Eu senti os olhos vermelhos do novo Jonny queimando minha pele como se eu tivesse sido jogada em brasa. Era completamente perturbador, confuso, como se um labirinto tivesse sido montado dentro de minha mente a cada segundo em que eu continuava o encarando. Não conseguia me mover, entretanto, ele sim, tanto que quando percebi já havia tirado Tristan de ação e o jogado contra a parede mais próxima. Com Gabriel, ele bem que tentou, mas o anjo caído fora mais rápido para pegá-lo pelo punho e o jogado contra a parede contrária a que Tristan estava.

Gabriel pegou meu pulso com força, fazendo com que eu me levantasse para sair dali. Porém, o novo Jonny se levantou muito rapidamente usando suas asas como apoio. Ele olhava em nossa direção como se estivesse em uma caçada prestes a conseguir sua presa. Droga, aquilo estava me deixando mais assustada do que nunca.

- O que acha disso, Gabriel? – disse o novo Jonny. Sua voz estava mudando ainda, passando da calma e leve voz de antes para uma ríspida e estranha. – Que tal um show público?

E com isso, o novo Jonny voou por cima da mesa indo em nossa direção no primeiro ataque, só não conseguindo porque eu abrira a porta para que eu e ele saíssemos.

Mas, Tristan estava lá dentro.

E eu não iria deixa-lo ali.

Num movimento rápido, soltei meu pulso das mãos de Gabriel e voltei para onde tínhamos saído. Consegui ouvir atrás de mim a voz alta de Gabriel me chamando, porém não dei ouvidos e continuei a voltar como se todo o mundo a minha volta estivesse em câmera lenta.

Tudo parecia ter parado, exceto por minhas pernas e braços, os quais se moviam rapidamente na direção da porta da sala passando pelo estreito corredor. Eu estava a dois passos da porta quando a criatura apareceu a minha frente, impedindo minha entrada.

Ele sorriu maliciosamente levantando o dedo indicador fazendo um gesto negativo em minha direção.

- Aqui não, mocinha. – disse abrindo mais o sorriso como se fosse atacar a qualquer momento.

Eu parei bruscamente no meio do caminho antes de trombar com ele. Ofegante, franzi o cenho tentando imaginar o que eu poderia fazer agora.

- Ah, que se dane! – berrei fazendo a primeira coisa irracional que me veio a mente.

Chutei-o com toda força na direção do estômago, fazendo com que a criatura pendesse para trás e caísse num baque estranho. Arqueei as sobrancelhas confusa de como havia conseguido fazer isso, mas depois eu resolveria, afinal, o problema ali agora era ajudar Tristan a sair.

Entrei na sala ouvindo o som da criatura tentando se levantar, com medo, fechei a porta logo atrás de mim. Tristan se levantava quando cheguei próxima a ele e passava a mão delicadamente sobre algum ponto da cabeça que deveria ter atingido a parede quando fora jogado.

- Tristan, vamos! – puxei o anjo pelos braços de uma forma que não machucasse sua pele roxa pelo tombo. Ele levantou ainda atordoado, mas ao voltar a entender o que estava acontecendo, se levantou rápido.

Juntos, saímos da sala passando pelo corpo do novo Jonny ainda levantando-se de onde ele caíra quando eu o acertei. Gabriel me fuzilava com os olhos repreendo-me com os olhos pelo meu ato de sair de perto dele para salvar Tristan. Ignorando-o, saímos dali antes que a criatura nos perseguisse.

- Ei!! – ouvimos o urro da criatura parando-nos no meio do caminho, fazendo que cada pessoa daquele andar parasse o que estava fazendo para tentar entender quem gritara. De repente, o corpo ferido da criatura apareceu dobrando o corredor com um sorriso malicioso estampado, causando gritos das pessoas. – Ainda não acabou, Gabriel!!

E com o aviso, a criatura ignorou todos os outros seres humanos no local indo em nossa direção, erguendo as asas negras no ar e voando perigosamente na nossa direção. Gabriel mandou um olhar para Tristan, quem automaticamente entendeu o recado e me puxou para longe.

- Você não pode me tirar daqui sendo que precisa de mim! – berrei enquanto era puxada para longe por Tristan.

- Eu tenho que fazer isso! – disse ele alternando o olhar entre mim e o anjo negro, até que finalmente seus olhos pairaram em mim. – Eu não posso perder você.

Fiquei sem reações ao ouvir essa afirmação. Tudo em volta mais uma vez passou a ficar em câmera lenta, o mundo tinha sido esquecido e apenas o que eu conseguia enxergar era nós dois. Foi como a gravidade segurando nossos olhares conectados e não pude mais me mover, apenas ser puxada para longe do anjo.

Até que Gabriel foi atacado.

Num baque sonoro, quando o anjo o atingiu, os dois voaram na direção das janelas de vidro do andar do prédio bancário. Entrei em desespero com a aproximação com as janelas temendo que ao atingi-las, os dois caíssem num abismo na direção do chão. Porém, Gabriel conseguiu segurar-se num pilar no meio do caminho, deixando que apenas a criatura voasse na direção das janelas.

- Gabriel!- berrei quando o vi voltando a ficar ereto no chão esperando mais algum ataque do anjo negro, quem havia quebrado uma dúzia de janelas pouco antes de quase cair no abismo acompanhando os pedaços de vidro.

Ele se virou rapidamente em minha direção, mas logo depois voltou a prestar atenção na luta, já que o anjo já ia em sua direção novamente.

- Por que não mostra suas asas cinzentas, Gabriel? Aquelas que um dia já foram tão brancas quanto as nuvens? – disse num tom ameaçador. – Estou louco para arrancá-las de seu corpo morto!!

