Jessica Chloe - Vitoriosa escrita por MidnightDreamer


Capítulo 14
Palavras duras


Notas iniciais do capítulo

Um capítulo bem curtinho, só para dar mais detalhes.



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Naquele mesmo segundo, sinto meu coração acelerar. Olho para os lados e vejo um doutor sério e minha mãe, se desmanchando em lágrimas. Meu coração dói, minha perna dói, meu corpo inteiro dói, como se centenas de agulhas me perfurassem ao mesmo tempo. Apesar da dor, é como se nada estivesse acontecendo. Estou paralisada novamente, até que um impulso maior toma conta de mim.

Esse impulso se chama tristeza.

— NÃO! A GWEN NÃO... - Olho para o chão. - A Gwen não... ela não...

— Seja forte, meu amor! - Mamãe fala, mas é óbvio que ela mesma não estava sendo. – Sica...

— Não, mamãe... - Falo, e ela segura minha mão. – A Gwen não... Ela...

O único som que sai da minha garganta é um grito esganiçado. Ela me abraça, mas é como se nada pudesse me confortar. Uma dor forte no meu peito me invade, me deixando fraca, muito fraca. Olho para mamãe, que agora me segura a cabeça, me fazendo olhar diretamente nos olhos dela, como se tentasse desviar meus pensamentos para seu olhar.

— Não, mamãe. Isso não é justo. Ela tinha uma vida toda pela frente... Ela estava até trabalhando! – Sinto minhas lágrimas molharem a bata que estou vestindo. – Ela não merece...

— Meu amor... Eu sei que a dor deve ser muito grande, mas você vai ter que superar. Tudo o que aconteceu foi um trauma muito grande, ainda mais com essa perda... – Ela seca meu rosto com um lencinho. – Chore, Sica. Arranque essa dor do peito.

Ela nem precisava me pedir isso. Eu começo a chorar e gritar ao mesmo tempo, e mamãe me acompanha com seu choro baixinho. Noto algumas enfermeiras entrarem na sala, assustadas com o barulho, mas não me deixo importar. Eu choro ainda mais, grito ainda mais. O doutor permanece parado perto de nós, me observando com cuidado. Quando perco minhas forças para continuar gritando e chorando, encosto minhas costas na maca e mamãe acaricia meu braço.

— Mamãe... Tinha tanta gente naquele cinema. Porque ela? - Pergunto.

Minha pergunta soou mais egoísta do que eu queria, mas ainda era verdade. Eu preferiria que qualquer desconhecido lá tivesse tido o fim de Gwen no lugar dela. O doutor pigarreia.

— Infelizmente ela não foi a única que faleceu. Mais quatro adolescentes também, e vários feridos, como você.

Mamãe assente.

— Os ladrões não eram tão bons de mira.

— ELES ERAM SIM! - Grito com ela. - NÃO É A TOA QUE ELA MORREU!

Ela se espanta, mas não me arrependo de ter gritado com ela. Como minha própria mãe poderia dizer algo tão odioso assim, e logo para mim, que perdeu uma das melhores amigas...

— Desculpa. - Ela logo se apressa para falar. - Não quis dizer isso.

Fico em silêncio. Não, isso não é verdade. Eu desmaiei indo para a ambulância, e isso é só um pesadelo. O pior dos pesadelos. Eu não acredito. Belisco-me, para ter certeza de que estou dormindo. Infelizmente, não acordo.

— Hector. – Sussurro. – Ele deve estar tão abalado...

— Ele está. - Ela fala, provavelmente se lembrando do que viu, ou pelo menos ouviu. - Tiveram que dar soníferos muito fortes para ele.

Como ele reagiu ao saber que sua irmã havia morrido? Com certeza bem pior que eu. Coitado... Não consigo nem mensurar o tamanho da perda dele. Não consigo nem mensurar a minha, para ser sincera, mas sei que ele está sofrendo muito mais.

— Mamãe... Eu quero ficar só agora.

— Minha filha, acho que deveria ficar aqui com você. – Ela acaricia minha bochecha. – Não quero te deixar só novamente...

Ela começou a chorar de novo.

— Não, mãe. – Empurro-a de leve para longe de mim. – Eu preciso ficar só.

Ela olha para o doutor, que assente. Ela beija minha testa e vai embora, um pouco hesitante. Cubro meu rosto com as mãos, tentando desesperadamente controlar as lágrimas. Eu... Como isso pôde ter acontecido? Olho para a minha perna. Está com um curativo enorme. O doutor ainda estava perto da porta. Chamo-o.

— Doutor... O senhor sabe o que aconteceu depois? - Olho para ele, suplicante.

— Não era somente um assaltante. Eram quatro. - Ele olha para o relógio. - Dois deles tinham envolvimento com drogas, um tinha problemas mentais. Esses foram presos no local, e o quarto tentou fugir, mas foi morto no tiroteio com a polícia.

