Querido Diário escrita por Rafaela


Capítulo 6
Capítulo 6


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



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Tudo estava escuro. Meus olhos estavam fechados? As luzes estavam apagadas? Eu estava morta? Não. Eu não podia estar morta, estaca sentindo meu corpo inteiro doer. Ele acertou bem no osso. Eu pisquei, abrindo meus olhos e vi que meu quarto estava todo iluminado. O brilho fazia meus olhos doerem. Eu tentei me mexer mas a dor não me deixava. Meu corpo doía. Doía muito. Olhei para meu braço que estava espalhado na cama, como um animal morto. Marcas roxas por todo meu braço. Hematomas. Era o que aquilo era. Fiquei lá, olhando para as marcas e memórias do dia anterior voltando em minha mente. Tori tentou me proteger. A primeira vez que ele me bateu. As outras milhares de vezes que ele me bateu depois disso. Ele engatinhando na cama, me segurando enquanto tir-

Ouvi alguém subindo as escadas. O pânico se espalhou pelo meu corpo, quando comecei a me mexer para sentar na cama eu parei, a dor me paralizou. Senti como se fosse morrer. Nada aconteceu, fiquei congelada na mesma posição, meu coração acelerado. No momento seguinte minha porta foi aberta e ele ficou lá parado.

- Finalmente acordou.

Estremeci quando ouvi sua voz. Era muito forte. Muito alto. Eu nem tentei responder.

- Você tem escola amanhã. Oak Valley aceitou você. ~ele disse antes de sair do meu quarto e bater a porta~

Eu não tinha certeza, mas aquela escola parecia cheia de professores rigorosos e alunos com nariz empinado. Ou talvez uma escola com adolescentes com "problemas". Claro que ele me mandaria pra uma escola dessas. Uma escola que fosse como um prisão. Como ele queria que eu voltasse para a escola em um dia? Minha pele cheia de marcas e meu corpo doía tanto que eu não podia nem mesmo me mexer. Soltei um suspiro e voltei a deitar na cama, rangendo os dentes contra a dor.  Tirei alguns cobertores de cima de mim, tentando ignorar toda a dor que se espalhava pelo meu corpo a cada movimento. Doía até mesmo para respirar. As horas passaram e eu dormi, ocasionalmente acordando por conta de pesadelos. E talvez também por conta do cansaço, voltei a dormir mas os pesadelos ainda assombravam meu sono.

Quando acordei no dia seguinte raios de luz atravessavam o quarto, o sol brilhando nas paredes escuras. Não podia ser mais cedo que seis horas ou seis e meia. Que horas a escola nova começava? Será que meu pai reparou que eu provavelmente paralizaria no momento que entrasse na escola? Eu bocejei, me espreguiçando um pouco, esquecendo as dores. Mas dessa vez, a dor não correu pelo meu corpo, obviamente doeu um pouco, mas não tão forte quanto no dia anterior. Eu coloquei a mão em cima de uma das marcas e pressionei um pouco e a dor voltou tão forte quanto antes. Eu  rapidamente tirei a mão de cima e deixei um suspiro escapar esperando a dor ir embora. Eu queria que estivesse lá com Tori. Eu provavelmente estaria dormindo na cama, relaxada e feliz e acordaria para mais um dia na Hollywood Arts. Agora eu tinha que me preocupar com os hematomas que marcavam meu corpo e as que em breve eu iria ganhar. Alguns minutos depois minha porta foi aberta e eu vi ele em pé ali, com algo em sua mão. O medo correu por minhas veias e eu sentei rapidamente, indo para trás, ficando o mais longe possível dele. Ele não entrou no quarto, ao invés disso ele jogou o que tinha em sua mão na minha cama. Eu vagarosamente cheguei perto do objeto, desenrolando o que parecia ser um uniforme. Uma saia xadrez que ia até meu tornozelo e uma blusa com mangas longas. Eu teria me recusado e reclamado de vestir isso, mas eu sabia que se eu falasse qualquer palavra ele me bateria novamente, mas eu já tinha dificuldade de me mexer com esses machucadados que já tinha. Então eu apenas levantei da cama, enrolando o cobertor em volta de mim mesma e andei até minha penteadeira, começando a tremer quando cheguei perto dele. Abri uma gaveta e peguei um sutiã e uma calcinha, soltando o cobertor antes de coloca-los. Eu fiquei vermelha, sabia que ele estava olhando para mim. Eu quase conseguia sentir ele olhando para mim. Voltei para minha cama e coloquei o uniforme, fechando os botões da blusa com minhas mãos trêmulas. Eu peguei minha mochila que estava em uma cadeira e pendurei no meu ombro. Quando eu estava pronta, ele entrou no quarto, andando em minha direção. De repente veio em minha cabeça as memórias de quando ele estava me batendo, me jogando na cama. Lágrimas começaram a cair de meus olhos quando ele pegou meu braço. Tudo que podia pensar era o que ele tinha feito para mim. O que ele faria para mim. Ele me puxou para o banheiro e soltou meu braço.