Gabriel ignorou a ameaça do anjo negro e o segurou por suas asas tão escuras quanto a noite para tentar jogá-lo contra a pilastra que o salvara antes. Entretanto, o anjo conseguiu se soltar dos braços do ex-arcanjo, pegando Gabriel e jogando-o no chão. O que antes achei ser Jonny transferia socos repetidas vezes na direção do rosto de Gabriel, porém ele conseguia desviar, evitando os punhos do anjo e segurando-os para cima..

As pessoas que não conseguiram descer pelos elevadores continuavam ali gritando de desespero assistindo à guerra dos dois anjos esperando por ajuda. Eu tinha que fazer alguma coisa, não podia ficar ali esperando que um milagre acontecesse e alguém matasse o anjo negro.

Estava na hora de agir mais uma vez.

Soltei-me dos braços de Tristan e avancei a direção em que os dois lutavam impiedosamente. Nenhum deles reparou em minha aproximação, o que me deu tempo de pegar o pedaço de vidro que achei no meio do caminho e mirei na direção das costas do anjo negro. Com toda a força que pude, acertei-o na direção da costela. O anjo urrou de dor saindo de cima de Gabriel para tentar tirar o pedaço de vidro de suas costas.

Gabriel saiu do chão ofegante enquanto limpava um pequeno fio de sangue que lhe escorria dos lábios.

- Obrigado.  – sussurrou.

Assenti enquanto observava o anjo negro se contorcer tentando alcançar o pedaço de vidro fincado em suas costas. Ele se contorceu, virando os braços com força, até que pegou a ponta do vidro e o arrancou de uma vez de seu corpo. Agoniada com a cena, puxei Gabriel pelas mãos para tirá-lo dali, porém ele continuou parado no mesmo lugar sem se mover um centímetro.

- Não, eu tenho que acabar com ele primeiro. – disse. – Quero saber os planos de Aliha e porque está usando os anjos negros.

Sem nenhuma explicação a mais, Gabriel chamou Tristan para ajudar, quem brandiu sua espada do dia que me salvara no mercado e se colocou ao lado dele. Afastei-me dos dois para esperar o ataque.

A criatura voltou ainda furiosa antes de se lançar sobre os dois. Gabriel e Tristan cercaram a criatura, mas ele tentava atingi-los de uma forma sem que o outro conseguisse dominá-lo. Eu vi Tristan ser atingido nos braços, porém conseguiu se recuperar logo. A criatura pegou-o pelos braços ameaçando mata-lo se Gabriel desse mais um passo, entretanto o arcanjo fora mais esperto e pegou a espada de Tristan, atingindo o anjo negro rapidamente.

O anjo negro caiu sobre o piso do banco terminando a luta.

- Por que Aliha está usando vocês?! – ameaçou Gabriel atingi-lo, mas a criatura se negava a falar qualquer coisa. – Ande logo, sua criatura nojenta, o que ela quer?!

- A garota!! – esbravejou o anjo apontando os dedos trêmulos na minha direção. – Ela quer a garota!

[...]

Tristan fora embora dizendo sobre estar cansado demais e que precisava ir logo antes que soubessem sobre sua saída do céu para encontrar Gabriel. Ele foi pouco antes de eu entrar em meu apartamento, seguida de Gabriel quem dava passos tortos em direção a algum lugar para se sentar. Ele mancava da perna direita, provavelmente havia sido ferido, mas antes não queria demonstrar.

- Sente aqui, vou pegar um curativo. – eu disse apontando a ele o sofá.

Fui até o banheiro de meu apartamento e apanhei alguns curativos para caso o ferimento fosse grande e alguns panos úmidos para limpar a possibilidade de sangue. Voltei para a sala encontrando-o tentando erguer a barra de sua calça jeans bem lentamente. Quando conseguiu, engoli um seco ao ver que um corte fundo subia de sua canela até o meio da panturrilha.

Em seu rosto, havia algumas manchas de sangue, então teria que limpar ali também.

- Sabe o que reparei? – perguntou ele quando me abaixei para limpar o ferimento e colocar o curativo. – É a segunda vez que cuida de mim.

- Já está virando hábito, cuidado. – brinquei fazendo-o sorrir.

Voltei a atenção a colocar lentamente o curativo e seguir para as manchas de sangue em seu rosto.

Ele me olhava atentamente, até que um sorrisinho sugestivo apareceu em seu lábios. Tive que segurar meu momento de fúria. O por que? Bom, eu entendi o que aquele maldito sorriso queria dizer.

- Nem me venha com “eu te avisei”, Gabriel!! – eu disse o repreendendo. – Já entendi, Jonny nunca foi quem eu pensei que fosse, ok?! Agora não diga nada, se não, vou só piorar seu corte!

Ele riu achando graça da forma em que eu disse sobre piorar o corte da perna dele. Bom, não que eu realmente fosse fazer isso, mas estava pensando na possibilidade se ele dissesse qualquer coisa que se parecesse com um “eu te avisei”.

- Tudo bem, eu não digo nada! – exclamou ele ainda rindo.

Ficamos em silêncio por um tempo até que eu finalmente terminei de ajuda-lo. Guardei os panos em algum lugar na cozinha e voltei para a sala com uma coisa em mente. ele havia dito uma coisa antes de lutar contra o anjo negro... algo que me parou por um instante.

- Era sério o que disse lá? – perguntei quebrando o silêncio sentindo um bolo na garganta.

Ele não disse nada por algum tempo, parecia incomodado com o assunto.

- Depois falaremos sobre isso. – disse mudando de assunto. Suspirei assentindo. – Você precisa saber quem era aquele que nos atacou.