Ele nota que eu quero que ele dê mais detalhes.

— Não conheço muito bem as leis, mas provavelmente eles pegarão uma pena muito grande, talvez até morte, por causa dos assassinatos e das várias testemunhas, como você. Bem, isso os outros dois. O deficiente mental, eu realmente não sei.

— Eu vou precisar dar algum depoimento? - Falo, me arrependendo depois. Ele era médico, não policial.

— Eu não sei, srta. Andersen. Realmente não faço a mínima ideia. - Ele responde, olhando no relógio novamente. – Não se preocupe. Caso precise, algum policial virá falar com você.

Queria fazer mais perguntas, mas as palavras não saem. Olho para ele, e ele retribui o olhar triste.

— Você quer que eu chame um psicólogo? - Ele segura minha mão. - Existem alguns aqui, se voluntariando para ajudar vocês. Eu posso chamar um.

— Sim. - A única coisa que consegue sair da minha boca. Ele se levanta e me deixa só.

Gwen... Morta. Ela está morta. Sem vida, sem alegria... Eu estou tentando me acostumar com o fato. Mas é doloroso demais... Uma mulher, tão jovem que mais poderia ser minha irmã mais velha entra no quarto. Ela olha para mim com seus olhos verdes quase iguais aos meus. Sorri e se senta ao meu lado.

— Oi. - Ela estende a mão. - Meu nome é Beatrice. Vou ser sua psicóloga.

— Sou Jessica.- Suspiro. Ela segura minha mão e olha bem no fundo dos meus olhos. - Como você vai me ajudar?

— Eu não vou lhe ajudar. Você que vai se ajudar. - Ela parece séria. - Olhe para mim.

Levanto meu olhar ao encontro do dela. Ela amarra seus cabelos negros em um coque e volta a olhar para mim. Ela esboça um leve sorriso e volta a segurar minha mão.

— Eu sei que essa dor é alucinante. Afinal, ela era sua melhor amiga, não era?

Sorrio. Sua voz é tão calma que posso até jurar que ela pode me anestesiar somente com palavras.

— Sim, apesar de nos conhecermos a relativamente pouco tempo. - Respondo, e ela sorri.

— Como vocês se conheceram? - Ela pergunta, mostrando-se curiosa.

Eu hesito um pouco. Como me lembrar dela me fará sentir melhor?

— Bem, foi no primeiro dia de aula no meu novo colégio...

Conto tudo para ela. Engraçado, eu jurava que as palavras não sairiam da minha boca, mas não foi isso que aconteceu. Eu até consegui sorrir um pouco! Tudo fluiu naturalmente, e eu me surpreendi.

— Está vendo, Jessica? Parecia que iria ser um martírio, não é? – Ela deve ter notado minha surpresa. – Mas você percebe o quanto é fácil falar das coisas boas?

— Percebi. Que... estranho. - Falo, e ela sorri em consideração.

— Não é estranho não, Jessica. É que, quando nós gostamos de uma pessoa de verdade, é tão fácil falar das coisas boas... que a gente se esquece das coisas ruins. Pelo menos por um tempo.

— Tem razão. – Solto um suspiro e dou de ombros. Minha tristeza ainda é grande demais... – Mas do que isso adianta?

— Aceitar o fato de que ela não está mais aqui já é um grande avanço. - Ela olha para a porta. - Soube de seu namorado, irmão dela. Infelizmente ele ainda está em estado de negação. Ele ainda não aceita a realidade.

Penso no sofrimento dele.

— Deus... Como eu quero vê-lo. - Confesso.

— Ainda não é o melhor momento, Jessica. Você pode se espantar com seu comportamento. Ele se torna muito agressivo quando nós entrarmos nesse assunto com ele.

— Oh, não... - É a única coisa que eu consigo falar. Hector está sofrendo, e muito. E eu não posso fazer nada para ajudá-lo. Aquela sensação de impotência novamente...

Ela pega uma pasta que estava atrás de suas costas.

— Agora eu quero que você escreva uma carta. Uma carta para Gwen.

— Com qual objetivo? - Pergunto, um pouco chocada com o pedido.

— Se despedir. – Ela sorri levemente. – Já que você não pôde fazer isso quando essa fatalidade aconteceu.

Uma lágrima desce pelo meu rosto. Ela pega um papel e uma caneta e pega sua prancheta, para eu a usar como apoio. Seguro o papel com as mãos trêmulas e começo a escrever.

Querida Gwen,

Você não sabe o quanto eu estou sofrendo com a sua falta. Tudo o que eu queria fazer agora era te abraçar e pedir-te para ficar. Eu não entendo. Por que você, amiga? Por quê? Sei que isso pode parecer egoísta, mas eu preferia que esses tiros tivessem atingido qualquer outra pessoa, e não minha melhor amiga. Eu te amo, Gwen. Saiba que você sempre terá um espaço reservado no meu coração. Você me ajudou a ser forte, e eu não tive a oportunidade de lhe agradecer. Eu não pude nem te dizer adeus.

