar com ele em sua mente neste momento. Isso ela não podia negar.

— Mas e você, já sentiu a morte?

Scott deu um meio sorriso que ali representava mais dor do que diversão.

— Acho que já vivenciei quase todos os tipos de morte.

— Ah... — Essa foi a vez de Jennifer se sentir desconfortável.

Os dois permaneceram em silêncio, mas logo Scott falou.

— Minha mãe... — Ele começou — Ela era bailarina no teatro municipal em Londres. Meu pai disse que a viu numa de suas apresentações de balé, o Ballet Coppélia. Ela era linda... Cheia de vida e amor com as pessoas. Uma pessoa gentil e amada por todos. Bom, meu pai sentou-se na porta principal do teatro municipal após a apresentação e ficou lá até que ela saísse para ir para casa... Eles jantaram no dia seguinte e bem... Já deve saber o resto. Eles já eram casados quando nasci. E minha mãe insistira que meu aniversário ocorresse lá, naquele teatro. Aquilo era a vida dela... Todo o amor dela estava ali. Ela amava dançar e atuar. Mas... Ela morreu naquele dia.

A voz de Scott falhou mais uma vez e por um momento ele parou de falar.

— Se não quiser me contar eu ent...

— Ela foi encontrada no camarim... Havia sido perfurada por quatro facas. O assassino ainda deixou elas lá... Não tinham marcas nem pistas de quem era. — Scott suspirou — Não lembro dela... Não tenho fotos. Não sei como ela era... Eu apenas sinto saudades de alguém que eu nem me lembro. Por isso estou aqui hoje. Dia treze de fevereiro... Aniversário de morte dela...

— Então quer dizer que hoje é o seu aniversário também...

Scott afirmou com a cabeça.

— Eu sinto muito.

— Todo ano nesse dia... Eu vou até o teatro municipal onde ela trabalhou. Eu assisto a uma apresentação de balé e fico tentando imaginar ela lá... Como esse ano não pude ir até Londres vim aqui... Meu pai disse que ela gostava de Beethoven. Quando fiz nove anos, coloquei em minha cabeça que iria aprender a tocar piano apenas para poder tocar esta música para ela, a sonata da morte, como prefiro chamar... Acredito que isso sirva para que ela possa me ver... De onde ela estiver.

— Seu pai... — Jennifer falou — Ele nunca lhe disse como ela era?

Scott voltou a tocar piano... Uma outra música.

— Meu pai não gostava de falar dela... Estas coisas que te contei eu descobri através dos amigos de trabalho de minha mãe. Meu pai nunca falou dela comigo. Mas ao menos ele me levava ao teatro quando criança. Ele trabalhava lá também... Era ilusionista.

— Ah, que legal... Ele ainda é? — Jennifer perguntou.

— Sabia que eu descobri qual peça eles estão pensando em apresentar este ano? — Scott mudou de assunto parando de tocar e olhando para Jennifer.

— Mas...

— Faz alguma ideia?

— Como você descobriu? Eles mantem segredo até Maio. Só então começam os testes para os papéis.

— Eu tenho minhas fontes... — Scott sorriu. — Eles estão pensando em um musical.

— Qual seria?

Scott olhou para o teto e Jennifer seguiu seus olhos.

— Olhe para o Lustre... Ele não está aí só para iluminar melhor o lugar.

Jennifer ainda não tinha ideia. Então Scott voltou seus dedos para as teclas de mármore e começou uma canção mais grave e rápida.

Jennifer riu ouvindo a música.

— Não acredito nisso!

— Canta comigo, anjo da música? — Scott lhe perguntou com a sobrancelha arqueada. Jennifer já ouvira aquela frase em algum lugar.

— Sério que eles estão pensando em apresentar o Fantasma da Ópera?

Scott parou de tocar.

— Já temos o Lustre principal da peça.

— Eu amo essa peça... Foi um sucesso incrível na Broadway e nos cinemas... Ela é...

— Também aprecio a peça. — Ele a olhou — Agora está me devendo mais uma...

Jennifer parou de rir no mesmo instante.

— O que?

— Te ajudei na sala de aula... E estou te ajudando agora.

— Me ajudando agora?

— É — Ele deu um sorriso torto — Esse ano quem conseguir os papéis principais vão conseguir três pontos a mais do que ganharão o restante do elenco para o semestre. Estamos em Fevereiro... Pode começar a estudar para fazer o teste e ganhará com certeza o papel de Christine. O resto dos alunos só terão dois dias para ensaiar em seus quartos e fazer o teste... Só vai ser anunciado em Maio a peça.

— Como você sabe tanta coisa?

— O papel do fantasma já está garantido para mim... Tenho certeza. — Scott falou levantando as sobrancelhas.

— E agora eu estou te devendo mais uma... — Jennifer falou balançando a cabeça. — Um agradecimento apenas não serve?

— Depende... Como você planeja me agradecer? — Seus olhos eram maliciosos.

Jennifer revirou os olhos rindo.

— Bom — Scott se ajeitou em seu banco. — Como sou um cavalheiro... Se você conseguir o papel de Christine na peça eu esqueço uma... Mas ainda me deverá por ter feito você entrar na aula.

— Feito.

Scott sorriu.

— Pode se levantar agora? — Jennifer perguntou.

Scott se levantou confuso.

— Para que?

Jennifer puxou o banco no qual Scott estava sentado e começou a pisar com força pelo piso do palco. Uma parte dele tinha um som diferente das outras. Ela se abaixou e puxou uma parte da madeira solta no palco.


— Um piso falso — Scott falou com os braços cruzados. — Bem coisa de filme...

— Mas até hoje ninguém descobriu. — Jennifer retirou seu antigo diário de lá e voltou a por a madeira em seu lugar.

— Agora eu sei... — Scott falou.

— E se você contar para alguém eu não te devo mais nada.

— Não faço o tipo fofoqueiro. Ainda estará me devendo, não se preocupe.

Jennifer desceu do palco sendo seguida por Scott.

— Mas... Queria saber o que tem de tão importante nesse diário antigo... Suponho que já tenha um novo, não ?

— Tenho sim. — Jennifer continuou andando. — Mas, eu quero ler novamente... Para sentir exatamente o que eu senti quando aconteceu... Para saber que eu não estou errada e sim apenas confusa. Eu não posso simplesmente esquecer um fato por ter muito tempo que ele ocorreu.

— Não vai ser doloroso passar por todos os problemas novamente? — Scott perguntou.

— Vai... Mas a dor retrata a realidade não é mesmo?

Scott abriu a porta dupla para Jennifer e sorriu.

— Até demais.



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