A Filha Perdida escrita por ACL


Capítulo 4
O novo lar




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Não cheguei a imaginar onde eu iria morar.

Tudo o que eu pensei foi em Jay. Entendam: desde que eu tinha 12 anos, meu principal objetivo é cuidar de Jay e não deixá-lo ser adotado. Basicamente, eu sou a mãe dele. E eu gosto disso. Estou viciada nele. Ele controla cada minuto do meu dia e cada passo que eu dou. Agora eu tenho que conviver com a possibilidade de não voltar a vê-lo. Porque ela existe e é grande.

Enfim, eu esperava algum lugar próximo ao orfanato para que eu vigiasse Jay. De uma forma ou de outra, eu imaginava que ia ter contato com ele.

Não é isso que está acontecendo. Estamos andando a poucas horas (uma ou duas), mas o sol já se pôs. Na estrada, a noite é estrelada. Viajamos com os vidros da van abertos o homem que me adotou gosta do cheiro de natureza. Eu também gosto. O ar tem cheiro de mar e eu adoro.

O mar me lembra minha mãe. Mamãe nasceu no Brasil e viveu lá durante sua adolescência porque vovó era brasileira. Meus avós se conheceram no início de 1962, numa festa em Recife, PE, Brasil. Em questão de meses se apaixonaram e em maio de 1963, casaram-se. Um ano depois, mamãe nasceu. Viveram felizes para sempre até 1984, quando vovó sofreu um acidente de carro e morreu. Eles vieram tentar uma nova vida numa cidade pequena da Pensilvânia e eu e mamãe nos mudamos para Nova Iorque com a morte de vovô, em 1997 (apenas 3 meses antes de Jay nascer e mamãe morrer).

Enfim, mesmo morando nos Estados Unidos desde antes de eu nascer, ela ainda tinha aquele bronzeado bem brasileiro, provavelmente herdado de vovó. Ela amava o mar. Ela dizia que lembrava o Recife dela (que era bem mais poluído do que ela gostaria). Mamãe vivia me levando para ver o mar e hoje eu não consigo pensar em mar sem pensar em mamãe.

E isso é ruim. Se eu for morar perto do mar, isso é horrível. Pensar não só que eu perdi Jay, mas que eu perdi mamãe anos atrás e não tive tempo para me lamentar, tinha que cuidar do meu irmãozinho.

De repente, alguma coisa começa a brilhar a partir de Julia, interrompendo meus pensamentos. Não noto de imediato, só percebo depois que todos estão de olho nela. Ela está brilhando em tons de roxo e verde e um cheiro de uvas frescas e vinho brota dela. Uma videira gira na sua cabeça.

O casal que nos adotou se entreolhou.

Nós ficamos em dúvida por uns bons minutos.

Quando finalmente o nosso pai fala alguma coisa, nos deixa (ou me deixa) ainda mais confusas.

– Que milagre, Dionísio é o primeiro a se pronunciar.

A mulher, que, agora eu vejo, é bem mais nova, revira os olhos.

– Elius, você não podia complicar mais as coisas... – a voz dela é mais gentil quando ela não usa aquele truque de hipnose. – Bom, meninas, vou dar umas pinceladas, quando chegarmos ao acampamento, vocês entendem melhor. Não sei se vocês perceberam, mas não somos seus novos pais. Nós temos alguma relação aos pais de vocês, mas não somos eles. Vocês lembram daquela história de deuses da Grécia antiga e blá blá blá? Então, eles existem e vocês são filhas deles. É isso. Acabamos de ver que Julia é filha de Dionísio, deus do vinho, das festas e do teatro.

Elius dá uma olhada reguladora para ela, como se não aprovasse o que ela disse, ou a forma como ela disse.

– Você sabe que eu não vou fazer como Quíron faz, é uma bobagem...

– É uma formalidade importante.

Ela o ignora completamente. Claro que as meninas fazem perguntas. Eu não consigo entender o que ela disse. Haha. Como se deuses fossem reais. Muito engraçado.

Claro que existe uma sementinha de dúvida na minha mente, mas eu estou muito distraída e muito triste para me importar.

Ah, a mulher – ou garota? – ignora as perguntas das meninas...

E se realmente existirem deuses? Isso significa que eu sou anormal, ou algo assim? Será que Jay também é filho de um deus?

As meninas são ignoradas.

Mas... quem será meu pai? Algum deus grande e importante? Talvez Poseidon. Ou algum menos sério, mais engraçado, tipo Hermes? Não sei. Não posso saber.

– Quem é meu pai? pergunto.

Sou ignorada.


 

Leva mais uns bons minutos para chegarmos ao nosso destino final.

Entramos em um beco escuro no meio da estrada e eu me permiti sentir mais medo por um momento. Aonde estamos indo, afinal? Um acampamento não deveria ser tão escondido. E, sério, acampar bem no meio de abril?

Mas, por fim, chegamos a uma espécie de clareira.

– Vamos percorrer o resto do caminho andando - diz a loira que me adotou. - Não é longe, vamos levar uns poucos minutos.

A clareira é linda, mesmo à noite. Tem umas árvores, pinheiros e outras que não reconheço. Tem plantinhas rasteiras e o cheiro de mar se mistura ao de grama molhada e de alguma fruta doce que não reconheço.

–Ah, cuidado para não saírem da trilha, os morangos são frágeis.


A surpresa toma conta de mim.

São os campos de morango de Jay.

Não acredito nisso. Claro que pode ser uma incrível coincidência, mas pode não ser. Se ele sonhou que eu ia embora do orfanato e eu fui embora e que nós acabaríamos vindo para um lugar com campos de morangos e eu vim... São motivos para suspeitar? Será que Jay vem para cá?

Ou tudo isso é loucura?

O cheiro do morango se intensifica até tornar-se insuportável. É tão doce que me incomoda e me deixa tonta. Parece que ele se vai se apossando dos meus pensamentos e das minhas forças vitais...


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