“Sabe filha, quando você for mais velha, irá sentir uma coisa muito forte por uma pessoa especial. Pode ser um menino que vai conhecer ou já conheceu e saiba que, não importa suas dúvidas, se ele for uma pessoa que faz bem para você, sempre diga o quanto sente esse sentimento especial. É o mesmo que sinto por seu pai... isso se chama amor. Eu amo seu pai assim como um dia você irá amar alguém.”

Minha mãe não se referia ao meu padrasto como sempre fui fadada a acreditar, na verdade, ela sempre dizia sobre meu pai verdadeiro, o anjo caído. Desde que nasci, achei que o homem que a ajudava a me criar fosse meu pai, mesmo que depois de anos e cresci, ele me tratasse como se eu fosse um monstro. Sempre que algo estranho em casa acontecesse, ele dizia que eu era uma aberração e devia ser presa ou algo do tipo.

Agora, as palavras horríveis que aquele homem insistia em me dizer eram usadas como uma arma contra meus inimigos.

Enquanto estava sentada na escadaria da entrada da casa de madrugada, não pude deixar de me perguntar quem era meu pai de verdade. Talvez ele tenha sido morto ou coisa do tipo, mas um dia, nem que se fosse para visitar um cemitério, eu queria saber quem ele fora. Um anjo caído, como muitos, que se envolvera como uma humana e originara uma Nefilim. Se isso acontecia tanto como o próprio Tristan dissera uma vez, onde estavam os outros Nefilins e por que não eles fossem os que mudariam o mundo?

Por que eu?

Lembrar-me do nome de Tristan fora como uma facada no peito, principalmente quando repassei mentalmente a imagem dele partindo. A dor em seus olhos estava tão visível quanto um ferimento aberto ali exposto para qualquer um que quisesse ver. Era incrível o quanto eu queria ir até ele, reconforta-lo e principalmente trazê-lo de volta para a casa improvisada na China. Porém, eu sabia muito bem que isso não seria possível, já que Gabriel estava no comando e todos os anjos caídos ali faziam exatamente o que ele mandava.

Bom, se eu realmente me tornaria o que poderia mudar o mundo e meus poderes estavam crescendo, talvez estivesse na hora de colocar ordem em tudo isso.

Mas quando eu estava prestes a entrar na casa, dei de cara com minha irmã Carrie saindo.

– Schy, o que você está fazendo aqui há essa hora? – perguntou ela coçando os olhos como quem acabara de acordar.

– Não consigo dormir e acho que o mesmo aconteceu com você.

Ela sorriu.

– Pois é, tive outro pesadelo. Com certeza estou tendo isso por causa daquela maluca que me sequestrou, porque todas as vezes são imagens dela ou dos outros anjos.

Qualquer pessoa em sã consciência teria realmente pesadelos depois de ter visto o que Carrie vira, por isso eu não poderia culpa-la. Na verdade, meu maior desejo era tirá-la do meio daquela confusão toda, minha irmã não precisava enfrentar nenhum dos monstros que precisei enfrentar nos últimos meses.

– Sabe, Carrie... estive pensando numa coisa. – murmurei assim que nos sentamos novamente na escadaria. – Você precisa voltar para casa. Eu sei que quer nos ajudar na guerra, mas eu não quero que nada de ruim aconteça com você.

Carrie odiava quando eu me referia a ela voltar para casa, principalmente depois que soube sobre meu verdadeiro pai e que nós duas na verdade éramos meio irmãs. Por esse motivo, assim que me ouvira dizendo isso ela praticamente saltou da escadaria e me encarou de uma forma repreensiva que apenas ela consegue.

– Escute aqui você. – disse. – Eu não vou voltar para casa, pois não sou uma completa inútil que vai deixar minha irmã mais nova lutar numa guerra entre anjos e demônios, ok? Eu vou ajudar, porque sei que posso fazer isso e quero que toda essa droga que você me meteu acabe bem.

Eu bem que tentei interrompê-la, mas Carrie fez um sinal de silêncio com seu dedo indicador, fazendo com que eu preferisse apenas sorrir e ouvi-la.

– E tem outra coisa, mocinha. Meu pai foi um merda com você todos esses anos e eu tenho que pedir desculpas. – ela suspirou. – Não entende que eu sinto que preciso ajudar você e todos esses anjos caídos? Eu sinto que... não sei bem, mas preciso estar naquela guerra, como se eu fosse alguma coisa importante ou sei lá.

Não pude conter um sorriso.

– Você é sim uma coisa importante, pois é minha irmã e eu te amo muito. – murmurei. – Mas por favor, deixe que Gail treine você um pouco. Eu vou me sentir melhor se você fizer isso.

Carrie deu de ombros e voltou para a casa depois de alguns bocejos dizendo que estava morrendo de sono. Isso fora o bastante para eu também me lembrar que estava um pouco cansada e merecia algumas poucas horas de sono.

– Ah, Schy. – chamou-me ela quando parou bem em frente a porta entreaberta. – Você precisa arrumar um jeito de trazer Tristan de volta e perdoar Gabriel. Acho que aquele doido teve motivos para fazer o que fez...

