Eu me recusava a voltar para pedir a Lance para me indicar onde ficava o meu quarto, então resolvi ir até o lugar dos painéis de controle e falar com a Lucy. Ela me ajudaria, provavelmente. Eu já tinha andado um pouco na direção que sabia ficar o meu quarto – só faltava eu saber qual era a porta dele – então tive que me virar para voltar. Me viro e com quem me deparo? Lance.

 

        - O que quer? – perguntei friamente quando ele parou à minha frente.

 

        - Qual é, Jenny. Você sabe que eu não quis dizer que você não é feminina. – defendeu-se ele.

 

        - É, quis dizer o que então?

 

        - Que você não é cheia de frescura igual às outras garotas com quem costumo andar, entende? – olhei nos olhos dele, Lance parecia estar sendo sincero, ainda mais com aquela carinha chateada com a qual ele me fitava.

 

        - Ah, tá bem, entendo, que seja. – falei por fim. – Mas o nosso acordo já era.

 

        - Ah não, isso não tem nada haver, Jenny.

 

        - Estou de mau humor, então estou desinclinada a atender ao acordo. – fui o mais formal possível e comecei a andar na direção da sala onde estava Lucy.

 

        - Não quer nem saber onde fica seu quarto? – ouvi Lance perguntar. Suspirei e voltei para ele.

 

        - Ok, mas só porque não tenho intimidade com a Lucy pra ficar chamando ela toda hora. – falei. Lance deu seu meio sorriso e balançou a cabeça, me levando para meu quarto.

 

        - E a propósito, você não pode desrespeitar o acordo porque não tem como sair daqui sem a autorização do Capitão. – ele sorriu e saiu do quarto.

 

        Filho de uma mãe. Pensei. E ele estava certo, em qualquer Base o portão só se abria quando o Capitão pedia, tanto que nas outras vezes que fui expulsa foi porque aproveitei o portão aberto. Mas não ia desistir fácil assim, não mesmo.

 

        Peguei minha mochila – que alguém havia posto no armário – e saí do meu quarto, desta vez gravando sua localização.

 

        Como não havia mais ninguém por ali – ou estavam todos dormindo ou tomando o café da manhã – fui em direção ao grande portão e, para minha surpresa, havia uma fechadura nele.

 

        - Isso vai ser mole. – murmurei para mim mesma. Mudei meu braço para aço e afinei meu dedo mindinho - ah é, outro detalhe dos meus poderes, quando estou na minha outra forma, posso mudar partes do corpo, legal né -, enfiando-o na fechadura. Então eu o expandi para que ficasse no formato da parte de dento e em seguida o girei. Tirei o dedo e o portão se abriu. Meu braço voltou para a forma normal de pele.

 

        - Pode me chamar de Mística. – sorri enquanto andava em direção à floresta do lado de fora e o portão voltava a se fechar atrás de mim.

 

        Tirei a mochila das costas e abri minhas asas – estava com uma blusa de amarrar no pescoço, para essas ocasiões mesmo.

 

        Aproveitei o vôo mas ao mesmo tempo prestei atenção em volta, não queria ser morta por um Ciborg no meio do caminho.

 

        Em alguns minutos vi a confusão que o robô Sentinela causava na Base. Parei a alguns metros de distância do lugar. Respirei fundo e disse:

 

        - Vamos lá, ao resgate do mutante Bryan. – sorri ao lembrar do filme. Nossa nem nessas horas esquecia esse tipo de coisa. Fazer o quê, o Matt Damon era legal.

 

        Comecei a voar na direção do robô e parei. Tá legal, eu cheguei até aqui e agora o que eu faço? Jennifer Talbot sua idiota, como vem lutar contra uma Sentinela sem ter um plano planejado? Isso é que dar querer salvar os outros. Bryan vai ficar me devendo essa.

 

        Voei me desviando da Sentinela e pousando na Base em meio de tiros de armas do robô e rajadas de fogo, gelo e objetos vindos dos mutantes embaixo, no pátio. A coisa estava tão mal que ninguém nem notou que eu havia “voltado às raízes”.

