Love Bites escrita por SilenceMaker


Capítulo 2
Lovesick Fool


Notas iniciais do capítulo

Yoo! o/
Esse capítulo está horrível!! XD Espero que, se alguém ainda estiver disposto a ler essa bagaça aqui, me perdoe. O próximo (e último) capítulo vai ser melhor, eu juro. Esse é mais um de transição e justificação do que qualquer coisa, mas...
Enfim, perdão pelos erros, blah-blah-blah...
TÍTULO DO CAP: The Cab - Lovesick Fool



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Ren gostava de andar, mas andar sozinho. Naquele dia tinha escolhido caminhar de noite, apesar de ser perigoso ficar até tarde na rua e apesar de ele ter aula no dia seguinte. Ele não podia se importar menos.

Dessa vez com uma blusa de mangas compridas, calça jeans e um tipo de gorro na cabeça, Ele andava lentamente pela calçada do centro da cidade, observando as luzes coloridas dos prédios altos. Não que ele sentisse muita admiração pela civilização, mas as luzes artificiais do centro são bonitas.

Ren nem se preocupava em esbarrar em alguém; as poucas pessoas ainda na rua àquela hora desviavam do garoto. Ele não se preocupava nem um pouco também com os possíveis assaltantes que pudesse encontrar, não levava nada nos bolsos mesmo.

Olhando para cima, ele se concentrou em um pássaro branco que voava perto das janelas de um prédio. Ren parou de andar e acompanhou com o olhar a ave planar até o chão, bem próxima dele, e pousar ao lado de um outro pássaro. Observou silenciosamente enquanto esse outro pássaro — cinza, por sua vez — encarava avidamente o branco, como se o mesmo tivesse feito algo muito errado. Aos poucos isso lhe lembrou uma coisa…

Lhe lembrou a vez em que Kenjiro quebrara por acidente a janela de uma casa e por causa da expressão culpada que ele carregara durante o dia todo, Ren acabou suspeitando e ficou encarando o amigo até que ele confessasse. Fazia o quê, dois anos? Três no máximo? Não era tanto tempo assim…

Deu uma risadinha baixa, mas calorosa, com a lembrança. Kenjiro era mesmo uma pessoa incrível, visto que, atualmente, mesmo sem trocar uma única palavra com ele, Ren continuava gostando do rapaz com a mesma intensidade do primeiro dia. Piegas, mas verdade.

Com um suspiro pesado, Ren girou nos calcanhares e começou a refazer o caminho pelo qual viera, voltando para casa.



* * *



Por que o seu pai insistira que devia estudar em uma escola normal e não em casa? Isso é um pesadelo! E o pior de tudo é ter que aturar comentários de gente que senta a sua volta, e com quem nunca conversou antes, insistindo que ele devia cortar o cabelo logo. Ren quase lhes deu um soco na cara.

Ao invés disso — após responder cada uma das pessoas um "talvez eu corte" —, com um suspiro pesado, ele aumentou o som do fone de ouvido, até sentir que poderia ficar surdo com a música. Seus lábios se curvaram em algo que parecia ser um sorriso relaxado, mas não dava para ter muita certeza.

E assim o dia passou. Com Ren tendo mais certeza ainda que ficaria preso na final e que provavelmente precisaria até mesmo contratar uma professora particular para não reprovar, mas não se sentia muito mal por isso. Era mais dinheiro para extorquir de seu pai, afinal de contas, o que talvez o levasse a maneirar no álcool e consequentemente não aparecer mais na porta de Ren, caindo de tão embriagado.

Essa era exatamente a ideia de Ren. Ele odiava o cheiro que ficava na sala depois disso.

Dando graças aos céus para o intervalo que não demorou a chegar, ele colocou o celular no bolso e saiu porta afora, pensando aonde a maré de alunos no corredor o levaria naquele dia. Como sempre, foi parar na cantina.

