O Livro Da Bruxa escrita por Vega Sage


Capítulo 15
Neblina


Notas iniciais do capítulo

Posso ver...
Não posso ver...
Magia de camuflagem...
Não somente a neblina



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Fiz questão de deixá-la escolher o prato de nosso almoço,e ela pediu apenas uma salada.Tentei convencê-la a comer algo mais substancioso,mas ela se mostrou irredutível.

-Sinceramente,acho pouco comer somente uma salada no almoço-insisti.

-Comer bem não significa comer muito.Nem antigo papiro egípcio está escrito que o nosso corpo só necessita de metade do que ingerimos para viver;a outra metade serve para sustentar os médicos-comentou,provocando-me.

Franzi as sobrancelhas,mas não retruquei.Ela estava certa.

-Aliás,o exagero é um dos principais problemas de nossa época.Estamos gerando muito calor e pouco luz-declarou.

-Muito calor e pouca luz?Como assim?

-É,como lâmpadas ineficientes.Por causa dos exageros,estamos consumindo muita energia e produzindo poucos resultados.

-Gostaria de ouvir mais sobre essa sua teoria.

-Não é teoria,é um fato.Somos tentados a acreditar que,se um pouco é bom,muito será ainda melhor...Daí não importa mais a qualidade,apenas a quantidade-disse.

-Por exemplo?

-Você acabou de insistir comigo para pedirmos mais comida,não foi?Como se viver intensamente implicasse cometer exageros.Estamos numa época de grandes excessos.Veja as cidades,por exemplo.Contruímos edifícios tão altos que não conseguimos mais enxergar o horizonte.É como viver numa enorme caixa sem tampa,pois a única forma de ver o céu é olhando para cima.Com isso,excluímos a possibilidade de assistirmos ao nascer e ao pôr-do-sol...E à noite temos tantas luzes artifciais que não enxergamos mais as estrelas.Há tantos carros,caminhões e ônibus que ouvimos o ruído de motores todo o tempo.Daí,não escutamos os passarinhos,e não existe mais o tranquilo silêncio da madrugada para repousar.

-Acho que as pessoas não estão dispostas a abrir mão do conforto da vida moderna-ponderei.

-Tenho certeza de que não.Contudo,viver assim é como estar num local de permanente neblina.Perdemos a sensibilidade,a delicadeza e a capacidade de nosmaravilharmos com a natureza.Precisamos falar mais alto para sermos ouvidos,comer mais para ficarmos satisfeitos,acender mais luzes para enxergarmos,usar perfumes mais fortes,criar músicas barulhentas,dirigir carros mais rápidos...

-Mas você mesma disse que não existe nada bom nem ruim.Qual é o problema em exagerarmos?-questionei.

-Não estou dizendo que isso é ruim,apenas que é uma característica da época em que vivemos.Se não estivermos concientes,continuaremos nos sentido angustiados,impotentes e fracassados.Pois,apesar de tentar,não conseguimos assistir aos cem canais disponíveis na televisão,ler diariamente as trezentas páginas do jornal,ficar lindas como as modelos profissionais,viver paixões tão arrebatadoras quanto as descritas nos romances,alcançar o sucesso tão extraordinário quanto os grande empresários,possuir mansões tão majestosas como os artistas de cinema...Criarmos um mundo em que parece ser cada vez mais complicado estar bem,uma vez que os exageros se sobrepõem uns aos outros.

-Mas é uma característica dos seres humanos desejar ir sempre além,não é?

-Sim,mas não devemos perder de vista o que é essencial.Senão seremos como árvores que crescem em direção ao céu,porém deixam as raízes enfraquecerem.

Ela apoiou os braços sobre a mesa e entrelaçou os dedos.

-Você deve ter dezenas de pacientes queixando-se de depressão e angústia,não tem?-perguntou.

-Sim,tenho-admiti.

-Observe e descobrirá que todos estão assim porque perderam o contato com o essencial e se afogam num universo de exageros supéfluos.