Seu irmão, Gwen. Ele está sofrendo. Sofrendo por você. Quero lhe pedir que olhe por ele, de onde quer que você esteja. Ele precisa de sua ajuda. E sei que você ainda pode fazer algo por ele, por nós. Eu sinto muito pelo que aconteceu. Jamais imaginaria que algo tão perturbador e detestável pudesse acontecer, ainda mais conosco. Se pudesse voltar no tempo, eu faria de tudo para nós não irmos. Até faria brigadeiro para vocês!

Queria que você estivesse aqui. Mas sei que onde quer que você esteja é bem melhor do que aqui, onde a dor ainda corre por nossas veias. Por favor, olhe por nós.

Com amor e muita saudade.

Sica.

Sinto que minhas palavras não dizem nem um milésimo do que estou sentindo agora, mas eu realmente não sei mais o que dizer. A única coisa que quero fazer é chorar. Entrego a carta para ela, jurando que ela iria lê-la, mas, ao contrário, ela guarda dentro de uma pasta. Olho para ela, com dúvida.

— Não vai ler? – Pergunto.

— Por que iria? Não é para mim. - Ela sorri, e sorrio também. Sei que ela ainda percebe a minha dor e então ela entende a única coisa que iria me ajudar. – Quer que eu dê uma ajudinha para você falar com o Hector?

— Você pode? - Falo, entusiasmada.

— Não prometo, mas vou tentar. - Ela sorri e fala que vai falar com a enfermeira chefe. Ela sai e deito de lado, tentando dormir. O que é quase impossível, contando com as circunstâncias. Antes que eu notasse, uma enfermeira trouxe mais alguns remédios, o que acredito serem calmantes, e por fim, durmo.

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Acordo com Beatrice ao lado da minha cama, segurando uma cadeira de rodas. Quero perguntar tantas coisas para ela, mas minha garganta está doendo por tanto ter gritado. Ela está sorrindo, então acho que é um bom sinal.

— Boa tarde, Jessica. - Ela sorri. - Convenci a enfermeira chefe a te levar até Hector. Falei que fazia parte de sua recuperação.

— Ai, que bom! - Dou um leve sorriso. Ela me ajuda a levantar e me senta na cadeira. Ela me guia até a sala onde ele está.

Ele está cochilando serenamente, quase como um anjo. Ela me empurra até a beirada da cama e passo a mão pelo seu rosto. Ele se mexe lentamente, e inclino-me para dar um beijo em sua bochecha. Hector abre um olho e, quando me reconhece, ajeita-se para ficar sentado.

— Sica! - Ele pega o controle da maca e a ajusta, deixando-a bem baixa, quase na altura da minha visão. Ele beija minha testa. - Como você está? Estão te tratando bem?

— Estão. - Sorrio, mas a felicidade some quando presto mais atenção ao seus olhos. São idênticos aos dela. Meus olhos enchem de lágrimas, e olho para o teto para evitar que elas escorram. Mas é claro que não consigo.

— Não chore, meu amor. - Ele beija minha bochecha. - Por que está triste?

— Hector... Sua irmã. A Gwen, ela... – Um estranho soluço começa a me interromper, mas continuo. – Ela morreu, Hector.

— Não, Jessica. Minha irmã está bem, eu sei disso. - Ele fica sério, e sinto a convicção em suas palavras. - Eles te convenceram disso?

— É a verdade, amor. - As lágrimas descem descontroladamente. - Você não acredita em mim?

Ele fica em silêncio, contraindo o maxilar. Ele olha para o teto e passa as mãos pelo cabelo. Quando aproximo minha mão da dele, ele me repele como se eu fosse uma imunda. Hector percebe meu olhar de confusão e fala:

— Sai daqui.

— Hector... - Falo, com pena dele.

— Eu não vou falar de novo...

— Por favor, Hector. – Minha voz sai nasalizada.

— SAI DAQUI! NÃO QUERO OUVIR ESSA MERDA QUE SAI DA SUA BOCA! EU NÃO QUERO TE VER AGORA, NEM NUNCA MAIS! EU ODEIO VOCÊ! ODEIO VOCÊ! 

Se eu estivesse em pé, com certeza teria caído para trás com as palavras dele. Ele fica ofegante, e logo depois enterra seu rosto no travesseiro, chorando baixinho. Eu também estou chorando. Deus, não me faça crer que ele está mesmo com raiva de mim. Ele está abalado. Muito abalado, nervoso. Não era ele que estava falando comigo. Era sua frustração.

Beatrice me leva de volta para meu quarto, pede desculpas por Hector e conversa comigo sobre o comportamento dele. Eu entendo o que ela diz, mas as palavras dele ecoam na minha mente. Ele não fez isso por mal.

Eu preciso acreditar nisso.


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