Ren não comprava mais lanche lá, mas não levava de casa também — ele não sabia cozinhar. Sendo assim, saía dos terrenos da escola para ir à uma lanchonete pertinho. Francamente, batatas fritas são muito melhores que aquele frango empanado de gosto estranho da cantina do colégio.

Voltando lentamente para a escola, Ren abaixou um pouco o volume ensurdecedor da música para ouvir os carros vindo e saber se algum estava prestes a lhe atropelar ou não. Atravessou lentamente as três faixas da pista até pisar novamente na calçada. Andou e andou, entrou na escola, subiu as escadas, passou pelo banheiro…

— Kin, o que pensa que está fazendo? Qualquer um pode ouvir aqui!

Ren parou de andar. Aquela voz… era de Kenjiro, não era? Um sussuro, mas não deixava de ser a voz dele.

Automaticamente, mas sem realmente querer fazê-lo, virou a cabeça para o lado.

Uma figura loira que amava academia estava de bruços por cima de uma outra pessoa maior, sem a saia do uniforme e sem a camisa já. Claro, obviamente, evidentemente, Kenjiro estava por baixo.

A expressão de Ren se transformou em uma cômica de incredulidade e seu queixo despencou. Que porra é essa? Ela não tem um pingo de vergonha?

Balançando a cabeça levemente para que seu cérebro voltasse a funcionar, Ren virou as costas para o banheiro — masculino, aliás — e continuou andando pelo corredor. Se ele se arrependia de não ter afogado Kin na privada? Sim, se arrependia.



* * *



Ah, que alegria! Ren não esbarrou mais com o casal indecente pelos dias seguintes! Ele poderia dançar de tanta felicidade se o motivo para não tê-los visto fosse melhor.

Ren tropeçou nos cadarços desamarrados e caiu da escada um pouco depois das aulas acabarem (no mesmo dia em que viu Kin e Kenjiro no banheiro masculino) e torceu o tornozelo. Isso o deixou no hospital por várias horas, e depois em casa por muito mais tempo, até que a fratura no antebraço direito lhe permitisse usar muletas. Havia também algo errado com uma de suas costelas, porque sempre que ele encostava alguma coisa ali, doía como se o diabo estivesse mordendo. Mesmo assim ele se recusou a ir para a escola quando melhorou e ter gente tirando sarro dele por causa da sua idiotice em não amarrar os próprios sapatos.

Felizmente o médico lhe receitou um analgésico — tão forte que lhe deixou a ver fantasminhas brancos por um bom tempo, mas que também tirou toda a dor possível de qualquer parte do seu corpo. Assim que teve certeza que não daria um grito por alucinar duendes imaginários no corredor, Ren saiu da cama.

Cambaleou um pouco por causa do tornozelo fraco, mas conseguiu andar com o apoio da parede. Feliz por morar em um flat — consequentemente, sem escadas —, Ren andou até a cozinha. Estava farto das comidas saudavelmente saudáveis que seu pai insistia em lhe trazer no quarto, mas ainda assim ficou satisfeito por ele ter entrado em pânico por causa do acidente a ponto de ir todos os dias à sua casa para cozinhar.

Aborrecido, mas satisfeito.

Ren abriu a geladeira, procurando algum bolo de chocolate que pudesse ter sobrado em sua gaveta escondida na base do eletrodoméstico. Estava escondido porque seu pai jogava fora qualquer bolo que visse pela frente, desde que em sua festa de casamento sem querer caiu em cima do bolo de cinco andares e passou o maior vexame de toda a sua vida.

Tinha o restinho de seu bolo de aniversário (velho) na tal gaveta escondida. Se ainda estava bom para comer, isso ele não sabia. Do mesmo jeito, ajoelhou-se com cuidado para não cair e, de alguma forma, conseguiu cortar um pedaço generoso e colocar no primeiro prato que alcançou. Feito isso, levantou lentamente e foi até a janela da cozinha, sentando-se nela. Enquanto mastigava, lembrava-se do motivo pelo qual passara o aniversário sozinho.

