Naraku Apaixonado? escrita por Amanda Catarina


Capítulo 19
Acusações




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Capítulo 19

 

– É absolutamente perfeito! Acontecerá um festival daqui dois dias! - anunciou Kai, realmente entusiasmado.

 

– E o que isso tem demais? - indagou Satoru, meio surpreso, uma vez que o outro era sempre tão apático.

 

– Ouçam... enquanto eu procurava um lugar pra gente passar a noite, descobri que o desgraçado do Naraku tem vivido aqui como se fosse um homem respeitável, negociando mantimentos e roupas.

 

– Que absurdo... - comentou Seiji. – Aposto que é mercadoria roubada.

 

– Deve ser mesmo... mas a questão não é essa. Eu vi ele lá no mercado, junto com aquela youkai que o Satoru falou e reparei que ela estava usando um chapéu. Pra mim está claro que os moradores não sabem que ela é uma youkai.

 

Os outros dois ponderaram uns instantes.

 

– Se não sabem sobre ela, não devem saber sobre ele também - deduziu Seiji.

 

– Exato! - retomou Kai. – E as pessoas daqui não são do tipo que toleram estes monstros. Agora, acreditem ou não, a tal não é apenas uma comparsa dele, é sua companheira! E pelo que escutei, eles já têm duas filhas.

 

– O que?! - exclamou incrédulo Satoru. – Está dizendo que aquele desgraçado tem uma família agora!?

 

Seiji também demonstrou total espanto, mas não disse nada.

 

– Absurdo, não acham?

 

– Completamente - concordou o mais jovem. – Certo, mas o que isso tudo tem a ver com o festival?

 

– É, o que tem em mente, Kai? - Seiji indagou. – Não me diga que quer amotinar o vilarejo contra ele?

 

– Isso! Vamos espalhar o segredinho dele no festival. Depois disso, duvido que os moradores não ajudem a gente a pegar todos eles!

- explicou exaltado.

 

– Mas é uma ótima ideia! - anunciou Seiji, empolgado.

 

Discordando, Satoru balançou a cabeça em negação.

 

– Mas se vamos destruir ele com nossas mãos, por que envolver os moradores nisso? - indagou ele.

 

– Ora, a ideia de que o safado sinta na pele o mesmo inferno que nos obrigou a viver não é boa? - rebateu Kai. – Não seria punição merecida, se ele morrer depois de ver a mulher e as filhas sendo perseguidas e apedrejadas?! - exclamou e soltou uma alta gargalhada.

 

Seiji o acompanhou com um sorriso sádico, gostando muito da ideia.

 

– Estou contigo! - afirmou ele.

 

– E você, Satoru?

 

O mais jovem refletiu uns instantes, ainda que estivesse bastante eufórico com a perspectiva de alcançar sua vingança contra Naraku, aquele plano lhe soou demasiadamente cruel. Mas, apesar da visível hesitação, acabou concordando também.

 

– Se é isso que decidem estou com vocês... não tenho nada que ter piedade daquele traste depois do que ele fez com minha família... que a dele sofra o mesmo!

 

ooo ooo ooo ooo

 

O desejo de vingança é capaz de cegar os seres humanos.

 

Seiji, Kai e Satoru viviam num vilarejo muito distante de onde estavam atualmente. Cerca de doze anos atrás, Naraku apareceu na fronteira deste vilarejo em conflito com um gigantesco youkai.

 

Concentrado em seu adversário, focado apenas em tornar-se mais forte, o então solitário meio-youkai, sequer notou a frágil mulher que vinha buscar água no riacho a beira da estrada. Era a noiva de Seiji e ela foi atingida por um golpe da calda do youkai que ele enfrentava.

 

Massaru, irmão de Kai, ouviu o grito da jovem e correu na intenção de ajudar, mas quando chegou lá, já era tarde. Apavorado diante do gigante, ele teve um terço do corpo engolido pelo mesmo, e caiu morto instantaneamente.

 

Com a distração que o humano causou, Naraku conseguiu atingir o youkai profundamente, e em seguida o venceu. Cansado, ele voltou à forma humanóide, adentrou a cidade e pediu abrigo a uma família.

 

A família de Satoru o acolheu, mas este não estava em casa, tinha ido comprar mantimentos. O meio-youkai tratava suas feridas quando sentiu uma presença humana atrás de si. Voltou-se a tempo de ver o pai de Satoru com uma enxada em punho, pronto a atingi-lo na cabeça. Perplexo, percebeu sua bolsa, onde trazia um punhado de ouro, estava presa à cintura do camponês.

