Jessica Chloe - Vitoriosa escrita por MidnightDreamer


Capítulo 11
Amor através do tempo




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Já se passou uma semana e meia. Olho-me no espelho e percebo que não sou mais a mesma garota e, sinceramente, não sei se isso é algo bom ou ruim. Eu só sinto que estou diferente. Por mais que a doença seja uma coisa terrível, eu tenho que admitir que ela me trouxe ensinamentos para toda a vida, como o fato de que não importa o quanto seja difícil, sempre se pode contar com as pessoas que te amam. Elas sempre estarão ao nosso lado. Eu aprendi a dar mais valor a vida, pois a qualquer momento podemos perdê-la. A qualquer  momento posso perder a minha própria. Enfim, acredito que estou uma pessoa melhor agora. Mais madura, talvez.

Mamãe entra no meu quarto. Ela pega o lenço vermelho e tira de minha cabeça. Olho para ela e vejo que ela está trazendo um novo, azul-céu. Ela o põe na minha cabeça e beija minha bochecha.

— Está nervosa?

— Não, mãe. - Olho para ela, que se senta atrás de mim, na minha cama. - Eu não sei bem o que estou sentindo agora.

— O médico disse que deve se alimentar bastante agora. - Ela desce mas volta rapidamente com uma bandeja pequena. - Aproveite.

Ovos, bacon, leite, pão, maçã e suco de laranja. Parecia um café da manhã, mesmo já sendo duas da tarde. Além disso tinha uma salada e carne moída. Meu Deus, é muita comida! Bem, mesmo assim como de tudo um pouco, e mamãe tira a bandeja da minha frente.

— Essa primeira sessão vai ser de tarde, mas darei um jeito de colocá-la para depois das aulas. Você precisa voltar a estudar.

— Eu sei. Eu quero muito, mas fico com um pouco de medo. – Encolho-me. Detesto confessar isso. – Do que as pessoas vão pensar, sei lá. Elas riam de mim.

— Eu entendo, meu amor, mas você não deve ligar para o que as pessoas pensam. – Ela anda até mim. – E Hector falou que muitos se sentiram desconfortáveis quando ele falou que você está doente para todos lá. Talvez eles ainda olhem para você, mas ninguém vai rir.

— É o que eu espero. - Ajeito o lenço. – Obrigada.

Desço e vejo uma mensagem no meu celular.

Sica, boa sorte hoje! Queria estar lá, mas espero - e o Hector também - que tudo ocorra bem e que os efeitos colaterais sejam mínimos. Gwen.

Queria poder responder, mas como ela está em aula, é melhor não enviar nada. Não quero que ela se dê mal.

Entro no carro e mamãe nos leva ao hospital. Ela fala com uma recepcionista e logo vejo o doutor Augustus. Mamãe também o vê e vem falar com ele. Ela conversa um pouco com ele, parecendo um pouco preocupada, mas ele aparenta calmo, como se estivesse explicando o que vai acontecer comigo no tratamento. Ele logo depois me chama. Sigo-o até uma sala grande, com várias camas de hospital. Algumas delas estavam ocupadas com algumas pessoas, provavelmente fazendo a quimioterapia também.

Sento-me na cama e levanto a manga do meu braço esquerdo. O doutor esteriliza a área e pega tudo o que precisa: agulhas, vidrinhos com remédio e alguns comprimidos. Ele olha para mim e me explica.

— Esses aqui são só para que os remédios não tenham tanto efeito nas células saudáveis do seu corpo, já que os medicamentos atacam seu corpo sem distinção.

— Entendo... depois desses? - Pergunto.

— Depois são os remédios que acabam com as células cancerosas. A aplicação dura mais ou menos uma hora e meia. Você tem que beber bastante água. Isso vai ajudar a eliminar os remédios.

— Ah, claro. É por isso que a minha mãe trouxe essa garrafa para mim?

Ele assente e continua:

— Depois, mais substâncias que evitam a destruição das células boas. Tudo isso deve demorar umas três horas. Ah, tente descansar um pouco, dormir. Nas horas dos remédios orais, lhe acordamos. Depois, direto para casa. Coma bastante, poderá ficar fraca.

Assinto e ele coloca um cateter no meu braço. Não dói muito, só uma picada de injeção. Depois ele coloca os remédios na bolsa e a pendura naqueles ganchinhos, sabe? Aqueles de quando tomamos soro na veia. Lentamente as gotas caem pelo tubo e entram em mim. Não estou sentindo nada ainda. Bem, olho para os lados e vejo algumas pessoas já dormindo.