-Então exagerar é um pecado?-indaguei.

-Não,o único pecado é não aproveitar a vida.Cometer exageros de vez quando é essencial para vivermos bem.

-Não entendo...-protestei.

-O exagero voluntário é diferente daqueles a que somos compelidos sem nos darmos conta.

-Ainda não entendi.

Ela olhou em volta,procurando algo.Em seguida,falou comigo num tom tão baixo que eu não consegui ouvir.

-desculpe-me,não ouvi.Poderia repetir?-pedi.

Ela fez sinal chamando o garçom.Quando ele se aproximou,ela pediu para desligar um ventilador próximo à nossa mesa.

Ele atendeu à solicitação e,de repente,o ambiente ficou agradavelmente silencioso.

-É um grande prazer compartilhar este almoço com você-ela disse no mesmo tom baixo de antes.

-Obrigado.Também estou honrado com sua companhia-retribuí.

-Por que você não conseguia ouvir da primeira vez?-perguntou.

Pressenti uma nova solapagem e hesitei uns dois segundos antes de responder.

-Porque o ventilador estava ligado e fazia muito ruído-arrisquei.

-O barulho nos forçava a exagerar.Agora,se quisermos,podemos até falar alto,mas é uma opção;antes não era.

-Deixe-me ver se entendi.Ás vezes,vivenciamos situações nas quais somos forçados a exagerar sem estarmos concientes do fato...Na verdade,só percevbi o ruído que o ventilador fazia depois que ele foi desligado.

-Sabe por que você não percebeu antes?

-Porque ela já estava ligado quando sentamos aqui.

-Pois é.Essas são as situações mais difícies de serem notadas:as que já existiam antes de chegarmos.São aquelas nas quais acreditamos porque nossos pais acreditavam.E eles,por sua vez,as herdaram de nossos avós,e assim por diante.

O garçom chegou com a salada e serviu-a em nossos pratos.

-Dê-me outro exemplo desse tipo de situação-pedi.

-Você não desiste de tentar aprender sem pensar a respeito,não é?-censurou-me.

Pus as duas mãos no rosto,fingindo estar muito envergonhado.

-Olhe para o céu.Você consegue ver as estrelas?-ela perguntou.

O céu estava totalmente azul.Não havia uma única nuvem,e o sol estava radiante.

-Ver estrelas agora?Ainda é meio-dia e meia!-exclamei.

-No entanto,as estrelas estão todas aí.Você não consegue vê-las porque o brilho do sol é muito intenso.As estrelas estão sempre no céu,mesmo durante o dia.Pense um pouco sobre isso e obterá as respostas sobre os excessos que cometemos sem nos darmos conta.

-Prometo que farei isso-declarei.-Mas,antes,vamos comer nossa salada.Estou morrendo de fome.

-Bom apetite-ela desejou.

-Bom apetite-retribuí.


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Notas finais do capítulo

Entre grotas, como se fosse uma nuvem de vapor,
que entre verdes, tem a beleza de uma tulipa,
mas assim como desapareceu o seu amor,
com a chegada do dia, tambem rápido se dissipa...
Neblina, que entre os vales, enfeita essa manhã,
cobrindo todas as matas, do verdejante arrebol,
perfuma o ar, com um suave cheiro de maçã,
mas nunca espera, para ficar jundo do sol.
Quando a claridade, sobre seu meio avança,
aparece o verde, e a beleza da vegetação,
vai sumindo, como sumiu a minha esperança,
a paisagem linda, que nunca vê o meu coração.
Volta a noite, cobrindo as estrelas do céu,
para novamente encher os vales de brancura,
aqui de cima admirando, lembra-me o amor infiel,
que me traz a saudade em forma de loucura.
Neblina da noite, que me significa a solidão,
que deixa a colina, os vales, a montanha quieta,
mostra uma rara beleza, aqui em Campos do Jordão
mas que maltrata tanto, os olhos desse poeta...
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