 

Indignado, aprisionou o homem com um tentáculo e alertou-o de que o deixasse em paz, mas quando o mesmo acercou-se de sua origem youkai, encarou-o com asco. Diante disso, ele o transpassou no peito sem piedade.

 

Deixava a casa quando a esposa do camponês, transtornada, tentou atacá-lo também, seguida do filho mais velho. Por incrível que fosse, o meio-youkai até chegou pedir que o deixassem partir, dizendo que não os machucaria, mas, alucinados, não lhe deram ouvidos. Assim, ele os matou também.

 

Estes eram os fatos. Cinco mortes, duas delas nem tinham sido causadas diretamente por ele. Mesmo assim, amargurados, Seiji, Kai e Satoru acreditavam que Naraku chegara ao povoado com o único propósito de matar exatamente aquelas pessoas. Dominados pelo desejo de vingança, eles o caçaram por longos doze anos.

 

Agora, os três estavam diante de uma oportunidade de alcançar seu rancoroso intento, o qual os vinha consumindo por tanto tempo, tornando-os tão perversos quanto Naraku já tinha sido um dia.

 

ooo ooo ooo ooo

 

Yeda acordou assustada ao captar temor e medo em seu companheiro. Virou o rosto ao lado e encontrou Naraku remexendo a cabeça para os lados e, imediatamente, compreendeu que ele devia estar tendo algum pesadelo. Erguendo-se parcialmente e voltando-se em sua direção, ela pousou a mão sobre o peito dele.

 

– Naraku? - chamou baixo, transferindo um pouco de seu youki a ele.

 

Não demorou para o meio-youkai despertar.

 

– Tudo bem, já passou. Foi apenas um sonho ruim... - disse meiga e num tom brando.

 

Naraku piscou perdido e ficou por alguns instantes apenas encarando-a, então afastou a franja do cabelo para o lado e inspirou fundo.

 

– Desculpe-me acordá-la.

 

Yeda sorriu a ele, demonstrando não ter se importado, e logo deitou a cabeça em seu peito.

 

– Não é a primeira vez que isso acontece nesses dias. Algo o aflige?

 

– Não... claro que não.

 

Mesmo que quisesse dizer algo mais significativo, nem ele próprio sabia ao certo a razão daquilo. Refletia na questão, quando notou que Yeda, cansada que estava, já pegara no sono novamente. Passou o braço pela cintura dela e a apertou contra si, desfrutando da paz que aquela proximidade lhe trouxe, distraindo-se com o ritmo das batidas do coração dela. E apesar da preocupação que o rondava, ele logo voltou a dormir.

 

ooo ooo oooo ooo

 

Inuyasha ergueu os olhos ao céu estrelado e suspirou fundo.

 

– Raios! Não bastasse se enamorar por Naraku, ela ainda teve que se enfurnar no fim do mundo com ele!!

 

– Deixa de ser reclamão, Inuyasha... - falou Kagome, calmamente, servindo uma lata de ração para Kirara.

 

Há quase uma semana os dois planejavam encontrar Yeda ainda que não soubessem ao certo seu paradeiro. No entanto antes que partissem, receberam uma carta dela, na qual a youkai lobo os inteirou de tudo o que vinha fazendo e informou também a localização de sua atual residência, e era para lá que o casal seguia. Devido à distância bastante longa, Sango sugeriu que levassem Kirara.

 

– Estamos longe de qualquer vilarejo, teremos que dormir no relento outra vez, Kagome!

 

– Ai, Inuyasha, como a boa vida tem estragado você. Fazíamos sempre isso quando estávamos à procura dos fragmentos da jóia.

 

– Era diferente!

 

A jovem suspirou.

 

– Não era você quem se queixava de estar entediado em casa?

 

– Mas nem sou eu quem vai casar! Por que tenho que dormir em chão duro, enfrentar sol e chuva, derrotar youkais estúpidos e fracos, enquanto Sesshoumaru fica lá no bem bom?! - vociferou ele.

 

– Sabe o que me ocorreu agora... - disse totalmente alheia à ladainha dele – por que não nos casamos no mesmo dia?

