– Miguel, por favor me diga que você enlouqueceu. – Gabriel estava parado ao meu lado encarando ao arcanjo como se o que ele dissera fosse completamente assustador. Bom, de um certo ponto era. – Isso é... muito estranho da sua parte.

Gabriel estava coberto de razão, Miguel havia nos proposto um trato completamente fora do comum para alguém como ele, algo que me fez suspeitar de que o arcanjo estava aprontando. Poderia muito bem ser um truque para nos levar a uma armadilha e Miguel conseguir o que Aliha e os demônios queriam: eu. Porém, havia algo no olhar dele, como se estivesse dizendo-me pelo olhar de que estava sendo verdadeiro e suas intenções eram puras.

– Eu sei que era bem improvável eu propor algo desse tipo, Gabriel, principalmente depois da nossa briguinha. Mas, eu estou aqui dizendo exatamente isso e preciso que acreditem que minhas intenções são as melhores.

– As piores coisas que aconteceram foram feitas com a melhor das intenções. – interrompi em um murmúrio. – Até porque algumas semanas atrás você se referiu a mim como a mestiça que causou toda essa “bagunça”. Então, como podemos acreditar que você está passando para o nosso lado?

Sim, por mais confuso que isso parecesse, Miguel nos ofereceu um trato de que ele ficaria do nosso lado e nos ajudaria durante a guerra que arrumamos com os demônios e anjos negros. De acordo com ele, Aliha estava muito encrencada por conta de sua aliança com os anjos negros, que eram a horda de Lúcifer e consequentemente inimigos do céu. Então, não estávamos realmente como os primeiros da “lista negra” do céu, então se Miguel fizesse uma aliança conosco, não seria percebido.

– Será uma aliança em segredo. – disse ele. – Eu recebi ordens de acontecer um julgamento contra Aliha, porém ela está fugindo e é difícil encontra-la. Ela sabe bem as tréguas em nossas leis e como desviar do julgamento. Por isso, deixarei a maior parte dos anjos designados para encontra-la e assim, poderei ajuda-los por um tempo. Talvez não durante a guerra, mas verei o que posso fazer.

Gabriel o encarava de forma pensativa como se estivesse avaliando as opções e principalmente as reais intenções de Miguel, pois ele mudara rápido demais de uma hora para a outra e isso significava para que nós ficássemos preocupados.

Ele deu alguns passos pelo Salão Negro de forma pensativa deixando-me por apenas alguns segundos de frente para o arcanjo, quem me encarava de uma forma sinistra. Por mais que meus poderes estivessem crescendo dentro de mim como eu conseguia sentir, estar perto de alguém como Miguel era aterrorizador. Ele era alto, suas asas brancas abertas faziam com que seu corpo parecesse ainda maior e ainda mais ameaçador. Tive que engolir um seco para conseguir sustentar o olhar dele sem parecer fraca e vulnerável.

– Por que mudou de opinião sobre essa história tão rápido, Miguel? – perguntou finalmente depois de algum tempo pensando. – Quero dizer, você disse que eu era inconsequente e que queria entregar Schyler aos demônios. Então por que mudou de opinião?

A pergunta pareceu pegar o arcanjo de surpresa, pois ele soltou um longo suspiro cansado e desviou os olhos. Estava óbvio que nem ao menos ele sabia ao certo do porquê ter mudado sua opinião e por esse motivo, teria que arrumar as palavras ali mesmo.

– Acho que... percebi que, mesmo nós sermos criaturas celestiais, não somos perfeitos. E como uma ironia, erramos como os humanos. Eu estou fazendo algo difícil, Gabriel, estou perdoando seu erro por se revoltar contra os humanos e causar tudo isso.

Ouvir aquilo do arcanjo foi como realmente receber um choque. Eu estava preparada para ouvir de tudo no Salão Negro, exceto de que Miguel estava perdoando Gabriel dos seus atos e ainda por cima, se juntando à nós.

Afinal, o que estava acontecendo?

O anjo que havia nos guiado até o Salão aparecera novamente no mesmo local em que entramos. Isso fez com que minha atenção se voltasse a ele por um minuto e eu me esquecesse da presença de Miguel.

– Adrian vai mostra-los a saída. – disse Miguel depois de algum tempo em silêncio. – Nos veremos em breve, Schyler e Gabriel.

E assim que me virei para dizer algo, Miguel havia desaparecido.

[...]

Desde a conversa com o arcanjo e seu estranho trato, senti como se estivesse perdida no tempo. Meus pensamentos estavam um pouco confusos tentando avaliar todas as opções e possibilidades que consequentemente nos metemos assim que o aceitamos. Agora, além da ajuda dos diversos anjos caídos que chegavam todos os dias em nossa casa improvisada, teríamos um arcanjo – o príncipe dos anjos – do nosso lado.

Isso não era algo pequeno, estava se tornando não apenas um pagamento de dívida ou vingança e sim, algo que poderia mudar a realidade de tudo. Afinal, agora o motivo pelo qual aconteceu a segunda guerra mundial não era mais o mesmo e eu descobrira que as histórias sobre anjos e demônios eram reais.

Tudo isso poderia ser demais para qualquer um aguentar e inclusive eu pensei que seria fraca demais, porém aqui estou eu enfrentando demônios, anjos negros e um romance que parece tão impossível quanto o fato de eu saber quem meu pai era.