De alguma forma tudo se resumia a Kin, pois seu pai nunca se lembraria disso nem se fosse pago — Takemaru sempre se embebedava durante esse dia, já que era, além do aniversário de Ren, o aniversário de morte de Hana.

Agora voltando ao problema com Kin. Ela conseguiu tirar a única coisa que dava felicidade à vida de Ren: Kenjiro. E como o problema do aniversário é culpa dela? Muito simples. Caiu numa quarta-feira e Ren estava matando aula no telhado, o que depois ele desejou não ter feito. Enquanto voltava para a sala, ele ouviu uma discussão não muito discreta vinda de algum corredor perto.

Confuso, foi rapidamente ao tal corredor e espiou atrás da "esquina". Não dava para enxergar muita coisa, o corredor estava escuro. Ele só via uma tão odiada e bem cuidada cabeleira loira ondulada e na frente dela outra pessoa que ele sabia quem era também. Apurou os ouvidos.

Kin, a garota loira que gesticulava energicamente, tinha uma expressão zangada na face. Kenjiro era a tal pessoa na frente dela, julgando pela voz e pela silhueta, e pelo seu tom de voz ele também estava zangado. Ren ficou surpreso; ele nunca vira os dois brigando. Resolveu prestar atenção nas palavras para descobrir o motivo de eles discutirem. Ficou mais surpreso ainda quando ouviu:

— Mas se fosse o seu aniversário você iria gostar que lembrassem! — falou Kenjiro de uma maneira tão furiosa que Ren chegou a se assustar; nunca havia o visto bravo dessa maneira.

— Claro! — respondeu Kin como se fosse óbvio. — Eu sou diferente dele!

— Diferente, mas não de um jeito bom, não é? — Ele deu um sorriso sarcástico. — Diferente dele, você é uma vagabunda.

A boca cheia de batom de Kin se abriu em choque — coincidentemente da mesma maneira que a de Ren —, como se ela fosse responder impulsivamente, mas por fim respirou fundo e fechou-a. Ela deu um sorrisinho nada agradável para o namorado e ficou na ponta dos pés, sussurrando algo em seu ouvido. Ren olhou em curiosidade para a reação de Kenjiro, mas não gostou nem um pouco dela.

Os olhos dele se arregalaram quando Kin se afastou e algo neles indicava que lágrimas estavam se formando, mas não caíram. Por fim ele franziu as sobrancelhas e não disse mais nada. A garota, satisfeita, deu as costas e foi para o lado oposto ao que Ren estava, sumindo na virada do corredor. Kenjiro demorou mais um pouco, mas logo seguiu-a, segurando algo que Ren não conseguiu ver o que era.

Ren sabia que Kenjiro estava falando de seu aniversário e que provavelmente queria dar os parabéns, então ficou muito triste quando Kin o proibiu de fazê-lo. E foi assim que, deprimido, Ren nem acendeu as velinhas naquele dia, devorando metade do bolo antes de ir dormir.

"É, aquele dia foi ruim", pensou Ren, lambendo o restinho de brigadeiro do garfo. "E o pior é que foi algumas semanas atrás. Ainda estou deprimido por causa disso." Levantou preguiçosamente o olhar do prato sujo de chocolate e olhou para a rua à frente.

Ele começou a morar naquele ano em um daqueles conjuntos de flats que não são realmente um prédio; daqueles que ficam meramente em uma elevação de um andar do chão com uma escada para ligá-los ao resto do mundo. Em outras palavras: barato o suficiente e perfeito para estudantes.

De vizinhos ele tinha uma moça de 21 anos que fazia faculdade de arquitetura, um rapaz do primeiro ano do ensino médio (com esse ele quase nunca conversou, mal-humorado demais), um garoto da mesma idade que saía cedo de casa e voltava tarde, um par de irmãos (uma garota e um garoto, um ano mais velho) e um cara de 18 anos na faculdade de engenharia. Um dos apartamentos estava desocupado. Algumas pessoas que moravam nas casas em volta estranhavam a calmaria do conjunto de flats, porque geralmente quando tantos jovens moram juntos tem muita bagunça. O truque para o silêncio era muito simples: ninguém se metia na vida de ninguém.

