Fazia quatro dias que eu não ia à praia. Quatro dias sem ver Gabriel ou Victor. Milhões de mensagens que eu não responderia. E sete dias para começarem as drogas das aulas.
 Eu estava tentando evitar falar com minha mãe a qualquer custo, não queria discutir com ela, ou conversar com ela. Se eu já havia passado dezesseis anos sem saber das coisas mais importantes da minha vida, alguns míseros dias não ia fazer falta, eu só precisava de um pouco de tempo, absorver algumas coisas e me acostumar com outras.
 Fui para o centro comprar meu material escolar. Mamãe sempre deixara um cartão de crédito para emergências dentro da gaveta de panos da cozinha, tudo bem que aquilo não era uma emergência, mas o orgulho sempre acaba falando mais alto, eu não iria pedir dinheiro a ela.
 Quando cheguei ao centro da cidade, torci fervorosamente para que eu não encontrasse ninguém de minha antiga escola, muito menos... Enfim, entrei em uma papelaria que parecia estar calma, peguei algumas canetas, lápis e borracha. De repente sinto alguém me cutucar, me virei esperando que fosse alguma daquelas atendentes que diz: “Olá moça, posso ajuda-la?”. Antes fosse, assim que me virei vi Ariane, ela estava com uma calça jeans, um All Star preto, os cabelos soltos e lisos ao redor do rosto e com uma camiseta xadrez azul. Ela estava gritando histericamente.
 - Meu Deus! Não acredito que você está aqui! Você também está comprando seu material? Precisa de ajuda? Posso ficar com você? Espero que não diga nada a Beatrice, ela pensa que estou na escola, não posso sair de lá, mas não me contive, eu precisava de canetas coloridas e novas. Você gosta de canetas coloridas? Olha está que linda! – Ariane apontou para uma caneta cor de rosa brilhante em cima do balcão, ela falava rapidamente, sem me dar chance de responder as suas perguntas. Eu a olhei confusa e ela percebeu o meu olhar.
 - Ah! Alice, me desculpe. Assim como naquele dia em que nos conhecemos eu acho que exagerei na minha dose de café puro matinal, eu não devia tomar isso com tanta frequência, mas eu gosto de café, Beatrice acha que devem começar a me servir café sem cafeína, mas qual seria a graça? Você está no programa de honra? Como eu ficaria acordada durante aquelas aulas entediantes sem uma boa dose de cafeína?
 - Espere! – gritei – Você está no programa de honra? – perguntei surpresa. Primeiro Victor, depois Gabriel e agora Ariane também estaria no programa de honra?
 - Hãm... Sim, eu acho... E também acho que falei demais – sussurrou.
 - Ariane, você deve conhecer a escola melhor do que eu então, eu gostaria de te pedir um favor, no primeiro dia de aula você poderia me guiar pela escola? É que eu não conheço nada lá e tenho medo de me perder.
 - Claro! Eu ficaria muito feliz, a propósito, posso te chamar de Ali? Acho Alice um bom nome, mas gosto mesmo é de apelidos, você pode me chamar de Ari se quiser, mas é você quem sabe, não estou te obrigando a nada, eu não me importo com o que você decidir...
 - Ariane, hãm, se você quer mesmo me ajudar, você poderia me dizer... O que é o programa de honra?
 Ariane ficou branca e parou instantaneamente, seus olhos se arregalaram e ela perdeu a fala. Ela se virou indo em direção ao caixa, pagou suas canetas coloridas enquanto eu aguardava sua resposta.
 - Na verdade, - disse ela sussurrando e olhando para baixo – eu não sei.
 - Como assim? Você não sabe? Ninguém sabe? Mas como todos estão entrando nesta turma se nem ao menos sabem o que é?! – eu já estava ficando zangada, estavam escondendo algo de mim.
 Ela olhou para o relógio e depois para mim com uma cara de assustada.
