May - Parte IV escrita por PaulaRodrigues


Capítulo 4
Desmoronamento


Notas iniciais do capítulo

May, com seus poderes recém descobertos, tenta ter sua vida de volta, ela espera que sua amiga July e seu namorado Bobby possam compreendê-la, mas parece que tudo está acontecendo exatamente ao contrário de suas expectativas.



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Quando cheguei em casa, subi correndo para o quarto.

– Remi... - o chamei em pânico apoiando minhas costas na porta.

 Remi estava na cama estudando para a prova da faculdade. Eu estava ofegante. Remi me olhou assim que o chamei, se levantou rapidamente e veio até mim.

– May, o que aconteceu? Você está... - ele parecia em pânico.

– Suja de sangue? Eu sei...

– O que aconteceu?

– O problema não foi como esse sangue ficou em mim Remi, o problema é como não tenho nenhuma marca e me sinto bem.

– O quê? Você se machucou? Mas...? - ele me analisava tentando procurar por algum arranhão.

– Caí no arame farpado enquanto jogava disco com meus... "amigos", me enrolei toda nele e rasguei minha pele quando tentei tirar, mas olhe, não tem nada, nenhuma marca - estiquei meus braços para Remi e depois passei a mão pelo meu corpo mostrando como estava bem enquanto minha roupa que, de início era branca e azul estava vermelha, um vermelho vivo.

Ficamos um tempo nos encarando até que Remi pediu que eu tomasse um banho. Durante meu banho, olhei todo o meu corpo, não haviam marcas, nem uma mínima cicatriz finalizando o ferimento. Aquilo era muito estranho e comecei a ter medo de mim mesma. Como alguém poderia se curar tão rápido? Isso era muito anormal. 

Tomei meu banho, tirei o restante de sangue da minha pele e ela parecia perfeita. Toquei na parte mais prejudicada que era meu tórax, estava como se nunca tivesse levado um arranhão em toda a vida. Fiquei um tempo a mais no banho, deixei a água escorrer pelo meu rosto querendo que aquilo não passasse de um pesadelo. Minha vida havia melhorado de uma maneira tão boa, porque agora acontece isso? 

Saí do banho, peguei o meu uniforme de líder de torcida ensaguentado e fui enrolada na toalha até o quarto. Remi ainda estudava sobre a cama, seus livros todos espalhados.  Coloquei uma blusa de frio larga que já foi de Remi, junto com um moletom e me sentei de pernas cruzadas na cama de frente para Remi e seus livros, peguei Browny e o abracei.

– O que está acontecendo comigo Remi? – perguntei olhando pra cama.

– Não sei, mas vou lhe mostrar uma coisa - ele parecia animado.

Remi desceu da cama e andou até uma pequena estante que ele fizera para nós dois, pegou um baralho de dentro da gaveta e se sentou de  frente pra mim.

– Observe.

Ele pegou uma  carta, a girou na mão e de repente a carta estava pegando fogo. Me assustei mas ao mesmo tempo me senti interessada.

– Como você faz isso?

– Cinética. Descobri que era capaz de fazer isso com a sua idade - ele ainda girava mais cartas que pegavam fogo.

– Somos... anormais?

– Anormais? Acho que não seria a palavra certa pra nós. Nós temos dons, dons que raramente outras pessoas têm. Somos especiais.

– Especiais?  - suspirei triste - Acho que isso não se aplica a mim Remi, Bobby se assustou comigo, July também. Não sei se July vai querer falar comigo depois disso e se Bobby ainda vai querer me namorar...

– Ei – ele pegou em meu rosto e me fez olhar pra ele –, tudo bem se eles não quiserem, e daí? Nós temos um ao outro, eu estarei sempre ao seu lado lembra? Mas é melhor deixar nossos dons em segredo ok? As pessoas não estão acostumadas a isso.

Assenti.

Naquela noite, escutei uma discussão na cozinha, fui até lá e para minha surpresa, não era a mãe que estava apanhando ou brigando, era Remi. O pai não batia em Remi, mas eles brigavam demais, gritavam muito e Remi sempre desviava ou rebatia os socos do pai. Depois da briga Remi veio furioso em direção ao quarto e eu corri silenciosamente na frente antes que ele pudesse me ver, cheguei ao quarto, deitei na cama e fingi dormir. Remi estava furioso e entrou batendo a porta.

