Conto De Fadas: O Outro Lado Da História escrita por Anne Diogo


Capítulo 2
Chapeuzinho Vermelho


Notas iniciais do capítulo

Essa não é princesa, mas tem uma boa e longa história para contar. Com ela, não há lobo mau que resista ! Atrevida e sem papas na língua, ela conta tudo.



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De: Julia Manteau Rouge (juliarouge@uhul.com)





Para: Jornal True (redação.true@jornaltrue.com)







Assunto: Não sou considerada princesa, mas também fui injustiçada pelos contos de fada.






Oi,






Seu jornal deu o que falar entre nós, as mentiras eram insuportáveis. Como se já não bastasse o resto falando a mesma coisa, um jornal renomadíssimo tinha que reescrever dizendo ser real uma historia onde só ouviram um lado. Odeio a minha imagem nessa historia, a menininha blábláblá... Como imaginei a Bianca, a justiceira (risos), iria se expressar primeiro, li a publicação dela e como o combinado em anexo está a minha.







Agradecida,





Julia Rouge.



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Fez o mesmo ritual que com o email da Bianca, e estranhamente o modo que esse foi enviado era parecido, papel pardo, caneta tinteiro, mas havia uma alteração, a letra era totalmente diferente. Ficou entusiasmado depois do tal “como o combinado”, seria um sinal que historias de outras princesas apareceriam? Pôs-se a ler, interessadíssimo no caso.












“Chapeuzinho Vermelho, que nome fútil, frágil, sem graça, inocente, porém famoso. Meu nome é Julia, Julia Manteau Rouge, foi do meu sobrenome que veio esse apelido escroto.
















Minha família vivia numa aldeia um pouco distante da maioria das outras, éramos cercados por uma grande e densa floresta. As pessoas só saiam dali de dia e em grupo, todos eram assombrados pelos perigos da floresta, o que o povo tinha mais medo não era dos animais, mas dos seres lendários. A aldeia mais próxima, seja ela qual fosse, nos obrigava a passar por obstaculos. Visualizando de cima, estávamos em uma clareira, característica essa que deu o nome a nossa aldeia, Aldeia Clairière. Não era ruim, apesar de tecnicamente isolados, tínhamos um rio, esse que possibilitava a passagem para o outro lado, também tinha um atalho perigoso por dentro da floresta que não era muito usado.
















Eu era filha única, odiava essa condição, todos na aldeia eram abarrotados de irmãos e eu era a única a ser única. Havia bastante gente da minha idade, eu conversava, sorria, mas me sentia muito sozinha. Minha grande companhia era minha avó, apesar de bem mais velha era divertida, sábia e não-clichê, não curtia as chamadas ‘atividades de mulheres’, cavalgava, corria, caçava e muitas outras coisas, eu estava aprendendo todas essas atividades com ela. Diferente do resto da família não morava na Clairière, isso aconteceu depois da morte do meu avô, decidiu sair e se mudar para além da floresta, na Aldeia Cherry.












Apesar de mais distante, eu gostava mais de visita-la lá, era uma aldeia linda e bastante cheirosa, culpa da sua forma de sustento que eram as cerejas. Toda vez que eu ia visitar a minha avó fazíamos piquenique, independente de estar fazendo frio, calor ou até mesmo nevando. Os melhores eram os dos dias ensolarados, pois fazíamos em baixo de uma bela cerejeira. Eu sempre ia de barco, medidas de seguranças dadas pela minha mãe, fazia isso desde os meus 7 anos, eu ia sempre sozinha apenas com a curiosidade de entrar na floresta, que me acompanhava mas nunca tive coragem.






Lembro-me desse dia como se fosse hoje, eu estava penteando meus longos e ondulados cabelos negros quando o mensageiro da Cherry anunciou que vovó estava doente. Fiquei preocupadíssima, me coloquei a disposição para ir a casa dela, pois minha mãe tinha que ir para a plantação de arroz e meu pai como ferreiro não poderia largar o trabalho. Depois de uma longa conversa eles me permitiram ir, dessa vez era diferente, pois eu teria que dormir lá até ela melhorar e eles não consideravam minha vó rígida para impor as regras que eu precisava. Preparei, como sempre, minha cesta de piquenique e coloquei meu capuz vermelho, eu o amava, minha mãe dizia que ele destacava meus olhos, que assim como os dela, eram azuis. Era o inicio da manha ainda, a luz do dia clareava magicamente o bosque que antecipava a floresta, assim que o vi, logo tive a ideia de ir por ele, estava de dia ainda, que mal poderia haver?