 

        Tudo estava um caos, tanto soldados quanto os mutantes que estavam se abrigando lutavam contra a tal Sentinela. Vi Billy lutando no corredor contra um 14.2, ele não teria a menor chance porque seus poderes não eram nada úteis naquele tipo de situação. Resolvi tentar ajudá-lo, mas seria difícil, nunca tinha tentado formar um objeto que não continuasse preso ao meu corpo de alguma forma. Tive que voar novamente para parar e tentar formar uma arma a partir do meu aço. Depois de dois minutos lá estava uma pistola pequena prontinha em minha mão, não era nenhuma arma poderosa, mas era mais que nada.

 

        Voltei até Billy no momento que o robô ia atirar nele. Dei cinco tiros que serviram para fazê-lo virar-se para mim. Que ótimo. Fala sério.

 

        Mirei onde pensava estar o “coração”, ou bateria sei lá o nome, dele e atirei. Não acertei de primeira e só tinha mais uma bala. Mirei novamente, com calma – ou pelo menos fingindo ser com calma – e quando ia atirar uma bola de fogo caiu em cima do robô, derretendo-o. Olhei para o lugar de onde ela tinha vindo e era quem? Lance, claro. Ele vinha correndo em chamas depois de ter entrado não sei por onde.

 

        - O que está fazendo aqui? – perguntei quando ele parou ao meu lado.

 

        - Um “de nada por ter salvado minha vida” caía bem. – disse ele.

 

        - Eu não pedi sua ajuda.

 

        - Mas bem que precisava. – quando uma explosão aconteceu a alguns metros de distância, nossa discussão foi interrompida por outra bomba que caiu praticamente do lado de Lance.

 

        - Ainda bem que elas não me afetam. – disse ele.

 

        - Por quê?

        - Eu sou fogo, lembra? Só morro se explodir em cima de mim, nesse caso eu seria feito em pedaçinhos.

 

        - Ai, cala a boca e vamos procurar o Bryan. – eu falei, olhando os que estavam correndo desesperados e os que estavam lutando. Foi quando meu olhar foi dessas pessoas para o enorme robô Sentinela que eu percebi um compartimento no peito do robô. E lá dentro daquele compartimento vi, para minha surpresa, pessoas – obviamente mutantes – puxando as grossas grades que os prendiam ali e levando choques cada vez que encostavam nelas. Então vi o robô pegar mais uma garota e engolindo-a. Óbvio que fiquei chocada, e então no segundo seguinte ela caiu no meio das outras pessoas no compartimento.

 

        - Jen, cuidado! – Lance avisou, me empurrando e caímos ambos no chão quando uma bomba explodiu no lugar onde eu estava um segundo antes. – Quer acordar? Eu já vi há muito tempo o que o robô faz, será que se distraiu tanto com esse seu amigo assim?

 

        - Fica quieto, vamos nos levantar logo antes que nos pisoteiem aqui. – falei, depois de levar uma pisada num dos dedos. Quando nos levantamos me toquei do que podia ter acontecido.

 

        - Lance, e se o Bryan está lá?

 

        - Ah, aí já era. Não tem como chegarmos perto do robô. Se esse bando de  mutantes não o venceu nós também não venceremos. Ainda mais eu que nem posso voar.

 

        - E como chegou aqui então? – perguntei, desviando-me de um garoto que passou correndo e gritando desesperado.

 

        - Um amigo meu lá da Resistência voa e fez o favor de me trazer.

 

        - E por que ele não ficou aqui? Por que não vieram mais pessoas?

 

        - O Capitão não deixou ninguém vir, nem ninguém quis, todos sabem que é uma batalha perdida por enquanto. – ele falou mais alto porque os barulhos de explosões estavam aumentando.

 

        - Se sabe que é uma causa perdida, então por que veio? É louco é? – perguntei alto também.

 

        - É, acho que sou sim, louco por você! – ah, ele tava querendo me matar de emoção né? Que coisa mais fofa de se dizer no meio de uma batalha contra um robô gigante que estava atirando em todo mundo.

 

        - Ah, Lance. Não faz isso, você pode se arrepender. – falei.

 

        - Por quê?

 

        - Porque eu vou deixar você chateado agora.

 

        - Jennifer... – saí voando. É, abri as asas e voei até o robô. Eu tinha que ver se o Bryan estava ali, era mais fácil achá-lo ali no meio do que na Base que estava com toda aquela confusão. Eu ainda vi o Capitão Hartney mandando ver com uma metralhadora no caminho para a Sentinela.