Sons de passos na calçada tiraram Ren bruscamente de seus devaneios. Seu olhar se focou de imediato, procurando alguém na rua. Mesmo alguns minutos depois, esperando, ninguém apareceu e ele concluiu que tinha imaginado coisas.

Quando suas costas começaram a doer, Ren levantou-se vagarosamente da janela e deixou o prato na pia da cozinha, mancando sem pressa até o sofá da sala e ligando a televisão. Fez uma de suas corriqueiras caretas e mudou de canal. Não, esse também não. Mudou de novo. E de novo. E de novo. E de novo. E de novo. E perdeu a paciência. Apertou com força o botão de desligar a televisão.

"Por que todos os filmes de hoje têm que ter como protagonista uma loira enjoada?!", pensou Ren com raiva, jogando o controle no chão. "E se não é loira é uma morena toda sensual e atraente. Qual o problema com garotos? Ah, sim, somos planos e não é normal passar um filme na TV sobre um relacionamento homossexual. Homossexualidade é uma anormalidade, pelo que parece." E esse pensamento levou de volta para Kenjiro e de como ele nunca iria querer um relacionamento homossexual.

— Puta merda — murmurou Ren, dando-se um tapa na cara.

Sentindo com alívio os pensamentos sumindo com a ardência da bochecha, Ren colocou-se de pé novamente. A ardência era passageira, então essa solução para afugentar pensamentos era passageira também — e Ren não tinha energia o suficiente para se dar um tapa a cada minuto. Tinha que pensar em alguma outra coisa…

Ah, o analgésico!

Um minuto depois, em meio ao gesto de levar o comprimido à boca, Ren lembrou-se que remédio em excesso pode matar. Imagine ainda um forte daqueles! "Mas foda-se", decidiu-se ele por fim, colocando o comprimido branco sobre a língua e tomando um copo d'água para engolí-lo. "Ninguém vai sentir a minha falta se eu morrer mesmo."

Enquanto andava de volta para o quarto, Ren pensou tristemente que geralmente durante aquela hora (por volta de quatro da tarde) ele saía para dar uma caminhada no parque, e agora, por causa de um maldito cadarço desamarrado, ele estava confinado em casa.

Ren pegou uma das caixas de mudança do começo do ano — e que por acaso esquecera de mexer até então —, escondida debaixo da cama, para ver se tinha algo lá para fazer. Havia uma agenda, uma embalagem de roupa de cama novinha (talvez ele precisasse lavar antes de usar), um carregador de celular sobressalente para o caso de ele perder o dele, e mais um monte de tralhas que talvez — ou não — viessem a ser úteis. Tudo ia normalmente, até que encontrou uma coisa estranha lá no meio.

— Uma boneca? — disse Ren consigo mesmo, arqueando a sobrancelha, levantando uma Barbie de vestido de casamento. — Como isso veio parar aqui? Opa, é, acho que sei…

Como Ren nada mais disse, tomo eu a iniciativa de dizer o que lhe passou por sua cabeça: alguns dias antes de ele se mudar, sua priminha de sete anos tinha ido visitá-los junto com sua coleção infinita de Barbies e deve ter derrubado alguma lá dentro enquanto isso.

Ren odiava Barbies.

Ele não sabe desde quando, mas no exato momento ele odeia Barbies. Talvez ele tivesse passado a odiar qualquer coisa remotamente loira (menos cachorros) desde que Kin apareceu. Aliás, ela era como uma Barbie, só que sem aquela personalidade perfeita da Barbie nos filmes.

Filmes lembram a televisão que ele acabara de desligar. E isso lembra o motivo pelo qual ele a desligara. E toda essa merda lembra Kenjiro.

Ren jogou longe a boneca vestida de noiva e deu um choramingo derrotado. Nunca esqueceria Kenjiro e teria que aceitar isso logo antes que ficasse louco.