 

O meio-youkai, que tinha o rosto erguido ao céu, olhou para a noiva na mesma hora.

 

– Que?!

 

– Assim só teremos que enfrentar essa provação uma vez - e deu um tom bem irônico à palavra “provação”.

 

– Pára de gracinha, Kagome!

 

Com um lindo sorriso, a jovem veio até seu amado e depositou um beijinho na bochecha dele.

 

– Fazia tempo que eu não te via assim. Admita, está se divertindo.

 

O meio-youkai desviou o olhar, impressionado com o fato de ela o conhecer tão bem.

 

– Só um pouco... - confessou ele, com o rosto virado. Depois, saiu de lado e se sentou num tronco caído. – Mas será que Yeda está bem mesmo?

 

– Claro que está. Não foi isso que ela disse na carta?

 

– É, mas temo pelo que vou encontrar lá. Além disso, até hoje... sinto um certo ressentimento por ela ter nos deixado.

 

– Sério? - ela se surpreendeu. – Isso eu nem imaginava.

 

– Não se sentiu traída por Yeda ter se enraizado tão fundo em nossas vidas, e depois ter partido?

 

Kagome pensou um pouco.

 

– Não, de jeito nenhum, mesmo porque eu a entendo, pois também precisei deixar minha família quando escolhi viver junto com você, Inuyasha. É assim que acontece. Saímos do convívio familiar para construir nossa própria família.

 

Ele ficou surpreso, não tinha pensado nas coisas sob aquela perspectiva.

 

– Pode até ser... mas por que justo com ele?

 

– Porque o amor é assim, irresistível, vem sem avisar e não olha as circunstâncias. Chega como um vendaval e sai transformando tudo.

 

– Puxa, Kagome, você está tão mudada. Mais adulta, sabe?

 

Ela corou fortemente com a simplicidade das palavras dele.

 

– É? E isso é bom ou ruim?

 

– É bom... eu acho.

 

Sorriam um ao outro e logo se abraçaram. Depois de arrumado o acampamento, ficaram deitados na grama, olhando as estrelas e conversando tranquilamente.

 

ooo ooo ooo ooo

 

Amanheceu com sol. Naraku caminhava vagarosamente pelo jardim de sua casa, sozinho.

 

Aqueles estavam sendo dias agitados ali, Yeda e as meninas não falavam de outra coisa a não ser de um festival que aconteceria no vilarejo dentro de dois dias. A população toda se mobilizava para a ocasião, e era uma boa oportunidade dele conhecer futuros clientes e estreitar os vínculos com os atuais. Vinha prosperando junto aos comerciantes da região, no entanto, ninguém desconfiava que fosse um meio-youkai, e ele suspeitava que as coisas mudariam radicalmente se isso viesse à tona.

 

Sua amada mostrava-se bastante ansiosa pelo evento, contudo, ele tinha um mau pressentimento quanto a isso, e sentia que não deviam comparecer, só não imaginava como explicar isso a ela.

 

ooo ooo ooo ooo

 

Seiji adentrou a cabana que servia de abrigo a ele e a seus amigos. Era o dia do festival.

 

– Ah, você voltou... - disse Kai.

 

O recém chegado lançou um embrulho a ele.

 

– O que é isso?

 

– Satoru, pega - disse e lançou ao mais jovem um embrulho idêntico ao primeiro. – São nossas vestes para o festival - completou, respondendo àquela pergunta.

 

– O que tem de mais nelas? - quis saber Satoru.

 

– Me custou um pouco caro, mas o homem que as fez me garantiu que esse tecido camufla o cheiro humano do olfato dos youkais.

 

Os outros dois se espantaram.

 

– Mas isso é perfeito! - exclamou Kai.

 

– Claro que é. É parece que a sorte está do nosso lado! - confirmou o líder.

 

– Mas, Seiji... - Satoru começou num tom choramingado – ...ainda me preocupo com as pessoas do vilarejo. Insisto que a gente ataque Naraku na casa dele, de noite. Se essas vestes podem nos camuflar é mais que perfeito.

 

– Nada disso. Temos que pegar eles desprevenidos.

 

– Mas e se a gente não conseguir o apoio dos moradores? - retrucou o moço. – Ele não é conhecido por aqui?

 

– As pessoas daqui tratam ele bem porque não sabem o que ele realmente é - interveio Kai.

 

– Mas faz sentido arriscarmos vidas inocentes! - insistiu o jovem.

