Ontem, Hoje E Para Sempre escrita por Jajabarnes


Capítulo 9
Foi inesperado.


Notas iniciais do capítulo

Eu sei, eu sei, demorei de novo. Mas a internet não colaborou muito, desculpem :(
Capítulo enorme! Quase 10 páginas!
Divirtam-se ^^



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(...) a Pevensie estava com atenção distante rabiscando alguma coisa em um papel. Por alguns segundos, eu a observei, algo nela me fazia sentir estranho... Não sei explicar, naquele momento era como se a conhecesse de algum lugar... Como se já tivesse visto aquela cena antes, mas de modo diferente...”

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Ben.

O cinema foi bem divertido, uma boa distração embora John tivesse demorado muito para chegar, dizendo que ficara ocupado com Gina e Anna. Lílian e Jade rolaram os olhos e fizeram gestos de vômito, felizmente todos ignoraram e entramos na sessão que já havia começado. Não encontramos lugares juntos, por isso ficamos espalhados pela sala. John, Edward e Jade conseguiram lugares pelo meio, Daniel sentou muito na frente e Lílian e eu conseguimos dois lugares ao fundo.

–Com quem você falava no telefone? - cochichou ela, com o telão iluminando-a à meia-luz.

–Com Anna. - respondi prontamente, porém logo após dizer, algo apitou em minha mente dizendo que eu não devia ter dito. Lílian ergueu as sobrancelhas.

–Bom, vejo que você está se empenhando no plano então. Muito bem.

–Estaria se eu soubesse qual é o plano. - expliquei.

–Ora, Ben, você não vai começar com isso agora, não é? - espontaneamente ou não, senti a mão de Lílian pousar em minha coxa.

–Shhh! - pediu a moça sentada à nossa frente. Fechando a cara, em reposta, Lílian chutou o encosto da cadeira.

–Por que fez isso? - perguntei. E quando ia dizer um “desculpe” para a moça, Lílian interrompeu.

–Então, me conte – tornou-se para mim, falando ainda mais baixo. - Como estão indo as coisas com a Pevensie?

–Bem... - respondi, sem saber o que devia ou não dizer. - Vão bem.

–Detalhes, Ben, querido. Me dê detalhes. - piscou várias vezes.

–Estamos nos aproximando. - dei de ombros. - Nos encontraremos no parque amanhã de manhã para continuar o trabalho.

–E o que mais? Você já fingiu interesse por ela? - perguntou baixo. Segurei o riso quando meu primeiro impulso foi dizer a ela que não dava pra fingir quando era real, mas consegui calar-me a tempo e meu sorriso torto fez Lílian entender as coisas completamente diferentes do que eram. Ela sorriu abertamente.

–Muito bem, Ben. Muito bem. - satisfeita, ela endireitou-se na poltrona e passou o resto do filme em silêncio. Quanto a este, não consegui me concentrar nem um segundo. Anna não saia de minha cabeça e eu, embora sendo uma atitude ridícula, já fazia planos para o dia seguinte.

Não notei na hora, mas percebi tarde demais, muito tempo depois, que estava indo por um caminho de consequências desastrosas, porém ao mesmo tempo não conseguia me desviar dele por saber, talvez ainda inconscientemente, de que para isso teria que me afastar de Anna.

Naquela noite, mais tarde, despedi-me dos outros quando o filme acabou e fui para casa. Edward ainda estava estranho comigo e começava a notar que John também, mas não tanto quanto Ed. Quando cheguei em casa encontrei mamãe lendo no escritório, conversamos por um tempo e despedi-me dela, recolhendo-me para meu quarto. Depois de um banho, já vestindo as calças do pijama, organizei a mochila que levaria no dia seguinte. Verifiquei se todos os marcadores que adicionei em “De Ouro à Uma Era” estavam em seus lugares e o guardei junto aos outros na mochila. Ficou faltando apenas um, o que começara a ler no dia anterior, peguei-o e jogue-me na cama.