Quando começou a sentir a cabeça esvaziar e ver os fantasminhas dançarem na sua frente, ele achou melhor ir para a cama e deitar um pouco. Ficou satisfeito em ver que o analgésico estava finalmente fazendo efeito. Mas assim que tentou se levantar, o tornozelo que se recuperava da torção cedeu e o fez cair com um barulho seco.

O tapete era bom o suficiente.

Completamente entorpecido, Ren sentiu suas pálpebras pesarem lentamente e o quarto sumindo de vista. De boa vontade cedeu ao sono, que lhe atingiu com força total após a noite anterior de pura insônia por causa da maldita costela machucada.



* * *



— Ai, meu Deus! Você ainda está vivo? Ren! Está vivo? Ah, está acordando! Ainda bem, pensei que tivesse batido as botas!

Piscou uma vez.

Quem diabos tá gritando desse jeito? Tá tudo borrado…

Piscou mais uma vez.

Kenjiro? Será que é um sonho? Pode ser… Ele nunca soube que eu me mudei para cá.

Piscou uma terceira e última vez.

O rosto sorridente de Kenjiro não entrou em foco do mesmo jeito. Estou sem óculos? E estou na minha cama?

— Bom dia, Sleepy Beauty — disse ele.

Por que eu estou vendo ele tão perto?

E foi aí que Ren entendeu, arregalou os olhos e deu um grito. Um grito muito alto, por sinal.

Kenjiro levou um susto e deu um pulo. Abriu a boca para perguntar se estava tudo bem, mas quase teve a sua língua decepada quando Ren se pôs sentado do nada e sua testa bateu com tudo no queixo do mais alto.

— OUCH! — exclamou Ren, encolhendo-se e levando as mãos para a testa. Ele levantou com raiva os olhos para Kenjiro. — O que raios está fazendo aqui?! Aliás, como me achou?!

Kenjiro massageou o queixo dolorido antes de responder.

— É uma história meio longa — disse. — Quer mesmo saber?

— Se eu quero saber como um cara que não vejo há um tempão de repente se materializou na minha casa, sim eu quero — retrucou Ren de mal-humor, estendendo o braço para pegar os óculos na mesa de cabeceira ao lado.

— Primeiro vou dizer como soube que estava aqui, antes que ligue para a polícia.

— Ótima ideia.

— A verdade mesmo é que eu te segui do colégio para cá. E não me chame de stalker!

— Stalker.

— Calma, vai, já vou explicar o motivo!

Ren teve que reprimir a risada que ameaçou sair com o biquinho que Kenjiro fez. Ele realmente não mudou nada…

— Então — disse Kenjiro —, seu aniversário foi um tempinho atrás, né? Ah, a propósito, feliz aniversário.

Naquele momento Ren poderia chorar de felicidade, mas escondeu essa felicidade toda em baixo da carranca do ainda existente mal-humor.

— Eu comprei um presente para você no dia anterior ao seu aniversário — continuou o outro — e queria te entregar durante o intervalo, depois, mas Kin não deixou, aí eu decidi ir até a sua casa dar o presente. Fui até lá, mas seu pai disse que você tinha se mudado e me deu o endereço daqui. O problema é que no caminho para cá eu perdi o papel e não tinha memorizado nada ainda. Por isso, no dia seguinte, te segui do colégio. Mas demorei até encontrar de volta o negócio na minha mochila, e quando finalmente achei e bati na sua porta, você tinha saído.

Ren escondeu no cobertor uma expressão culpada. Provavelmente Kenjiro havia aparecido pelas quatro da tarde enquanto ele saía.

— Você podia ter vindo qualquer dia desses — disse Ren, escondendo mais ainda o rosto por causa do ligeiro rubor que lhe cobriu a face. — Eu fiquei de molho em casa. O que me leva à pergunta inicial: o que está fazendo aqui?

— Ora — respondeu Kenjiro —, eu já disse que…

— Não. Você falou do meu aniversário, e hoje não é mais o meu aniversário. O que te trouxe aqui hoje?