- Tem cinco minutos para ficar pronta.

Então ele saiu. Abri a porta do banheiro e entrei, andando na direção do espelho. Eu fiquei horrorizada com o que vi. Um rosto pálido, sem cor. Cabelo preto que era escuro demais comparado à minha pele, completamente bagunçado. Círculos roxos em volta do meu olho. Não era eu, ou era? Passei a mão pelo meu rosto. Isso era o que eu tinha me tornado. O fantasma de uma garota que costumava ser forte. Eu estava tremendo muito então apenas fechei meus olhos e esperei me acalmar. Quando abri,  eu dei um pulo na frente do espelho. Eu vi um monstro no espelho. Eu vi meu pai. Mas quando olhei para trás não tinha nada. Eu apenas imaginei isso. Eu fiquei repetindo isso para mim mesma enquanto escovava meu cabelo e jogava água quente no meu rosto. Quando peguei a toalha para secar meu rosto eu vi algumas navalhas no balcão da pia. Era como se elas estivesse que estar lá, oferecendo uma fuga de todo esse inferno. Encarei aquilo por alguns minutos, estendi minha mão para pegar uma delas. Não, eu não podia fazer isso. Eu tinha que esperar. Eu tinha que ser paciente. Isso não iria ficar assim por muito tempo. Eu ficaria bem em breve. 

Quando estava tentando fazer meu cabelo ficar apresentável eu ouvi meu pai gritar. - O tempo acabou! ~e ouvi ele voltando para onde eu estava~

Eu passei a escova pelo meu cabelo mais uma vez antes de colocá-la no balcão da pia quando ele apareceu na porta.

- Você está horrível. 

Ele disse, rapidamente tirando o olhar de minha direção, não querendo fazer contato visual. Eu apenas queria fingir que ele não estava lá. Após um momento de silêncio ele falou: - Desça rápido. Vou te levar para a escola. ~eu quase abri minha boca para protestar falando que poderia dirigir sozinha, mas então olhei para ele e fechei minha boca~

Uma discussão não seria uma boa ideia. Eu confirmei com a cabeça, e empurrei ele da minha frente, me surpreendendo que ele não tentou me bater. Desci as escadas, e fiquei esperando na sala de estar. A ideia de sair correndo pela porta e correr veio na minha cabeça, mas o som dele descendo as escadas me fez ficar lá.  Ele apenas pareceu ignorar minha presença, abrindo a porta da casa e andando, olhando para mim em um sinal para segui-lo.  Eu comecei a andar, tendo certeza que ele estava a uma distância segura dele. Na hora que entrei no carro eu instantaneament esenti o pânico subir a minha cabeça. Eu apenas queria abrir a porta e sair correndo. Eu queria sair de perto dele. Mas ele ligou o carro e destruiu minha ideia. Essa ideia não parecia uma das piores mas eu fui esperta suficiente para ficar dentro do carro, rezando para que o resto do caminho fosse o mesmo silêncio que estava agora.

Ele não disse nada na maior parte do caminho, apenas falou uma frase quando chegamos lá:

- É melhor tomar cuidado, não sabe o que vou fazer. 