O título era “Talentos de Reis”. Tratava-se de um dos livros de um famoso escritor chamado Paulan Brejeiro, ou pelos menos um dos muitos que ele escreveu, todos dedicadas à Era de Ouro. Aquele em especial era quase um inventário, do legado deixado pelos Reis e Rainhas do passado, materializados em obras de arte de autoria deles.

O livro dizia muito sobre os artefatos da época, principalmente sobre os que eram mantidos ou oriundos do palácio de Cair Parável, que pelas ilustrações da época, era magnífico, e hoje se encontrava em ruínas. E embora o livro abordasse os artistas do castelo, principalmente os quatro irmãos e Caspian, que tinham todos veias artísticas – Lúcia com a música, Susana com os desenhos, Edmundo com as letras e Caspian com a arquitetura (segundo o livro ele era ótimo para planejar construções, o que fazia dele praticamente o arquiteto/designer principal do reino) -, o livro tinha um enfoque inicial nas magníficas, misteriosas e secretas pinturas do Rei Pedro. Uma das partes dizia:

Grande Rei Pedro mantivera um cômodo secreto no castelo onde fazia e escondia suas pinturas. Nenhum dos irmãos ou Caspian sabiam do cômodo ou das pinturas, descobertas muitos anos depois da destruição do castelo e morte dos Reis. O que, claro, causou uma bela surpresa e muitas reviravoltas no que se sabia da história deles, que por si só já era bastante intrigante. Afinal, os Reis e Rainhas mantinham uma relação ótima com seu povo saindo pela cidade e conversando com as pessoas, entretanto eram poucos do povo que iam ao castelo. Por isso nossas fontes de informação diminuíram drasticamente já que as pessoas do castelo que conviviam com os Reis, em esmagadora maioria, morreram no ataque fatal ao castelo. A surpresa principal deu-se, sem dúvida, pelas telas do Grande Rei, que, aparentemente, retratavam algo que muitos desconheciam, as faces do pais dos irmãos, lugares que teoricamente pertenciam ao mundo deles, assim como a relação amorosa dele com uma mulher misteriosa. Ela sempre estava presente nas pinturas encontradas, porém seu rosto nunca fora revelado em nenhuma delas. As telas sempre retratavam os dois juntos seja de uma forma mais romântica ou mais acalorada, e o Rei fazia um perfeito autorretrato em todos eles, entretanto, como já disse, o rosto da dama não era revelado nunca. Por isso, muitos estudiosos da época acharam que se tratava de um sonho do Rei, como uma idealização da mulher perfeita ou fruto de um sonho – o que explicaria a ausência do seu rosto. Ou até mesmo uma amante por quem ele era apaixonado e cuja imagem queria preservar, o que nos leva a crer que seria da realeza, se esse fosse o caso. Mas enquanto a análise dos quadros avançava, as escavações em Cair Parável faziam o mesmo e, em um dos cômodos, que ao que tudo indica era um dos aposentos reais, encontrou-se o diário sem dono. Ele foi analisado em laboratório por semanas e apesar da tinta apagada, conseguiram recuperar boa parcela dos escritos. E qual não foi a surpresa ao constatarem que tratava-se do diário da mulher presente nas telas do Rei. Os relatos dela explicavam as telas tão apaixonadas do Rei Pedro. Era um romance proibido pela lei e pela moral. Entretanto, para nosso completo lamento, não havia citação de nomes e sim o uso de apelidos desconhecidos por nós e que não davam nenhuma pista sobre quem se referiam; assim, não há como descobrir quem escrevia ou a quem se portava no uso de cada apelido. Mas um coisa é certa, sem dúvida pertencia a uma das Rainhas. O que confirmou a quase absoluta veracidade do livro “Ao Fugir do Sangue”, considerado o mais fantasioso livro da Coleção. Para os amantes dessa literatura foi um alento saber que Rei Pedro, ao contrário do que se pensava, não fugiu à regra sendo um pobre coitado que não encontrou amor e para quem foi preciso inventar um, embora seja um tanto polêmica a situação em que esse amor se desenvolveu realmente. Infelizmente será muito improvável que um dia saibamos qual das Rainhas ocupava a mente e o coração do Grande Rei Pedro.”.