— Eu tinha esquecido de deixar a caixa do presente no seu correio e só lembrei depois da escola, aí eu vim. Quando cheguei perto daqui eu enxerguei você sentado em uma janela, então me escondi.

Os olhos azuis-violetas de Ren se arregalaram.

— AH! — exclamou ele, fazendo Kenjiro dar mais um pulo. — Então foi você que eu escutei!

— Nossa, então eu devia ter sido mais silencioso.

— E por que se escondeu? — Seu tom de voz saiu meio magoado, mas ele próprio não percebeu.

— Ouvi dizer que você não queria mais me ver nem pintado de ouro.

Ren amarrou a cara e, embora já imaginasse a resposta, perguntou em tom falsamente doce:

— Quem disse?

— Kin — veio a resposta.

Que vontade de bater nele. Não, que vontade de bater nos dois.

— Ah — disse Ren, a voz agora morbidamente doce —, claro, a Kin-san. — O nome da garota foi enfatizado desagradavelmente. — E como ela vai?

Kenjiro hesitou perante a expressão momentaneamente sombria do outro, mas respondeu quando dita expressão voltou ao normal:

— Bem.

— E como anda a relação de vocês?

Ren lançou-lhe o mesmo olhar que usava quando os dois ainda eram amigos: o que lhe desafiava a mentir. Kenjiro pensou antes de responder, mas por fim desistiu e suspirou.

— É… — falou. — Mais ou menos, para ser franco.

— Oh — Ren tentou fingir surpresa. — E por quê? Vocês brigaram ou coisa do tipo?

— Como adivinhou? — Sua expressão era curiosa.

— Palpite. É o que geralmente acontece para os casais não estarem bem.

No rosto de Kenjiro surgiu um olhar ligeiramente deprimido.

— Verdade… — disse baixinho, desviando o olhar para os cobertores beges da cama.

Ren se sentiu sem graça também, por algum motivo, e de repente a parede lhe pareceu muito interessante. Interessante por um minuto ou dois, porque depois disso o silêncio incômodo ficou aborrecedor.

— Então — recomeçou ele, atraindo mais uma vez a atenção de Kenjiro — onde está o meu presente? Fiquei curioso para saber o que é.

Um sorriso surgiu do nada no rosto de Kenjiro.

— Ah, verdade! — falou, levantando-se. — Espere só um pouco. Deixei na cozinha.

Ren assentiu e assistiu ao outro sair porta afora do quarto. "Quem diria", pensou, encarando novamente a parede branca. "Eu nunca imaginaria que ele apareceria bem quando eu praticamente desmaiasse… Epa, ele não me falou tudo! Ele fugiu das minhas perguntas! Aquele…"

— Aqui, achei! — a voz do outro interrompeu seus pensamentos, entrando novamente no quarto. — Sorte que o embrulho não estragou.

— Ei — chamou Ren de forma desconfiada, fazendo Kenjiro parar de andar —, você ainda não me falou como entrou na minha casa.

— A porta estava aberta.

— Oh.

— É, tem que tomar mais cuidado. Ainda bem que eu não sou uma pessoa com más intenções e só queria te ajudar. Aliás, o que houve para você ter dormido no chão? Estava branco de tão pálido.

Ren não respondeu. Kenjiro ia ficar furioso se descobrisse…

— Tomei uma dose a mais de remédio — ele soltou, quase sem notar.

Assim que as palavras lhe saltaram da boca, ele começou a poderar seriamente o bom-senso do seu inconsciente, já que Kenjiro arregalou os olhos horrorizado com a confissão.

— Como assim tomou?! — ele exclamou meio esganiçado, chocado. — Não pode fazer isso! Remédio do quê?!

— Analgésico — respondeu Ren de imediato. Decidiu emendar uma mentira para parecer mais aceitável: — Eu estava sentindo muita dor.

Se possível, os olhos de Kenjiro se arregalaram mais ainda.

— Dor? — repetiu ele, dessa vez mais baixo. — Por quê? O que houve?