Eu afirmei com a cabeça. Minhas mãos começaram a tremer novamente. Eu praticamente pulei pra fora do carro e comecei a andar, nem mesmo esperando para ele me dar as instruções de onde eram as salas que eu teria aula. Eu andei na direção da porta da frente. Quando cheguei perto as portas abriram automaticamente, revelando um corredor enorme por dentro. Armários de cor branca por toda a parede. Não tinha grafite nas paredes, nenhuma decoração nos armários, nenhuma criança correndo ou falando com seus amigos. Tinha apenas alguns alunos que  estavam no corredor mas logo depois começaram a ir para as salas. Sabia que teria que parar algum deles e perguntar onde a diretoria era, ou se eles sabiam onde os alunos novos deveriam ir. Vi uma garota que estava pegando livros enormes de dentro de seu armário e andei em direção a ela. Eu parei quando fiquei de frente com ela, o olhar dela passando por mim, eu mentalmente revirei meus olhos. Os alunos estavam acostumados com todos iguais, todos serem perfeitos. 

- Oi, eu sou nova aqui. ~eu comecei mas ela me interrompeu~

- Dá pra perceber. ~ela disse, erguendo suas sobrancelhas, eu estava com vontade de mandar ela se fuder, mas precisava da ajuda de alguém~

- Eu queria saber onde é a diretoria. ~eu falei, tentando manter minha voz sem nenhuma atitude~ Ou se você sabe onde alunos novos devem ir, seria útil também.

Ela soltou um gemido de tédio e eu fiquei mais estressada. Por que é tão difícil me falar onde era?

- Acho que vou ter que te levar lá. Vamos. ~ela virou e começou a andar~

Segui ela, olhando para várias direções para conhecer a escola. Essa escola era como uma prisão. Não tinha janelas, as paredes eram de um branco tão brilhante que os olhos começavam a doer depois de olhar por muito tempo. Todas as portas estavam fechadas, uma placa de "não perturbe" pendurada em todas elas.

- Estamos aqui.

Eu olhei para ela, que agora estava na frente de uma pequena sala, a porta estava aberta. Eu vi uma mulher sentada na mesa, olhando para alguns papéis. Olhei para a garota e depois entrei na sala, pude ouvir o som da menina indo embora. A secretária olhou para mim, tendo a mesma reação que a garota teve quando olhou para mim. 

- Sou aluna nova. Jade West.

Ela confirmou, olhando para alguns papéis em sua mão. 

- Estava olhando suas informações agora mesmo. ~ela disse, com uma voz rouca~

Ótimo, eles tinham minhas informações. Eu estava imaginando que tipo de doença ou problema mental meu pai provavelmente disse que eu tinha.

- Então. O que faço sobre minhas aulas?

- Pedimos para alguns de nossos alunos te ajudar e te mostrar a escola. Madison Johnson vai ser sua guia por esta primeira semana. Eu vou chamar ela. ~ela disse enquanto virava sua cadeira para trás onde tinha um painel com vários botões, apertou um deles e falou:

- Madison Johson para a diretoria por favor. ~ela falou, logo depois soltou o botão~ Pode esperar aqui até ela chegar.

Olhei para as cadeiras atrás de mim e sentei em uma, colocando minha bolsa no meu colo. Eu estava lá por menos de 5 minutos e já odiava aquele lugar. Eu não poderia me imaginar lá pelo resto do dia, nem a próxima semana. Eu queria voltar para a HA. Poderia estar sentada na aula do Sikowitz, fazendo alguma cena de improviso. Poderia estar trabalhando no projeto que escrevemos roteiros para uma peça que sabia que iriamos começar a trabalhar hoje. Em vez disso eu estava presa nesse inferno, e provavelmente ficaria todas as aulas copiando coisas da lousa ou lendo livros e apostilas. Ouvi uma batida na porta, quando virei vi uma garota loira com os cabelos na altura dos ombros. Ela estava olhando para mim, um olhar que já tinha recebido três vezes de outras pessoas só hoje. Fiquei em pé, encarando ela.

- Você é minha guia? ~eu resmunguei e ela fez que sim com a cabeça. A secretária tossiu para chamar atenção e eu virei, ela estava estendendo a mão com alguns papéis para mim~

- Seu horário está aqui. ~ela me entregou e então voltou a digitar algo no computador. Eu olhei novamente para Madison que agora estava com seu celular na mão, mandando uma mensagem pra alguém.