Em seguida vinham algumas imagens das telas, ou parcelas delas como vinham informando o rodapé. Havia a imagem presente em “De Ouro à Uma Era”, uma das quais Paulan se referia como “acaloradas”. Seguindo essa linha, haviam uma outra da mesma moça de cabelos ondulados e castanhos, ela corria por um campo relvado cercado pelo bosque com o céu azul sobre sua cabeça, usava uma tiara de flores brancas e um vestido longo, simples, da mesma cor, quase transparente insinuando abertamente os contornos do corpo da moça. O vento soprava, fazendo as longas ondas castanhas esconderem-lhe o rosto. Em outra, a moça aparecia vestida de noiva, magnífica usando uma coroa de bronze, a caminho do altar onde o próprio Pedro a esperava, porém o rosto dela era escondido pelo véu.

Aquilo era muito intrigante, devo confessar. Por que ele não revelava quem era ela? Certo, se fosse uma de suas irmãs como parecia ser, era um amor proibido e provavelmente correspondido. Talvez esse fosse o motivo de ele tentar protegê-la, afinal, se fosse Lúcia, Tirian era poderoso para se vingar, se fosse Susana, Caspian era um amigo muito próximo para magoá-lo assim. E se Caspian ou Tirian descobrisse, sem dúvida o castelo implodiria em fúria. Ao mesmo tempo não fazia o menor sentido. Não sei muito sobre o romance de Lúcia e Tirian, mas Lúcia era a caçula, seria muito estranho que Pedro tivesse se apaixonado por ela. Susana era a candidata mais favorável, porém o amor incondicional que ela mostrou ter por Caspian não parecia ter espaço suficiente para outro homem, ainda mais esse outro homem sendo seu irmão. Além disso, se esse fosse o caso, ela não parecia ser do tipo que ficaria com os dois e a escolha dela claramente sempre fora Caspian.

Eu podia ter ficado matutando sobre isso a noite toda, tão curioso que estava por uma resposta, mas o sono me venceu sem nem me dar chance de defesa. O dia cheio pelo qual passara rendeu-me uma noite de sono profundo e de sonhos.

Andava por um corredor diferente, apressado. Tudo em volta passava em borrão, desfocado como acontece nos sonhos. Não reconheci o lugar, mas me parecia familiar, acolhedor como se fosse minha própria casa. Era lindíssimo, o chão de mármore marfim, metades das colunas boleavam pelas paredes de metros em metros, pintadas de ouro quando uniam-se em arco pelo teto levemente abobadado do corredor; as paredes claras ostentavam candelabros de ouro branco e pinturas diversas, do teto pendiam lustres de bronze que assim como os candelabros, estavam inutilizados por ainda ser de dia e a luz do sol invadir tudo abundantemente pelas enormes janelas. Sentia que estava com raiva, com uma raiva profunda e tinha as mãos ocupadas, uma segurava o punho da espada ao lado de meu corpo e a outra segurava firme um livro de capa preta. Andei com passos grandes e rápidos até dobrar para o lado em um par de portas de madeira nobre esculpidas com imagens referentes a Nárnia, tendo o brasão dividido entre uma banda e outra. Entrei sem bater deparando-me com uma cena que fez-me desacelerar.