— Primeira vez, não é?

Olho para frente e vejo um garoto loiro, que está na cama a minha frente. A pergunta foi para mim, com certeza.

— É. - Respondo. - E você?

— Segunda vez. Meu cabelo está começando a cair. - Ele ri, com desgosto. - Onde é seu câncer?

— Cérebro. - Eu não gosto da palavra câncer. Me parece tão forte, tão má... - E o seu?

— Esôfago. - Ele olha para o chão. - É um dos cânceres mais difíceis. E não tem cura, só tratamento.

Tento processar as palavras dele.

— Isso quer dizer que...? - Pergunto, tentando entender.

— Que, por mais que eu faça quimioterapia, ele sempre vai voltar. Talvez assim que o tratamento acabar, talvez daqui a 50 anos... Não dá nem pra estimar. - Ele olha nos meus olhos. - Eu só estou esperando a minha hora.

Engulo em seco. Ele já tinha perdido as esperanças de viver. Eu queria dar todo o apoio a esse garoto, mesmo nem sabendo seu nome. Ele olha para mim, pedindo que fale alguma coisa.

— Eu... não sei o que dizer. - Falo. - Sinto muito.

Ele deixa um leve sorriso escapar.

— Desculpa. A última coisa que alguém quer escutar agora é uma conversa sobre morte. – Ele se acomoda um pouco mais na maca.

— Na verdade eu até acho bom. – Sorrio para ele. – Não conheço muitas pessoas que estejam passando pela mesma coisa que eu, e conversar com minha família sobre minha possível morte não é uma tarefa fácil.

— Os parentes sempre começam a chorar... – Ele deixa escapar uma risadinha. – No momento em que queremos que eles sejam fortes.

Assinto com a cabeça.

— Sem falar que, não importa o quanto eles estejam sofrendo, eles jamais entenderão totalmente o que a gente passa.

O garoto concorda, e noto ele cerrar o pulso com força. Ele deve estar começando a sentir os efeitos das medicações.

— Já que você gosta de falar sobre assuntos macabros, você corre risco de vida?

— Não muito, eu fiz uma cirurgia de retirada. – Respondo. – Mas ainda me restou 8% do tumor, por isso estou aqui.

— Ah, sim. Isso é ótimo. - Ele sorri. - A propósito, meu nome é Steven.

— Jessica. - Sorrio. - Meu avô se chamava Steven.

Ele sorri e continuamos conversando. Ele tem dezesseis, estuda em uma escola longe, não conheço. Descobriu o tumor alguns meses atrás, e fará 15 sessões. Tem dois irmãos maiores, e eles dão todo o apoio que ele precisa.

— Eu tinha uma namorada também, mas depois que falei para ela da doença, ela terminou comigo. – Ele fala, parecendo um pouco chateado, mas vejo um lampejo de alegria passar por seu rosto bem rápido. – Até hoje eu acho que ela pensa que a doença é contagiosa.

Rio da piada dele, e ele olha para mim.

— E você, tem namorado? - Ele pergunta, nada sutil.

— Tenho. - Falo, e ele parece cabisbaixo. - Não fique triste. - Brinco.

— Como vou ficar alegre se todas as meninas bonitas já tem namorado, e a maioria não quer um doente?

Ele realmente estava dando em cima de mim?

— Obrigada pelo elogio, – Começo. – Mas só acho que você ainda não encontrou A garota. Espere, que ela virá.

Ele sorri, um pouco triste, mas do nada ele começa a chorar. Isso me dá um aperto tão grande no coração...

— Porque está chorando? - Pergunto, minha voz soando mais fraca do que eu queria.

— Sabe, muitos garotos nem cogitam isso na minha idade, mas... – Ele engole em seco. – Eu tinha muitos planos com essa minha ex. Morar junto, casar... Ter filhos.

Assinto, já sabendo aonde a conversa vai chegar. Lembro de algumas semanas antes da primeira cirurgia. O doutor Augustus me alertou que havia uma considerável chance de eu ter dificuldades em ter filhos quando tudo isso terminar. Quando ele perguntou se eu queria congelar alguns óvulos, não sabia o que dizer. Era uma questão tão importante para que eu tomasse em tão pouco tempo...