- Vamos, vem comigo. ~ela disse, olhando para cima por um momento antes de andar para fora da diretoria, ainda olhando para seu celular~

Quando eu saí da sala eu sem querer bati meu quadril na porta e tossi por causa da dor que se espalhou pelo meu corpo novamente. Fechei meus olhos por um segundo, rangendo meus dentes e esperando a dor ir embora. Nos próximos segundos a dor melhorou um pouco, o suficiente para eu poder continuar a andar. Madison já estava bem na frente, parecendo não prestar atenção em mim, focando somente em seu celular. Eu segui ela até a sala 104. Aula de matemática. Ela parou em frente a sala, terminando a mensagem e então jogou seu celular dentro do bolso, abrindo a porta. A sala era da mesma cor que o corredor e tudo era totalmente organizado. Papéis estavam em pilhas, carteiras em fileiras totalmente retas e alguns cartazes nas paredes. 

- A aula só começa daqui cinco minutos. ~ela disse, isso era óbvio já que não tinha nenhum professor lá~

Mesmo assim, todos os alunos estavam lá quietos, lendo um livro ou fazendo lição de casa. 

- Você pode sentar perto de mim lá no fundo, eu acho. Tem algumas cadeiras livres. ~segui ela até o final da sala, no canto, olhando as coisas dela em uma cadeira bem no canto da sala.  Eu vi que a carteira ao lado dela estava vazia, então sentei lá, pendurando minha bolsa no encosto da cadeira. Ela pegou o celular novamente e começou a enviar mensagens, eu fiquei olhando, já que não tinha nada para fazer, então uma ideia veio na minha cabeça, minha mente dizendo que era uma ideia estúpida, mas eu decidi ir em frente com ela.

- Ei, Madison, você poderia me emprestar seu celular? Somente por um minuto. ~eu perguntei, ela pareceu surpresa~

- Não tem seu próprio celular? ~ela falou, parando de digitar~

- Eu derrubei e quebrei. ~menti rapidamente~

- Um minuto, é tudo que tem.

- Valeu. ~a página de mensagem já estava aberta então cliquei em "nova mensagem" e escrevi o número de Tori~

"Tori, está aí? É a Jade. Consegui um celular, mas só tenho um minuto para usar"

Eu digitei rapidamente, não queria desperdiçar nenhum segundo. Fiquei com medo que ela não ia responder, mas cerca de cinco segundos após eu digitar "enviar mensagem" o celular vibrou, uma nova mensagem aparecendo na tela. 

"Ai meu Deus Jade. Estava preocupada. Onde você está?

Senti uma explosão de felicidade apenas por ler aquela mensagem.

"Uma nova escola que meu pai me forçou a entrar. Chama Oak Valley."

O celular vibrou novamente. 

"Como conseguiu o celular?"

Eu comecei a escrever, mas antes de responder, outra mensagem foi recebida dela.

"Não se preocupe em responder. Você está vem? O que ele fez para você?"

Eu apaguei o que tinha escrito antes da nova mensagem e comecei a escrever outra.

"Estou um pouco mal. Muita coisa para explicar aqui" 

- O tempo acabou. ~Madison disse, estendendo a mão~

Eu reclamei não querendo devolver na hora. 

The phone vibrated again. Eu rapidamente apertei em "apagar mensagens" na nossa conversa e devolvi para ela, pensando em pedir o celular de alguém, mas ninguém estava com ele em mãos. Eu suspirei, sentindo falta de ler as mensagens que ela me mandou. Eu sentei silenciosamente até o sinal tocar e outros alunos entrarem na sala, um professor entrou seguido de mais alunos. Eles sentaram e pegaram cadernos das mochilas, todos sabiam a rotina da escola. Eu virei para minha mochila e peguei meu caderno que estava cheio de rabiscos e apenas algumas anotações, e abri em uma folha limpa. O professor pegou seu notebook, digitou algumas coisas antes de andar na direção da lousa digital, as anotações que ele tinha digitado no notebook logo apareceram na lousa e os alunos começaram a anotar sem mesmo precisar do professor pedir. Eu peguei um lápis e comecei a copiar, bem mais devagar que outros alunos. Eu perdi muita informação devido a velocidade do professor mudar para o próximo slide, mas eu consegui pegar algumas coisas anotando no caderno. Quando todo mundo terminou de copiar o professor nos mandou pegar nossos livros de matemática. Quando eu estava prestes a levantar a mão para perguntar onde eu poderia pegar os livros, quando uma campainha foi ouvida, somente na nossa sala e eu rapidamente reconheci a voz da secretária.