Numa mesa na varanda aberta, banhada pela luz do sol, havia uma mesa pequena, redonda, suficiente para dois, de madeira detalhada na qual havia um vaso de cristal que refletia a luz em frações de cores, portando lírios brancos, e papéis para desenho acompanhados de carvão e pincéis, os quais eram utilizados pela dona sentada de lado para mim. Era Anna, e estava belíssima, da forma como a vira desenhando no refeitório no dia que comecei a me aproximar dela. Banhada pela luz e tendo os cabelos e a saia do longo vestido azul levemente avoaçados pela brisa, estava com a atenção distante rabiscando algo no papel, olhava concentrada para o que estava fazendo de uma forma tão graciosa que fez-me parar para observá-la por alguns segundos, esquecendo-me da raiva que me levara até ali. Quando ela percebeu minha presença ergueu o olhar para mim dirigindo-me um sorriso lindo, porém assim que o fez, senti a raiva pelo que quer que me levara ali, voltar.

Despertei com o barulho do despertador. Ainda sonolento, estiquei o braço para apanhá-lo sobre o criado mudo. Eram oito horas, o que me dava tempo. Tranquilamente saí da cama e mergulhei no chuveiro ainda revendo o sonho vívido em minha mente. Não fazia o menor sentido, muito menos a parte de lembrar dele tão nitidamente. Mas por hora, não me detive nele. Vinte minutos depois desci para o café da manhã. Meu pai já havia saído e mamãe abandonou o jornal que lia quando cheguei, tomando assento em frente a ela depois de dar-lhe um beijo na testa.

–Bom dia, querido. - disse ela me olhando sentar. - Por esse sorriso o dia já deve estar bom.

Ri de leve.

–Vai ficar melhor. - garanti quando me servia.

–Humm. - disse ela. - Planos para hoje? Vai sair com Lílian, aposto!

–Hm, não. - respondi de boca cheia. - Na verdade, não.

–Puxa, sério? Então há outra moça?

–Mãe... - comecei.

–Por que você não me contou? Como ela é? É da escola? - começou, passando manteiga numa torrada.

–Mãe! - ri. Ela riu também, dando uma mordida. Esperou que eu continuasse. Por um breve segundo pensei por que não tinha contado a ela sobre Anna e logo percebi que, se ela soubesse do “plano”, não me perdoaria. - Bom... O nome dela é Anna. É da minha turma.

–Anna? Anna Pevensie? - perguntou ela.

–Sim... A senhora conhece?

–Claro! - disse como se fosse óbvio. - Desde que vocês eram pequenos. Estudei com os pais dela. Anna é uma moça maravilhosa. Vocês dois sempre estudaram juntos, nunca o ouvi falando dela. Por que agora?

–Por que todo mundo faz essa pergunta? - arriei os ombros.

–A resposta é óbvia, meu filho. - explicou ela. - Nunca vi o nome de Anna sair da sua boca. É só “Lílian, Lílian, Lílian”. E agora você está só sorrisos pela senhorita Pevensie. - ela sorriu acusadora.

–Não é para tanto. - expliquei para ela, engolindo o suco em seco. - Só estamos fazendo o trabalho de história juntos.

–Hum. - ela ergueu as sobrancelhas. Tomei o resto do suco rapidamente, pondo-me de pé.

–Tenho que ir. - fui dar-lhe outro beijo.

–Pra onde? - perguntou.

–Encontrar com Anna. Temos que fazer o trabalho. - expliquei e saí, não sem antes notar o sorrisinho torto que ela me dirigiu. Mamãe é impossível quando quer. Ri.

Apanhei a bicicleta na garagem depois de subir de novo para escovar os dentes e pegar a mochila. Fazia uma manhã muito agradável. Do tipo ideal para um dia no parque. Notei tarde demais de que Anna não sabia que eu pretendia passar o dia todo com ela, mas seria algo a tentar.

