A chegada dos outros Reis

Lena estava na varanda da sala dos tronos, respirando o ar fresco, porém um pouco frio, da bela manhã. Foi um pouco difícil esconder o ferimento em seu braço dos conselheiros que resolveram finalmente ter uma refeição à mesa de jantar.

Não haviam ainda tido a coragem de se sentar à mesa juntamente com o rei e a rainha da Idade do Ouro, mas no dia anterior, Lena havia conversado com eles e dito que os dois não se importavam. Mas no momento em que sentiu a lâmina fina do guerreiro de argila cortar-lhe a pele, arrependeu-se profundamente de ter tirado aquele dia para conversar com os conselheiros reais.

Mas, graças Edmundo, tudo dera certo. Lena jamais imaginou que ele iria ajudá-la com isso. E ainda por cima não julgá-la sobre seus treinos noturnos. Ele é mesmo um fofo, pensara Lena, já sentindo seu rosto enrubescendo ao lembrar-se de como o menino havia abraçado-a para esconder o braço.

Lena balançou a cabeça, sabendo que não podia pensar nisso. Em Nárnia, ele era mil trezentos e cinquenta e cinco anos mais velho que ela. Já na Terra, Lena devia ser cinquenta anos mais jovem. Era impossível para eles.

O que deu em mim?!, repreendeu-se mentalmente. Como se algum dia fôssemos ao menos tentar.

Balançou mais uma vez a cabeça, tentando libertar-se desses pensamentos. Fechou os olhos, sentindo a brisa marítima leve passando por seu rosto e jogando seus cabelos curtos para trás, formando um leque.

Sentiu seu coração bater mais forte e suas mãos soarem frio, antes mesmo de ouvir a voz daquele que havia roubado seus pensamentos momentos antes.

- Não entendi muito bem. – sussurrou com a voz rouca, mas doce, perto de seu ouvido. Ao ouvir a voz dele tão perto, sentiu um arrepio involuntário atravessar sua espinha.

Edmundo apareceu ao seu. Ela sabia, mesmo estando de olhos fechados. Não tinha como explicar, apenas sentia. Abriu, então, seus olhos e viu-o ao seu lado, na mesma posição que a sua: cotovelos apoiados na bancada de mármore, mãos juntas, apertando os dedos da mão esquerda, pés juntos, com o joelho direito dobrado um pouco mais à frente.

Ela suspirou e voltou seu olhar ao mar à sua frente, sentindo suas bochechas queimarem.

- O que... – parou, percebendo que sua voz estava rouca e fraca. Limpou a garganta uma vez antes de tentar novamente. – O que não entendeu?

Ele suspirou. Ficar assim tão perto dela não estava fazendo bem a ele. Não do tipo precisava distanciar o mais rápido possível, isso jamais! Ele apenas não se mais ele mesmo. Ele respirou fundo umas três vezes antes de pisar na sacada para falar com ela.

Ficara na sala dos tronos, dois passos de distância da varanda, apenas observando-a. Seu vestido preto voando delicadamente envolta das pernas bronzeadas. A fita que escondia o ferimento no braço esquerdo ameaçando soltar na mais leve maresia. Seus cabelos escuros e curtos balançando para trás e por sobre os olhos, mas Lena não dava indícios de estar se importando.

- Bem... – pensou bem nas palavras antes de continuou. – Não vejo nada sobre o inverno rigoroso que imaginava com a volta dela.

Lena percebeu a pontinha de irritação na voz dele quando se referiu à Feiticeira Branca. Ela imaginou que fosse raiva de si mesmo por ter caído na armadilha dela, mil e trezentos anos atrás.

- Esqueceu que controlo os elementos naturais?! – perguntou-lhe, sabendo que ele não iria conseguir entender a complexidade da situação.

- Sim... Mas não entendi o que isso tem a ver. – respondeu.

Edmundo virou-se da frente para ela, apoiando apenas o cotovelo direito na bancada marmórea e cruzando os pés. Desceu seu olhar para o rosto angelical da menina, que mantinha os olhos no horizonte marítimo à frente. Viu suas bochechas enrubescerem quando ela percebeu que ele a olhava diretamente.

- É complicado... – começou Lena, evitando ao máximo os olhos escuros que sabia que estavam sobre seu rosto corado. – Basicamente, o ar que controlo impede que os flocos de neve que a Feiticeira insiste em mandar ultrapassem os limites da Calormânia.

- Hum... Inteligente... – falou Edmundo, mas verdadeiramente impressionado.

Lena riu de leve. Um riso fofo que parece o tocar de leves sinos, dissera Edmundo mais tarde, na Terra.

Ficaram alguns segundos em silêncio, Lena olhando para o mar e Edmundo olhando para ela.

- Será que eles vão demorar muito? – perguntou Lena tristemente. Sabia que o tempo em Nárnia era bem diferente da Terra. – Queria muito conhecer seu irmão.

Falou isso sem ao menos pensar. Quando percebeu o que disse, Edmundo já saia dali. Virou-se e o segurou pelo pulso, sentindo faíscas correndo entre eles.

- O que? – perguntou Edmundo irritado, seus olhos escurecidos ao máximo, pelo ciúme. – Pedro é sempre o melhor em tudo!

Novamente sem pensar, Lena aproximou-se dele, ainda segurando-o pelo pulso, e tocou sua face com as pontas dos dedos. Sentiu as mesmas faíscas esquentarem-lhe os dedos.