Eu decidi não congelar. Nunca havia considerado ser mãe, e o doutor falou que, quanto mais tempo passasse da quimioterapia, maiores seriam minhas chances de engravidar. Se algum dia eu quiser ter um filho, vou procurar um tratamento para me ajudar.

Eu fiz minhas pesquisas. Sei que os homens tem muito mais chances de ficarem estéreis que as mulheres. Ouvir a confissão de Steven, sua preocupação com o futuro, com uma família que ele nem tem ainda, me faz sentir um pouco egoísta. Afinal, eu posso ter negado a meu filho a chance de existir.

Engulo em seco.

— Mesmo que eu viva por muito tempo, eu jamais poderei ter filhos. - Ele suspira. - Jamais constituirei uma família.

— Você fez a coleta? – Pergunto. Sei que não preciso ser mais específica para ele entender.

— Fiz, mas... Não será algo natural, entende? Sei que vai ser mecanizado, e isso me deixa irritado e me sentindo estranho. – Ele tenta explicar, mas é algo tão pessoal que não consigo. – Você fez o congelamento?

— Não. – Só me permito dizer isso. – Mas só porque ficará estéril, não significa que não poderá ter uma família... De qualquer maneira, acho que nós dois devemos nos preocupar em sair dessa, antes de pensar no futuro.

— Você tem razão. – Ele diz, e declaramos esse assunto encerrado.

Ficamos conversando até duas enfermeiras entrarem na sala. Uma vai para Steven e outra vem em minha direção. Ela me dá alguns comprimidos e um copo d'água. Eu bebo e ela troca os remédios que entram pelo cateter.

Começo a sentir uma queimação debaixo da pele. O meu primeiro impulso é tirar o cateter, mas a enfermeira me para.

— É normal, Jessica. - Ela fala. - Vai sentir uma queimação mesmo, mas passará.

Eu assinto, mas é como se não fosse verdade. Ao meu ver parece que não tenho mais sangue nas veias, e sim lava, de tão ruim a sensação. Mas, para a minha surpresa, começo a me acostumar um pouco com a sensação. Claro, sinto a queimação de leve, mas nada que não dê para suportar. Olho para Steven.

— Pode me tirar uma dúvida? - Faço que sim com a cabeça. - Você que quis raspar a cabeça toda mesmo ou foi o médico?

— Eu que quis. Sabe, eu sei que já existe medicações que evitam a queda, mas prefiro não criar expectativas. Vai que, depois de eu acreditar piamente de que meu cabelo vai ficar, ele cai? Isso seria horrível.

— Sim. - Ele espreme os olhos, e entendo que ele está tentando focar sua visão nas minhas sobrancelhas. - Você é ruiva, não é?

— Sou. Culpa do meu pai. - Brinco.

— Ruivas são bonitas. - Ele fala.

Ah meu Deus.

— Obrigada, mais uma vez. - Agradeço e ele fica olhando para o chão. Ele cerra os punhos mais uma vez, e vejo que ele está sentindo a mesma coisa que eu.

— Detesto isso. - Ele fala, fazendo uma pausa. - Como foi que descobriu que estava com um tumor?

— Ah, foi horrível. Eu ia ter meu primeiro encontro com meu namorado, mais aí, do nada, eu parei de sentir as minhas pernas.

Ele parece estar surpreso com minha história.

— Nossa! Deve ter sido ruim mesmo.

— Com certeza. Eu pensei que ia ficar assim para sempre, mas depois de alguns minutos eu voltei a me movimentar. Claro, mas mesmo assim tive que ir ao médico, eu já estava sentindo tonturas e dores de cabeça... Depois de uma tomografia, bem, descobri.

— Caramba! – Ele exclama. – Eu descobri quando eu não consegui mais me alimentar.

— Uau, você não conseguia mais comer? – Pergunto. Como isso é possível?

— Pois é. Tive que me alimentar por tubos. - Ele fala, rindo da minha cara de surpresa. – Mas minha saúde já está um pouco mais estável. Não preciso mais de um tubo aqui.

Ele aponta para a base de seu pescoço e, quando eu forço um pouco mais os olhos, vejo uma pequena cicatriz. Deus, isso deve ter sido tão horrível... Antes que eu possa perguntar mais sobre ele, solto um grande bocejo.

— Acho melhor você ir dormir. - Steve fala. - Vai se sentir menos cansada quando a sessão acabar.