O parque não ficava muito longe e ao chegar ficou óbvio que muitos tiveram a mesma ideia de lugar a ir naquele dia. Havia bastante gente, nada que lotasse o lugar, mas o suficiente para deixar as coisas animadas. Pedalei até o ponto que falara a Anna. Por ser numa parte elevada, a subida, embora suave, impedia que qualquer jogo fosse realizado decentemente ali, portanto as pessoas preferiam as partes mais planas. Uma enorme macieira fazia uma sombra aconchegante ali em cima, seria o lugar ideal para ler sem ser incomodado por ninguém. Quando pedalava para lá, passei pela ponte esticando o braço e conseguindo apanhar uma das flores dali. Tive a sensação de ser vigiado, mas uma rápida olhada em volta não fez daquilo algo que me preocupasse.

Desci da bicicleta e empurrei-a um pouco pela subida abandonando-a perto do local escolhido. Caminhando para debaixo da árvore olhando em volta, saquei o celular do bolso e mandei uma mensagem para Anna.

Já estou aqui. Primeira parte alta depois da ponte das rosas.”

A ponte ficava bem adiante, separava a parte mais elevada da parte plana e era chamada de Ponte das Rosas por que a estrutura de concreto fora coberta por rosas selvagens que pareciam ainda mais lindas sob a luz do sol. A que eu levava na mão seria de Anna.

Não demorou muito e eu a avistei passar pela ponte empurrando sua bicicleta branca com cesta de vime na frente com os livros, ficando mais bela a medida que chegava mais perto. Os cabelos estavam presos num coque frouxo e alto, usava um short não muito curto e folgado jeans, um tênis delicado de estampa florida e blusa de mangas curtas um pouco mais longa e folgada que o comum, cor de vinho. Quando me alcançou e sorriu, notei que usava um levíssimo tom rosado nos lábios. Só então percebi que estava sorrindo, não me pergunte desde quando.

–Bom dia, Ben. - disse ela, encostando a bicicleta numa árvore próxima, apanhou suas coisas e veio sentar junto a mim.

–Bom dia. - respondi meio abobalhado demais, tratando logo de controlar o tom.

–Demorei? - perguntou, sentando.

–Não. - respondi casual. - Eu que cheguei um pouco mais cedo. Ainda deu tempo de pegar isso. - ofereci-lhe a flor. Anna olhou dela para mim, não sabendo o que fazer. Não pude deixar de perceber como o azul de seus olhos, intensificado pela luz do dia contrastavam com a cor da blusa. - É pra você. - disse. Ainda hesitante, Anna a pegou de minhas mãos.

–O guarda não viu você, viu? - perguntou ela, brincando, fazendo referência ao guarda do parque. Eu ri. Ela sorriu abertamente. - É linda, Ben, obrigada. - e prendeu a flor na parte de baixo do coque, fazendo as pétalas se espalharem pelo coque e pela cabeça. Fiquei observando.

–Bem, podemos começar? - perguntei quando ela terminou, a tempo de evitar que notasse minha distração.

–Claro. - concordou prontamente apanhando um livro, o bloco de anotações e a caneta. Abri minha mochila aos empurrões e puxei “De Outro à Uma Era” e “Talentos de Reis”.

–Comecei a ler esse aqui há pouco tempo. - falei, mostrando o último a ela. Anna pegou o livro e deu uma folheada.

–Paulan Brejeiro. - leu. - Os livros dele são ótimos, estou lendo um dele também. - e da sua pilha entregou-me um cujo título era “A Realeza – Era de Ouro”. Peguei-o para analisá-lo.

–Você realmente pegou os mais interessantes. - ergui as sobrancelhas. Ela riu.

–Você disse que não queria ter trabalho. - lembrou. Assenti.

–Estou começando a mudar de ideia. - confessei. Ela sorriu de leve.

–Isso é bom. - disse. - Há outros livros escritos por Brejeiro. Ele é simplesmente o melhor no que faz. Com certeza temos que examinar as outras obras.

–Com certeza. Não sei como ele faz, mas não parece falar de História quando escreve, parece contar a História. É muito bom. - concordei. - Falando nisso, este – apontei para o que havia mostrado a ela. - É muito interessante. Fala das obras de arte da época da Era de Ouro, principalmente as do Castelo, e mais especialmente ainda, das feitas pelos próprios Reis. - vi os olhos de Anna brilharem.