Não era a primeira vez que aquilo acontecia, Remi já havia brigado mais vezes com o pai, essas brigas começaram quando Remi terminou o ensino médio. Não sei muito bem a razão de ter começado, mas já durava um bom tempo. Também não entendia as brigas. O pai parecia não gostar da atitude rebelde de Remi, algo que eu não conseguia entender, Remi não era rebelde, ele era um bom garoto, ou seria um bom garoto somente pra mim? O que Remi andava aprontando pela cidade enquanto eu passeava com Bobby, July e o pessoal?

...

No dia seguinte, peguei o ônibus escolar e não consegui encontrar July, o que achei estranho. Na escola, consegui encontrá-la  arrumando o armário. Me aproximei de July sem que ela percebesse e disse:

– Bom dia - sorri animada apoiada em meu armário.

July se assustou muito com meu aparecimento.

– Bom...bom dia May.

– Está tudo bem com você? – ela parecia passar mal.

– Eu? Claro, por que não estaria? – ela riu histericamente.

– July – revirei os olhos –, te conheço desde pequena e sei que você não está bem, você está histérica.

– E como esperava que eu estivesse May?  - ela parecia querer nos esconder no armário. - Você se enroscou no arame farpado e está aí, inteirinha, sem nenhum arranhão. Foi muito sangue pra você está inteira, saudável e caminhando tranquilamente. E o pior de tudo, você começou a se curar de repente, suas cicatrizes sumiram como se você não fosse... – ela sussurrava me encarando. – Como você explica isso? Como?

– Eu... eu não sei – e eu realmente não sabia.

– May, aquilo foi demais pra mim, não consigo tirar da minha cabeça, você estava muito ferida, você me assustou ontem. Pensei que você ficaria deformada pela forma como começou a tirar o arame de você.

– Desculpe July, eu não sabia que aquilo aconteceria comigo. Aquilo é novo para mim também. Eu não sabia que era capaz de... de me curar rápido.

– Aquilo é assustador, isso sim.

Ela não conseguia me encarar mais. Eu não esperava isso de July, não mesmo, acredite mesmo que poderia confiar nela, achei que ela me apoiaria, me ajudaria como sempre fez desde o primeiro dia de aula.

– E Bobby, como está? - perguntei temendo a resposta.

– Eu não sei May, não nos falamos depois do incidente.

– Vou tentar falar com ele.

July assentiu sem me olhar e fui em direção ao campo de futebol, onde provavelmente Bobby estaria. Chegando lá, ele estava treinando, entrei no campo e tentei chamar-lhe a atenção. Foi um amigo de Bobby que me viu e o avisou que eu estava ali, senti ele suspirar e então vir em minha direção. Ele ficou olhando para as chuteiras quando se aproximou.

– O que você quer aqui? – ele me perguntou de forma áspera.

– Por que está falando dessa forma comigo? - tentei encontrar seus olhos.

– Que forma?

– Bobby olhe pra mim.

Bobby olhou pra mim.

– Por que está me tratando dessa maneira?

– Que maneira?

– Bobby! – eu o xinguei.

– O quê?

– Me diga, o que foi? É por causa de ontem? Olhe eu não...

– May, vamos esquecer, que tal?

– Você não vai esquecer, muito menos eu. Foi algo estranho que aconteceu comigo entende? Eu não sabia que era capaz de fazer isso, eu nem forcei para isso acontecer, simplesmente aconteceu. Eu não sabia.

Nos olhamos durante um tempo e ele desviava o olhar a todo momento, parecia querer se esconder dos outros, parecia não querer que ninguém o visse conversando comigo.

– Você está com medo de mim não é? - disse por fim.

– Eu...

– Diga a verdade, por favor Bobby.

– Tudo bem, eu admito, estou com medo de você porque aquilo não é coisa que uma pessoa normal faria. Uma pessoa normal ficaria imóvel para não se cortar mais e estaria no hospital agora.

– Você está me chamando de aberração?

– Eu não disse isso.

– Mas era isso que queria dizer não era?

– May...

Comecei a me afastar chorando.

– Era sim, pra você eu sou uma aberração...

– May, para com isso por favor.

Ele se aproximou de mim.

– Não, pare você! Acontece algo que não entendo comigo e você logo me coloca um rótulo: aberração. Pensei que poderia contar com você Bobby mas pelo que parece não posso contar com ninguém. Ninguém!