Concordo e tento me aconchegar, apesar de não consegui ficar de bruços por causa do cateter. Mas eu estou tão cansada que logo consigo dormir.

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— Acorde, Jessica. - Abro os olhos e vejo uma enfermeira. - Hora de mais remédios orais.

Sento-me e pego os comprimidos. Tomo-os e bebo um gole bem grande de água. Sinto um mal-estar na barriga. Diarreia?

— É normal, Jessica. - Ela fala depois que eu pergunto. - Não se preocupe, estamos aqui pra cuidar de você caso passe mal. Além disso, você  vai poder tomar remédios para melhorar a flora intestinal, mas só os que o médico recomendar, claro.

Ela troca os remédios na veia, e percebo que já são os que evitam a doença atacar as células boas.

— Falta muito? - Pergunto.

— Meia hora. - Ela fala, olhando para o relógio. - Logo sairá.

Ela sai e vejo Steven dormindo. Eu não sei, acho que estou com um pouco de pena dele. Não queria, óbvio, mas a situação dele me deixou bem mais triste. E eu pensando que o meu caso era o pior... Pelo visto sempre há alguém que está sofrendo mais que você.

Continuo acordada. Muitos já tinham ido embora, mas outros ainda estavam, ainda dormindo. O tempo passa tão rápido que logo o doutor volta, para tirar o cateter e me dar as últimas doses de comprimidos. Ele me dá mais água, já que a minha havia acabado, e minha mãe entra na sala.

— Oi, minha filha! - Ela me abraça. - Como você tá?

— Um pouco tonta... com dor de barriga. - Sorrio e percebo que Steven acorda.

— Já vai? - Ele pergunta, enquanto o médico tirava o cateter dele.

— Já. - Me aproximo dele e o abraço. Pelo visto ele não estava esperando isso. - Espera. - Eu pego um pedaço de papel e escrevo meu telefone. - Minha casa é aqui perto. Qualquer dia você pode ir lá, será sempre bem vindo.

Ele sorri e pega o papel. Ele se apresenta a minha mãe e depois nós vamos para casa.

— Hector e Gwen estão te esperando. - Ela fala, sorrindo.

Fico em silêncio todo o percurso. Chegamos em casa e Lilian nos recebe.

— Oi, Sica. - Ela me abraça. - Como você está?

— Bem. Cansada, mas bem. - Entro em casa. Hector e Gwen estão sentados no sofá. Assim que me veem, eles dão um sorriso tão estranhamente igual que me dá arrepios.

— Sica. - Hector se aproxima e me beija. - Como foi a sessão?

— Terrível. - Admito. - Parece que eles estão injetando lava nas minhas veias, e apesar de bem, estou com muita dor de barriga! - Falo, correndo para o banheiro do meu quarto. É, nada romântico.

Passado alguns minutos (que eu não vou descrever, eca!), volto para a sala e eles ainda estão me esperando. Ah, mas eu estou tão cansada...

— Eu gostaria de ir dormir, agora. - Falo, e eles compreendem.

Hector se despede de mim e Gwen se aproxima. Ela parecia um pouco preocupada, e acho isso bem estranho.

— Será que eu posso conversar com você? – Ela pergunta. – Prometo que não vou demorar.

— Claro. - Falo e ela sobe comigo ao meu quarto.

Ela se senta na beirada da cama e olha para mim, preocupada.

— Eu acho que o Hector tá te traindo.

Arregalo meus olhos. O que diabos ela está falando?

— O quê? Como assim, Gwen?

— Hoje eu entrei no quarto dele, sabe como são as irmãs, sempre tentando xeretar as coisas dos irmãos, e na cama dele... tinha um sutiã. Eu acho que ele levou alguma menina para o quarto dele, e você sabe bem o que pode ter acontecido.

Tento segurar meu riso até ter certeza do que estou pensando.

— Qual era a cor do sutiã?

— Azul. Azul-mar.

Solto minha gargalhada, e ela me encara com uma expressão confusa e raivosa.

— Por que você está rindo? Isso é sério!

— Porque o sutiã meu. - Falo, tentando parecer normal.

Ela tenta conectar os pontos.

— Seu? - Ela olha, surpresa. - Por que tinha um sutiã seu... Não! Mentira!

— O quê? Não, a gente não transou. Eu nunca nem fui na casa de vocês... Como você é, hein!

Ela cobre o rosto. Gwen deve estar tão envergonhada...