- Sr. Byner? ~ela perguntou, o som estava ruim~

- Sim? ~ele disse, olhando para a caixa de som de onde o som vinha~

- Preciso de Jade West na diretoria por favor. ~eu fiquei meio confusa, por que ela precisava de mim? Ela achou mais papéis que eu precisava?

Ele olhou para mim. - Tudo bem, vou mandar ela para sua sala. ~eu coloquei meu lápis e caderno na minha bolsa e coloquei no meu ombro, andando em direção a porta, abri e rapidamente fechei por trás de mim~ 

Andei até a sala dela, quando estava chegando lá eu vi alguém perto da porta, a voz da secretária foi ficando mais alta a cada passo que eu dava em direção à sala.

Não acreditei em quem eu vi em frente à mesa dela. Tori. Quando eu cheguei lá  ela olhou para mim, praticamente rindo para mim,  colocando seus braços em volta do meu corpo e me apertando bem forte em um abraço. Eu fechei meus olhos, tentando ignorar a dor dos machucados. Pareceu não doer tanto pois era ELA que estava me abraçando. Após alguns segundos ela deu um passo pra trás, olhando para mim com uma cara confusa, e eu lembrei que eu ainda parecia terrível. Ela virou para a secretária que olhava para nós com um olhar de reprovação.

- Senhorita Vega, aqui-

- Meu nome é Tori. Não "senhorita Vega". 

A secretária ficou quieta por um momento e então começou a falar.

- Tori disse que está aqui para te buscar.  Eu disse que ela não tem direito-

- Jade é minha namorada. Tenho todo direito de buscar ela.

Ela disse, e então colocou seu braço em volta do meu quadril. Eu não acreditei no que ouvi. Tori olhou para mim, quase falando "apenas continua" e eu não queria parar, então concordei com a cabeça, ignorando o olhar de desgosto que a secretária tinha em seu rosto. 

- E eu não preciso estar aqui. Posso sair a hora que eu quiser. ~claro que eu não falaria uma coisa dessas sozinha, mas Tori estava lá, de certa forma era verdade, eu não queria estar lá. Eu não precisava ir para a escola se eu não quisesse. A única coisa que me mantinha lá era o meu medo do meu pai, mas eu me sentia milhões de vezes mais segura com Tori ao meu lado, como se nada pudesse me machucar agora.

A secretária deixou um suspiro escapar e então concordou.

- Vou falar para os professores que você vai ficar o resto do dia fora. ~ela disse escrevendo algumas coisas em um papel~

- Vou ficar fora mais que um dia. Eu não vou voltar. Não pelo resto do ano. Eu vou voltar apenas para devolver esse negócio estúpido. ~eu falei, apontando para o uniforme~ Mas só isso.

- Tenho certeza que seu pai vai ficar triste ao ouvir isso. ~ela disse, tentando manter sua voz calma~

- Não ligo para o que ele pensa. ~virei para Tori~ Vamos. 

Então andamos para fora da sala, em direção a saída da escola. Eu estava escapando desse lugar muito antes do planejado. Enquanto andamos no corredor, Tori mantinhha seu braço em volta de mim, me puxando para perto dela. Apenas ter ela comigo já me fazia relaxar. Eu podia até esquecer o perigo do meu pai, focando em Tori, ao invés de pensar isso.  Saímos da escola pelas portas automáticas e fomos até o estacionamento. O carro de Trina. Então significava que Trina estaria conosco o caminho inteiro.

- Você realmente precisa de uma carteira de motorista. ~eu sorri, olhando para ela~

Ela revirou os olhos, mas estava sorrindo. 

- Então eu não poderia ir em caronas com você. poderia?

Eu ri. - Bem observado. 

Chegamos mais perto e eu podia ver Trina no banco do motorista, fones nos ouvidos, sem dúvidas tentando cantar algo. Tori abriu a porta de trás e eu entrei, seguida por Tori. 