 - Olhe só! Já são três horas da tarde. Preciso ir, antes que Beatrice encontre meu quarto vazio e veja que eu sai da escola. Você pode continuar suas compras sozinha? Ótimo, porque eu realmente não posso ficar. Até logo Ali! Nos vemos na escola!
 Ariane saiu apressada da papelaria, nem deu tempo para que eu pudesse raciocinar o que estava acontecendo. Paguei minhas coisas e saí da loja.
 Entrei em uma segunda loja, não muito distante da primeira, para comprar minha mochila, eu ainda não havia resolvido se iria passar a semana no colégio e voltar para casa nos finais de semana, mas de um jeito ou de outro eu teria que arranjar uma mochila.
 Fui rápida em fazer minha escolha, peguei uma mochila preta e branca, discreta e ao mesmo tempo bonita. Eu não gostava de coisas muito coloridas, nunca gostei de chamar muito a atenção e também nunca fui fã de rosa. Minha cor preferida sempre fora o branco. Lembrava-me peônias. Peônias como a que Gabriel me deu. Tirei rapidamente este pensamento da cabeça. Por que eu ainda insistia em pensar nele mesmo depois de tudo o que havia acontecido?
 Quando me virei para ir em direção ao caixa, esbarrei com uma menina da minha altura, olhos azuis, loira com mechas azuis, ela usava roupas Uma camiseta vermelha, uma calça preta com uma corrente pendurada e botas de couro preto. Ela me fuzilou com os olhos.
 - Olha por onde anda! – disse ela quase gritando.
 - Me- me desculpe!
 - Torça para não nos vermos nunca mais ou você me paga! – a menina se virou rapidamente e saiu andando.
 Ótimo, ganhei uma inimiga. Mas era provável que não nos víssemos novamente.
 Paguei a mochila e fui para casa.
 
 Victor estava de pé na porta de casa.
 - Oi – disse abrindo um meio sorriso.
 - Ah, oi Victor – disse sem dar muita atenção – o que está fazendo aqui?
 - Eu queria conversar com você. Será que é possível?
 - Se for rápido. As aulas começam em uma semana e eu estou me preparando sabe...
 - Entendo, mas eu queria lhe fazer uma pergunta – disse ele e eu curiosa a assenti para que ele a fizesse – Você ficará bem sem mim na escola? Você sentirá minha falta? – ele disse isso com um tom de dor em sua voz.
 - Victor, na verdade eu...
 - Espere, não responda, mas você ficará bem na escola?
 - Victor eu... – e ele me deu um beijo na bochecha, me deixando atordoada por alguns segundos.
 - Victor, me escute, eu... Eu também vou estudar na Primer.
 Ele me olhou assustado, como se o que eu tivesse levado um choque.
 - Você o que?!
 - Antes de você me dizer que iria estudar lá eu já havia feito a matrícula, mas fiquei um pouco atordoada com a sua notícia para lhe contar. Então agora, se me der licença... – disse e fui entrando em casa. Não estava brava, mas não queria conversar, fechei a porta logo atrás de mim, para que ele não entendesse como um convite.
 Fui para meu quarto, arrumei as canetas, os cadernos, coloquei tudo dentro da mochila. Novamente tomei meu banho com a música no último volume.
 Por que Victor e Gabriel adoravam me perseguir? Porque era isso o que havia virado, uma perseguição. Eu gostava muito dos dois... Talvez algo até maior por Gabriel... Não, eu não estava pensando naquilo, me recusava a pensar nesse assunto. De qualquer modo, eu não poderia ter nem um pouco de paz pare respirar, para entender tudo.
 Eu só esperava que a escola não fosse tão ruim, Ariane parecia ser uma menina legal, um pouco louca, mas legal. Sorri ao lembrar o dia em que nos conhecemos. Eu tinha esperanças em descobrir o que era o programa de honra, que provavelmente eu estaria dentro, e que com isso eu finalmente fosse descobrir alguma coisa sobre mim mesma e meu pai.
 Mas para isso, teria que conversar com minha mãe primeiro, o que eu acho que não seria uma coisa fácil.