 

– Não é hora para vacilar, Satoru! - disse enérgico Seiji. – Iremos revelar a verdade e dependendo de como os homens reagirem, vamos nos juntaremos a eles na chacina, agora se os miseráveis conseguirem fugir, vamos os encurralar na floresta.

 

Acuado, o rapaz não tornou a retrucar, mas seu semblante ainda denunciava relutância.

 

– Entenda, Satoru... – começou Seiji, mais brando – não estamos usando o vilarejo para fazer disso um espetáculo, mas justamente para termos uma chance. Temos essas armas, mas ainda sim aquele maldito pode matar nós três num piscar de olhos.

 

– Seiji está certo - disse Kai.

 

Satoru assentiu com os olhos.

 

– Tudo bem - concordou ele depois de um longo inspirar.

 

ooo ooo ooo ooo

 

Yeda soltou uma muda exclamação ao entrar em seu quarto e ver Naraku recostado no divã próximo à janela. Um olhar distraído, trajando vestes comuns e com um rolo de leitura sobre as pernas.

 

– Mas como assim você não está pronto ainda, Naraku?! Vamos nos atrasar!

 

O meio-youkai se levantou e veio para perto de sua companheira. Acariciou-a no rosto, olhando bem no fundo dos olhos azuis.

 

– Querida... - começou, mas logo silenciou, fitando o belo quimono que ela vestia.

 

– O que foi? - indagou intrigada. – Não se sente bem?

 

Ele poderia ter dito que não, pois além de ser verdade, seria razão suficiente para ficarem ali na quietude e segurança de seu lar, mas a ideia de desapontá-la o fez dizer o oposto do que sentia.

 

– Estou ótimo. Perdoe a minha distração. Perdi a noção do tempo com este texto... - disse exibindo o material que tinha consigo.

 

Heiki Monogatari. Ah, este é ótimo! - exclamou enlevada.

 

– É sim - concordou e, displicentemente, deixou o rolo sobre o divã. – Eu me aprontarei o quanto antes.

 

– Muito bem. Estamos te esperando lá fora.

 

– Não demoro.

 

ooo ooo ooo ooo

 

Os coloridos fogos de artifício clareavam a noite de primavera, embelezando ainda mais o céu cravejado de estrelas.

 

Kanna, Kagura e Yeda riam maravilhadas com o espetáculo, apontando e caminhando, graciosas, rumo ao aglomerado de gente. Naraku as acompanhava de perto.

 

Ao se aproximarem, eles todos foram amistosamente recebidos pelos conhecidos, com fartos sorrisos e polidos cumprimentos. Chegando próximo de um velho senhor, chamado Kakyo, o principal ancião do vilarejo, Naraku e Yeda fizeram uma meia reverência, seguidos depois das duas meninas.

 

O casal atraia a atenção das pessoas, que contemplavam admiradas o requinte de seus trajes. Com o semblante sério, Naraku sorria levemente, contudo, não conseguia se livrar do mau pressentimento que o rondava. Seu sexto sentido achava-se sobremaneira aguçado.

 

Algum tempo transcorreu e a festa atingiu seu auge. Tudo muito rotineiro e tranquilo, tanto que, por um momento, Naraku chegou a pensar que estivesse se preocupando a toa. Yeda tinha o braço apoiado ao de seu amado, no instante em que Kanna estendeu à mão a ela, chamando-a para uma barraca mais adiante. Prontamente, ela se desvencilhou do meio-youkai para atender a pequena.

 

Poucas passadas os separavam, quando o grasnado de um corvo fez Naraku erguer os olhos para as copas das árvores, e de repente, um outro som desviou sua atenção: o baixo assobio causado por um deslocamento de ar e, em seguida, uma pedra atingiu o chapéu que Yeda usava. Desde o desprender daquele acessório do alto da cabeça dela, até o mesmo cair no chão, o tempo lhe pareceu lento e distorcido, e só voltou ao normal quando ele escutou uma voz masculina gritar:

 

“Youkai!”

 

Aturdido, Naraku balançou a cabeça numa negativa, compreendendo então o significado de todo aquele mau pressentimento.

 

Camuflados entre a multidão, Seiji, Kai e Satoru gritavam acusações a plenos pulmões.

 

“São youkais!”

 

“A família toda é!”

 

“São monstros! Estão tramando contra nós!”