- Trina? ~Tori disse, colocando o dedo no ombro dela, Trina olhou, bufando enquanto pausava a música~

- O que foi? ~ela soltou um gemido~

- Pode nos levar para casa? ~Tori perguntou, Trina apenas concordou~

Ela ligou a música novamente, cantando bem alto. Tori estava segurando minha mão, acariciando-a com seu dedo. Eu soltei um suspiro, fechando meus olhos, finalmente relaxando um pouco. Eu nem percebi o que fiz quando abracei ela e me deitei em seu ombro. Quando eu percebi o que tinha feito eu quase me levantei, mas olhei para ela, que estava sorrindo, usando a mão, que não estava segurando a minha, para passar no meu cabelo. Fechei meus olhos novamente, aproveitando a sensação de ter meu corpo perto do dela, não tendo que me preocupar com nada.

Eu devo ter dormido durante o caminho porque pude sentir alguém me chacoalhando levemente, tentando me acordar. Eu bocejei, abrindo meus olhos, vendo que ela estava em cima de mim, olhei pela janela, vendo que estávamos na casa dela agora. Trina ainda estava sentada no banco da frente do carro, cantando algum rap.

- Como eu dormi com isso cantando? ~olhei para Trina~

- Você se acostuma. ~Tori riu~ Vamos lá, vamos entrar. Eu já tive permissão para faltar o resto do dia na escola, você pode me contar o que aconteceu com...

Ela parou, eu sabia do que ela estava falando. Eu apenas concordei, olhando para ela enquanto ela saía do carro, segui ela, andamos para a casa, esperando Tori acenou para Trina. Trina confirmou e saiu. Tori virou para a porta, abriu, saindo da frente. 

- Primeiro as damas. ~ela disse, fingindo uma voz de homem~

Ergui minha sobrancelha. - Você acha que sou uma dama? ~eu ri~

- Ah, cala boca e entra, estou tentando ser engraçada. ~Tori disse, revirando os olhos~

- Se você insiste. ~respondi, entrando e sentando no sofá~

Agora eu sentia que estava em casa. Tori entrou e fechou a porta e sentou no sofá. Ela estava prestes a sentar, então parou, olhando para meu uniforme.

- Acredito que queira trocar de roupa? Uma blusa branca e uma saia não é muito estilo da Jade.

- Nesse ponto eu aceitaria até uma camiseta rosa. 

- Então vou pegar minha camiseta rosa mais brilhante. ~ela provocou~

Ela subiu as escadas, os sons dos passos dela se afastando. Comecei a desabotoar a blusa, tirando e jogando para o lado, olhando ela cair no chão. Olhei para as marcas que agora estavam visíveis. Tinham muitas delas. Muitas até demais para contar. Ouvi ela voltando e virei para ela, olhando ela pular o último degrau e com algumas roupas em suas mãos. Eu fiquei em pé e vi a cara de horror que ela vez quando viu todos aqueles machucados. 

- E isso é só uma parte de o que ele fez.

- Ai meu Deus. Jade. ~a voz dela estava baixa, ela andou em minha direção, me dando as roupas~ Eu não acredito que ele teve coragem de- ~o queixo dela caiu, em choque~  Está doendo muito? Quer que eu pegue remédio para dor?

Coloquei a camiseta cinza que ela trouxe para mim, então tirei a saia que estava usando, chutando longe e coloquei a calça preta que ela tinha trazido.

- Não está tão ruim agora. Quando eu toco qualquer uma delas a dor se torna insuportável. ~eu disse, enquanto colocava o moletom que ela trouxe~ 

As roupas me fizeram mais confortável e melhor, elas tinham o cheiro de Tori, o que fazia eu me sentir ainda melhor.  Sentei no sofá e ela fez o mesmo.

- O que mais ele fez com você? ~ela perguntou , eu sentia o horror subindo pelo meu corpo~

O horror que eu sentia toda vez que pensava nele. Não respondi ela, fiquei olhando para o chão.

- Jade? ~senti ela colocar a mão em minha perna~

- Ele... ~comecei, e já estava sentindo vontade de chorar. Limpei as lágrimas, tentando deixar minha voz estável. Olhei para ela e comecei a me aproximar dela, a abraçando bem forte, colocando meu rosto em seu pescoço, não me importando em parar de soluçar de tanto chorar~

Ela passou a mão em minhas costas. -Shhh...Eu prometo que tudo vai ficar bem, Jade. Eu não deixarei ele encostar nenhum dedo em você. ~ela sussurrou em meu ouvido~

Me acalmei um pouco, meu choro diminuiu mais e mais até que parei de chorar. Me afastei para que conseguisse olhar para ela.