É claro que eu perdoaria Gabriel, na verdade eu nunca fiquei irritada com ele, apenas revoltada pela parte em que mandara Tristan embora sem nenhum razão, mesmo que o demônio tenha o culpado por algo que ele nem ao menos seria capaz de fazer. Tristan possuía um coração bom, como todo anjo deveria ter e por essa razão eu sabia que ele não era um impostor.

De manhã eu teria uma conversa muito séria com Gabriel e tentaria arrancar dele qualquer coisa que pudesse mostrar a ele mesmo o quanto seu ato foi fora de controle. Provavelmente se isso desse certo, eu conseguiria que ele mudasse sua opinião e finalmente percebesse o que eu queria tanto que ele percebesse. Gabriel veria que agiu errado e traria Tristan de volta antes que algo ruim pudesse acontecer com ele.

E assim que amanheceu, o encontrei sentado em baixo de uma árvore com Belle deitada ao seu lado. Bom, pelo menos a parte de ela não gostar dele não era exatamente verdade, certo?

– Precisamos conversar. – eu disse assim que me aproximei recebendo um olhar furioso de Belle, pois a acordei de seu sono profundo.

– Eu sei muito bem o que você vai me dizer. – ele riu de forma sarcástica. – Quer que eu vá atrás de Tristan e o traga de volta.

– Não. – minha resposta fez com que ele finalmente olhasse em meus olhos. – Quero que acorde e que não é mais um arcanjo. E que traga ele de volta, porque todos aqui sabem muito bem que Tristan não é um mentiroso.

Gabriel me encarava de uma forma assustada, como se estivesse tentando absorver todas as informações que eu havia acabado de jogar na cara dele.

– Acordar? Schyler, eu não sei você, mas estou muito bem acordado. – agora, ele estava de pé. – Eu não posso arriscar de ter um espião ou coisa do tipo nessa casa, pode ser perigoso...

– Mas deixa que um maldito demônio entre e tente me matar?! – joguei as palavras sem nenhuma piedade sabendo que isso o deixaria irritado, mas era verdade. – Você preferiu expulsar seu melhor amigo que nos ajudou, mas aceita um demônio na casa apenas porque ele disse que estava do nosso lado?! Pelo amor de Deus, Gabriel, qual é o seu problema?

As palavras pareceram ter um forte efeito sobre ele, tanto que no exato momento em que as ouviu, Gabriel abaixou os olhos como uma criança ouvindo a bronca de uma mãe. Estava na hora de retomar o controle daquela situação e mostrar para ele de uma vez por todas que agora ele não era mais um arcanjo. Era apenas um anjo caído.

– Estou farta de você nesses últimos dias, ok? Chega de tentar mandar nesses anjos, Gabriel, eles foram expulsos do céu e a última coisa que esperam agora é receber ordens de alguém que já estivera num posto superior. Você precisa apenas guia-los, entende?

Seus olhos violeta estavam voltados em algum ponto cego do outro lado, ele estava tentando não me encarar e me fazer perceber o quanto minhas palavras estavam retomando o controle sobre ele, tudo o que eu precisava naquele momento. Assim que eu conseguisse o que queria, conseguiria trazer Tristan de volta.

– Quer saber de uma coisa, Schy? Você fala como uma verdadeira Nefilim. – ele sorriu, porém era um sorriso triste. – Mas sobre ele, eu só...

– Queria me proteger, sei disso. – murmurei aproximando-me lentamente dele. – Sei quais eram suas intenções, mas sabe que precisa ir até ele e pedir desculpas.

Nunca pensei que veria o que aconteceria a seguir – Gabriel fechou os olhos lentamente como alguém recebendo suas ordens e de uma forma rápida, aproximou-se de mim e passou os braços ao redor de meu corpo num abraço apertado. Poderia encarar aquele ato como um pedido de desculpas nada comum dele, como alguém apenas pedindo para que eu o perdoasse depois de tudo o que aconteceu.

Aquilo significava que eu estava no controle?

– Vamos trazê-lo de volta. – sussurrei com a voz abafada por sua blusa. – É só isso que eu te peço.

Senti que ele assentia lentamente, porém sem quebrar o abraço e a forma calorosa que ele havia se tornado. A minha vontade era permanecer para sempre naquele abraço e esquecer de todos os problemas do mundo. Ser apenas eu e ele para sempre.

Entretanto, uma imagem conseguiu fazer com que eu e ele nos separássemos assim que disse para que ele se virasse. A imagem era confusa, reconfortante e estranha tudo ao mesmo tempo.

De longe, víamos dois homens se aproximando da casa – um deles tinha suas asas extremamente brancas abertas como braços pedindo por um abraço e o outro, usava um capuz preto sobre seu rosto impedindo que eu o reconhecesse. Mas, o anjo ao seu lado conseguiu que um sorriso largo se estampasse em meus lábios, um sorriso que apenas ele conseguia.

Tristan vinha até nós com um sorriso nos lábios e ao seu lado, um homem caminhava lentamente ainda com o capuz negro sobre o rosto.

Pelo o que parecia, Tristan trazia uma surpresa.