— Isso ainda não explica seu sutiã lá... pra mim ele roubou de sua gaveta. É a cara dele...

— Eu o dei de presente. Sabe, só para provocar...

— Ah, sim... – Ela assente, pra logo depois interpretar minhas palavras melhor. – Como você é safada, Sica!

— Ah, qual é! Só ele tem o direito de ser safado? - Rio e sinto uma leve tontura. - Ai, acho melhor me deitar. Preciso descansar bastante.

Ela me abraça e sai, deixando-me no meu quarto. Depois de um tempo, Lilian entra no quarto, como um furacão.

— Você conheceu um garoto lá na sessão?

— Lil, eu preciso descansar...

— Mas antes me explique! – Ela pede calmamente. – Qual é, já esqueceu o Hector?

— Não... Deixe de ser boba, Lil! - Falo. - Ele se chama Steven, e ele também está fazendo quimioterapia. Eu só fui gentil com ele, apesar de ele ter tentado me cantar. - Ela sorri. - Quem foi que te contou? Foi a mamãe, não foi?

— Foi, Sica. Ela também achou estranhíssimo você ir abraçar o cara e ainda dar seu telefone para ele! – Ela dispara. – Puxa vida...

— Mas eu... Ora... Ah, esquece! – Viro-me na cama. – Me deixa descansar agora.

Ela sai do quarto e me deixa pensando em como tudo que alguém faz, eu eu faço, pode ser interpretado de modo errado.

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Acordo com o som de mensagem do meu celular.

Boa noite, Jessica. Queria saber se você está bem. Salve esse número no seu celular, é o meu. - Steven.

Fico um pouco confusa. Ah, sim... agora me lembro. Dei meu celular para ele. Como eu me esqueci disso? Deve ser algum efeito colateral. Respondo-o dizendo que estou tão bem quanto poderia ficar depois da primeira quimio, e ele responde somente com um "XD", e acho que isso não precisa de uma resposta. Sento na cama e vejo minha mãe entrar no meu quarto.

— Trouxe um pouco de comida para você.

Ela me entrega a tigela de salada de frutas e pega um vidrinho com alguns comprimidos.

— Isso aqui é para seu intestino. Se precisar, está bem aqui. - Ela coloca na escrivaninha. Ela sai e me deixa comendo silenciosamente. Não estou com sono, então eu pego um livro para ler. Dentro do livro, havia um pequeno papelzinho. Pego-o e leio o que está escrito.

"Não sei porque, mas achei que esse era seu livro preferido. Eu queria lhe entregar esse poema. Eu achei que iria gostar.

'Não te amo como se fosses rosa de sal, topázio.

ou flecha de cravos que propagam o fogo:

te amo como te amas certas coisas obscuras,

secretamente, entre a sombra e a alma.

 

'Te amo como a planta que não floresce e leva

dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,

e graças ao teu amor vive escuro em meu corpo

o apertado aroma que ascender da terra.

 

'Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,

te amo diretamente sem problemas nem orgulho:

assim te amo porque não sei amar de outra maneira.

 

'Senão assim deste modo em que não sou nem és

tão perto que a tua mão sobre meu peito é minha

tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.'

 

Desculpa se isso foi cafona, mas eu achei perfeito para descrever o que sinto por você.

Hector.

Isso é... é tão lindo... Meus olhos estão a beira das lágrimas. Pego o telefone e ligo para ele.

— Oi, Sica. - Ele fala, com voz de sono. - O que foi?

— Eu li o poema que você deixou para mim. Aquele lindo soneto. – Deixo uma risada envergonhada escapar. – Eu amei, muito obrigada.

— De nada. É exatamente assim que me sinto. Tudo o que eu não conseguia explicar com palavras, consigo com esse soneto. – A voz dele parecia forte. – Que bom que você gostou.

— Eu só liguei para isso mesmo. – Sussurro. – E para dizer que te amo.

— Eu também te amo. – Escuto uma risada relaxada dele. – Lembra? Para sempre.

— Para sempre. - Repito e desligamos ao mesmo tempo.

Fico lendo aquele texto... Eu o conheço... Soneto XVII, Pablo Neruda. Sim, é esse. Qual é o nome... Ah, sim! Amor através do tempo. Até o nome me lembra ele. Ou melhor, nós. Deito-me abraçada ao papel, como se sentisse a presença dele ao meu lado. E é com essa sensação de paz que durmo, tranquilamente.


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