Eu respirei fundo, limpando as lágrimas do meu rosto. 

- Ele...me estuprou.

Eu paralizei, minha voz tão baixa que foi difícil para ela ouvir. Mordi meu lábio, lágrimas ameaçando a cair novamente. Eu não queria chorar mais.

A expressão dela mudou de horror para raiva. Ela ficou em silêncio por um minuto e então ficou em pé, andando em direção ao lugar que ela deixou sua bolsa, pegando seu celular. Ela discou um número e colocou o celular no ouvido dela. Esperei em silêncio, o único som era do celular dela chamando. Um momento depois ouvi a voz de alguém, definitivamente um homem, vinda do telefone. Eu entrei em pânico pensando que ela tinha ligado para o meu pai, mas o que ela disse depois me fez relaxar.

- Pai? Está aí? ~ela perguntou, esperando por uma resposta, eu não podia entender o que o pai dela dizia, mas sabia que ele estava falando.  Vi ela olhando para mim por um momento.

- Você lembra da minha... ~ela pausou por alguns segundos~ Minha amiga Jade? ~outra resposta de seu pai, então ela tirou o telefone da orelha dela para que ele não a ouvisse~ Quer contar para ele o que aconteceu? Ou quer que eu conte?

- Você conta. Eu provavelmente começaria a chorar se tivesse que contar. ~eu respondi, ela concordou, colocando o telefone novamente em sua orelha~

- O pai dela expulsou ela de casa há um tempo. Ela ficou aqui em casa e ele veio para cá dois dias atrás. Ele gritou com ela, bateu nela. Muitas vezes. Ela está com marcas em todo o corpo. E...ele a estuprou. ~ouvir aquilo em voz alta me fez querer vomitar. Fechei meus olhos, tentando relaxar, tentando tirar ele da minha mente. Tori continuou falando com o pai dela, mas eu não me importei em prestar atenção~

- Jade? Nós -meu pai- precisa saber onde ele mora. O endereço dele basicamente. 

- 56, Moore Street.  ~ela concordou com a cabeça e repetiu o endereço para o pai, falou mais algumas coisas e então desligou, colocando o celular de volta na bolsa e andou até o sofá, sentando ao meu lado novamente.

- Ele disse que já mandou pessoas para prende-lo. Pode ficar aqui por quanto tempo quiser. ~ela disse, pausando por um momento antes de começar a sorrir~ Na verdade, você está presa comigo para sempre. Não vou deixar você ir. ~ela brincou, pegando minha mão e apertando, não pude evitar de sorrir. A ideia de ficar lá com ela me fez me sentir um milhão de vezes melhor. 

- Ah, e... ~ela começou, parecendo meio nervosa~

- Sim?

- Não precisa responder isso, mas... ~ela pausou~ Seu pai disse algo sobre... ~ela parou, sem terminar nenhuma frase, mas eu sabia o que ela queria saber~

Comecei a ficar nervosa, não tinha certeza se deveria continuar ou dizer que não queria falar sobre isso.

- Ah, isso.

Eu comecei, olhando para nossas mãos que estavam juntas. Eu poderia ficar sentada lá para sempre, pensando se deveria dizer para ela ou não, mas eu tinha que fazer algo rápido.

- Deixei minhas coisas aqui, não é?

- Sim.

- Ok, um segundo, eu já volto. ~eu disse, me levantando e indo em direção as escadas, subindo devagar para o quarto dela. Minhas bolsas no canto do quarto, sentei no chão e abri o bolso lateral, puxando o objeto e olhando para ele, olhando para a única coisa que tinha escrito. Ainda segurando aquilo, eu fiquei em pé e voltei, descendo as escadas. Ela estava esperando no sofá, de costas para a escada. Cheguei até o sofá e sentei ao lado dela, entregando o diário, meu coração acelerado.

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Notas finais do capítulo

Hmmmmmm o que será que vai acontecer?
Espero que tenham gostado :)



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