– Acha que ele está mentindo? – perguntei de repente assim que me sentei ao lado de Gabriel na varanda da casa na China.

– Não tenho certeza. – murmurou. – Mas tenho a impressão de que não. Ele... ele conseguiu me chocar quando disse que me perdoava.

Peguei a mão livre de Gabriel, a qual ele deixara sobre seu joelho dobrado e a entrelacei com a minha.

– Minha irmã costuma dizer que se a pessoa é capaz de perdoar, provavelmente será verdadeira na maior parte do tempo. – disse. – Às vezes me sinto com medo de confiar nele, mas não sei... ele pareceu estar sendo sincero.

– Esse é o problema. Miguel sabe atuar muito bem.

Talvez ele estivesse certo. O arcanjo poderia muito bem ter feito toda uma encenação para nos enganar, o que significava que, mesmo tendo aceitado o trato, deveríamos continuar com os olhos muito bem abertos para qualquer coisa suspeita.

Antes mesmo que eu pudesse dizer qualquer outra coisa, ele se levantou e caminhou lentamente para dentro da casa. Desde nossa pequena discussão sobre o Salão Negro, Gabriel andara um pouco distante, como se estivesse se afastando de mim aos poucos. Bom, eu mesma havia o afastado naquela mesma manhã depois do beijo, pois senti como se estivesse dependente demais dele. Tinha algo errado. Eu não fazia a menor ideia do que, mas sabia que havia. Não era normal eu e Gabriel querermos nos afastar um do outro.

Deixei com que ele fosse e soltei um longo suspiro cansado assim que ouvi o som da porta sendo fechada lentamente.

Bem a minha frente estavam três dos anjos caídos recrutados a poucos dias atrás – o do meio era o mais alto, loiro de olhos violeta, musculoso e usava roupas pretas. O da esquerda possuía uma altura mediana e fios de cabelo longos até os ombros fazendo ondas sinuosas. Era moreno e suas asas cinzentas estavam completamente abertas. Já a da direita, era uma mulher de altura mediana assim como eu, cabelos tão negros quanto as asas de um anjo negro e seus olhos eram vermelhos, coisa que estranhei.

A maior parte dos anjos caídos possuíam olhos violeta, então não fazia o menor sentido aquela ter olhos daquela cor.

– Ela não é um anjo caído. – disse Gail de repente logo atrás de mim, fazendo-me dar um pulo com o susto.

– O que?

– Catrina, aquela ali. – Gail apontou na direção da mulher de olhos vermelhos, quem a fuzilou com seu olhar incomum. – Na verdade é um demônio, mas todos nós sabemos. Chegou essa manhã dizendo que precisava de ajuda, mas eu achei que era uma armadilha então a joguei de cima da muralha.

Gail riu.

– O que ela está fazendo aqui? – perguntei sem tirar meus olhos dela.

– Catrina é um dos poucos demônios que não são a favor da guerra por causa da dívida de Gabriel com eles. Eles realmente acham que matando você vão conseguir alguma coisa, mas essa ai não. – ela se sentou ao meu lado. – E então, como foi com Miguel?

Ao ouvir o nome do arcanjo não resisti em suspirar e deixar meu rosto entre as mãos como num sinal de exaustão.

– Ele nos ofereceu um trato em segredo em que ele nos ajudaria na guerra. – murmurei. – Disse que perdoou Gabriel pela revolta contra os humanos e que nos ajudaria caso ocorra um ataque.

Quando desviei meu olhar para Gail, ela me encarava de uma forma surpresa.

– Ok, estou realmente surpresa. – disse. – Nunca confiei em Miguel já que ele foi o responsável durante meu julgamento para ser expulsa do céu.

Desde que a conheci, eu nunca soube qual o motivo de ela ter sido expulsa do céu, pois Gail nunca me contara nada relacionado ao seu passado. Isso despertara meu interesse, então não consegui esconder a curiosidade e vontade de perguntar.

– O que você fez para ser expulsa do céu?

Ela nem ao menos conseguiu esconder o tanto que ficou preocupada ao ouvir a pergunta. Provavelmente, ela deveria ter feito algo muito grave para ter sido expulsa e estava óbvio em seu olhar que deveria ser algo grande.

– Eu matei um humano. – disse simplesmente. Agora, quem estava surpresa era eu. – Foi por vingança. Assim como Gabriel, eu também fui muito contra os diversos privilégios que os humanos possuíam e os anjos não. O homem quem matei era um mentiroso que costumava enganar pessoas todos os dias por dinheiro. Eu era o anjo da guarda dele e tentei ajuda-lo, mas ele me repelia. Então, depois de algumas desistências... eu me revoltei e o matei.

Eu a ouvia em silêncio tentando compreender cada palavra sobre sua história.

– Menos um idiota no mundo. – ela riu sem humor algum. – Eu achei que estava limpando o mundo, mas Miguel me deixou bem claro que o que fiz foi errado e... desumano.

– Então acha que ele está mentindo quando diz que irá nos ajudar?

– Não. – seus olhos violeta agora me encaravam. – Estou dizendo para tomar cuidado com ele, porque se Miguel tem planos contra vocês, ele os colocará em prática em breve.