A Filha Perdida escrita por ACL


Capítulo 1
O orfanato




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É triste acordar nesse lugar.

O toque de despertar faz meus ouvidos zumbirem, eu odeio. Tenho que arrumar a cama e esperar alguém liberar o banheiro do andar. Os quartos são separados por idade e os andares, por sexo. As meninas ficam no segundo andar e os meninos, no terceiro. No primeiro andar, é a administração e os aposentos das pessoas que trabalham aqui.

Depois de ser a última a tomar banho no banheiro imundo, apressada por causa da hora do café da manhã, eu volto para o quarto, guardo meu pijama e saio correndo para o refeitório que fica no térreo.

Mamãe morreu quando eu tinha 12 anos. Meu irmão era recém nascido e custou para as funcionárias do orfanato o aceitar. Hoje, ele tem quatro anos e corre para mim gritando: “Cissa, Cissa!”. Eu o abraço e faço cócegas na barriga dele. Depois, preparo um sanduíche e pego um pouco de suco para ele, que come como se fosse o melhor banquete do mundo.

Meu irmão não tem nome. Não oficialmente. As pessoas do orfanato o chamam de João, mas eu sei que o nome dele seria Jayme. Era o nome do meu avô, mamãe o amava, até idolatrava. E ela já disse que se tivesse um menino, esse seria o nome dele. E ela não sabia que Jay era menino.

Voltando a falar do orfanato, as refeições e a hora livre da manhã são os únicos momentos que eu posso ver Jay. Entre as sete e oito horas é o café da manhã. Das oito às nove, temos horas livres, onde nós fazemos o que quisermos. Eu sempre fico com Jay. Não sou boa em fazer amigos, não gosto muito de pessoas. Tento ensiná-lo a ler, mas as palavras parecem pular do papel quando eu leio. E meu irmão não consegue ficar parado, isso me irrita. Por isso, nossas aulas nem sempre dão certo, mas Jay está tendo um grande avanço.

Então, como rapidamente, para estar logo livre e ficar mais um pouco com meu irmão. Tenho sorte por ele não ter sido adotado, apesar de ser adorável. É incrível como quando eu digo que ele é hiperativo as pessoas desistem de querer criá-lo. Elas querem perfeição.

– Cissa, eu tive um sonho ontem – ele me conta.

– Sério, Jay? E como foi? – Pergunto, apertando as bochechas carnudas dele.

– A gente saía daqui. Ninguém adotava a gente, mas levava pra um campo com “marangos”.

– Morangos, Jay.

– É. Aí tinha um homem com bunda de cavalo – diz, rindo, como toda criança – e “outo” com bunda de burro. E a gente “bigava” com espadas e era super-heróis.

Sorrio para ele, sem ter o que dizer. Vou deixá-lo sonhar antes que ele perca sua inocência e perceba que o mundo não é uma maravilha. Pode ser um sonho bonito, mas real, ele jamais será.

Hoje tento ensinar Jay a ler de novo, mas sem sucesso. Então, ficamos apenas conversando. Eu digo a ele como mamãe era bonita e sobre como ela o amava, mesmo antes de nascer. Não quero que ele cresça pensando que foi abandonado.

– Cissa, por que você nunca fala de papai?

– Não conheço papai, Jay.

E não conheço mesmo. Eles ficaram juntos umas semanas, quando eu fui concebida, mas mamãe diz que ele nem chegou a saber que ela estava grávida. Depois, mamãe fez uma viagem e voltou grávida. Ela nunca disse quem é o pai de Jay, mas eu tenho certeza que, se não for o meu pai, é algum conhecido. Minha mãe não é de se entregar para qualquer um. Mas ela nunca falou disso comigo, apesar de eu ter certeza que vovô sabia. Três meses antes de Jay nascer, ele foi assassinado e depois, mamãe morreu e nós fomos trazidos para cá.

Mas Jay é muito novo para saber disso.

– Como?

– Quando você for mais velho, eu explico.

– Mas Cissa, eu quero saber…

– NÃO! – Acabo gritando. – Desculpa, Jay. Não posso explicar agora.

Pego um papel e dobro algumas vezes até formar um sapo. Quando eu era mais nova, vovô casou-se com uma japonesa, ou uma mulher que trabalhava com cultura japonesa (ele casou com as duas, mas elas se misturam na minha mente, formando uma só), que me ensinou a fazer origamis. E isso virou minha obsessão. Jay é apaixonado por sapos, apesar de eu achar muito nojento.

Entrego a ele, que pega um lápis de cor e colore o sapo. É laranja, a cor favorita de Jay. O sinal bate, indicando o fim da hora livre e eu abraço Jay e saio para cumprir o meu dever com o orfanato.

Depois da hora livre, todos os maiores de dez anos têm alguma obrigação a fazer para zelar pela ordem do orfanato. Meio dia, todos voltamos para o refeitório e eu faço o prato do meu irmão e o ensino a usar os talheres. Uma hora, todos vamos à escola que fica no fim do quarteirão. Voltamos às seis horas e vamos direto tomar banho. Sete horas da noite, jantamos e todos têm que ir estudar. Dez horas, toca o “toque de recolher” e nós vamos dormir. Nos fins de semana, os maiores de 14 anos podem sair, com a supervisão de um funcionário. Os que ficam devem cuidar do orfanato – “zelar pela ordem” é o “nosso” lema  ou estudar.

É assim nossa rotina.

Apesar de muitos acharem que vivemos no paraíso, eu prefiro pensar que aqui é o inferno. Eu era muito rica antes de mamãe morrer. Vovô herdara todas as empresas do pai dele e eu costumava frequentar as melhores escolas, mesmo sendo frequentemente ou suspensa. Tudo bem, quando eu fizer 18 anos, tudo isso volta a ser meu, mas antes eu tenho que viver pacificamente nesse orfanato. É muito difícil.

Enfim, hoje é meu dia de lavar pratos. Meu e de uma garota de 15 anos que me odeia, Olívia. Desde que eu cheguei aqui, ela não gosta de mim e faz de tudo para que eu me dê mal.

– Hoje você vai lavar os pratos pra mim – diz ela.

– O que faz você pensar que eu farei isso?

– Você sabe que eu tenho meus meios de fazer seu irmão ser adotado – direta. Não gosto disso. Prefiro pessoas que falam por enigmas e fazem círculos antes de chegar ao ponto. – E vou fazer ao menos que você faça exatamente o que eu lhe mandar. Tenho que sair hoje e você vai me encobrir.

Ela vai direto à minha ferida. Meu ponto fraco é Jay. Não posso deixar que nada de mal o aconteça e nem posso me separar dele. Por isso faço tanto esforço para que ele nunca seja adotado. Olívia é uma predadora que sempre dá o jeito de conseguir uma caça. Nem que para isso ela precise respigar seu veneno de cobra em outras pessoas, pessoas como Jay.

– Tudo bem – digo inconformada. – Não tenho outra opção.

E esfrego cada prato desejando que seja o último. Não vejo a hora de sair deste lugar.





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Notas finais do capítulo

Ódio de Olivia? Não viram nada ainda.



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