 

A surpresa manteve as três youkais estáticas. Naraku captou o temor na expressão de sua amada quando ela virou o rosto para os lados sem saber o que fazer. De um instante para o outro, os sorrisos das pessoas murcharam e seus rostos se transfiguraram em caretas de espanto.

 

“Naraku é o pior youkai que pisou sobre a terra nos últimos cinquenta anos!”

 

Depressa, ele tomou a frente das três, num gesto defensivo, alerta a qualquer movimento.

 

– Fiquem atrás de mim - falou baixo a elas.

 

– Você é um youkai!? - exaltou-se o velho Kakyo. – Como pôde nos enganar assim?!

 

“Precisamos acabar com eles!”

 

“São uma ameaça a nossas famílias!”

 

Olhando ao redor, Naraku só enxergava ódio nos olhares daqueles homens. Cerrou os dentes, devia haver mais de duzentas pessoas ali, mas ele não se importou. Seus olhos adquiriram um brilho vermelho e seu youki elevou-se perigosamente.

 

Yeda piscou, saindo do estado de espanto, sentindo o youki dele fluir agressivo por seu corpo. Notou o olhar assassino dele direcionado àquele ancião e que sua fúria parecia aumentar à medida que o tumulto e as acusações cresciam. Num instante, compreendeu que Naraku não hesitaria em liquidar o vilarejo inteiro e pelos céus, ele tinha poder para isso! Com urgência ela se aproximou dele e apertou-o no ombro.

 

– Estás louco?! São apenas humanos - disse, chamando-o à razão.

 

Naraku piscou, desconcertado, e a luz vermelha em seus olhos extinguiu-se. Por um instante não reconheceu a si próprio. Provavelmente, o temor de ver sua amada em perigo o fez decair ao nível de um youkai selvagem.

 

– Olhe ao redor... há muitas crianças e mulheres aqui - Yeda falou ainda.

 

Ele sequer tinha se dado conta antes. Com certo pesar, percebeu que vinha mantendo respeito pelas vidas dos seres humanos, apenas porque não estava sendo importunado por eles. Na primeira ocasião em que se viu realmente em confronto com eles, não hesitou em querer destruí-los.

 

Uma voz feminina se destacou entre as demais:

 

“Nos livrem dessas aberrações!”

 

Atendendo a ordem, vários homens muniram-se de paus e pedras.

 

“Não deixem que fujam!!”

 

– O que faremos?! - falou Kagura, assustada.

 

– Naraku, pra floresta, eu levo a Kanna - sugeriu Yeda.

 

Com os olhos fixos nos homens ao redor, ele assentiu com um gesto de cabeça.

 

– Vamos! - gritou a youkai lobo.

 

Então dezenas de pares de olhos vidrados presenciaram os tais youkais simplesmente desaparecerem.

 

ooo ooo ooo ooo

 

Poucos minutos se passaram, Naraku trazia Kagura nas costas e Yeda corria a sua frente com Kanna nos braços.

 

Ao perceber sua youkai intensificar o ritmo da fuga, Naraku desapareceu momentaneamente, movendo-se ainda mais rápido, e surgiu diante dela, que recuou um passo com o susto.

 

– Precisamos voltar! - falou ele num tom urgente.

 

– De jeito nenhum!

 

– Não entende? Eles incendiarão nossa casa!

 

Ela deu um sobressalto, chocada.

 

– Não fariam isso. Nunca fizemos mal a ninguém.

 

– Acorde, Yeda! Irão saquear tudo e botarão fogo no que restar! Se não voltarmos agora, não encontraremos nada pela manhã!

 

A youkai lobo balançou a cabeça numa negativa, mas logo pensou melhor.

 

– Se este é o preço teremos que pagar - disse simplesmente.

 

Kagura remexeu nervosamente a cabeça para os lados.

 

– Não pode estar falando sério! - exclamou ele, exaltado. – Tudo aquilo é fruto de trabalho honesto!

 

– Mas não precisamos disso, Naraku... Você mesmo acabou de falar da intolerância dos humanos. Só nos resta sumir daqui.

 

– Ora, não misture as coisas. Tudo lá nos pertence! Não temos que abrir mão. Voltemos lá e defendamos nossos bens!

 

– Ao custo de sangue inocente?

 

Kanna olhava os maiores, aflita, sem saber o que dizer.

 

– Nós somos os inocentes! - exclamou o meio-youkai.