Edmundo, sentindo o toque delicado dos dedos da menina, fechou os olhos, aproveitando a sensação de formigamento e suavizou a expressão.

Lena tocou a face dele com a mão, não apenas com os dedos. Arrastou o polegar pelas sardas do menino, acariciando a pele macia. Via que ele tinha fechado os olhos e sorriu, pensando como seria bom se fosse um efeito que ela fazia nele. O que, caros leitores, sabemos muito bem que é.

Mas Lena imaginava que era apenas para canalizar a raiva. Ao se dar conta do que fazia, tentou rapidamente tirar sua mão pequena dali, mas Edmundo levantou a mão e segurou-a ali sobre o rosto. Não ia deixá-la se afastar tão fácil.

- É sempre assim... Sempre em segundo lugar. – desabafou, apertando os olhos mais ainda, sem poder ver que o sorriso nos lábios de Lena se desmanchava aos poucos.

Lena queria tirar os dedos do rosto dele e poder abraçá-lo. Faria realmente isso se Edmundo não estivesse segurando sua mão sobre a própria face.

- Deixe disso, Edmundo. – falou suavemente. – Disse que queria conhecer seu irmão para aprender táticas de guerra. Estratégia em batalha.

Edmundo abriu os olhos depressa, confuso. Não esperava por isso.

- Anh?                                                                                   

Lena soltou uma risadinha nasalada.

- Precisamos de um plano se queremos derrotar a Feiticeira. – ela pensou que não seria o suficiente, então resolveu completar. – Se eu quisesse aulas de luta, procuraria você.

Edmundo sorriu.

- Mas pelo que vi à noite, você não precisa. Você é boa nas katanas.

- Obrigada. – sorriu.

Ficaram um tempo se olhando, presos no olhar um do outro. Lena mordia de leve o lábio superior. Edmundo sentia sua mão soar frio sobre a mão que ainda segurava a dela. Borboletas viajando pelo estômago de ambos, corações disparados. Nenhum dos dois querendo que aquele momento acabasse, mas ansiando para tal, pois o desconforto da falta de palavras pesava sobre eles.

- ELES CHEGARAM! ELES CHEGARAM!

Afastaram-se num pulo quando ouviram a voz de Lúcia se aproximando cada vez mais deles. Trocaram um rápido olhar, confusos sobre o que a mais nova falava.

- Quem chegou, Lúcia? – perguntou Edmundo, quando a viu parada no meio do salão.

Lúcia sorriu. Um sorriso tão grande que Lena pensou que poderia rasgar as bochechas da menina.

- Pedro e Susana!

Lena sorriu e olhou para Edmundo, que tinha uma expressão indecifrável no rosto. Será que ainda pensava no que eu disse?, perguntou-se mentalmente.

Ao olhar novamente para a porta lateral do salão, viu dois jovens entrando. A menina não era muito alta. Morena e de olhos azuis, tinha cerca de vinte anos. Linda, constatou Lena, está explicado porque Caspian sempre me fala nela. Sim, Lena era amiga de Caspian. Quase irmãos.

O menino, que vinha logo atrás, não era passado para trás. Loiro de olhos azuis, era um lindo garoto de vinte e um anos. Lena evitou olhar diretamente para ele para que Edmundo não voltasse naquela birra. Ao comparar os dois, Lena percebeu que preferia morenos.

Os dois conselheiros reais (um homem e uma mulher, ambos humanos) que vinham logo atrás, tratou de postar-se entre os dois recém-chegados e Lena e Edmundo.

- Rainha Susana, a Gentil. Grande Rei Pedro, o Magnífico. – disse o mais alto deles, Frederik, responsável por ajudá-la nas táticas de guerra.

Lena reverenciou-os, sorrindo.

- Rainha Angelina, a Guerreira. – disse Milenne, a mulher, responsável pelos medicamentos.

Os dois fizeram uma reverencia e Lena segurou para não fechar o sorriso.

- Prazer em conhecê-la, Angelina. – disse Susana.

- Lena, por favor. – falou Lena e Susana sorriu. – O prazer é todo meu.

- Melhor irmos para o gabinete real. – disse Frederik. – Para discutirmos melhor.

Então todos se encaminharam para o gabinete. Lena tentou ao máximo ficar o mais longe possível de Edmundo, o que não era muito fácil para ela. Sentaram-se envolta da mesa que havia ali e começaram a discutir sobre o que fazer. Lena prestou muita atenção no que diziam. Deixava tudo para Pedro e Edmundo, que eram melhores nisso.

Ficou ao de Lúcia, conversando sobre banalidades (Lena falava sobre sua época na Terra e Lúcia tentava mandar indiretas sobre ela e Edmundo). Quando estavam todos visivelmente cansados daquilo tudo, Lena se levantou e disse.

- O que acham de descansarem?

- Podíamos fazer algo para animar o povo... – falou Susana, levantando-se.

- Tipo um baile? – perguntou Edmundo. Lena fechou a cara. Ela gosta de bailes, só não gosta de ter de usar vestidos longos neles.

- Um baile seria muito bom. – falou Lúcia e Pedro assentiu.

- Mas precisamos apenas da confirmação da atual Rainha. – disse Milenne, olhando sugestivamente para Lena.

De repente, todos os olharem se pousaram sobre ela e, com a expressão de derrota, assentiu.

- Que se faça um baile então.