–Gina me perguntou porque nunca fomos estimulados a ler e saber mais sobre essa época, e eu realmente não entendo como podemos ter ficado alheios a tudo isso. Simplesmente não é um costume da população, não entendo por que! - respirou fundo e balançou a cabeça de um lado a outro rapidamente, espantando aquele assunto. - Quando terminarmos de ler os livros que temos, vamos trocar. - ordenou.

–Sim, senhora. - concordei prontamente, mudando de assunto alguns segundos depois. - Você conseguiu alguma coisa sobre o amor secreto de Pedro?

–Nada. - ela balançou a cabeça de um lado a outro. - E provavelmente não vamos encontrar. Nem os historiadores descobriram até hoje.

–Ué, somos historiadores, não? - concluí. - Amadores e anônimos, mas somos. - ela riu levemente. - Podemos desvendar a história também. Reavivar o interesse do país na sua própria história. Talvez essa tenha sido a intenção do Kirke com esse trabalho, no fim das contas. - dei de ombros.

–Seria bem a cara dele. - concordou. - Historiadores. Gostei disso.

–Quando fizermos sucesso com nossas descobertas, pode me dar os créditos. - dei de ombros. Ela riu, acertando-me no ombro de um jeito tão leve que mais pareceu carinho do que empurrão. Ri também.

–Certo, vamos começar. - disse ela. - Temos que decidir sobre a estrutura do trabalho. Mandei um e-mail para o professor anteontem e ele disse que não há um meio de exposição estabelecido, devemos fazer como acharmos melhor.

–Um seminário? - sugeri.

–Não – ela meio que riu. - Com certeza não. Não faz muito meu gênero, sem contar que fazia mais trabalho e encurtaria nosso tempo. Eu acho que prefiro apenas o trabalho escrito, assim podemos nos dedicar mais a pesquisa em si, não tendo que nos preocupar com a apresentação.

–Sim, nesse ponto concordo, mas se fizermos só o escrito, seria apenas para o Kirke, como exporíamos o trabalho?

–Se for bom o suficiente, talvez consigamos uma publicação. - deu de ombros.

–Você sonha alto. - admiti. - Mas seria muito difícil conseguir.

–O que eu posso fazer? Gosto de coisas complicadas. E, se conseguíssemos, a faculdade estaria praticamente garantida.

–Sério?

–Com certeza.

–Então acho melhor continuarmos. - falei empolgado. - Como faremos? Escolheremos uma área específica?

–Não, não. Acho que falar de tudo, como se contássemos uma história, seria esplêndido, daria mais clareza aos fatos e informações encontrar suas causas e consequências no mesmo lugar em ordem cronológica. - ela falou rápido, fazendo-me precisar de alguns segundos para compreender.

–Anna – falei, abismado. - Só temos alguns meses para fazer isso.

–Eu sei! - sorriu ela. - Isso deixa as coisas mais interessantes. O tempo relativamente curto nos mentem focados no trabalho, sem correr o risco de perder o fio da meada. Além disso, do jeito que estamos empolgados com isso, não será problema.

Não pude deixar de sorrir.

–O que foi? - perguntou curiosa.

–Nada, é só que – procurei as palavras. - A sua empolgação, determinação... Você realmente gosta do que está está fazendo e isso transparece demais no seu otimismo... Eu gosto disso. - concluí. - Gosto muito.

Anna desviou os olhos, corando e sorrindo tímida num silencioso agradecimento. Quando lambeu os lábios levemente, lembrou-me de uma coisa.

–Sabe – comecei em tom calmo, tentando não demonstrar o friozinho na barriga. - Nós... - desviei o olhar para a grama. - Nós ainda não falamos sobre aquela tarde.