 

– Naraku está certo! - Kagura se pronunciou.

 

– Nada disso. Foi insensatez nossa nos fixarmos aqui - pontuou Yeda. – Devíamos ter pensado nisso antes. Traímos a confiança dessa gente nos passando por humanos.

 

– Não vai me convencer disso - disse Naraku e agarrou o pulso dela. – Vamos voltar agora mesmo!

 

Mas então ambos pararam no lugar ao ouvirem uma voz grave dizer:

 

– Os dois não vão a lugar algum.

 

Voltaram-se para o lado e encontraram um homem alto e de cabelos curtos.

 

– Quem é você? - perguntou Naraku.

 

– Claro que você não me conhece, desgraçado. Sempre estive em seu encalço, mas até hoje nunca estivemos cara a cara.

 

Yeda veio para o lado de seu companheiro.

 

– Vim cobrar o sangue que você derramou de minha noiva! - bradou o homem, apontando para o meio-youkai.

 

– Noiva?! - repetiu Yeda, meio espantada.

 

– Sim! Há doze anos esse maldito matou minha Midori sem razão alguma, e agora vai ter exatamente o que merece!

 

– Doze anos? – indagou ela, olhando na direção de Naraku.

 

– Sequer sei quem possa ter sido - esclareceu ele, num baixo murmúrio.

 

– Estamos perdendo tempo com este lixo - intrometeu-se Kagura, preocupada apenas com o que os aldeões fariam em seu lar. – Deixem que eu me livro dele!

 

Dando um passo a frente, ela levou a mão à pena em seu cabelo e logo seu leque de lâminas surgiu.

 

– Não, Kagura! - exclamou Yeda.

 

Indiferente a Mestra dos Ventos bradou ao humano que até então falava:

 

– Desapareça!

 

Mas suas lâminas não chegaram a se formar, porque antes disso, ela foi atingida por um dardo, bem no pescoço, e tombou sem sentidos instantaneamente.

 

– Kagura! - exclamou Kanna, e veio depressa para junto da irmã.

 

O casal esquadrinhou o local, tentando identificar o atirador, mas nada percebiam. Neste momento, uma outra voz se anunciou:

 

– Lixo, você dizia? Youkai folgada... Não nos subestime por sermos humanos.

 

Outro homem surgiu de entre as árvores. Pouco mais alto que o primeiro, contudo, menos robusto e de expressão bem marcada pelo tempo.

 

– Também venho atrás de vingança, Naraku! Vingança pela morte de meu irmão Masaru! - exclamou ele e ficou ao lado daquele primeiro.

 

Naraku encarou os dois, tentando lembrar-se de suas fisionomias, mas era impossível, nunca os tinha visto. Por fim, uma última voz se fez ouvir e um terceiro homem apareceu.

 

– E vingança pela minha família, que você matou sem piedade!

 

Além de mais franzino este último tinha uma voz mais branda e parecia bem mais jovem que os outros dois.

 

Yeda olhou para o meio-youkai, perplexa com as acusações, e sem que pudesse evitar, uma certa repugnância ficou estampada em seu semblante. Naraku se sentiu o pior dos seres diante daquele olhar dela. Esmagadora e sufocante, a culpa pesou em seus ombros. Desconjuntado, ele nem conseguiu se justificar.

 

– Essa sua cara de bom moço não me engana - escarneceu o primeiro que tinha aparecido. – Fique tranquilo, logo poderá refletir sobre seus crimes no inferno! - completou e depois soltou uma gargalhada descontrolada.

 

CONTINUA...

 

ooo ooo ooo ooo

 

Nota: Heike Monogatari é um dos grandes clássicos da literatura japonesa. Foi escrito no começo do século 13 e narra a luta pelo poder que dois clãs de samurais, os Genji e os Heike, haviam enfrentado no século anterior. Sua galeria de personagens, na qual encontram-se guerreiros heróicos e damas tristes, cortesãos ambiciosos e monges ascetas, plebeus e imperadores, constitui uma das fontes mais importantes da literatura japonesa, e tem para sua cultura, um peso comparável a das epopéias homéricas para a literatura européia. (Traduzido e adaptado do espanhol. Fonte: site Casa Del Libro, sinopse do livro)


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Notas finais do capítulo

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Muito obrigada pessoal, por todos os comentários lindos!
Até o próximo!