Quando entrei, fiquei congelada, era um lugar mágico, nunca tinha visto nada assim, os raios de sol refletiam nas folhas que pareciam estar banhadas a ouro, era tudo muito lindo. Olhar aquilo me fazia pensar no porque nunca deixavam passarmos por lá, tinha ouvido falar sobre um tal de ‘lobo’, desacreditei que um lugar como aquele poderia abrigar alguém como a descrição do povo da aldeia. Continuei por aquele caminho, era fácil, eu estava encantada.



Quando eu estava no meio do caminho, um homem me interceptou, era um homem diferente, nunca tinha visto ninguém igual. Era comum na minha aldeia todos terem pele clara, assim como eu. Aquele homem era diferente, sua pele tinha uma cor escura, era negra e bronzeada, que assim como o bosque, me encantou. Ele aparentava ser apenas alguns anos mais velhos que eu, poucos pêlos, um forte físico, era alto e possuía uma voz tão forte como um trovão e tão gostosa quanto um pedaço novo de seda.


– Oi, o que você esta fazendo por aqui? Quase ninguém vem para cá e quando vem não costuma ser... – depois daquela descrença por eu ser alguém do sexo feminino sai da hipnose

– Mulher! É eu sei, estou apenas cortando caminho...

– Desculpe-me se te ofendi, é que sua coragem me assombra, quer ajuda para terminar o seu caminho, a floresta pode ser bastante perigosa. – terminou a frase, com um olhar penetrante que não consegui decifrar.

– Não, muito obrigada e além do mais, não posso falar com estranhos!

– Verdade... Não me apresentei, sou Jeremy. – limpou e me estendeu sua mão.

– Julia, tenho que ir. – aperte-a e retomei minha direção

– Cuidado com essa cesta, ela pode atrair perigos – fingi não o ouvir.

Sai daquele lugar o mais rápido que pude, não por medo dele, eu estava com medo de mim mesma. Fiquei me perguntando por que aquele lugar era considerado tão perigoso. Eu estava encantada, com o bosque, com a floresta e com ele. Aquele olhar e a frase que o acompanhou não saia da minha cabeça, “a floresta pode ser bastante perigosa”... Me concentrei em chegar na aldeia da minha vó prometendo-me que voltaria de barco.

Era fácil saber se estava chegando, o cheiro de cereja percorria distâncias. Fazia-se tudo lá, geleia, licor, remédio, compota, absolutamente tudo que fosse possível fazer com cerejas. Cheguei à aldeia e me direcionei a casa da vovó, todos lá já me conheciam. Ela estava realmente doente, não conseguia sair da cama, estava bastante quente, mas ainda assim não parava de se preocupar com o meu bem-estar. Perguntou-me por qual dos três caminhos eu havia passado, menti culposamente dizendo que pelo mais longo, logo ela relaxou.

Fiquei lá por dois dias, até que acabou o remédio. Como seu extrato só havia em minha aldeia, chamei uma de suas vizinhas e pedi para que cuidasse dela enquanto eu fosse lá rapidamente, elas se preocuparam, pois pelo horário se eu não fosse rápida, iria anoitecer e seria perigoso. Não pensei duas vezes, fui em direção ao atalho que havia na floresta, qual seria a chance de me acontecer algo naquele lugar maravilhoso? E eu não iria parar com ninguém, iria rápido, era um caso emergencial, se minha vó não estivesse doente eu não passaria mais por ali. O perigo é sedutor, ele se mostra encantador, só para te envolver e te predar. Assim como um animal é vitima de seu predador, eu fui vitima da beleza daquela floresta.