– May...

– Vocês são normais demais pra mim.

Saí correndo chorando, fui para a sala de aula, me sentei no fundo perto da janela e fiquei olhando através dela. Senti July olhar pra mim e olhei novamente para ela. Balancei a cabeça negativamente e chorei ainda mais. Quando eu fazia esses sinais, July ia até minha mesa e me ajudava a superar as situações me contando coisas animadas, mas naquele dia, isso não aconteceu. July sentou na primeira cadeira, longe o suficiente de mim, o que me fez chorar ainda mais. Perdi minha melhor amiga e meu namorado no mesmo dia. Eu fui abandonada, esquecida, parecia que todos agora tentavam me apagar de suas vidas.

Voltando para casa, eu me animei um pouco quando lembrei que tinha Remi ao meu lado, eu precisava lhe contar tudo, principalmente que Bobby me chamara de aberração, foi a pior parte daquele dia. Desci do ônibus, onde umas garotas cochichavam ao fundo junto com July e comecei a caminhar para casa cabisbaixa.

– Não quero mais saber de você nessa casa!

Ouvi o pai gritar e olhei para a porta, só me faltava essa, meu pai me expulsar de casa. Porém, dela saiu Remi, arregalei os olhos, não podia acreditar que Remi estava de partida.

– Pode ter certeza disso pai, não o verei nunca mais! - ele gritava de volta.

Remi andava em direção à picape velha que ele comprara. larguei minha mochila no chão e corri em sua direção.

– Remi! Remi!

Parei na porta da picape, impedindo-o de abri-la.

– Onde você vai? - perguntei.

– May eu...

– Remi, você não vai me deixar aqui vai? Não agora...

– May...

– Remi, por favor, não vai embora Remi. Eu preciso de você comigo – eu o abracei bem forte e chorei ainda mais.

– May eu não posso ficar - senti sua mão passar carinhosamente no topo de minha cabeça.

– Pode sim, você disse que nunca me abandonaria, você prometeu.

Ele me abraçou mais forte enquanto eu chorava de soluçar.

– Eu não tenho escolha May.

– Tem, me leve com você, por favor Remi. Não me deixe aqui com o pai.

Eu o olhei nos olhos e pedi em súplica.

– Me desculpe May – ele fez carinho em meu rosto. – Eu volto pra te buscar, eu prometo, acharei um lugar onde possamos ficar e virei te buscar, é uma promessa May.

Me calei e o deixei ir, não queria mais acreditar nas promessas de Remi, ele falhou com a primeira quando disse que nunca iria me abandonar.

Vi Remi ir embora na picape. O pai entrou para casa e a mãe ficou olhando da janela chorando. Enquanto olhava Remi partir ouvi meus pais começarem a dizer:

– E você, o que está olhando hem? – era o pai e estava muito nervoso.

– Nada, não estava olhando nada...

– Está me chamando de idiota? Você estava olhando aquele filho de uma puta.

– Eu...

– É isso que você é, uma puta!

Assim começaram os tapas e os gritos de minha mãe. Eu fiquei parada lá fora, remi já não estava mais a vista, os gritos da minha mãe eram bem audíveis. Começou a chover, eu não sentia muito bem os pingos da chuva. Humanos, como são ridículos. Depois eu sou a aberração.

Naquele momento percebi o quão os humanos são fracos e inúteis, completamente descartáveis. Não posso confiar em nenhum deles, até mesmo nos que possuem dons como eu, se é que existem mais, com esses eu preciso tomar maior cuidado. Então estava decidido. Eu não confiaria mais em ninguém além de mim mesma.

Peguei minha mochila encharcada e a coloquei no ombro novamente não me importando em me molhar mais ainda. Caminhei para entrar em casa, ignorei meu pai abusando de minha mãe na cozinha, como se eles não existissem, pois naquele momento, nada mais importava, meu mundo se desabou, perdi minha melhor amiga, meu namorado e meu irmão. Entrei no quarto, larguei a mochila em um canto, peguei Browny, o abracei e deitei na cama de Remi. Não fiz questão de trocar minhas roupas molhadas, eu só queria me deitar. 

Não me lembro de ter dormido aquela noite, só me lembro de que mal pisquei e os raios de Sol invadiram o quarto incomodando meus olhos.


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