Amnésia escrita por Zchan


Capítulo 1
Capítulo único.




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Abriu os olhos.

Estava deitado de costas num chão com grama. Podia sentir o cheiro da umidade no ar e sentir as costas molhadas. Tinha chovido antes que ele caísse, ou se deitasse. Não conseguia ver nada além de nuvens escuras ao olhar para cima. Acreditava estar num campo, devido ao silêncio perturbador. Nenhuma luz além do fraco reflexo da lua, a qual não estava em seu campo de visão.

Pensou em mover a cabeça para os lados e descobrir onde estava a lua, porém todo seu corpo estava rígido demais para permitir qualquer outro movimento além do da respiração. Não sentia frio nem calor, a temperatura ambiente era ideal. Também não estava desconfortável naquele chão. Talvez fosse o tipo de pessoa que gostava de se deitar num gramado agradável como aquele.

O problema era apenas um. Não se lembrava.

Informações diversas giravam em sua mente, coisas sobre a natureza, sobre pessoas, sobre história, sobre o mundo. Sobre tudo, menos sobre si mesmo. Não sabia quem era, muito menos como fora parar ali. Sabia que era uma pessoa e que estava vivo. Nada a mais, nada a menos.

Seu corpo não doía em lugar algum. Não parecia ter sido derrubado, nem ter caído. Devia ter deitado ali para relaxar. Deitou-se, fechou os olhos, contudo, quando os abriu novamente, não se lembrava mais. Fenômenos como aquele não deviam ser muito comuns. Provavelmente, tinha algum tipo de doença. Talvez perdesse a memória toda vez que dormisse. Talvez tivera um acidente no cérebro. Tudo o que podia fazer era especular. E cada vez suas especulações ficavam mais e mais fantasiosas, tentando explicar o inexplicável.

“Você está bem?”

Uma vaga memória lhe perguntava. Poderia até mesmo acreditar que era uma pessoa real de tão distraído que estava caso a voz não estivesse estranhamente abafada, como se tivesse sido esquecida com o tempo e agora retornava. Mesmo uma pequena pergunta como aquela lhe trazia certo reconforto. Aquilo queria dizer que não perdera suas memórias para sempre. Poderia recuperá-las com o tempo, ou ao menos parte delas.

“Confuso.” Respondeu dentro da própria mente, esperando para ver se seu subconsciente continuaria a conversa fingindo ser o resto do pequeno resquício de memória.

“Por quê?”

“Não sei. Apenas... estou confuso.”

Seu interlocutor não respondeu. Talvez elaborar frases complexas fosse pedir demais para seu pobre subconsciente que sofrera um trauma tão recente. Ainda queria alguém com quem conversar. Poderia se levantar e tentar encontrar pessoas, era verdade. Tentou mover o braço. Rígido. Parecia estar preso ao chão por correntes firmes.

Gostaria de saber de quem originalmente era aquela voz agora distorcida. Um amigo, parente talvez? Parecia a voz de um homem, mas não podia descartar a hipótese de que estava misturada com a sua própria. Não sabia qual era a própria voz. Que vergonha. Falar era uma tarefa muito difícil, difícil demais. Sentiu preguiça de tentar dessa vez. Ora, já não dera certo antes. Insistir quando se sabe que não dará certo é tolice.

A imagem de um rosto masculino passou por sua mente, um vislumbre de menos de um segundo. Um homem adulto. Talvez fossem da mesma idade. Seria ele o dono da voz? De algum modo, quando tentava visualizar melhor aquele rosto, sentia um aperto no peito. Um ente querido que se fora, quem sabe. Se fora. Ah, tinha certeza disso agora. Aquele homem, fosse quem fosse, se fora em algum sentido e deixara-o triste, muito triste.

Teria se deitado ali na angústia de vê-lo partir? Não, parecia mais distante do que isso. Não era uma memória recente. Ele se fora já há algum tempo e a dor permanecera, ou voltara agora, num momento no qual não se lembrava de motivos para esquecê-lo. Parente, amigo. E se fora. Como era frustrante, saber que ele se fora e desconhecer sua identidade.

As nuvens começavam a se dispersar lentamente. Agora, podiam-se ver algumas estrelas. Não lhe pareciam estrelas familiares, porém nada era familiar. O céu era muito estrelado para uma cidade. Tinha certeza que estava num campo. Tantas estrelas, tantos mundos, e ele era só mais uma partícula minúscula e insignificante naquele vasto universo. E era importante para si mesmo. Dentro de si havia outro universo de minúsculas partículas, e dentro dessas partículas havia outras. Ou ao menos assim dizia a ciência. Como era engraçado saber de algo e não ter ideia de onde aprendera.

O homem voltou à sua mente assim que terminou o raciocínio sobre as estrelas. Seria ele tão importante assim, ao ponto de que qualquer momento de distração fazia com que pensasse nele? Seu rosto ficava cada vez mais claro, e o aperto no peito que sentia ficava cada vez maior e mais insuportável. Lembrou-se do sorriso dele e imediatamente uma lágrima escorreu por seu rosto. Lembrou-se melhor de sua voz, dizendo coisas carinhosas, mesmo que as palavras específicas tenham se perdido com o tempo e outra lágrima se seguiu à primeira.

Lembrou-se de um abraço quente e confortável que não valorizara quando tivera a chance e quis esquecer tudo novamente.

Não precisava daquelas memórias, não as queria mais. A dor que sentia era grande o suficiente para que desejasse que ele sumisse também de sua mente. E quanto mais queria esquecer, mais lembrava. Cenas triviais, cotidianas, que faziam seu corpo tremer de tristeza. Será que fora até ali, se deitara naquele gramado e fechara os olhos tentando esquecer? Aquele homem já se fora há muito. Por que então continuava vivendo tão fortemente em suas memórias?

Ele insistia em não desaparecer por completo apenas para lembrá-lo de que não estava mais ali.

Seria uma assombração? Seria uma punição pelo que fizera? E o que fizera, afinal? Não se lembrava de mais nada. Apenas dele. Ele enchia sua mente por completo e despertava aquela dor insuportável que já deveria ter se tornado por si só uma memória. Não era um parente nem um amigo. Era mais importante do que isso, mais amado, mais querido. E não reconhecera isso até não tê-lo mais junto a si.

Mais lágrimas corriam por seu rosto enquanto mais memórias vinham. A curiosidade já fora extinta, restava apenas a angústia e o arrependimento. E mais, e mais. Soluçou, o corpo já não tão pesado por causa da dor. As estrelas pareciam olhá-lo com descaso, sabendo que ele era só mais um dentre tantos que sofriam.

Não aguentava mais aquilo. Se esquecer não funcionava, destruir talvez resolvesse. Se desaparecesse como aquele de suas lembranças, poderia encontrá-lo novamente? Concentrou-se naquela esperança vã e sem sentido com todas as forças que tinha.

Fechou os olhos.


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Notas finais do capítulo

Reviews? Pedradas? Aceito até tomate podre, só comente, pelamordedeus.