Insisti em minha teimosia, passei pela floresta e dessa vez nada me aconteceu, mas senti como se olhos me olhassem, meu plano era ir por aquela floresta e voltar de barco ou a cavalo pelo caminho mais longo, então ter passado por lá e dessa vez sem o incomodo de qualquer estranho não me deixou culpada.

Logo cheguei à minha aldeia, todos estavam desesperados, fui surpreendida pela sequencia metralhadora de perguntas da minha mãe, ela perguntava se eu estava bem, me analisava procurando machucados e arranhões minuciosa e desesperadamente. Respondi a todas as perguntas com um ‘Mãe, eu estou realmente bem’. Depois de um longo abraço, ela me deu a mão para irmos para casa e me explicar o porquê daquela reação.

– Desculpe meu desespero, minha querida, é que por conta do que aconteceu, todo cuidado é pouco...
– O que aconteceu? – a interrompi desesperando-me
– Amelie, ela estava passeando pelo bosque, foi em busca de uma flor e perdeu-se entrando floresta adentro, chegou toda rasgada e ensanguentada dizendo que foi atacada por um lobo, mas não era um lobo comum, parecia ser o lobisomem. - Fiquei boquiaberta, poderia ter sido eu, eu quem passeei tranquilamente pela floresta...

– Quando foi isso, mãe?

– Hoje um pouco mais cedo, antes do cair da tarde.

Meu rosto estava neutro, mas por dentro eu estava formigando, isso explica tudo, foi aquele homem, o ataque aconteceu no exato momento em que eu estava passando e ele não estava lá, só poderia ter sido... Decidi visitar rapidamente a Amelie, eu precisava safar minhas duvidas!

Cheguei à sua casa e ela estava embaixo de seu coberto de pele de animal, tremia e estava muito espantada, não queria receber ninguém, mas admirávelmente quis me ver.

– Julia, cuidado, ele quer você. Ele alto, forte, negro, com olhos brilhantes e profundos. Eu achei que iria me fazer mal, pelo contrario, ele é diferente. Achou que eu era você. Ficou dizendo seu nome...

– Não era um lobisomem?

– Não, eu disse isso para me proteger das más línguas, eu poderia fica mal falada se chegasse nesse estado sem uma boa história. Eu estou nervosa, pois não sabia como seria a reação que teriam aqui. Ele não me fez nada, fiz isso, pois da forma que ele me interceptou eu acabei rasgando o vestido nos galhos e me arranhei com eles. Ele quer você...

Fomos interrompidas por sua mãe que trazia uma sopa de legumes e por já ser tarde e ser a hora que eu teria que voltar para a aldeia da minha avó, não fiquei para ouvir o resto. Me despedi, voltei para a minha casa peguei o remédio e fui à caminho da aldeia da minha avó, mas pelo caminho longo, aquele que ia por fora da floresta, mesmo sob insistência da minha mãe, fui sozinha. Levei minha cesta, dessa vez ao invés de comida levava remédio.

Estava tranquila e distraída com aquela frase da Amelie, “Ele quer você...”, quando me assustei com aquela imagem, estava no meio do caminho mesmo se quisesse correr, ele iria me pegar, além disso minha curiosidade me impedia de sair dali.

– Oi. – Cumprimentou me estendendo uma rosa vermelha

– Oi, a Amelie me falou que você esta me procurando.

– Porque você não pega um atalho?- Fingiu não me ouvir.

– Não acho que devo, é muito... perigoso.

– Não há perigo para quem esta com o perigo.

Fingi não ouvir, mas sei que ele estava fazendo uma auto-referência, não me importei, eu queria saber até que ponto o tal “perigo” poderia me levar.