 

        Quando cheguei perto o bastante, o robô tentava me apanhar com aquelas mãos enormes dele, mas eu era mais rápida e desviava. Foi então que o vi, vi Bryan no meio daqueles mutantes presos e percebi que ele tentava chegar até a borda, provavelmente devia ter me avistado também. Mas antes que eu fizesse qualquer coisa, senti uma dor enorme no ombro esquerdo e caí, caí porque não consegui mais voar por causa da dor e pus minhas asas “para dentro”.

 

        O robô ia ficando longe enquanto eu ia de costas em direção ao solo. Eu não conseguia mudar de forma então me preparei para o impacto, mas em vez disso senti dois braços fortes me segurando.

 

        - Lance? – murmurei, olhando para ele.

 

        - É, sua teimosa. – seu rosto estava sério e sua voz zangada. Fechei os olhos.

 

        Eu não conseguia me localizar para saber para onde íamos. Tinha sido ferida no ombro, óbvio, mas aparentemente fui atingida numa veia importante ou algo assim, porque doía muito. Ouvi o que parecia ser uma porta se abrindo e em seguida Lance me pôr na cama para depois trancar a porta.

 

        - Abre os olhos, Jen. Você tem que ficar acordada. – o ouvi falando ao meu lado e o obedeci, abrindo os olhos. Lance estava ajoelhado no chão do lado da cabeceira da cama. Percebi que meu ombro não estava mais doendo tanto, estava mais era ardendo.

 

        - E você disse que não é o heroizinho trágico. – tentei sorrir, mas acho que só consegui uma careta.

 

        - Fica quieta que isso aqui foi sério, não sou médico mas tenho certeza que não é bom para você estar perdendo tanto sangue. – disse ele. Pus a mão direita no ombro machucado e senti o ombro todo arder, em seguida olhei e vi meus dedos vermelhos.

 

        - Ah, meleca. Que ótimo, vim salvar o Bryan e agora estou morrendo. – falei, minha voz começava a ficar fraca. Com aquela ardência toda e perdendo tanto sangue já começava a perder energia.

 

        - Você não esta morrendo, Jenny. – falava Lance. – Tem algum casaco na sua mochila?

 

        - Tem, mas... acho que eu deixei ela lá fora quando estava tentando fazer a pistola.

 

        - Droga! – ele reclamou baixo. Então para minha surpresa ele rasgou a barra da camisa e me ajudou a me sentar, para em seguida enrolar o tecido no meu ombro.

 

        - Nossa, hoje você não está afim de ver alguém morrer né. – falei, me deitando de novo com a ajuda de Lance.

 

        - Não, você não. Não vou perder uma pessoa importante como perdi meus pais. – ele acariciou meu rosto enquanto falava isso, vi que os olhos de Lance brilhavam de lágrimas.

 

        - Não acredito, Lance Evans chorando por causa de uma simples garota? – tentei sorrir novamente, mas acho que não consegui.

 

        - Eu não estou chorando porque não há motivo pra isso. Você vai ficar bem, ok? – sei. Eu já começava a sentir frio, e nos filmes frio não era um bom sinal.

        - Eu não vou não. Eu não vou agüentar, Lance. Eu estou com frio.

 

        - Você vai agüentar sim, vai sim, porque você tem que salvar o seu amigo, lembra? – ele falou, agora uma lágrima desceu e a essa altura eu já estava chorando também. Primeiro porque meu ombro estava ardendo e segundo porque eu ia morrer, óbvio.

 

        - Não fala assim, estamos parecendo o Ben Affleck e o Josh Hartnett em Pearl Harbor. – será que eu não conseguia parar de lembrar de cinema nem numa hora dessas?

 

        - Viu já está falando de cinema, sinal de que já está melhorando, Jenny.

 

        - Eu falo disso até quando estou sozinha, Lance. Agora me faz um favor?

 

        - O quê?

 

        - Me beija? Preciso ter uma última sensação quente na vida.

 

        - Pára de falar bobagem. – ele balançou a cabeça em reprovação, mas me beijou mesmo assim. Quando nos beijamos eu fechei os olhos por causa do beijo e porque estava cansada, tão cansada que dormi, ou melhor, desmaiei. Que droga, isso já estava virando mania. Pelo menos eu teria uma última sensação quente e maravilhosa: Lance.