Ela não me olhou logo, mordendo o lábio inferior. Aproximei-me dela, tocando seu rosto para que me olhasse. Os olhos de azul claro destacado pela luz do sol, tão lindos, tornaram-se o mundo naquele momento. Senti algo morno crescer dentro de mim, algo que necessitava envolver Anna. Não sei quanto tempo de hipnose se passou até que eu falasse novamente.

–Eu quero que saiba... Ou melhor, não quero que pense que eu possa ter me... Digamos... Aproveitado de você, isso jamais, nem que foi apenas um momento, algo que aconteceu...! - falei acelerado, quase gaguejando. Quase. Parei para respirar, voltando a falar quando retomei o fôlego, agora mais calmo. - Quero que saiba que não foi só um momento. Que não foi só por acontecer. - deixei claro. Vi seus olhos brilharem, atentos aos meus.

–Ah... Ben, eu... Eu... Eu não sei o que dizer... - começou ela. Sorri de leve.

–Não precisa – garanti. - Só queria que você soubesse.

–Muito legal da sua parte se preocupar. - disse ela, sincera. - Muito mesmo.

–Seria estranho não me preocupar. - estranhei. - Foi tão inesperado.

–Sinceramente, Ben, mais inesperado que o beijo só o fato de você se preocupar. - disse ela, gentil. - Confesso que eu não esperava por nenhum dos dois, mas... - respirou fundo, como se revesse as palavras que diria. - Fico feliz que tenha acontecido.

Um sorriso largo se formou em meu rosto, o que a fez desviar o olhar, corando. Não resisti e inclinei-me em sua direção, conseguindo dar um beijo em sua face avermelhada, o que a fez rir.

Depois voltamos ao assunto principal que nos levou ao parque naquela manhã e, em rascunhos, decidimos toda a estrutura do trabalho, escolhendo um ponto temporal específico para começar a contar a história que escreveríamos. Anna, claro, ficaria responsável em escrever, por opção dela, e eu ajudaria com a pesquisa. Passamos a tarde reunindo nossos dados, criando uma especie de árvore genealógica ligando os personagens principais, e entramos em acordo que ela cresceria a medida que lêssemos e descobríssemos mais.

Comprei cachorro quente para nosso almoço e nos despedimos perto do pôr-do-sol. Empurramos nossas bicicletas até a saída do parque e, conseguindo beijar outra vez sua face, nos despedimos, montamos nas bicicletas e seguimos o caminho para nossas casas. Quando cheguei parecia mais exausto do que me sentira o dia todo. Jantei com meus pais e logo me recolhi. Após o banho, quando passava para a cama, vi o alerta na tela do computador, avisando que tinha um novo e-mail de Lílian. A curiosidade, claro, falou mais alto e sentei para ver o que era. Dizia:

Por você estar se dedicando à nossa meta com êxito, um agrado”.

E vinha acompanhada de dois anexos. Abri o primeiro anexo encontrando uma foto de Lílian em frente ao espelho usando um short minúsculo que julguei ser uma calcinha, e uma camiseta velha e justa que mostrava boa parte de sua barriga plana e evidenciava sutilmente a falta do sutiã. Sorri de lado, analisando a foto. Depois de não sei quanto tempo, lembrei do outro anexo, ansioso para que fosse outro “agrado”, o abri imediatamente. Quando carregou, deparei-me com uma foto, tirada a distancia, no parque, onde se via Anna e eu, sentados sob a árvore, no momento em que eu a beijara no rosto.

O instinto de segurança me alertou. Algo estava errado. Algo estava muito errado. Lílian, apesar do agrado – que mais nada me despertava agora – teria que me explicar direito o que de fato estava pretendendo. Aquilo não estava mais parecendo uma brincadeira. E o que quer que ela estava planejando, deveria parar. Logo.


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Notas finais do capítulo

Começaram os sonhos! O que vocês mais gostaram? Eu estava com essa imagem do sonho na cabeça desde que escrevi o segundo capítulo! Espero que tenham gostado! Reviews!
Beijokas!!



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