Fomos caminhando no atalho, ninguém ousou falar nada o caminho inteiro, só se ouvia o barulho da floresta e a nossa respiração. A fim de quebrar aquele silêncio, me virei na direção dele e quando cogitei abrir a boca para falar, ele me empurrou contra uma das arvores e me beijou calorosamente. Nunca experimentei um beijo daqueles, tinha gosto de desejo, proibição, audácia. A insanidade fez parte de mim, eu estava corpo-a-corpo com ele, qualquer movimento de sua respiração reagia em mim, aquele contato me enlouquecia a ponto de me fazer cruzar as pernas em torno dele. Fui pega pela excitação, ele cessou o beijou descansando os olhos em cima dos meus, retendo aquilo que estava entre nós, dizendo:

– Não posso te tocar, isso não pode acontecer. Desde a primeira vez que eu te vi, algo aconteceu comigo, nunca senti aquilo por mais ninguém, apenas você, mas não posso, eu sou seu maior perigo. – Com a minha face bravejando prazer, eu repeti sua frase.

– Não há perigo para quem esta com o perigo.

A expressão aparentemente de medo dele se aliviou depois disto, então continuei a beija-lo em um ritmo mais apaixonado. Me segurando pelos quadris, tirou meus pés do chão e me carregou floreta a dentro. Não demorou muito e chegamos a sua cabana, era uma linda construção feita com toras de madeira e iluminada por lampiões. Eu ainda estava em seu colo, ele me repousou em sua cama.

– Tem certeza?

– Não, a única coisa que eu quero ter é você.

Minha ousadia foi o suficiente para ele me invadir, suas mãos passavam delicadamente pelo meu corpo, me tirando peça por peça, meu espartilho preto, meu vestido branco e outras peças que eu estava vestida cobriam agora o chão, exceto minha capa vermelha. Nossos corpos se completavam em sensações novas para mim, ele realmente era selvagem, possessivo faminto, mas não abria mão da delicadeza de descobrir cada pedaço do meu corpo. Um lobo que estava a me devorar.

Depois de duplamente saciados, dei por mim que tinha que ir para a casa da vovó, me vesti, peguei minha cesta e parti, o deixando dormindo. Chegando à casa da minha vó, forcei naturalidade, menti sobre meu atraso e o caminho que havia percorrido. Naquela noite não consegui dormir, os pensamentos sobre aquele ébano lobo rodeavam minha mente, eu o queria.

Na manha seguinte, enquanto eu passeava pelo bosque da Aldeia Cherry, ouvi um falso uivado, quando vi que era ele, meu coração pulou.

– O que você esta fazendo aqui? É muito perigoso.

– Não ligo para o perigo, só precisava te ver. Porque você saiu ontem sem que eu visse?

– Eu tinha que voltar, estava ficando tarde. Me encontre de novo no cair da tarde, neste mesmo bosque.

– Claro Julia. Não consigo mais ficar longe de você.

A época em que vivi tinha uma característica bastante particular, tudo era absoluto, se você encontrasse um grande amor seria apenas uma vez. Então me joguei naquela paixão, mas não podíamos assumir nosso amor porque era proibido por ele ser negro. Os encontros permaneceram, cada vez era mais louco e intenso. Até que em uma dessas vezes eu acabei caindo no sono e não retornei para casa. Todos, de ambas as aldeias foram à minha procura pela floresta, se dividindo em grupos. Minha avó foi quem achou a cabana onde estávamos, ela não quis denunciar nossa localização, pois sabia que eu estava feliz, mas assim que se virou para ir embora, o meu pai que havia a seguido, nos achou, arrombou a cabana, nos pegando desprevenidos e assim matou-o com uma profunda facada. Jeremy morreu ao meu lado. Eu entrei em desespero e comecei a chorar, então ele gritou:

– Cala a boca, eu não quero ouvir mais nenhum choro. Você vai voltar para casa, eu vou matar um lobo e direi que ele a machucou e amanha mesmo te arranjarei um noivo.

E assim o fez, me casei, tive filhos, mas nunca senti o que o Jeremy me fez sentir. Me casei com o cara que era considerado príncipe da aldeia, por ser filho do chefe da aldeia, mas nunca fui efetivamente feliz, era tudo um grande teatro. Sempre lembrava das tardes de felicidade que tive com o Jeremy, os passeios no bosque, sua companhia na cama. Esse é o meu “FELIZES PARA SEMPRE”. Trocaria aquele ou qualquer outro ‘príncipe encantado’ pelo meu lobo mau.


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Notas finais do capítulo

Terminada ! Espero que tenham gostado, avisem nos comentários ;*