— Caí da escada — respondeu Ren com descaso. — Torci isso e quebrei aquilo, mas nada demais. Só fiquei quase uma semana sem ir para a escola, e vou ficar mais um pouco se depender de mim.

— E por que não me disse nada?

— Ah, claro, porque depois de um tempão sem conversar com você eu vou de repente até a sua casa para dizer: "Olá, velho amigo, sabia que eu caí da escada e não consigo andar direito? Isso mesmo, agora sinta pena de mim e agonize os dias que ficou sem conversar comigo."

E depois dessa fala, silêncio. Um silêncio mortal que poderia até matar os mais sensíveis.

— Por que entrou aqui do nada? — Ren ignorou a tensão em volta e tornou a falar. — Você podia ter escolhido qualquer momento do dia, mas por que justo naquela hora?

Kenjiro demorou um pouco para processar a pergunta e produzir uma resposta, mas por fim disse:

— Perguntei para uma vizinha sua se você saía alguma vez durante o dia. Ela respondeu que sim e por volta das 16h30. Fiquei esperando você para te entregar o presente, mas passou o tempo até as cinco e meia da tarde e nada de você sair, então fiquei preocupado. Bati na porta algumas vezes e tentei abrir. Quando vi que estava destrancada receei que algum ladrão tivesse te matado ou coisa do tipo.

— Mau agouro — murmurou Ren, o que Kenjiro ignorou.

— Entrei, procurei um pouco e te achei no quarto. De início fiquei quase em pânico porque você estava caído no chão, e depois quase tive um ataque quando vi que você parecia um cadáver, mas você respirava. Aí, sem saber o que fazer, te levei para a cama e esperei um pouco. No fim, depois de meia hora você acordou.

Ren não sabia o que dizer, então optou pelo mais prático: não responder. Com isso, o silêncio caiu novamente sobre o quarto. Eles olharam em volta, encararam qualquer coisa, olharam de novo, e não falaram nada. De repente uma musiquinha baixinha começou a tocar. Ela foi aumentando gradativamente de volume. Antes que ficasse muito alta, Kenjiro puxou o celular e atendeu-o, o que fez a música parar imediatamente.

— Oi? — ele disse para o celular.

Um momento de pausa.

— O quê? Agora? Tem certeza?

Mais um momento.

— Tá… — A fala dele virou um resmungo. — Tá, eu estou indo.

E desligou.

— Quem era? — perguntou Ren. — Aconteceu alguma coisa?

— Kin — respondeu Kenjiro. — Tinha conseguido me livrar dela por um tempinho para vir aqui, mas o feitiço expirou.

— Hã?

— Deixei ela assistindo uma maratona de um programa sobre ilusões, enquanto eu aparentemente ia ao mercado. Ela deve ter notado a minha demora de duas horas depois que acabou a maratona.

Ren revirou os olhos, como fazia normalmente, mas seu sorriso sombrio e o tom novamente morbidamente doce entregaram tudo:

— Então é melhor ir, não é? Não quer deixar a Kin-san esperando.

Kenjiro hesitou, mas sorriu fracamente e se levantou.

— Certo então — disse. — Estou indo.

— Ei — chamou Ren quase inconscientemente, dessa vez com uma voz normal, fazendo ele parar. Merda, por que eu fiz isso? — Está bem mesmo com esse namoro? Parece meio abatido…

O sorriso de Kenjiro se transformou num triste. Ele afagou a cabeça do menor, virou as costas e foi embora. Tudo que sobrou do melhor dia em anos de Ren foi o som meio distante da porta da frente abrindo e fechando. E o silêncio reinou novamente, dessa vez melancólico, quebrado uma única vez quando Ren murmurou para si mesmo:

— Eu não sou um cachorro — enquanto tocava o lugar que Kenjiro acabara de afagar.


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Notas finais do capítulo

Ok!
Reviews?
Achou alguma merda que passou batido pela minha revisão?
Quer ou não o último capítulo? (eu vou colocá-lo do mesmo jeito, queira você ou não XD)
Obrigada por ler!! *o*



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